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Crise do formalismo no direito tributário brasileiro

Autor: Marco Aurélio Greco, Advogado – Doutor em Direito Professor da FGV-DireitoGV

Veículo: Revista da PGFN, ano 1 número 1, jan/jun. 2011

O leitor pode pensar que a frase acima foi retirada de um livro doutrinário sobre planejamento tributário ou, então, que se encontra em texto de Direito Constitucional, ou mesmo de Teoria Geral do Direito, onde se discute o tema da ponderação de valores consagrados na Constituição de 1988.

Ledo engano.

Trata-se de trecho de ementa de acórdão da 4ª Câmara do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda1 proferido à vista de Auto de Infração lavrado contra certo contribuinte em razão de determinada operação de reorganização societária que realizou.

Um Tribunal Administrativo formado por especialistas na matéria tributária, reconhecidamente preparados para examinar os mais intrincados temas ligados à aplicação das leis tributárias em si e em cotejo com aspectos de ordem contábil ou societária está a fazer uma ponderação de valores constitucionais para solucionar um caso concreto?

A perplexidade que a leitura da frase pode ensejar para quem teve uma formação formalista cresce quando o leitor se depara com o parágrafo imediatamente anterior da ementa, assim redigido:

O fato de cada uma das transações, isoladamente e do ponto de vista formal, ostentar legalidade, não garante a legitimidade do conjunto de operações, quando fica comprovado que os atos praticados tinham objetivo diverso daquele que lhes é próprio.

Novas perplexidades para o menos avisado: legalidade das transações isoladas não é suficiente? Que vem a ser esta “legitimidade” que o acórdão exige exista no conjunto de operações?2

Este é um bom exemplo para mostrar a mudança de eixo das discussões ocorrida nos últimos anos no âmbito do Direito Tributário brasileiro.

Recordo brevemente alguns pontos.

O Direito Tributário – como área de conhecimento sistematizado no campo jurídico – é recente. Embora o tributo em si exista há séculos, a reunião das normas e princípios que o regulam num conjunto circunscrito, objeto de exame específico não tem cem anos. O referencial histórico que pode ser mencionado a indicar o surgimento dessa preocupação encontrase na edição do Código Tributário Alemão de 1.919.3

No Brasil da primeira metade do Século XX, o estudo jurídico dos tributos aparecia no bojo da Ciência das Finanças e só a partir da obra e dos esforços de alguns estudiosos é que a partir da década de 40 passou a ganhar espaço o tratamento em separado dos tributos como objeto de preocupação científica.4

Nas décadas seguintes, os estudos receberam profundas influências oriundas de duas vertentes distintas: a vertente constitucional (com raízes explícitas na experiência norte-americana)5 e a vertente administrativa (com raízes da experiência continental européia) a ponto de a doutrina situar o Direito Tributário como capítulo do Direito Administrativo (ATALIBA, 1973, p. 33). Influências de caráter oposto, pois a constitucional prestigiava os direitos e garantias individuais enquanto a administrativa invocava como um de seus princípios fundamentais a supremacia do interesse público sobre o interesse particular.

O produto final deste conjunto foi o surgimento de uma concepção do Direito Tributário com inúmeros defensores e que pode ser resumida como o conjunto de normas protetivas do patrimônio individual e limitadoras das investidas do Fisco.6

Princípios constitucionais tributários – nesse contexto – eram as previsões que vedassem algo ao Fisco, seja em termos de instrumento (legalidade), do objeto alcançado (irretroatividade), em relação ao momento da cobrança (anterioridade) ou à dimensão da exigência (proibição do confisco).7 Princípios cuja formulação começava com um “não” (não pode cobrar sem lei; não pode cobrar em relação ao que já aconteceu; não pode cobrar antes de certa data; não pode confiscar etc.).

Uma relação historicamente conflituosa – como é a relação Fisco/ contribuinte – era vista da perspectiva da proteção ao cidadão viabilizada através de normas de bloqueio do exercício do poder. Neste contexto, a lei em sentido formal passou a ser o requisito indispensável para autorizar qualquer exigência pelo Fisco. Iniciou o que se pode designar por “idolatria da lei” vista, porém, como entidade virtual; ou seja, texto com vida própria que se destaca do contexto que levou à sua produção e daquele no qual será aplicada para assumir a condição de algo bastante em si. Uma forte influência platônica e idealista.

Acrescente-se que, a partir de 1964, o Brasil viveu o período da Revolução em que estavam em vigor os Atos Institucionais e as discussões de caráter substancial (isonomia, desigualdades sociais, distribuição de renda etc.) não encontravam espaço. Tanto é assim, que, ao ensejo da Emenda Constitucional n. 18, de 1965, que reformulou o sistema constitucional tributário – em grandes linhas até hoje vigente – encontra-se a revogação expressa do artigo 202 da Constituição Federal de 1946 que consagrava o princípio da capacidade contributiva. Suprimiu-se da Constituição o referencial substancial que servia de fundamento à tributação, para torná-la algo autodenominado de racional, mas que, na prática, mostrou-se mera expressão do exercício de poder.8

O modelo teórico de tratamento dos temas tributários ganhou importante avanço no início da década de 70 – por obra de Geraldo Ataliba no seu “Hipótese de incidência” (1973). Este Autor manifestava intensa preocupação com os fundamentos filosóficos de sua abordagem, basta ver que logo na terceira página do texto já invoca Juan Manuel Teran (jusfilósofo mexicano) e Lourival Vilanova.9 Este livro desenvolve um novo (à época) instrumental para análise da lei tributária, a partir da visão kelseniana dos âmbitos de validade da norma jurídica, que foram trazidos para o debate tributário como os “aspectos” (material, pessoal, espacial e temporal) da “hipótese de incidência” da lei tributária.

A partir deste estímulo, os estudos de Teoria Geral do Direito, aplicados ao campo do Direito Tributário, se desdobraram naquilo que era possível fazer dentro do contexto histórico então vivido que se mostrava reativo a discussões de caráter substancial. A discussão tributária a partir de então centrou-se na hipótese de incidência (=previsão abstrata) e, num segundo momento, na sua formulação legal.

A utilidade deste modelo é inegável, pois permite sistematizar o debate, da perspectiva formal e da hierarquia das normas; a meu ver, o modelo mais viável no contexto político então vigente. Mas trata-se de modelo insuficiente, pois a realidade jurídica e o fenômeno tributário não se esgotam nestes aspectos. Fato e valor também compõem a experiência jurídica.

Paralelamente (estou falando do início da década de 70), foram criados os Cursos de Pós-Graduação em Direito na PUC de São Paulo em cuja formulação Geraldo Ataliba e Celso Antonio Bandeira de Mello fizeram questão que as disciplinas Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito fossem obrigatórias para todos os alunos, quaisquer que fossem suas respectivas áreas de concentração.

Com isto, abriu-se espaço para as lições de Tércio Sampaio Ferraz Júnior no âmbito da disciplina de Filosofia do Direito para a qual foi convidado e passou a lecionar em 1973. Naquela oportunidade, o Professor Tércio trouxe para o debate uma visão pragmática do Direito (que supõe o exame da temática da função e, por conseqüência, dos fins para cujo atingimento contribui a própria dogmática) e introduziu nas discussões que a partir de então se travaram elementos oriundos da semiótica, em particular os três planos da linguagem (sintático, semântico e pragmático).

A preocupação com a linguagem começava a ganhar espaço; no início se apresentava quase como um desafio para descobrir termos mais elaborados a serem utilizados;10 disto caminhou-se para um aprofundamento do estudo da linguagem em si como objeto científico.

Neste momento, deu-se uma fusão que é importante referir para bem entender a evolução do debate no âmbito tributário: a variável política – que não permitia o debate de questões substanciais – levou a privilegiar as análises e discussões jurídicas que se concentrassem nos aspectos formais e lingüísticos do texto legal (aspectos da hipótese de incidência) o que tornava a utilização do instrumental vindo da semiótica (na sintática e na semântica), politicamente “aceitável”. Debater com a Autoridade no plano sintático e semântico e suscitar questões ligadas à hierarquia (das normas) era um porto seguro onde o questionamento do exercício da autoridade estatal (via tributação) podia se dar sem maiores riscos.

Discussões nestes dois planos (sintático e semântico) foram a tônica dos debates por mais de vinte anos, enquanto a pragmática e a análise da função ficaram na penumbra. A lição de BOBBIO (1977) que expunha a passagem da visão estrutural para a funcional e o novo papel do direito nas sociedades industriais modernas, assumiam, nesse contexto, um caráter quase que etéreo.


Isto é compreensível, pois o formalismo e o estruturalismo encontram espaço propício em contextos autoritários como instrumento de proteção de valores democráticos (CALABRESI, 2000, p. 482) ou conservadores em que não se pretenda dar espaço para discussões de caráter substancial quanto aos fatos sociais (LE ROY, 1999, p. 24).

No plano doutrinário, a “hipótese de incidência” desdobrou-se na “regra matriz de incidência” (na visão de Paulo de Barros Carvalho11); a “hipótese de incidência” foi o modelo teórico amplamente adotado para exame da constitucionalidade de um sem-número de exigências tributárias.

O debate no plano semântico repercutiu inclusive no Supremo Tribunal Federal, basta lembrar a questão da incidência ou não da contribuição previdenciária sobre pagamentos a trabalhadores autônomos e o debate sobre o sentido do termo “folha de salários” na redação original do artigo 195 da CF/88.12

Por outro lado, os debates sobre isonomia, capacidade contributiva, distorções de fato no plano da concorrência pela diversidade de entendimentos tributários, financiamento do Estado, funções do Estado e políticas públicas eram temas pouco ou nada examinados.

Infelizmente, o debate a nível pragmático ficou em segundo plano. Discussões mais abrangentes sobre a função social dos institutos, da propriedade, do tributo e mesmo da dogmática jurídica (como aponta o título da obra do Professor Tércio) não encontraram o mesmo desdobramento teórico e prático. Nem mesmo o debate sobre o procedimento como modo de agir do Poder Público encontrou tão ampla produção teórica como a relativa à hipótese de incidência.

Neste contexto, se por um lado a ação do Fisco era controlada por instrumentos formais, a ação do contribuinte também só encontrava limites formais. Vigorava a visão que prestigia uma liberdade absoluta do contribuinte para organizar sua vida, como bem lhe aprouvesse desde que o fizesse por atos lícitos, praticados antes da ocorrência do fato gerador e sem simulação. Restrições a essa liberdade só poderiam advir de lei expressa que vedasse certo comportamento (XAVIER, 2001). Não havia um controle material ou funcional do sentido e alcance do exercício da liberdade individual.

Diversas foram as conseqüências que resultaram deste contexto político, teórico e jurídico. Uma delas foi a idolatria da lei em si, que transformou a legalidade tributária que tinha a feição de uma “legalidade libertação” – por ser instrumento de bloqueio da ação do poder estatal – numa “legalidade dominação” com sucessivas restrições à liberdade do contribuinte (GRECO, 2008b).

Por outro lado, a liberdade absoluta do contribuinte levou a uma infinidade de estruturas negociais e reestruturações societárias que, com propriedade, foram consideradas meramente “de papel”. A prevalência da forma levou, da perspectiva da legalidade, à veiculação de praticamente quaisquer conteúdos desde que através de lei em sentido formal; e da perspectiva da liberdade de auto-organização ao surgimento de “montagens jurídicas” sem qualquer substância econômica, empresarial ou extra-tributária. Enquanto o modelo formal de abordagem do fenômeno tributário era levado à sua quintessência e privilegiava a forma – e não apenas esta, pois chegava até mesmo à idolatria da linguagem em que esta se apresentava – a realidade política, social e fática mudava profundamente.

A Constituição de 1988 assumiu o perfil de uma Constituição da Sociedade Civil, diversamente da Carta de 1967 que possuía o feitio de uma Constituição do Estado-aparato (GRECO, 2005). Esta mudança se espraia por todo seu texto a começar pelo artigo 1º que afirma categoricamente ser o Brasil um Estado Democrático de Direito e não apenas um Estado de Direito e seu art. 3º, I coloca a construção de uma sociedade livre, justa e solidária como objetivo fundamental da República. Isto implica colocar a variável social ao lado e no mesmo plano da individual e abre espaço para se reconhecer a solidariedade social como fundamento último da tributação (GRECO, 2005).

Note-se, também, que seu artigo 5º não assume o papel de um elenco de “direitos e garantias individuais” (como o art. 150 da CF/67 e o art. 153 na redação da EC-1/69) para contemplar os “Direitos e deveres individuais e coletivos”. Mudança relevante, pois seu inciso XXIII aponta na direção de a liberdade individual passar a ser condicionada a uma razão não meramente individual. Isto foi explicitado pelo artigo 421 do Código Civil de 2002 ao prever que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Vale dizer, a função social não é mero limite, mas também razão do exercício dessa liberdade, o que põe às claras a importância dos motivos que levam à celebração de determinado ato ou negócio jurídico (GRECO, 2008a, p. 505-514).

Especificamente em matéria tributária, a CF/88 colocou os antigos princípios constitucionais tributários (legalidade, anterioridade e irretroatividade) como “limitações constitucionais”, vale dizer, como regras de bloqueio ao exercício do poder, mas não como preceitos que consagrem um valor positivo prestigiado pelo ordenamento. Valor positivo é, por exemplo, a capacidade contributiva (art. 145, § 1º, 1ª parte).

Em suma, a variável política e filosófica encampada na Constituição mudou.

Por outro lado, a sociedade passou a ver nos direitos fundamentais e na eficácia jurídica das normas que os prevêem um canal relevante de reconhecimento e atendimento das demandas sociais.

Por fim, criou-se a consciência de que a criatividade deve ser prestigiada, mas é importante reagir contra a mera esperteza de quem quer levar vantagem como se o indivíduo vivesse isolado, tendo o mundo submetido à sua disposição ou predação.

A isto se acrescentem as lições de Ricardo Lobo Torres (2003) quando acentua a evolução ocorrida no plano teórico, pois passamos da jurisprudência dos conceitos, para a jurisprudência dos valores, inclusive no âmbito tributário.

A mudança política, social e fática levou a uma mudança de mentalidade que repercutiu no modo pelo qual devem ser compreendidas as condutas do Fisco e do contribuinte. Em relação à conduta do Fisco questionam-se as finalidades de sua ação, bem como a destinação e a aplicação dos recursos arrecadados e sua compatibilidade efetiva com as políticas públicas que devem subsidiar; em relação à conduta do contribuinte questiona-se a existência de um fundamento substancial que a justifique (razão ou motivo para o exercício da liberdade de contratar).

A própria idéia de quebra de igualdade tributária foi revista; se, no regime da CF/67, havia quebra de isonomia quando o tributo era exigido discriminatoriamente de alguém, no modelo da CF/88 o prestígio da capacidade contributiva como princípio tributário explícito aponta haver quebra de isonomia também quando o tributo não é exigido de alguém que manifestou a capacidade contributiva contemplada na lei. Daí os dois sentidos que podem ser extraídos do artigo 150, II da CF/88: (i) como proibição de exigências discriminatórias e (ii) como proibição de não exigir o tributo de todos que se encontrem em situação equivalente.13

Paralelamente, evoluiu o debate sobre as normas programáticas que – de uma simples recomendação (como eram vistas na década de 60), passaram a ver-lhes reconhecida a eficácia negativa de bloqueio de preceitos legais que as contrariassem (SILVA, 1968, p. 161), para alcançarem na CF/88 o reconhecimento de sua eficácia positiva de direcionamento da produção legislativa e jurisprudencial. Esta eficácia positiva das normas programáticas gerou reflexos não apenas no plano das prestações positivas pelo Estado, mas também, no plano da interpretação e aplicação das normas jurídicas em geral e tributárias em particular (PIMENTA, 1999, p. 237; GRECO, 2008a, p. 329).

É de se compreender porque textos como aquele em que defendi a possibilidade de existir abuso de direito por parte do contribuinte ao reorganizar sua vida para obter menor carga tributária (1996) foi execrado, e o que afirmava a eficácia positiva da norma de prevê a capacidade contributiva (1998) ser considerado “audaciosamente original” (XAVIER, 2001, p. 104). Alguns chegaram a dizer que instaurar um debate teórico sobre a justificação substancial da ação do contribuinte que vise pagar o menor tributo legalmente possível seria “abrir a caixa de Pandora”. Os fatos se mostraram mais fortes do que os modelos formais. O debate substancial está instaurado e, talvez para surpresa de alguns, isto não se deu predominantemente no âmbito do Poder Judiciário (onde o tema da ponderação de valores constitucionais encontra espaço propício), mas no âmbito da jurisprudência administrativa, como é exemplo o acórdão referido no início do presente estudo. Note-se como esse acórdão lida com os conceitos de legalidade e de legitimidade. Aquela ligada ao critério eminentemente formal, enquanto esta é atrelada a um valor prestigiado pelo ordenamento.

Pondera-se (mitiga-se) a liberdade com a isonomia e a capacidade contributiva. Exige-se um motivo para que a conduta do contribuinte seja fiscalmente aceitável. Passa a assumir relevância o conjunto de atos praticados e não cada um isoladamente; o filme e não apenas a foto; o fazer efetivo e não apenas o querer abstrato.

O debate tributário – com todas as letras – deixou de ser um debate formal. Não se trata de prevalência da substância sobre a forma, mas de coexistência; não se trata de sobre+por, mas de com+por valores.

A grande questão que agora se põe é de saber quais os parâmetros e critérios a serem adotados nesse novo contexto em que a substância é tão importante quanto a forma.

Neste momento, resgatar o debate sobre a perspectiva funcional e reavivar lições como as que permanecem latentes na obra de Tércio Sampaio Ferraz Júnior é tarefa que certamente contribuirá positivamente para a construção da sociedade livre, justa e solidária que o artigo 3º, I da CF/88 alça a primeiro objetivo fundamental da República.


 

Notas

1 BRASIL. Ministério da Fazenda, Acórdão n. 104-21.675 da 4ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, proferido na Sessão de 22.06.2006, Relator Nelson Mallmann, ementa disponível em: http://www.conselhos.fazenda.gov.br. Acesso em: 25.jun. 2008..
2 Embora sobre tema não tributário, a referência à “legitimidade” como parâmetro a ser considerado na análise de contratos, convênios etc., é também invocada no voto do Min. Cezar Peluso no MS-24.584 (STF, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ-20.06.2008). A interpretação que me parece mais adequada é de entender que a legitimidade se encontra na sintonia com os valores consagrados no ordenamento, o que abre espaço para uma análise tridimensional do fenômeno tributário.
3 RUY BARBOSA NOGUEIRA expõe que o Código Tributário Alemão “… a partir de sua elaboração em 1919, foi o verdadeiro marco da sistematização científico-legislativa do Direito Tributário e provocou não só na doutrina, como na jurisprudência, avanço na forma e no conteúdo deste ramo do Direito, mas também irradiou conceitos e institutos a outros ramos jurídicos, ultrapassando fronteiras e repercutindo nas legislações e elaborações doutrinárias e jurisprudenciais tributárias de outros países.” (NOGUEIRA, 1978, p. XI).
4 Um dos primeiros autores de Direito Tributário no Brasil foi ALIOMAR BALEEIRO que, em 1951, publicou seu clássico Limitações constitucionais ao poder de tributar.
5 A ponto de o Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, ao criar o Supremo Tribunal Federal e disciplinar o processo no âmbito federal, estabelecer categoricamente que: “Art. 386. Constituirão legislação subsidiaria em casos omissos as antigas leis do processo criminal, civil e commercial, não sendo contrarias ás disposições e espirito do presente decreto. Os estatutos dos povos cultos e especialmente os que regem as relações juridicas na Republica dos Estados Unidos da America do Norte, os casos de common law e equity, serão tambem subsidiarios da jurisprudencia e processo federal.” (grifei e realcei) Ou seja, na lacuna da legislação brasileira deveria ser aplicada a experiência norte-americana! . Disponível em: http:// www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66054. Acesso em: 19.11.2008).
6 MACHADO, 2004, p. 60.
7 Note-se que BALEEIRO (1951), sob a denominação de “limitações” examina os denominados “princípios” constitucionais tributários.
8 Para um exame da passagem do poder para a função no campo tributário, veja-se o meu “Do poder à função tributária”, no volume Princípios e limites da tributação 2, coord. Roberto Ferraz, São Paulo: Quartier Latin, 2009.
9 ATALIBA, 1973, p. 11.
10 “Calha à fiveleta” é um exemplo de expressão clássica que à época passou a ser freqüentemente utilizada.
11 Para um exemplo atual da aplicação deste modelo, veja-se CARVALHO, 2008.
12 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE-166.772, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ-16.12.1994.
13 Aqui talvez esteja a raiz da “ideologia da incidência” a que se refere o Min. Luiz Fux no seu voto proferido no REsp. 1.027.799, 1ª T. Rel. Min. José Delgado, DJ-20.08.2008.

Referências Bibliográficas

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973.
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Rio de Janeiro: Edição da Revista Forense, 1951.
BOBBIO, Norberto. Diritto e scienze sociali e Verso una teoria funzionalistica del diritto, in: Dalla struttura alla funzione, Milão: Edizioni di Comunità, coleção “Diritto e cultura moderna” n. 18, 1977, p. 43-62 e 63-88 respectivamente.
BRASIL. Ministério da Fazenda, Acórdão n. 104-21.675 da 4ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, Sessão de 22.06.2006, Relator Nelson Mallmann. Disponível em: http://www.conselhos.fazenda.gov.br. Acesso em: 25.06.2008.
Supremo Tribunal Federal, MS-24.584, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ- 20.06.2008. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 20 jan. 2008.
Supremo Tribunal Federal, RE-166.772, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ- 16.12.1994. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 20 jan. 2008.
Superior Tribunal de Justiça, REsp. 1.027.799, 1ª T. Rel. Min. José Delgado, DJ- 20.08.2008. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em 20 jan. 2008.
Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, texto. Disponível em: http://www6. senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66054. Acesso em: 19 nov. 2008.
CALABRESI, Guido. Two functions of formalism, in The University of Chicago Law Review, vol. 67, n. 2. (Spring. 2000), p. 479-488.
CARVALHO, Paulo de Barros . A regra-matriz de incidência do Imposto sobre Importação de Produtos Estrangeiros. In Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas, coord. Eurico Marcos Diniz de Santi, São Paulo: Direito GV, Saraiva, 2008, p. 523-539.
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LE ROY, Étienne. Le jeu des lois. Une anthropologie ‘dinamique’ du Droit, Paris: LGDJ, 1999.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Apresentação, in Novo Código Tributário Alemão, São Paulo: Companhia Editora Forense e Instituto Brasileiro de Direito Tributário, 1978. p. XI.
PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais programáticas, São Paulo: Max Limonad, 1999.
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XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001.


A questão salarial dos Advogados Públicos é tema de artigo

O assessor parlamentar do SINPROFAZ e do Forum Nacional, Antônio Augusto de Queiroz, comenta que o governo erra ao não valorizar as carreiras da Advocacia Pública.


Atuação na Câmara e no Senado em prol da carreira de PFN

Presidente do SINPROFAZ debateu temas de interesse da PGFN e da Advocacia Pública Federal com deputado e senador do estado de Goiás.


Em artigo, presidente do SINPROFAZ defende Exame da Ordem

No texto assinado por Allan Titonelli e pelo advogado do SINPROFAZ Hugo Plutarco, os argumentos convergem para a tese de que acabar com o Exame da Ordem em nada interessa à sociedade ou à administração da Justiça.


Ampliação da AGU poderá ajudar o crescimento do país

Em artigo publicado na revista Consultor Jurídico, presidente do SINPROFAZ defende a tese de que a salvaguarda da crise é o fortalecimento da AGU.


O papel do advogado público nas políticas do Estado Brasileiro

O Estado Brasileiro, constituído pela República Federativa do Brasil, é organizado político-administrativamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, conforme preconiza o art. 1º c/c art. 18, da CRFB.

As políticas planejadas, desenvolvidas e executadas pelos Entes Federados, comumente referidas como políticas públicas, decorrem da repartição de competência administrativa da Federação Brasileira.

José dos Santos Carvalho Filho discorre a respeito da repartição de competência dizendo que “em nosso regime federativo, por conseqüência, todos os componentes da federação materializam o Estado, cada um deles atuando dentro dos limites de competência traçados pela Constituição”. [01]

Para a concretização dessa competência administrativa é necessário movimentar a máquina burocrática do Estado e obedecer a determinadas etapas.

Podem-se dividir as etapas de execução, em sentido lato, das políticas públicas da seguinte forma:

  1. Planejamento/formação/elaboração
  2. Implementação/execução
  3. Acompanhamento/avaliação

Na consecução dessas políticas haverá a participação do Advogado Público. A expressão Advogado Público é gênero, do qual são espécies os membros da Advocacia-Geral da União (composta pelos Advogados da União, Procuradores da Fazenda Nacional e Procuradores Federais), os Procuradores dos Estados, os Procuradores do Distrito Federal e os Procuradores dos Municípios.

Considerando essas premissas, pode-se dizer nas palavras de Cláudio Grande Júnior, que [02]:

…a advocacia pública é o conjunto de funções permanentes, constitucionalmente essenciais à Justiça e ao Estado Democrático de Direito, atinentes à representação judicial e extrajudicial das pessoas jurídicas de direito público e judicial dos órgãos, conselhos e fundos administrativos excepcionalmente dotados de personalidade judiciária, bem como à prestação de consultoria, assessoramento e controle jurídico interno a todos as desconcentrações e descentralizações, verificáveis nos diferentes Poderes que juntos constituem a entidade federada.

No âmbito federal, cabe à Advocacia-Geral da União a representação judicial e extrajudicial da União, lato senso, motivo pelo qual todos os Advogados Públicos Federais exercerão um papel, diretamente ou indiretamente, relacionado à concretização das políticas públicas do Estado Brasileiro, aqui tomado como sinônimo de União. Esse papel também será exercido, guardada as suas similitudes, pelos Procuradores dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Essas políticas têm como objetivo a efetivação do bem comum, que está consagrado na implementação do interesse público primário.

Outrossim, para consolidação desses anseios, deve-se respeito à Constituição e por assim ser, aos princípios e garantias nela consagrados.

Diante dessa perspectiva é dever do Advogado Público dar suporte à realização dessas políticas, desde que sejam constitucionais e legais. Essa aferição será realizada no caso concreto, ou por meio das normas regulamentares expedidas pela Advocacia-Geral da União, pelas Procuradorias Gerais dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Discorrendo a respeito do papel institucional da Advocacia-Geral da União, o que pode ser substituído pelas Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, José Antônio Dias Tóffoli ressalta o papel desempenhado por uma Advocacia de Estado da seguinte forma [03]:

…a Advocacia-Geral da União (AGU) incrementa sua atuação para atender, de forma dinâmica e transparente, as demandas da sociedade brasileira. Seja na atuação consultiva, ao garantir a legalidade e a constitucionalidade dos atos de governo, ou na contenciosa, ao defender na Justiça os interesses do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.

Ao cumprir à risca os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência que norteiam a administração pública, a AGU reafirma seu papel de instituição fundamental à Justiça e essencial ao cidadão. É ele a razão de ser desta advocacia pública que se revela madura, moderna e estratégica.

Talvez por causa da prestação exclusiva de consultoria ao Executivo, determinada pela Constituição para assegurar a legalidade dos atos da administração, criou-se a equivocada imagem de que a AGU é órgão de governo. O compromisso da instituição com o gestor existe na medida em que as políticas públicas propostas tem o respaldo democrático da população, mas também porque as ações devem ser legais e constitucionais.

Para a concretização dessas atribuições é necessária a garantia de uma Advocacia Pública independente. Isso não quer dizer que a escolha da política a ser executada deixará de ser feita pelo representante do povo, legitimamente eleito, o qual tem o direito de indicar sua equipe de governo.

Entretanto, a opinião de um profissional técnico, imparcial e altamente qualificado, não sujeito às pressões políticas, trará um ganho de qualidade para a política pública escolhida.

Com isso, deve-se suplantar a visão de que Advogado Público somente atuará quando houver uma demanda judicial. Muito pelo contrário, a atuação do Advogado Público na fase de planejamento/formação/elaboração e implementação/execução da política pública propiciará um planejamento estratégico do Estado, bem como a redução de demandas.

A participação do Advogado Público na concepção da política é primordial para se evitar as inexatidões, ilegalidades e inconstitucionalidades das propostas. A valorização da atuação consultiva é desejável e necessária para a construção de um projeto político que atenda aos anseios sociais.

O desempenho das funções do Advogado Público, da forma como proposta no presente artigo, contribuirá para o fortalecimento de uma Advocacia de Estado, à qual possui atribuição de auxiliar o Governante a implementar as políticas constitucionais e legais.

A intenção do Legislador Constituinte ao incluir a Advocacia Pública entre as funções essenciais à Justiça, inserida expressamente no capítulo, IV, seção II, da Carta Magma, foi criar um órgão técnico capaz de prestar auxílio ao Governante e, ao mesmo tempo, resguardar os interesses sociais.

A construção de uma Advocacia Pública conforme os anseios Constitucionais têm sido feita gradativamente. Para o bem do nosso Estado Democrático de Direito é necessário que essa mudança ocorra o mais rápido possível e em todos os níveis de Governo.


Bibliografia:

BRASIL. Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 09.01.2011.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2006.

GRANDE JÚNIOR. Cláudio. A Advocacia Pública no Estado Democrático de Direito. Direito e Justiça. ParanáOnline. Disponível em: <http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/news/85844/?noticia =A+ADVOCACIA+PUBLICA+NO+ESTADO+DEMOCRATICO+DE+DIREITO> Acesso em 10.01.11.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

TÓFFOLI. José Antônio Dias. A AGU na defesa do Estado e do cidadão. Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-fev-04/excelencia-advocacia-publica-defesa-estado-cidadao> Acesso em: 09.01.11.


Notas

  1. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 2.
  2. GRANDE JÚNIOR. Cláudio. A Advocacia Pública no Estado Democrático de Direito. Direito e Justiça. ParanáOnline. Disponível em: <http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/news/85844/?noticia=A+ADVOCACIA+PUBLICA+NO+ESTADO+DEMOCRATICO+DE+DIREITO> Acesso em 10.01.11.
  3. TÓFFOLI. José Antônio Dias. A AGU na defesa do Estado e do cidadão. Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-fev-04/excelencia-advocacia-publica-defesa-estado-cidadao> Acesso em: 09.01.11.

Autor

Allan Titonelli Nunes

Procurador da Fazenda Nacional. Ex-Procurador Federal. Especialista em Direito Tributário pela Unisul

NBR 6023:2002 ABNT: NUNES, Allan Titonelli. O papel do advogado público nas políticas do Estado Brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2962, 11 ago. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19760>. Acesso em: 16 jan. 2012.


Impressões do “Seminário Internacional sobre Justiça Fiscal”

A Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE) e o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) realizaram o “Seminário Internacional sobre Justiça Fiscal”.


SINPROFAZ relata sobrecarga de PFNs a RH do Ministério da Fazenda

Na reunião com assessor Paulo Godoy, diretores do Sindicato comentaram sobre a estrutura deficitária da PGFN, o contingenciamento do FUNDAF e o pleito remuneratório.


Presidente do SINPROFAZ esclarece atuação da AGU

Em artigo publicado ontem, 26/07, no portal Consultor Jurídico, o presidente do SINPROFAZ rebate argumentos que responsabilizam a União pela morosidade da Justiça brasileira.


Vitórias do fisco geram R$ 567 bilhões ao erário

O estoque total da dívida ativa é de R$ 881 bilhões. Segundo o fisco, para cada R$ 1 gasto na PGFN, o governo recebeu em troca R$ 34,47.
Por Alessandro Cristo
No Conjur


Formiguinhas se despedem do Rio; São Paulo é o próximo destino

A exemplo da ótima repercussão e resultados no lançamento da ação em Brasília, as formiguinhas carregando o sobrepeso da carga tributária brasileira chamaram atenção e esclareceram à população da capital fluminense a necessidade de reforma tributária.


Quanto Custa o Brasil pra Você? Veja a segunda parte do artigo

São dois os principais defeitos da tributação no Brasil na atual quadra histórica: a) complexidade excessiva do Sistema Tributário e b) injustiça da estrutura tributária existente, notadamente em função de definições presentes na legislação infraconstitucional.


O Advogado Público Federal e a Construção de um Sistema Tributário mais Justo

 

A atividade financeira do Estado moderno está ligada à necessidade de se captar recursos públicos para a execução dos interesses da sociedade. Daí a razão de existir um sistema abrangendo…


PFN vai comandar órgão máximo consultivo da União

O Procurador da Fazenda Nacional Arnaldo Godoy é o novo Consultor-Geral da União. Ele irá comandar o órgão máximo da atividade consultiva da Advocacia Pública no âmbito da União.


Recuperação de Créditos e Penhora de Dividendos

Eduardo Ribeiro Gomes El Hage

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por meio da divisão de grandes devedores, tem se utilizado, cada vez mais, da penhora de dividendos e juros sobre o capital próprio, que as empresas distribuem aos seus acionistas, para satisfação dos créditos fiscais. A prática tem trazido excelentes resultados e é uma das formas mais efetivas de recuperação do crédito público. De maio a agosto deste ano, foram penhorados mais de R$ 100 milhões em dividendos.


A duvidosa eficiência do parcelamento de impostos

Silvia Pimentel

Newton Santos/Hype  Panzarini: “Eles induzem o mau contribuinte a não pagar o tributo”.


SINPROFAZ CELEBRA CONVÊNIO COM CULTURA INGLESA. CONHEÇA OS BENEFÍCIOS

O SINPROFAZ celebrou convênio com a Cultura Inglesa. A partir de agora, filiados no Rio de Janeiro, Espírito Santo, Goiás, Rio Grande do Sul e Distrito Federal podem usufruir de descontos sobre a mensalidade de diversos cursos oferecidos pela instituição.


SINPROFAZ PARTICIPA DE DEBATE SOBRE SONEGAÇÃO FISCAL EM PORTO ALEGRE

O SINPROFAZ, representado pelo presidente Achilles Frias, compôs na terça-feira (7) a mesa de painelistas do 17º SEFAZ Debate, realizado na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. O evento é promovido anualmente pelo Afocefe Sindicato.


SINPROFAZ É NOTÍCIA NA RBS TV, AFILIADA REDE GLOBO

O SINPROFAZ e o Sonegômetro foram notícias hoje (18) na RBS TV, afiliada Rede Globo no Rio Grande do Sul. Em entrevista, o presidente do SINPROFAZ ressaltou que, entre os grandes devedores da União, estão muitas das empresas denunciadas pela Operação Lava Jato.


SONEGÔMETRO INSPIRA PLACAR SOBRE SONEGAÇÃO DE ICMS

O Sonegômetro inspirou o Afocefe Sindicato a lançar o Sonegômetro ICMS – RS, painel que mostra os valores que o Rio Grande do Sul deixa de arrecadar com a sonegação de ICMS no estado.


SINPROFAZ SE REÚNE COM PFNS EM SÃO PAULO

Na quarta-feira (09), o SINPROFAZ, representado pelo presidente Achilles Frias e os diretores Valéria Gomes e Rodrigo Mellet, participou de reunião com PFNs da Bahia, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santo André, Osasco e São Paulo.


SINPROFAZ PARTICIPA DE AÇÃO DE DESAGRAVO PÚBLICO

O SINPROFAZ, representado pelo Presidente Achilles Frias, os Diretores da Quarta Região Vanessa Nobell, Iolanda Guindani, Roberto Rodrigues e o Delegado Sindical no Rio Grande do Sul Rafael Colembergue, participou de ação de desagravo na sexta-feira, 6, em Porto Alegre – RS.


SINPROFAZ participa de ação de desagravo público (2)

O SINPROFAZ, representado pelo Presidente Achilles Frias, os Diretores da Quarta Região Vanessa Nobell, Iolanda Guindani, Roberto Rodrigues e o Delegado Sindical no Rio Grande do Sul Rafael Colembergue, participou de ação de desagravo na sexta-feira, 6, em Porto Alegre – RS.


Porto Alegre: Dia Nacional de Paralisação da Advocacia Pública Federal

Na capital gaúcha, o ato foi realizado em frente a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e contou com a presença de advogados públicos das quatro carreiras da AGU, bem como da OAB, através da Comissão da Advocacia Pública.


Delegacias Sindicais

acre-brasao ACRE

Sem delegado sindical

 
alagoas-brasao ALAGOAS

JEANINE LEITE VAZ DE BARROS – Titular
MARCELA TAVARES DE BULHOES ROCHA – Substituta

 
amapa-brasao AMAPÁ

EVANDRO COSTA GAMA – Titular

 
amazonas-brasao AMAZONAS

Sem delegado sindical

 
bahia-brasao BAHIA

ROBERTO LEVY BASTOS MANATTA (Titular)

 
ceara-brasao CEARÁ

DANIELLE MENDES PINHEIRO- Titular
TALIUS DE OLIVEIRA VASCONCELOS- Suplente

 
df-brasao  DISTRITO FEDERAL

WALTER MARIA MOREIRA JÚNIOR- Titular
RAFAEL VASCONCELLOS DE ARAÚJO PEREIRA- Suplente

 
es-brasao ESPÍRITO SANTO

JOSIANI GOBBI MARCHESI FREIRE

 
goias-brasao GOIÁS

SÉRGIO LUIS LOLATA PEREIRA – Titular

ELMO DUARTE DE ALMEIDA JÚNIOR – Suplente

 
maranhao-brasao MARANHÃO

ANDRE EMMANUEL BATISTA BARRETO CAMPELLO

 
mato-grosso-brasao MATO GROSSO

LÍVIA ABRAHÃO PINHEIRO GUIMARÃES – Titular

 
mato-grosso-do-sul-brasao MATO GROSSO DO SUL

Sem delegado sindical

 
minas-gerais-brasao  MINAS GERAIS

VANESSA ROCHA CALDEIRA BRANT – Titular
RENATA BAPTISTA DE OLIVEIRA VASCONCELLOS – Suplente

 
para-brasao PARÁ

ERIKA MATIAS ROCHA – Titular

 
paraiba-brasao  PARAÍBA

JOÃO SOARES DA COSTA NETO

 
parana-brasao PARANÁ

VANESSA NOBEL GARCIA – Titular
JOÃO ANTONIO CATARINO FARINHA PIRES – Suplente

 
pernambuco-brasao PERNAMBUCO

PAULO LINS DE SOUZA TIMES – Titular
JOSÉ EDMUNDO BARROS DE LACERDA – Suplente

 
piaui-brasao PIAUÍ

Sem delegado sindical

 
rj-brasao RIO DE JANEIRO

PAULO SÉRGIO ESTEVES MARUJO – Titular
PAULO ROBERTO FERNANDES GONÇALVES –  Suplente

 
rio-grande-do-norte-brasao RIO GRANDE DO NORTE

MARCELO OTHON PEREIRA – Titular
PATRÍCIO FERNANDO VAZ FERREIRA – Suplente

 
rio-grande-do-sul-brasao RIO GRANDE DO SUL

JOSÉ CARLOS COSTA LOCH – Titular
RAFAEL PEDROSO COLEMBERGUE –  Suplente

 
rondonia-brasao RONDÔNIA

Sem delegado sindical

 
roraima-brasao RORAIMA

ADAUTO CRUZ SCHETINE JUNIOR

 
santa-catarina SANTA CATARINA

JOSÉ VALTER TOLEDO FILHO – Titular

 
sergipe-brasao SERGIPE

JOSÉ LEITE DOS SANTOS NETO (Titular)

 
sp-brasao

SÃO PAULO

MARCOS LISANDRO PUCHEVITCH (Titular)
MARILIA MACHADO GATTEI (Suplente)

 
tocantins-brasao TOCANTINS

HEBERKIS JOSE SOARES AZEVEDO


Maior demanda da Justiça Federal está nos JEFs

Por Simone Anacleto

No último dia 4 de abril, foi aprovada, em segundo turno, pelo Plenário da Câmara dos Deputados a PEC 544/2002, que cria 4 novos Tribunais Regionais Federais no Paraná, Minas Gerais, Amazonas e Bahia, além dos 5 já existentes (Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Pernambuco).

Para entrar em vigor, basta haver a promulgação pelo Congresso Nacional, mas, neste momento, conforme notícia veiculada pela Agência Brasil do último dia 17, o Senador Renan Calheiros suspendeu tal promulgação porque “a proposta está sob avaliação de técnicos do Poder Legislativo, uma vez que foi alegada a existência de ‘erro material’ na matéria. Calheiros não detalhou quais seriam esses erros e disse que caberá à Mesa Diretora do Congresso decidir sobre a questão…”

Na realidade, a aprovação da PEC 544 tem sido o cerne de várias polêmicas, sendo que seus defensores argumentam que os novos TRFs são necessários ante o aumento do número de processos a serem julgados e para aumentar a celeridade processual. Por outro lado, aqueles que têm tido a ousadia de discordar argumentam que os dados não comprovam esse suposto aumento do número de processos e que a criação dos novos TRFs não iria redundar em maior celeridade processual, sendo que o custo que acarretarão aos cofres públicos para serem efetivamente instalados — e sobre isso ninguém discute, embora haja dúvidas sobre o valor total desse custo — não trará efetivos benefícios para o país.

Ora, os números sobre a movimentação processual da Justiça Federal estão disponíveis no site www.cjf.jus.br, bastando examiná-los para se poder formular, com embasamento, uma opinião sobre a polêmica aqui retratada.

Em primeiro lugar, vale conferir a movimentação processual dos próprios TRFs. Chamo a atenção para o dado “processos distribuídos”, para destacar que a estatística evidencia que, de 1999 a 2012, anualmente, são distribuídos, entre todos os TRFs no país, em média, quase meio milhão de novos “processos” — na realidade, o mais exato seria referir novos “recursos”, que é o que, em sua maioria, são distribuídos perante os Tribunais, lembrando que, para cada processo efetivamente distribuído perante o 1º grau de jurisdição, pode haver vários recursos incidentais, como Agravos de Instrumentos, além do recurso oposto por qualquer das partes contra a sentença propriamente dita.

Certamente é um número alto. Mesmo assim, uma primeira constatação se impõe: ao contrário do que afirmam os defensores da criação dos novos TRFs, o número não vem crescendo. Pelo contrário, mesmo com o aumento da população brasileira, curiosamente, o número de processos ou recursos perante os TRFs tem se mantido estável nos últimos anos.

E por que será que isso está acontecendo?

Em primeiro lugar, parece-me importante destacar que a PEC 544 foi proposta ao Congresso Nacional no já longínquo ano de 2002. Ora, nesses 11 anos de tramitação, muitas coisas mudaram, e hoje já vivemos a era de uma nova Justiça Federal, a qual foi modificada por algumas alterações bem pontuais da legislação e que produziram resultados muito mais significativos do que os pretendidos pela PEC 544 (e praticamente sem dispêndio financeiro algum).

Refiro-me à criação dos Juizados Especiais Federais, à inovação dos processos eletrônicos e à introdução das súmulas vinculantes e das sistemáticas da Repercussão Geral e dos Recursos Repetitivos.

Em primeiro lugar, relembre-se que os Juizados Especiais Federais foram criados pela Lei 10.259/2001 e implantados paulatinamente nos anos subsequentes. Neles são julgadas as infrações criminais “de menor potencial ofensivo” e as causas cíveis de valor até sessenta salários mínimos (excluídos expressamente, porém, dentre outros, mandados de segurança e execuções fiscais, não importando o valor). Por outro lado, os recursos das decisões adotadas nos Juizados Especiais não vão para os Tribunais Regionais Federais, e, sim, para as chamadas Turmas Recursais, num sistema inovador, pois tais turmas são compostas por magistrados federais de 1º grau.

É evidente que isso, por si, já teve o efeito de “desafogar” os Tribunais Regionais Federais.

Tome-se, agora, consultando o mesmo site antes mencionado (www.cjf.jus.br), a movimentação processual por seção judiciária, onde se pode constatar que o total de processos distribuídos na Justiça Federal de 1º grau, em todo o país, nos últimos 10 anos, tem se mantido acima dos dois milhões de processos por ano — observando-se, contudo, uma discreta redução a partir de 2006, o que, adiante, será melhor desenvolvido.

De qualquer sorte, fundamental ressaltar que tal estatística, como frisado no próprio site, engloba os valores dos Juizados Especiais Federais.

Então, imprescindível cotejar-se o quadro da movimentação processual por Seção Judiciária com o quadro da movimentação processual dos Juizados Especiais Federais.

E, ao fazê-lo, constata-se que, todos os anos, a partir de 2004, o número de processos distribuídos nos Juizados Especiais Federais (dos quais, reprise-se, não se geram recursos para os TRFs), foi maior do que o número de processos distribuídos na Justiça Federal Comum. Comparem-se, exemplificativamente, os dados de 2004: 1.533.647 processos nos JEFs e 1.109.677 na Justiça Federal Comum. A única exceção foi o ano de 2011, mas, mesmo assim, com uma discreta diferença entre as Justiças: 1.182.501 processos nos JEFs e 1.196.996 na Justiça Federal Comum.

A meu sentir, tais dados, por si, já evidenciam que, se há algum setor da Justiça Federal que pode precisar de maiores investimentos e/ou atenção esse é o dos Juizados Especiais Federais. Lá é que está, atualmente, a maior demanda por justiça formulada pelo cidadão brasileiro.

Além disso, também merece destaque a Lei 11.419/2006, que admitiu a tramitação eletrônica dos processos judiciais. Na medida em que essa tramitação eletrônica seja implantada em todo o país (por ora, quem está mais adiantado nesse sentido é o TRF da 4ª Região, onde a grande maioria dos processos já é eletrônica), não há dúvidas sobre o aumento da celeridade processual, nem do aumento da democratização do próprio acesso a todas as instâncias do Judiciário, sendo possível que, de qualquer parte, pela Internet, os advogados peticionem, inclusive, aos TRFs, o que afasta o possível argumento de que a criação de novos TRFs em outras localidades aproximaria a Justiça dos cidadãos.

Mas, afora tudo isso, é preciso compreender que a introdução das súmulas vinculantes pela Emenda Constitucional 45/2004 (que inseriu o artigo 103-A na Constituição Federal), bem como a introdução das sistemáticas da Repercussão Geral (Lei 11.418/2006, que introduziu os artigos 543-A e 543-B no CPC) e dos Recursos Repetitivos (Lei 11.672/2008, que introduziu o artigo 543-C no CPC), acarretaram uma verdadeira mudança de paradigma no sistema processual brasileiro, que, talvez, ainda não tenha sido bem percebida nem pela sociedade, nem mesmo por muitos setores jurídicos.

Muito resumidamente, explico que, com os mecanismos das súmulas vinculantes, da repercussão geral e dos recursos repetitivos, todas as grandes questões de massa, sejam atinentes à constitucionalidade de uma lei, sejam atinentes à legalidade, são, ao fim e ao cabo, dirimidas pelo STF e pelo STJ, produzindo efeitos, de uma só vez, para todas as ações semelhantes em tramitação no país.

Até a introdução desses mecanismos, apenas no controle concentrado de constitucionalidade (por ações diretas de inconstitucionalidade, por exemplo), havia essa possibilidade de uma única decisão do STF produzir efeitos imediatamente para todas as ações similares em tramitação no país — o chamado efeito vinculante.

No mais, as questões, mesmo as de massa, usualmente eram decididas uma a uma, às vezes num sentido, noutras vezes em sentido diametralmente oposto, levando-se em geral muitos e muitos anos até consolidar-se a jurisprudência num sentido dominante.

Já hoje, na medida em que uma questão considerada de Repercussão Geral ou Repetitiva chegue a um tribunal, tal como qualquer dos TRFs, são selecionados apenas alguns processos com recursos ao STF e/ou ao STJ para encaminhamento. Todos os demais semelhantes ficam sobrestados até o julgamento definitivo pelo STF ou pelo STJ.[1]

Talvez, aliás, isso explique a ligeira tendência que se observa, ao examinar as estatísticas da movimentação processual, de um discreto decréscimo do número de ações distribuídas nos últimos anos perante a Justiça Federal de 1º grau, o que, sem dúvida, acabará repercutindo nos TRFs. É que várias questões objeto de Repercussão Geral ou de Recurso Repetitivo já foram decididas. Na medida em que isso vai ocorrendo, deixam de ser propostas novas ações sobre tais matérias, pois a solução é de antemão conhecida e as partes envolvidas passam a se ajustar nos termos da jurisprudência consolidada.

Por outro lado, de se observar que o ano de 2012 foi atípico pelo menos no âmbito do STF, onde os esforços foram concentrados no sentido de se julgar o processo do mensalão. A partir do presente ano, com a retomada do ritmo normal do STF, milhares de feitos que estão sobrestados em todo o país, aguardando o julgamento por força da sistemática da Repercussão Geral, devem ser decididos.

Considerando que a imensa maioria das ações que tramitam na Justiça Federal envolvem questões de constitucionalidade e/ou legalidade e são ações de massa, pode-se concluir que está havendo uma verdadeira revolução paradigmática. E, arrisco-me a dizer, é bem provável que, num futuro próximo, haja um decréscimo considerável do número de processos distribuídos e, em consequência, em tramitação na Justiça Federal.

Isso significa que a própria Justiça Federal perderá sua importância?

Penso que não, pois sua importância está justamente na necessidade de especialização para bem resolver as questões de interesse da União, de suas autarquias, fundações e sociedades de economia mista.

Mas que a Justiça Federal, como um todo, está em franco processo de mutação, isso me parece evidente.

As grandes questões de constitucionalidade e/ou legalidade estão se sedimentando e à Justiça Federal restará analisar casos mais individualizados, tais como execuções fiscais, questões aduaneiras, crimes federais etc.[2]

E se se quer efetivamente celeridade processual, hoje, o que se tem de fazer é dar maiores e melhores condições aos Tribunais Superiores para que decidam as grandes questões já submetidas às sistemáticas da Repercussão Geral e dos Recursos Repetitivos — o que passa muito ao largo da criação de novos Tribunais Regionais Federais.

Claro que há problemas pontuais que requerem atenção. Em interessante artigo publicado pela Revista Consultor Jurídico, intitulado PEC dos novos TRFs é inconveniente e inconstitucional, Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti narra a briga verdadeiramente paroquial entre os estados da Bahia e de Pernambuco, que acabou redundando no fato de que a Seção Judiciária da Bahia ficasse vinculada ao TRF da 1ª Região, ao invés do TRF da 5ª Região, o que seria mais lógico.

E aponta: “Os três estados com situação mais crítica em relação à geração de processos para o 2º Grau são: Bahia e Minas, na 1ª Região; e São Paulo, na 3ª Região. Destacando-se a Bahia para a 5ª Região, com ampliação do quadro de Juízes naquele TRF, com custo reduzido e com a agregação de Minas Gerais à 2ª Região — RJ (ou a criação de um único TRF para esses dois estados), com ampliação de quadro e com ampliação do quadro do TRF-3, ter-se-ia resolvido o problema. Poder-se-ia então destinar um décimo desses recursos para solucionar o maior problema de congestionamento da Justiça Federal, que são as estruturas dos Juizados Especiais Federais, sobretudo das turmas recursais”.

De qualquer sorte, tudo isso leva a um questionamento paralelo que é o seguinte: nesta nova era, onde a celeridade depende apenas, em grande parte dos casos, das decisões dos Tribunais Superiores, o que também acaba acarretando maior segurança jurídica, como fica o campo de trabalho para os milhares de bacharéis que, todos os anos, são formados pelas faculdades de direito preparados para o litígio judicial e veem diminuir o número de ações a serem propostas?

Será que não está na hora de haver uma profunda reformulação do sistema de ensino jurídico, pensando-se, antes, em formar advogados mais preparados para a consultoria empresarial, quiçá com conhecimentos de Direito Internacional, a fim de inserir o Brasil num mundo de competição empresarial em bases globais?

Mas, sem dúvida, essas são considerações que mereceriam todo um estudo à parte.

Por outro lado, parece-me muito oportuno, a partir das observações de Armando Castelar Pinheiro[3], referir que, quando se fala em reformar o Judiciário com vistas a torná-lo mais eficiente, geralmente, o que surge, em primeiro lugar, são as propostas de aumentar a disponibilidade dos recursos disponíveis, p.ex., aumentando o número de cargos de juízes. Mas isso não é, apenas, fazer mais da mesma maneira?

Como acima amplamente demonstrado, na realidade, há alguns anos, os legisladores e administradores brasileiros têm adotado soluções não só criativas, como eficazes, tanto no sentido de democratizar o acesso à Justiça (Juizados Especiais Federais e processos eletrônicos), como em torná-la mais célere, ao mesmo tempo em que se aumentou a segurança jurídica (por meio de súmulas vinculantes e dos mecanismos de Repercussão Geral e Recursos Repetitivos).

Ou seja, não se tem simplesmente feito mais do mesmo.

Pena que, agora, na contramão de todo esse movimento, tenha sido aprovada a PEC 544.

Considerando que é falaciosa toda a argumentação fundada no aumento do número de processos ou, mesmo, de aumento da celeridade processual por meio da criação de novos TRFs, a pergunta que fica é a seguinte: a quem interessa a criação desses TRFs? Seria àqueles que pretendem ver aumentado o número de cargos de desembargador federal porque almejam ocupar algum deles?

Em pleno século XXI, não está mais do que na hora de deixarmos de lado o velho ranço luso-tupiniquim de pensar apenas no interesse próprio sem medir as consequências disso para toda a sociedade?

Embora haja divergências sobre qual o custo efetivo para a instalação de 4 novos TRFs, não há dúvidas de que será um custo alto.

E, por tudo o que foi explanado acima (em síntese, relembre-se: o maior número de demandas nos JEFs, que não ensejam recursos para os TRFs, os processos eletrônicos e a mudança do paradigma processual, com as súmulas vinculantes, Repercussão Geral e Recursos Repetitivos, o que leva à suposição razoável, inclusive, de que num futuro próximo irá diminuir o número total de novas ações perante toda a Justiça Federal), absolutamente não faz sentido para a nação brasileira a criação desses novos 4 TRFs.


Notas

[1] Não existe uma estatística mais precisa do número de processos que, atualmente, já se encontra sobrestado nos tribunais por força da repercussão geral e/ou dos recursos repetitivos. No site do STF existe um quadro parcial, relativo a alguns tribunais, que atenderam à sua solicitação, prestando algumas informações, mas de acordo com o qual já se pode aferir que, no momento, já estão em milhares as ações paralisadas nos tribunais só por força da repercussão geral.

[2] A propósito, outro dado interessante a ser analisado, a partir do site www.cjf.jus.br, é que, em 2012, continuavam em tramitação na Justiça Federal Comum (após subtraídos os processos em tramitação nos JEFs) 4.589.016 processos, dos quais 3.369.681 são execuções fiscais.

[3] Cfr. o pensamento do autor no artigo: “Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou confronto?”, in “Direito & economia”, org. Luciano Benetti Timm, 2.ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2008, p. 19-47.


Simone Anacleto é procuradora da Fazenda Nacional e professora no Curso de Especialização em Direito Tributário da UFRGS

Revista Consultor Jurídico, 25 de abril de 2013


SINPROFAZ convoca reunião com PFNs em Porto Alegre na quinta-feira, 19

Sindicato conclama os PFNs do Rio Grande do Sul a participarem de reunião nesta quinta para tratar da realidade crítica da Advocacia Pública Federal frente ao descaso do Poder Executivo.


Regime jurídico das sociedades empresárias estatais


Mesmo no caso de empresas estatais dedicadas à prestação de serviços públicos, não podem ser-lhes concedidas prerrogativas próprias da Fazenda Pública quando a atividade for desempenhada em regime concorrencial ou com o objetivo de distribuição de lucros aos sócios.


RESUMO

Na condição de entidades integrantes da administração pública indireta, mas dotadas de personalidade jurídica de direito privado, as empresas estatais se sujeitam a um regime jurídico híbrido. Porém, o regime jurídico constitucional das sociedades empresárias controladas pelo Estado pode variar conforme a natureza da atividade a que se destinem. As sociedades estatais que exploram atividades econômicas em sentido estrito devem necessariamente submeter-se ao regime próprio das empresas privadas, ressalvado apenas naquilo em que houver sido derrogado por norma de hierarquia constitucional. No caso das empresas estatais prestadoras de serviços públicos, por não estarem submetidas aos ditames do art. 173 da Constituição, o regime jurídico próprio das empresas privadas também pode ser excepcionado por lei específica. Contudo, de acordo com a jurisprudência que vem sendo firmada pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo no caso de empresas estatais dedicadas à prestação de serviços públicos, não podem ser-lhes concedidas prerrogativas próprias da fazenda pública, a exemplo do regime de precatórios e da imunidade tributária recíproca, quando a atividade for desempenhada em regime concorrencial ou com o objetivo de distribuição de lucros aos sócios.

Palavras-chave: Empresa estatal. Atividade econômica. Serviço público. Regime jurídico.


1. INTRODUÇÃO

As empresas estatais são sociedades empresárias sob controle direto ou indireto da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. Integram a Administração Pública indireta. Contudo, são dotadas de personalidade jurídica de direito privado. Disso decorre a sua sujeição a um regime jurídico híbrido, pois ao mesmo tempo em que devem se submeter a certos postulados de direito público também precisam observar o regime próprio das empresas privadas.

Essa dualidade de regimes jurídicos tem originado certa insegurança jurídica quanto à aplicação de determinadas normas às sociedades empresárias estatais. Nos termos do art. 173 da Constituição de 1988, essas empresas devem sujeitar-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários. Mas essa regra vem sendo interpretada pelo Supremo Tribunal Federal com moderação.

Diversos dispositivos constitucionais determinam a incidência de certas regras à administração pública direta e indireta, sem excluir as empresas controladas pelo Estado. Portanto, firmou-se o entendimento de que a necessidade de submissão das empresas estatais ao regime jurídico próprio das empresas privadas não pode resultar na inobservância de normas que a própria Carta Política imputou às entidades integrantes da Administração Pública.

Além disso, o Supremo Tribunal Federal[1] já se manifestou, em reiteradas oportunidades, no sentido de que apenas as empresas estatais destinadas à exploração de atividade econômica em sentido estrito é que estariam submetidas ao comando contido no art. 173 da Constituição. Isso significa que, de acordo com a natureza das atividades a que se dediquem, as empresas estatais podem estar submetidas a regimes jurídico-constitucionais diferenciados.

Também existem decisões do Excelso Pretório[2] pela aplicação a determinadas empresas estatais, em situações excepcionais, de certas prerrogativas próprias da fazenda pública, como o regime de precatórios e a imunidade tributária recíproca.

Em seguida, abordaremos a questão relativa ao regime jurídico a que as sociedades empresárias estatais devem se submeter.


2. SERVIÇO PÚBLICO E ATIVIDADE ECONÔMICA

O período durante o qual predominou o liberalismo econômico foi caracterizado pela concepção do Estado mínimo e pelo absenteísmo estatal. As Constituições liberais dos Séculos XVIII e XIX enfatizaram a proteção ao direito de propriedade e à liberdade de iniciativa. Segundo essa visão, o Estado deveria limitar-se a exercer atividades que não pudessem ser realizadas por particulares, como a defesa contra inimigos estrangeiros, a segurança interna e a administração da justiça. Paulatinamente, pressões sociais fizeram com que o Estado passasse a prestar outros serviços à população, como educação, saúde, seguridade social, transporte, geração e distribuição de energia, fornecimento de água, saneamento básico, entre outros. Assim, numerosas atividades foram incorporadas aos serviços que deveriam ser providos pelo Estado.

Portanto, as atividades que integram o rol dos serviços públicos variam no tempo e no espaço, refletindo as concepções políticas de cada povo[3]. Na medida em que foram sendo afastados os ideais do liberalismo econômico, o elenco de atividades desempenhadas pelo Estado e qualificadas como serviços públicos passou a abranger, inclusive, atividades comerciais e industriais que antes eram reservadas à iniciativa privada, os quais podem ser denominados serviços comerciais e industriais do Estado[4].

Neste ponto, é pertinente citar a seguinte passagem do voto do Ministro Nelson Jobim por ocasião do julgamento do RE 220.906:

É conceito histórico-político ser, certo tipo de atividade, a prestação, ou não, de um serviço público. As sociedades organizadas, nos seus instrumentos básicos, reservam para a atuação do Estado um maior ou menor número de atividades. É a discussão do tamanho do Estado. Para uns, o Estado deve tudo prestar, sem reservar espaços para a iniciativa privada. A posição radical foi a do estado soviético, com a coletivização dos fatores de produção. Outros, no lado oposto, sustentam o Estado-mínimo, proibindo qualquer atividade fora daquilo que chama de ‘ações típicas de Estado’. E outros, circulam entre esses dois extremos.[5]


Por isso, é impossível indicar uma relação universal das atividades que sejam consideradas serviços públicos. A classificação de determinada atividade como serviço público depende de avaliação quanto aos seus pressupostos e características, considerando a legislação de cada país.

Em geral, a definição de serviço público envolve três elementos: (i) o material (atividades de interesse coletivo); (ii) o subjetivo (presença do Estado); e (iii) o formal (procedimento de direito público)[6]. Sobre o tema, assim explica Marçal Justen Filho:

Sob o ângulo material ou objetivo, o serviço público consiste numa atividade de satisfação de necessidades individuais ou transindividuais, de cunho essencial. Sob o ângulo subjetivo, trata-se de atuação desenvolvida pelo Estado (ou por quem lhe faça as vezes). Sob o ângulo formal, configura-se o serviço público pela aplicação do regime jurídico de direito público.

(…)

O aspecto material ou objetivo é mais relevante do que os outros dois, sob o ponto de vista lógico. Os outros dois aspectos dão identidade ao serviço público, mas são decorrência do aspecto material. Certa atividade é qualificada como serviço público em virtude de dirigir-se à satisfação direta e imediata de direitos fundamentais. Como consequência, essa atividade é submetida ao regime de direito público e, na maior parte dos casos, sua titularidade é atribuída ao Estado.[7]

Diante de tais elementos, em particular o material ou objetivo, as definições de serviço público acentuam a sua finalidade como instrumento de promoção de direitos assegurados pelo ordenamento jurídico. A esse respeito, transcrevo alguns dos conceitos de serviço público encontrados na doutrina:

Considera-se serviço público toda a atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de direito público, com vistas à satisfação de necessidade essenciais e secundárias da coletividade.[8]

Serviço público é uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, destinada a pessoas indeterminadas, qualificada legislativamente e executada sob regime de direito público[9].

Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, em que Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.[10]

Serviço público é a atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.[11]

A Constituição estabeleceu alguns serviços públicos, arrolados como competência dos entes federativos[12]. Por conseguinte, são serviços públicos por determinação constitucional. Todavia, conforme o entendimento majoritário, não se trata de enumeração taxativa[13]. A lei pode estabelecer outras atividades como serviços públicos. Mas o legislador não dispõe de ampla discricionariedade para criar serviços públicos. Se por um lado é certo que a Constituição assegurou uma série de direitos à população, boa parte deles dependentes de uma efetiva prestação estatal[14], por outro também garantiu o livre exercício de qualquer atividade econômica (art. 170, parágrafo único, CRFB[15]), ressalvados os casos nela previstos.

Obviamente, a ampliação de serviços públicos reduz o campo reservado à livre iniciativa. Quanto mais dilatado o universo dos serviços públicos, menor é o campo das atividades de direito privado[16]. Por isso, caso fosse admitido que a lei pudesse livremente qualificar qualquer atividade como serviço público, restaria esvaziado o direito de livre iniciativa assegurado pela Carta constitucional[17]. Cabe aqui destacar que, excetuados os casos expressamente previstos na própria Constituição, o Estado só pode desempenhar atividades econômicas quando necessário aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei (art. 173, CRFB[18]).

Diante disso, a criação de serviços públicos por lei deve necessariamente obedecer a parâmetros bastante rígidos, sob pena de restar maculado o direito à livre iniciativa[19]. Em linhas gerais, pode-se dizer que os serviços públicos devem decorrer expressa ou implicitamente da Constituição, não sendo lícito ao legislador infraconstitucional, ao seu alvedrio, retirar atividades econômicas do âmbito privado para sujeitá-las ao regime jurídico próprio dos serviços públicos.

Em apoio a essa afirmação, cito Mario Engler Pinto Junior:

O enquadramento de determinada prestação estatal como serviço público, para efeito de subordiná-la, ao regime próprio de direito público, constitui uma opção política de cada nível de governo. No entanto, tal decisão não pode mascarar a criação de novas hipóteses de monopólios legais, de modo a afastar a competição de outros agentes privados. A liberdade do Estado não é ilimitada nessa área, mas está sujeita à lógica da razoabilidade e da proporcionalidade. Sob o ponto de vista econômico, justifica-se excluir do regime de concorrência de mercado as atividades com fortes externalidades sociais, ou seja, quando o interesse público transcende ao interesse meramente individual do empreendedor. Nesse caso, o mercado não pode ser considerado elemento organizador eficaz, pois não é capaz de recompensar os benefícios ou malefícios.[20]


Conforme leciona Marçal Justen Filho, “há um vínculo de natureza direta e imediata entre o serviço público e a satisfação de direitos fundamentais. Se esse vínculo não existir, será impossível reconhecer a existência de um serviço público”[21]. Em seguida, conclui o mesmo autor que “a instituição de um serviço público depende do reconhecimento jurídico de sua pertinência para a satisfação de direitos fundamentais”[22]. Portanto, podem ser criados serviços públicos por lei, desde que se trate de atividade vinculada diretamente à satisfação de direitos assegurados pelo texto constitucional.

Por outro lado, isso não significa que todas as atividades que proporcionem a satisfação de direitos fundamentais sejam necessariamente serviços públicos. Para isso é necessário que a atividade tenha sido retirada da órbita privada mediante ato normativo adequado. Para que seja caracterizado o serviço público, é essencial que a lei atribua essa atividade ao Estado e a submeta ao regime de direito público[23]. Nesses termos, a ampliação do rol de serviços públicos a serem prestados pelo Estado depende da avaliação quanto à conveniência de submetê-las ao regime jurídico de direito público, retirando-as do âmbito privado. Neste ponto, cito mais uma vez Marçal Justen Filho, segundo o qual “a incidência do regime de direito público depende de uma qualificação normativa e diferencial”[24]. Não há serviço público sem que ato formal assim o reconheça.


3. A EXPLORAÇÃO DIRETA DE ATIVIDADE ECONÔMICA PELO ESTADO

O Estado pode intervir sobre o domínio econômico de forma direta ou indireta. O poder público intervém indiretamente sobre a atividade econômica como agente normativo e regulador, exercendo funções de fiscalização, incentivo e planejamento (art. 174, CRFB[25]). A intervenção direta pode ocorrer por meio de diversos mecanismos, entre os quais é possível citar: (i) a exploração direta de atividade econômica por entes estatais; (ii) a participação minoritária em empreendimentos econômicos privados; (iii) a intervenção em empresas privadas; e (iv) a regulação de estoques mediante operações de compra, estocagem e venda de determinadas mercadorias. Por sua vez, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado pode se dar mediante: (i) a constituição de monopólio; ou (ii) através da participação de empresa governamental em setor econômico reservado à livre iniciativa dos particulares[26]. Em relação ao monopólio, pode-se dizer que se trata de uma forma híbrida de ingerência estatal sobre a economia. Como ensina Américo Luís Martins da Silva, o monopólio consiste tanto em intervenção como em participação na ordem econômica, pois de um lado o Estado explora diretamente a atividade monopolizada e, de outro, impede que seja explorada livremente pela iniciativa privada[27].

De acordo com o art. 1º, inciso IV, da Constituição de 1988, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a livre iniciativa. Coerente com esse preceito, o inciso XIII do art. 5º da Carta Magna assegura, como direito fundamental, a liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. A Constituição dispõe ainda que a livre iniciativa é um dos fundamentos da ordem econômica nacional, estabelece a livre concorrência como um de seus princípios e assegura o livre exercício de qualquer atividade econômica (art. 170, CRFB[28]).

Em sintonia com esses preceitos, o caput do art. 173 da Constituição dispõe que, ressalvados os casos nela previstos, “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. Portanto, o exercício das atividades econômicas em sentido estrito cabe primordialmente à iniciativa privada, salvo nos casos expressamente previstos na Constituição, que constituem as hipóteses de monopólio estatal descritas no art. 177 da Carta Política[29].

Cabe citar a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Com efeito, ressalvados os monopólios estatais já constitucionalmente designados (petróleo, gás, minérios e minerais nucleares, nos termos configurados no art. 177, I-IV), as atividades da alçada dos particulares – vale dizer, atividades econômicas – só podem ser desempenhadas pelo Estado em caráter absolutamente excepcional, isto é, em dois casos: quando isto for necessário por um imperativo da segurança nacional ou quando demandado por relevante interesse público, conforme definidos em lei (art. 173).[30]

Disso se conclui que o Estado só deve atuar exercendo diretamente atividades econômicas em circunstâncias excepcionais, mediante permissão legal específica, ressalvadas as atividades que a Carta de 1988 atribuiu à União em regime de monopólio. A esse respeito, reproduzo trecho da obra de Raquel Melo Urbano de Carvalho:

Assim sendo, tem-se o domínio econômico como espaço reservado ao particular. A intervenção do Estado nesta seara afigura-se medida excepcional, cabível apenas diante da satisfação dos pressupostos de admissibilidade constitucional: segurança nacional ou relevante interesse coletivo, conforme estabelecido em diploma legislativo.[31]

Como visto, a exploração, diretamente pelo Estado, de atividade econômica reservada à livre iniciativa, encontra-se limitada pelo art. 173 da Constituição[32], que só autoriza essa espécie de intervenção estatal quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. Ademais, o referido comando constitucional também exige que as entidades estatais que explorem tais atividades se sujeitem ao mesmo regime jurídico aplicável às empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários (art. 173, § 1º, inciso II, CRFB). O fundamento dessa exigência é óbvio: garantir a preservação do princípio da livre concorrência (art. 170, inciso IV, CRFB).


Transcrevo passagem da obra de João Bosco Leopoldino da Fonseca:

O Estado, quando explora diretamente a atividade econômica, o faz através de empresas públicas, de sociedades de economia mista e suas subsidiárias (E.C. n. 19/98). Nestes casos, a Constituição lhes impõe a adoção do mesmo regime jurídico aplicável às empresas privadas, tornando explícita sua sujeição aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários, e proíbe a concessão de privilégios fiscais que não sejam extensivos àquelas empresas. Estas determinações, previstas nos §§ 1º e 2º do art. 173, têm por finalidade precípua impedir uma posição dominante no mercado derivada de fatores estranhos à própria livre competição.[33]

Em reforço, reproduzo trecho do Voto do Ministro Nelson Jobim no RE 220.906:

É evidente que a atividade econômica a que se referia o texto de 1967/1969, como também o de 1988, é aquela sujeita às regras, no mercado, da livre concorrência. Digo, com EROS ROBERTO GRAU, que se tratava, como se trata para 1988, ‘ de atuação do Estado … como agente econômico, em área de titularidade do setor privado’. A razão da equiparação da empresa pública que participasse de exploração de atividade econômica, com o setor privado é óbvia. O princípio da livre concorrência, expressamente assumido em 1988 (art. 170, V), não se coaduna com a atribuição de benefícios diferenciados à empresa estatal. A empresa estatal não poderia gozar, em relação ao setor privado, de vantagem comparativa. Tudo porque repercutiria, como repercute, nos custos e, por consequência, na fixação dos preços. A regra da livre concorrência seria lesada, com um desequilíbrio de mercado. Se é para atuar no mercado, que seja de forma igual. Essa é a regra. Lembro que 1988 acabou com a vantagem do regime tributário diverso e a EC 19/98 a explicitou. A equiparação de 1988 foi mais longe. Somente admite a concessão de benefícios fiscais às estatais se forem extensivos ao setor privado (art. 173, § 2º). Tudo isso para a preservação da livre concorrência e das regras de uma economia de mercado. Essa foi a opção de 1967/1969, fortalecida em 1988. No tratamento aos direitos econômicos, o texto de 1988 reforçou a opção por uma ‘constituição do Estado de Direito Liberal’. Essa constatação choca-se com alguns que, condicionados por perspectivas políticas não positivadas, insistem em ver, no texto original de 1988, quanto aos direitos econômicos, uma ‘constituição do Estado de Direito Social’.[34]

É importante destacar que, embora excluídos do universo de atividades reservadas à livre iniciativa, os monopólios estatais não se confundem com serviços públicos. Novamente, lembro Celso Antônio Bandeira de Mello, que assim afirma:

Tais atividades monopolizadas não se confundem com serviços públicos. Constituem-se, também elas, em ‘serviços governamentais’, sujeitos, pois, às regras de Direito Privado. Correspondem, pura e simplesmente, a atividades econômicas subtraídas do âmbito da livre iniciativa. Portanto, as pessoas que o Estado criar para desenvolver estas atividades não serão prestadoras de serviço público.[35]

Os monopólios estatais e os serviços públicos se identificam apenas quanto à sua titularidade. Distinguem-se quanto ao escopo, posto que os serviços públicos são destinados precipuamente à satisfação de direitos fundamentais mediante a prestação direta e imediata de utilidades aos administrados. Em outros termos, o serviço público é um meio de assegurar uma existência digna ao ser humano[36], afirmação essa que não se aplica às atividades econômicas monopolizadas.

Portanto, em face do art. 173 da Carta Política, deve ser tida por inconstitucional a concessão de qualquer privilégio em favor de empresas estatais que explorem atividades econômicas em sentido estrito.

4. DAS ATIVIDADES QUE PODEM SER DESEMPENHADAS POR EMPRESAS ESTATAIS

A possibilidade de criação de sociedades empresárias controladas pelo Estado encontra-se prevista no inciso XIX do art. 37 da Constituição da República, que para isso exige autorização legal específica, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…)

XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação;

Evidentemente, essa autorização constitucional destina-se a permitir que o Estado, em determinadas circunstâncias, atue na condição de empresário. De acordo com o art. 966 do Código Civil[37], deve ser considerado empresário “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. Então, é consequência lógica a afirmação de que o Estado deve valer-se de sociedades empresárias sob seu controle, denominadas genericamente empresas estatais, para exercer atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. Para isso, demanda autorização legislativa específica, conforme determinação do inciso XIX do art. 37 da Constituição. As demais atividades a cargo do Estado devem ser exercidas diretamente pelos entes federativos, através de seus diversos órgãos, ou mediante a instituição de autarquia, associação pública ou fundação estatal, cuja criação também exige lei.


As atividades econômicas em sentido lato incluem determinados serviços públicos de natureza econômica (serviços públicos industriais ou comerciais) e atividades econômicas em sentido estrito, incluídas tanto aquelas reservadas à livre iniciativa como as atividades econômicas que constituem monopólio da União por determinação constitucional. Qualquer dessas atividades pode ser exercida por sociedades empresárias estatais. Porém, conforme já exposto, a distinção entre serviços públicos e atividades econômicas em sentido estrito é de fundamental importância para definir o regime jurídico a que deverá se sujeitar a empresa estatal que os explore.

Neste ponto, é relevante observar que as empresas estatais são proibidas de desempenhar qualquer serviço ou atividade que implique o exercício de poderes típicos de Estado, como o poder de polícia e o de tributar. Conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal (ADI 1717), apenas pessoas jurídicas de direito público podem exercer atividades dessa natureza. No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou pela impossibilidade de atribuição de poder de polícia a sociedade de economia mista (REsp 871.534). Portanto, as atividades que exijam o exercício de poderes exclusivos de Estado, decorrentes do jus imperii, só podem ser exercidas por pessoas de direito público, como os próprios entes federativos, diretamente, ou por intermédio de suas entidades autárquicas.

Sociedades empresárias também são entidades inadequadas para o desempenho de outras atividades que não tenham conotação econômica, mesmo que não impliquem o exercício de funções típicas de Estado, tais como os serviços de educação ou saúde, prestados gratuitamente à população (art. 196 e 206, CRFB). Isso porque, conforme está explícito no art. 981 do Código Civil[38], as sociedades empresárias destinam-se exclusivamente à exploração de atividades econômicas com a finalidade de partilha dos resultados entre os sócios. A norma constitucional que autoriza a criação de sociedades empresárias estatais destina-se a permitir que o poder público, por intermédio dessas entidades, execute atividades típicas das sociedades empresárias em geral. Certamente, não se justifica a criação de uma empresa estatal apenas com o fim de obter lucro. Essas entidades devem ter uma finalidade mais ampla, condizente com o interesse público. Porém, não se mostra adequada a criação de sociedade empresária para desempenhar serviços de cunho assistencial.

Portanto, não cabe a criação de sociedade empresária pelo Estado quando não existe qualquer perspectiva de resultados econômicos[39]. Em tais situações, há outras formas mais adequadas de pessoas administrativas. Atividades desprovidas de conteúdo econômico podem ser realizadas por entidades autárquicas (autarquias em sentido estrito ou “fundações autárquicas”), associações públicas (consórcios públicos) ou ainda por fundações estatais de direito privado[40], sem prejuízo da possibilidade de seu exercício diretamente pelos próprios entes federativos. Porém, muitas empresas estatais se dedicam a funções estranhas ao âmbito de atuação das sociedades empresárias em geral.

Sobre essa questão, destaco o seguinte trecho do voto do Ministro Gilmar Mendes, no julgamento do RE 599.628:

Então, parece-me que, embora a questão mereça a atenção, talvez em algum momento um código administrativo, alguma pretensão de consolidação devesse tentar ordenar esse quadro às vezes caótico, tanto é que a doutrina se perde na definição com os contraexemplos. A toda hora, nós dizemos: a empresa pública deve ter tal perfil. E, aí, alguém consegue dar um exemplo de uma empresa pública que exerce uma outra atividade; a sociedade de economia mista deve atuar com tais e quais limites. E nós encontramos sociedades de economia mista que são verdadeiras autarquias ou exercem atividades quase públicas típicas. Às vezes são sociedades anônimas apenas para cumprir – como nós vimos aqui num debate, não faz muito, creio que relativo a hospital do Rio Grande do Sul, hospitais que foram desapropriados e deixaram-se lá duas ou três ações -, apenas para manter a aparência de uma sociedade anônima. Uma falsa sociedade anônima por quê? Porque o que se busca aqui é uma certa flexibilidade no processo organizacional administrativo.[41]

Conclui-se então que as empresas estatais são entidades adequadas para: (i) a exploração de atividades econômicas em sentido estrito, livres à iniciativa privada ou em regime de monopólio; e (ii) a prestação de serviços públicos de natureza econômica. Na prática, contudo, existem empresas estatais dedicadas a outras atividades, inclusive serviços inseridos no âmbito da ordem social.


5. DO REGIME JURÍDICO DAS EMPRESAS ESTATAIS

A Constituição impõe a sujeição das sociedades empresárias estatais que explorem atividade econômica em sentido estrito “ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários”, sendo vedada a concessão a essas entidades de quaisquer privilégios fiscais não extensivos às empresas do setor privado (art. 173, CRFB[42]). Cabe aqui citar que o Supremo Tribunal Federal considerou que as restrições do art. 173 da Constituição também se aplicam às empresas estatais que exerçam atividades econômicas monopolizadas pela União[43].

Consoante já exposto, é importante destacar que não são todas as empresas estatais que se submetem ao comando contido no art. 173 da Carta Política. Esse dispositivo se aplica exclusivamente às sociedades que explorem atividade econômica em sentido estrito. Por outro lado, a regra do art. 173 da Constituição não significa que as empresas públicas e sociedades de economia mista se sujeitem integralmente ao regime jurídico privado, ainda que atuantes em setor econômico reservado aos particulares. O referido dispositivo constitucional convive com diversas outras normas de igual hierarquia, que disciplinam o regime jurídico das entidades integrantes da Administração Pública. Por conseguinte, o regime de direito privado aplicável às sociedades empresárias estatais mescla-se com normas de direito público impostas pela própria Constituição aos entes administrativos em geral. Portanto, não é exagero afirmar que as empresas estatais submetem-se a um regime jurídico híbrido, independentemente da atividade que venham a explorar.


A distinção essencial que deve ser feita é que, em relação às sociedades empresárias estatais que explorem atividade econômica em sentido estrito, o regime jurídico de direito privado só deve ser excepcionado para o atendimento de regras ou princípios constitucionais. O legislador não dispõe de autonomia para estabelecer o regime jurídico aplicável às empresas públicas ou sociedades de economia mista sujeitas ao comando contido no art. 173 da Carta de 1988. O mesmo não pode ser dito em relação às empresas que prestam serviços públicos.

Sobre o tema, esta é a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Note-se e ressalte-se: o estatuto legal de que fala o art. 173 diz respeito unicamente às exploradoras de atividade econômica. Deveras, não apenas o parágrafo está referido à exploração de atividade econômica, mas a própria cabeça do artigo – e que obviamente comanda a inteligência de seus parágrafos – reporta-se à “exploração direta de atividade econômica pelo Estado”. É tão claro ser disto que se trata que ali também se diz que a sobredita exploração “só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme declarados em lei”. Evidentemente, então, está a cogitar de coisa antitética aos serviços públicos e diversa deles, que estes são atividade normal do Estado, ao invés de excepcional, caso do exercício direto de atividade econômica, esfera reservada aos particulares (art. 170, IV, e notadamente parágrafo único do mesmo artigo).[44]

No mesmo sentido, assim afirma Raquel Melo Urbano de Carvalho:

De fato, quando o art. 173, § 1º, da CR refere-se à “prestação de serviços” trata dos serviços que não são serviços públicos, conforme distribuição constitucional de competências materiais, mas que permaneceram sob a responsabilidade da iniciativa privada e que o Estado, atendidas as exigências do caput do artigo 173, resolveu explorar economicamente, suplementarmente ao mercado.[45]

Outra não é a opinião de Maria Sylvia Zanella di Pietro:

Uma primeira lição que se tira do art. 173, § 1º, é a de que, quando o Estado, por intermédio dessas empresas, exerce atividade econômica, reservada preferencialmente ao particular pelo caput do dispositivo, ele obedece, no silêncio da lei, a normas de direito privado. Estas normas são a regra; o direito público é exceção e, como tal, deve ser interpretado restritivamente.

Outra conclusão é de que a própria Constituição estabelece o regime jurídico privado, as derrogações desse regime somente são admissíveis quando delas decorrem implícita ou explicitamente. A lei ordinária não pode derrogar o direito comum, se não admitida esta possibilidade pela Constituição.

Tais conclusões, repita-se, somente se aplicam quando as empresas governamentais sejam instituídas para atuar na área da iniciativa privada.

Isto porque, como o art. 173 cuida especificamente da atividade de natureza privada, exercida excepcionalmente pelo Estado por razões de segurança nacional ou interesse coletivo relevante, há que se concluir que as normas dos §§ 1º e 2º só incidem nessa hipótese. Se a atividade for econômica (comercial ou industrial) mas assumida pelo Estado como serviço público, tais normas não têm aplicação, incidindo, então, o artigo 175 da Constituição, segundo o qual incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.[46]

São normas de direito público aplicáveis indistintamente a todas as sociedades empresárias estatais, por força de imposição constitucional: (i) sujeição aos princípios da Administração Pública; (ii) celebração de contratos mediante licitação pública[47]; (iii) admissão de pessoal permanente por meio de concurso público[48]; e (iv) fiscalização pelos órgãos de controle externo e interno[49]. Entretanto, exatamente por sofrerem o influxo do regime de direito privado e atuarem em situação de concorrência efetiva ou potencial com empreendedores particulares, deve ser ressalvado que as normas de direito público incidentes sobre as sociedades empresárias estatais exploradoras de atividade econômica em sentido estrito precisam ser interpretadas com certa ponderação.

Portanto, o regime jurídico-constitucional a que se submetem as empresas estatais pode, em resumo, ser assim definido: (i) para as sociedades empresárias estatais que explorem atividade econômica em sentido estrito, é compulsória a adoção do regime próprio das empresas privadas, exceto no que for derrogado por norma de hierarquia constitucional; e (ii) para as empresas estatais que desempenhem serviços públicos, aplica-se o regime jurídico próprio das empresas privadas, exceto no que for derrogado por norma constitucional ou mediante lei específica.

Neste ponto, vale citar a decisão do Superior Tribunal de Justiça no REsp 929758:

  1. As empresas estatais podem atuar basicamente na exploração da atividade econômica ou na prestação de serviços públicos, e coordenação de obras públicas.
  2. Tais empresas que exploram a atividade econômica – ainda que se submetam aos princípios da administração pública e recebam a incidência de algumas normas de direito público, como a obrigatoriedade de realizar concurso público ou de submeter a sua atividade-meio ao procedimento licitatório – não podem ser agraciadas com nenhum beneplácito que não seja, igualmente, estendido às demais empresas privadas, nos termos do art. 173, § 2º da CF, sob pena de inviabilizar a livre concorrência.
  3. Aplicando essa visão ao tema constante no recurso especial, chega-se à conclusão de que a Súmula 39/STJ – que determina a não aplicabilidade do prazo prescricional reduzido às sociedades de economia mista – deve ter interpretação restrita, de modo a incidir apenas em relação às empresas estatais exploradoras da atividade econômica.
  4. Por outro lado, as empresas estatais que desempenham serviço público ou executam obras públicas recebem um influxo maior das normas de direito público. Quanto a elas, não incide a vedação constitucional do art. 173, § 2º, justamente porque não atuam em região onde vige a livre concorrência, mas sim onde a natureza das atividades exige que elas sejam desempenhadas sob o regime de privilégios.
  5. Pode-se dizer, sem receios, que o serviço público está para o estado, assim como a atividade econômica em sentido estrito está para a iniciativa privada. A prestação de serviço público é atividade essencialmente estatal, motivo pelo qual, as empresas que a desempenham sujeitam-se a regramento só aplicáveis à Fazenda Pública. São exemplos deste entendimento as decisões da Suprema Corte que reconheceram o benefício da imunidade tributária recíproca à Empresa de Correios e Telégrafos – ECT, e à Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia – CAERD. (RE 407.099/RS e AC 1.550-2).
  6. Não é por outra razão que, nas demandas propostas contra as empresas estatais prestadoras de serviços públicos, deve-se aplicar a prescrição quinquenal prevista no Decreto 20.910/32. Precedentes: (REsp 1.196.158/SE, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19.8.2010, DJe 30.8.2010), (AgRg no AgRg no REsp 1.075.264/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 2.12.2008, DJe 10.12.2008).

É relevante observar que, diante da não incidência do art. 173 da Constituição às empresas estatais que prestem serviços públicos, o Supremo Tribunal Federal entendeu pela aplicabilidade do regime de precatório à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. Transcrevo abaixo a ementa do RE 220.906:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. IMPENHORABILIDADE DE SEUS BENS, RENDAS E SERVIÇOS. RECEPÇÃO DO ARTIGO 12 DO DECRETO-LEI Nº 509/69. EXECUÇÃO.OBSERVÂNCIA DO REGIME DE PRECATÓRIO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. À empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo 12 do Decreto-lei nº 509/69 e não-incidência da restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. 2. Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta serviço público da competência da União Federal e por ela mantido. Execução. Observância ao regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no artigo 100 da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido.

A Corte Suprema também determinou a aplicação da regra de imunidade tributária recíproca (art. 150, IV, “a”, CRFB[50]) à Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária – INFRAERO, na qualidade de empresa pública prestadora de serviços públicos (RE 363.412[51]). Além disso, foi ainda reconhecida essa imunidade em favor de três hospitais constituídos sob a forma de sociedade de economia mista (Hospital Nossa Senhora da Conceição S/A; Hospital Fêmina S/A; e Hospital Cristo Redentor S/A), todos eles controlados pela União (RE 580.264).

Quanto à concessão de imunidade recíproca a sociedades estatais que prestavam serviços de saúde, é importante mencionar que a decisão do Supremo Tribunal Federal (RE 580.264) fundamentou-se não apenas na natureza da atividade prestada, mas também na composição societária, na origem das receitas e na ausência de distribuição de dividendos aos sócios[52]. Portanto, para avaliar a viabilidade jurídica da aplicação de prerrogativas próprias da fazenda pública a empresas estatais, torna-se imprescindível a análise acerca da situação específica da respectiva entidade, em especial o quadro societário, a fonte das receitas e a distribuição de resultados.

Cabe reproduzir parte do Voto do Ministro Dias Toffoli no RE 580.264:

Concluindo, o essencial é que os hospitais recorrentes – entidades da administração indireta – prestam um serviço público de saúde como longa manus da União, sem qualquer contraprestação dos usuários desses serviços. Dessa peculiaridade decorre o ingresso das recorrentes no âmbito de incidência do § 2º do art. 150 da Constituição Federal, fazendo jus à imunidade prevista no art. 150, VI, “a” da Constituição Federal, relativamente aos impostos estaduais. (…) Ressalto, ademais, que o entendimento ora perfilhado tem em vista tão somente as particularidades do caso concreto, não se estendendo a outras sociedades de economia mista. [53]

Reforçando a conclusão de que a aplicação de prerrogativas típicas da fazenda pública a empresas estatais demanda cuidadoso exame do caso concreto, transcrevo os seguintes trechos do Voto da Ministra Ellen Gracie no RE 580.264:

Note-se que o § 3º do art. 150 destaca que a imunidade dos entes políticos não é absoluta, não se aplicando ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. Com isso, o ente político que, a princípio, seria imune pela sua forma, passa a ter parte da sua atuação não abrangida pela imunidade em razão da natureza ou o modo desta, por estar atuando no mercado ou cobrando preços ou tarifas. Na mesma linha, mas em sentido inverso, a jurisprudência desta Corte tem entendido que empresas públicas que prestam serviços públicos em regime de monopólio estão abrangidas pela imunidade, como é o caso da INFRAERO (RE 363.412) e da ECT (ACO 765, RE 407.009-5, ACO 789). Ou seja, empresa pública que, a princípio, não seria imune em razão de sua forma jurídica, acaba sendo alcançada pela imunidade por desempenhar serviço público em regime de exclusividade, como extensão do próprio ente político, não sujeito à concorrência. No caso dos autos, temos uma sociedade de economia mista com características que a distinguem muito do que normalmente caracteriza tais empresas. Enquanto normalmente há uma participação tanto do Poder Público como dos particulares nas sociedades de economia mista e atuam estas em setores da economia marcados pela concorrência, inclusive visando e distribuindo lucros, no caso concreto a situação é distinta. O Grupo Hospitalar Conceição é uma sociedade de economia mista cujas ações pertencem, na sua quase totalidade, à União, que não apenas a controla como detém 99,9% da sua titularidade. A União, com isso, passou a destinar os hospitais que compõem o grupo ao atendimento da população para cumprimento do seu dever de prestar serviço de saúde. (…) Não faria mesmo sentido exigir que parte dos recursos destinados pela União para a prestação de serviços de saúde à população, através de sociedade de economia mista da qual detém 99,9% das ações, tivessem de ser despendidos com o pagamento de impostos estaduais e municipais. (…) Há de se destacar, pois, que, embora normalmente, sujeitas ao pagamento de impostos, as sociedades de economia mista podem vir a gozar de imunidade quando a natureza dos serviços por elas prestados e modo como exercidos evidenciem tratar-se de longa manus dos entes políticos para a prestação de serviços públicos típicos à população, sem contraprestação e sem finalidade lucrativa. (…) Então, também numa interpretação sistemática das imunidades, se até as entidades privadas beneficentes são imunes, que se dirá de uma entidade cujo capital pertence 99,9% à União e que se dedica integralmente à prestação de serviços de saúde pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ante o exposto, voto pelo reconhecimento da imunidade ao Grupo Hospitalar Conceição e pelo conseqüente provimento do recurso extraordinário, ressalvando, apenas, que o pronunciamento da questão posta em sede de repercussão geral só aproveita a hipóteses idênticas, vale dizer, em que o ente público seja controlador majoritário do capital da sociedade de economia mista em que a atividade desta corresponda à própria atuação do Estado na prestação de serviços constitucionalmente asseguradas aos cidadãos. Disso resulta que o precedente será aplicado a número bastante restrito de casos.[54]


Em decisão mais recente, o Supremo Tribunal Federal negou a concessão de privilégios próprios da fazenda pública, particularmente a aplicação do regime de precatório, à sociedade denominada Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A (ELETRONORTE), subsidiária da ELETROBRAS (RE 599.628). Nesse caso, afirmou o Excelso Pretório que o regime de precatório não poderia ser estendido a “sociedades de economia mista que executem atividades em regime de concorrência ou que tenham como objetivo distribuir lucros aos seus acionistas”. Esta é a ementa do referido julgado (RE 599.628):

Ementa: FINANCEIRO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PAGAMENTO DE VALORES POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. INAPLICABILIDADE DO REGIME DE PRECATÓRIO. ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA CONSTITUCIONAL CUJA REPERCUSSÃO GERAL FOI RECONHECIDA. Os privilégios da Fazenda Pública são inextensíveis às sociedades de economia mista que executam atividades em regime de concorrência ou que tenham como objetivo distribuir lucros aos seus acionistas. Portanto, a empresa Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. – Eletronorte não pode se beneficiar do sistema de pagamento por precatório de dívidas decorrentes de decisões judiciais (art. 100 da Constituição). Recurso extraordinário ao qual se nega provimento.

No caso da ELETRONORTE, a conclusão pela inaplicabilidade de regras próprias da fazenda pública também decorreu de minuciosa análise das características específicas da empresa, conforme demonstra o seguinte trecho do Voto do Ministro Joaquim Barbosa:

Ao perseguir o lucro como objetivo principal, o Estado deve despir-se das garantias soberanas necessárias à proteção do regime democrático, do sistema republicano e do pacto federativo, pois tais salvaguardas são incompatíveis com a livre iniciativa e com o equilíbrio concorrencial. O direito de buscar o lucro é essencial ao modelo econômico adotado na Constituição, tendo como perspectiva o particular, e não o Estado. Se a relevância da atividade fosse suficiente para reconhecer tais garantias, atividades como os serviços de saúde, a extração, refino e distribuição de petróleo, a indústria petroquímica, as empresas farmacêuticas e as entidades de educação também seria (sic) beneficiárias de tais prerrogativas, bastando que o Poder Público se aliasse ao corpo societário do empreendimento privado. No caso em exame é incontroverso que a recorrente tem como objetivo principal o lucro. Segundo o balanço de 2009, a Eletronorte encerrou o exercício com ativos da ordem de R$ 17.954.177.000,00 (dezessete bilhões, novecentos e cinqüenta e quatro milhões e cento e setenta e sete mil reais). No mesmo período, seu patrimônio líquido, somado ao valor do Adiantamento para Futuro Aumento de Capital, alcançou o montante de R$ 10.227.063.000,00 (dez bilhões, duzentos e vinte e sete milhões e sessenta e três mil reais). Ademais, sua controladora, a Eletrobrás, possui ações livremente negociadas em bolsas de valores, como a New York Stock Exchange (ADR). A meu sentir, a recorrente, sociedade de economia mista, não explora o potencial energético das fontes nacionais independentemente de qualquer contraprestação, mas o faz, licitamente, para obter lucro. E, portanto, não ocupa o lugar do Estado. Assim, pedindo vênia ao eminente relator, nego provimento ao recurso extraordinário.[55]

Considerando que a ELETRONORTE se dedica ao serviço de geração e transmissão de energia elétrica, a decisão proferida no RE 599.628 resulta na conclusão de que não se deve equiparar todas as empresas estatais que explorem serviços públicos. Seria então necessário avaliar em que condições essas empresas operam, pois em muitos casos existe competição entre os concessionários. Um bom exemplo é o serviço de telecomunicações, em que vigora elevado nível de competição entre os agentes econômicos participantes do mercado. Certamente que, diante da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, empresa estatal constituída para a exploração desse serviço não poderia ser beneficiada por privilégios não extensíveis às empresas privadas atuantes no mesmo setor, sob pena de violação ao princípio da livre concorrência.

Portanto, a questão do regime jurídico das empresas estatais ganha ainda mais complexidade, pois segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os privilégios da fazenda pública não podem ser indiscriminadamente estendidos às empresas estatais que prestem serviços públicos. Tal não poderia ocorrer quando a atividade seja explorada em regime de concorrência. Isso significa que a alteração do regime jurídico de determinado serviço público pode conduzir à inconstitucionalidade de certos privilégios concedidos às empresas estatais que os explorem.

Até bem pouco tempo, a INFRAERO reinava sozinha na exploração dos serviços infra-estrutura aeroportuária (art. 21, XII, “c”, da Constituição). Nessa qualidade, faz jus à imunidade recíproca de que trata o art. 150 da Lei Maior. Porém, três aeroportos foram recentemente privatizados, passando então a serem operados por consórcios dos quais a INFRAERO participa na condição de sócia minoritária. Em consequência, o serviço público que até então era outorgado a uma empresa estatal passou a ser objeto de concessão, pelo menos em relação a três grandes aeroportos. Ficaria assim descaracterizada a execução direta do serviço público. Resta saber se daí já se poderia presumir a instalação de “regime de concorrência” no âmbito dos serviços aeroportuários, apto a afastar o privilégio que foi judicialmente assegurado à INFRAERO.

Registre-se que uma das condições estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal para aplicar o regime próprio da fazenda pública às sociedades empresárias estatais que explorem serviço público foi a ausência de objetivo lucrativo, consistente na distribuição de dividendos aos sócios. Essa condição causa certa perplexidade porque, conforme já exposto, uma das características intrínsecas das sociedades empresárias é exatamente a partilha dos resultados entre os sócios. Esse objetivo consta da própria definição do contrato de sociedade, previsto no art. 981 do Código Civil. Além disso, é possível que ocorra distribuição de lucros em determinados exercícios, mas em outros não. Portanto, torna-se necessário analisar os resultados da respectiva empresa para avaliar se é juridicamente viável que lhe sejam estendidas certas prerrogativas típicas da fazenda pública, como o regime de precatórios e a imunidade recíproca.


Assim sendo, a definição do regime jurídico das empresas estatais que explorem serviços públicos restaria dependente de condições que demandam uma avaliação casuística, envolvendo a apreciação dos seguintes fatos: a configuração de um regime concorrencial no âmbito da prestação do serviço público, a ausência de distribuição de dividendos aos sócios, a composição societária e a origem dos recursos.

Cabe citar o seguinte trecho da obra de Mario Engler Pinto Júnior:

A feição autárquica pode até fazer sentido para a empresa pública unipessoal que presta serviço público de competência do ente controlador, pois a situação é em tudo equiparada à prestação direta pelo Estado, tornando justificável o benefício da imunidade. O mesmo tratamento afigura-se descabido se a prestação do serviço público for intermediada por sociedade de economia mista com participação de acionistas privados, ou por empresa estatal atuando como concessionária de outra esfera de governo. Nesse caso, o interesse da companhia adquire autonomia própria, seja porque passa a abrigar anseios estranhos à administração pública, seja porque fica sujeito a influências externas à vontade do Estado.[56]

Do exposto, conclui-se que, segundo a jurisprudência que vem sendo firmada pelo Supremo Tribunal Federal, a atribuição de privilégios próprios da fazenda pública para empresas estatais dependeria da observância dos seguintes pressupostos: (i) o objeto social deve consistir na prestação de um serviço público; (ii) o serviço público deve ser exercido em caráter monopolista; e (iii) a empresa estatal não pode distribuir lucros aos sócios.


CONCLUSÃO

Por todo o exposto, o regime jurídico a que se sujeitam as empresas estatais depende, fundamentalmente, da natureza da atividade a que dediquem. As sociedades que exerçam atividades econômicas em sentido estrito devem necessariamente seguir o regime jurídico próprio das empresas privadas, com exceção apenas das normas de direito público que decorram de determinação constitucional. Por outro lado, as empresas estatais que prestem serviços públicos poderiam ser submetidas a um regime diferenciado. A essas empresas seria possível a concessão de prerrogativas próprias da fazenda pública, ainda que não decorrentes diretamente do texto constitucional. Contudo, segundo sinaliza a recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os privilégios característicos da fazenda pública não seriam extensíveis às empresas estatais em cuja composição do capital houvesse relevante participação privada, que distribuam lucros aos seus sócios ou ainda quando o serviço público a que se destinem for prestado em regime concorrencial.


BIBLIOGRAFIA.

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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 20ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

FONSECA, João Bosco Leopoldino. Direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa estatal: função econômica e dilemas societários. São Paulo: Atlas, 2010.

SILVA, Américo Luís Martins da. Introdução ao direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002.


Notas

[1] ADI 1642/MG; RE 363412 AgR/BA e no RE 172816/RJ

[2] RE 220.906; RE 363.412; e RE 580.264.

[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 572.

[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 89/90.

[5] Acórdão proferido no RE 220.906, p. 468.

[6] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 86.

[7] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 570/571.

[8] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 20ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 305.

[9] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 566.

[10] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 652.


[11] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 90.

[12] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 666.

[13] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 667.

[14] Em geral, são os denominados direitos de segunda geração, como educação, saúde, assistência social, previdência social, moradia, entre outros.

[15] Art. 170. (…) Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

[16] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 572.

[17] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 667.

[18] Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

[19] Há entendimento de que a lei não pode criar serviços públicos que não estejam previstos na Constituição, reduzindo com isso o universo das atividades econômicas em que vigora a livre iniciativa. Nesse sentido: AGUILLAR, Fernando Herren. Direito econômico: do direito nacional ao supranacional. São Paulo: Atlas, 2006, p. 273.

[20] PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa estatal: função econômica e dilemas societários. São Paulo: Atlas, 2010, p. 218.

[21] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 568.

[22] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 572.

[23] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 91/92.

[24] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 568/569.

[25] Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

[26] SILVA, Américo Luís Martins da. Introdução ao direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 176/177.

[27] SILVA, Américo Luís Martins da. Introdução ao direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 177.

[28] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor;VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

[29] Art. 177. Constituem monopólio da União: I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; V – a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal

[30] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 768.

[31] CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de direito administrativo. 2ª ed. Salvador: JusPodivm, 2009, p. 706.

[32] Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: I – sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; IV – a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; V – os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores. § 2º – As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.


[33] FONSECA, João Bosco Leopoldino. Direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

[34] Voto proferido em Acórdão no RE 220.906, p. 463/465.

[35] BANDEIR


O avanço da injustiça tributária: Carro novo no Distrito Federal é parcialmente isento de IPVA

Aldemario Araujo Castro
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Professor da Universidade Católica de Brasília

Brasília, 5 de fevereiro de 2012

Foi realizado, no dia 27 de janeiro de 2012, um debate sobre o Controle Social da Gestão Tributária, promovido pelo Sindicato Nacional dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil – SINDIRECEITA(1). O evento integrou as atividades do Fórum Social Temático ocorrido em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

Ao participar do debate, sustentei antiga concepção sobre a espécie de Reforma Tributária a ser concretizada no Brasil(2). Nessa seara, são dois os objetivos principais a serem perseguidos: a) redução da complexidade excessiva do Sistema Tributário e b) construção de um Sistema Tributário, no plano de legislação infraconstitucional, voltado para a realização da Justiça Fiscal.

Nessa perspectiva, somente uma vigorosa mobilização social, notadamente em espaços institucionais onde possam ser manejados instrumentos adequados, pode reverter a perversa lógica que impera nas últimas décadas na conformação e operacionalização das políticas tributárias. Entre esses espaços institucionais são particularmente relevantes: a) o Senado Federal, no exercício da competência expressamente definida no art. 52, inciso XV, da Constituição(3) e b) o Conselho de Política e Administração Tributária – CONPAT(4).

Especificamente no campo da injustiça tributária reinante atualmente na sociedade brasileira são inúmeros e variados os caminhos idealizados e implementados nos laboratórios dos formuladores da política tributária. Registro, para ilustrar a afirmação anterior, alguns desses expedientes:

a) uma fortíssima pressão sobre o consumo (e o trabalho, por extensão), aliviando outras bases econômicas (como a propriedade e a renda, notadamente decorrente do capital). Ilustre-se esse ponto com uma das mais absurdas decisões tributárias do STF. Trata-se do inusitado entendimento de que o IPVA somente incide sobre veículos automotores terrestres. Assim, um carro popular com cinco anos de uso pagará o tributo, mas um helicóptero, um avião ou uma lancha escaparão do “leão”(5)(6);

b) os juros sobre o capital próprio. Por essa via, a remuneração do capital do proprietário, nas suas várias formas jurídicas, tradicionalmente realizada como lucros e dividendos, pode ser feita como juros, reduzindo o imposto de renda. Ademais, o rendimento percebido a esse título pelo sócio ou acionista será tributado exclusivamente na fonte com a alíquota de 15%, revelando-se, assim, um tratamento profundamente injusto quando comparado aos rendimentos provenientes do trabalho. Alerte-se que esse mecanismo fiscal, introduzido pelo governo Fernando Henrique Cardoso, não possui similar em nenhum outro país(6);

c) a isenção da distribuição de lucros e dividendos e da remessa de lucros para o exterior. Não há tributação dessas rendas na fonte ou na declaração anual de ajuste. Em torno desse assunto existe uma flagrante demonstração de tratamento tributário diferenciado para segmentos sociais distintos. Com efeito, a distribuição de lucros e resultados da empresa para os trabalhadores é considerada antecipação do imposto de renda devido na declaração da pessoa física, portanto, sujeita à tabela progressiva do imposto de renda(6);

d) a tributação exclusiva na fonte sobre os ganhos e rendimentos de capital. Nessa modalidade de operacionalização da tributação, o tributo é retido, em caráter definitivo, pela fonte pagadora. Essa, por sua vez, entrega ao beneficiário o valor já líquido do tributo. Nessa modalidade de tributação não se aplica a tabela progressiva do imposto e não ocorre ajuste na declaração anual do imposto. Assim, tão-somente em função do segmento econômico-social beneficiado pelo rendimento foi construído um injusto mecanismo de favorecimento fiscal(6) e

e) isenção do imposto de renda para investidores estrangeiros no âmbito do mercado financeiro(6).

Nos últimos dias do ano de 2011, o Distrito Federal presenciou mais um capítulo da triste novela da injustiça fiscal-tributária no Brasil. Com efeito, por força da Lei Distrital n. 4.733, de 29 de dezembro de 2011, foi concedida isenção do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) para veículo automotor novo, no ano de sua aquisição(7).

A engenharia jurídico-tributária presente no diploma legal mencionado permite, como efetivamente permitiu, sustentar falsamente que se trata de uma mera postergação do pagamento do IPVA para os anos seguintes ao da aquisição do veículo novo. Com efeito, a mesma lei aumentou, nos três anos posteriores ao da compra do veículo novo, a alíquota do IPVA de 3% para 3,5%.

Perceba-se que o IPVA não recolhido no primeiro ano é recuperado parcialmente, pelo Poder Público, nos três anos seguintes ao da aquisição. Em termos de alíquota, somente 1,5% são cobrados nos anos seguintes (e não três por cento). Por outro lado, a base de cálculo (valor venal do automóvel) cai ao longo dos anos em função da perda de valor do veículo.

Eis um exemplo com demonstração numérica da inequívoca redução do IPVA pago por aquele agraciado com o privilégio tributário em comento:

  2012 2013 2014 2015 Valor Total Recolhido
Base de Cálculo R$ 120.000,00 R$ 110.000,00 R$ 90.000,00 R$ 85.000,00
Alíquota sem Isenção 3,00% 3,00% 3,00% 3,00%
Alíquota com Isenção 0,00% 3,50% 3,50% 3,50%
IPVA sem Isenção R$3.600,00 R$3.300,00 R$2.700,00 R$2.550,00 R$12.150,00
IPVA com Isenção 0 R$3.850,00 R$3.150,00 R$2.975,00 R$9.975,00

Assim, viabilizou-se um quadro de puro surrealismo tributário. Alguém, suficientemente endinheirado, pagará proporcionalmente menos IPVA nos quatro anos contados a partir da aquisição de um veículo novo do que outro cidadão, com menor estofo pecuniário, que mediante economia de recursos ou empréstimo, comprar um veículo usado. No limite, justamente para aqueles mais bafejados pela sorte financeira, não será pago um centavo de IPVA. Para tanto, o afortunado deve vender o carro no final do ano da aquisição e adquirir um novo no início do ano subsequente.

Particularmente, não tenho nenhuma dificuldade de identificar a inconstitucionalidade da medida legislativa em comento. São violados, pelo menos, o princípio da isonomia tributária (art. 150, inciso II, da Constituição) e a necessidade de graduar a tributação segundo a capacidade econômica do contribuinte (art. 145, parágrafo primeiro, da Constituição).

A justificativa de que a medida busca a harmonização da legislação do Distrito Federal com a de outros Estados da Federação é simplesmente inaceitável. Trata-se, por essa via, de uniformizar a inconstitucionalidade com claro aprofundamento da injustiça tributária já fortemente experimentada na sociedade brasileira. A malversação da legislação tributária no rumo em questão pode e deve ser combatida pelo Governador do Distrito Federal por intermédio do manejo de ações diretas de inconstitucionalidade(8).

Ademais, estamos diante de um discutível incentivo à aquisição de veículos novos no Distrito Federal que já sofre seriíssimos problemas de trânsito com uma frota que ultrapassa 1.200.000 (um milhão e duzentos mil) veículos para quase 2.500.000 (dois milhões e quinhentos mil) habitantes(9).

Portanto, esse é mais um emblemático exemplo da imperiosa necessidade da sociedade brasileira, por seus setores e segmentos organizados, dedicarem tempo, atenção e energia para a realização de um controle efetivo sobre a formulação e a execução das políticas tributárias federais, estaduais, distrital e municipais.

NOTAS:

(1) Site na internet: http://www.sindireceita.org.br.

(2) Artigo QUANTO CUSTA O BRASIL PRA VOCÊ? (Parte II – Reforma Tributária). Disponível em: <http://www.aldemario.adv.br/quantoparte2reforma.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2012.

(3) “avaliar periodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, em sua estrutura e seus componentes, e o desempenho das administrações tributárias da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios”.

(4) Previsto em projeto de lei apresentado na Câmara dos Deputados por influência do SINDIRECEITA.

(5) Recurso Extraordinário n. 255.111/SP. Julgado pelo Tribunal Pleno em 29 de maio de 2002.

(6) Ver: http://www.aldemario.adv.br/mestradodiss.htm

(7) Disponível em: <http://www.fazenda.df.gov.br/aplicacoes/legislacao/legislacao/TelaSaidaDocumento.cfm? txtNumero=4733&txtAno=2011&txtTipo=5&txtParte=.>. Acesso em: 4 fev. 2012.

(8) Art. 103, inciso V, da Constituição.

(9) Disponível em: <http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2011/02/13/interna_cidadesdf,23 7496/em-10-anos-frota-de-carros-no-df-cresceu-cinco-vezes-mais-que-populacao.shtml>. Acesso em: 4. fev. 2012.


Incentivos fiscais em tempos de crise: Impactos econômicos e reflexos financeiros

Autor: Matheus Carneiro Assunção, Bacharel em Direito pela UFPE, Bacharel em Administração pela UPE, Especialista em Direito Tributário pelo IBET, Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV, Pós-graduado em Direito Tributário pela USP, Mestrando na área de Direito Financeiro pela USP, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Procurador da Fazenda Nacional.

Veículo: Revista da PGFN, ano 1 número 1, jan/jun. 2011

RESUMO – O presente artigo busca analisar os reflexos econômicos e financeiros dos incentivos fiscais concedidos pelo Governo Federal durante a crise internacional de 2008, bem como os impactos de tais medidas no federalismo fiscal brasileiro. O estudo também procura identificar a ligação entre os objetivos constitucionais que autorizam a intervenção do Estado sobre o domínio econômico e as desonerações tributárias realizadas no ápice dos efeitos da crise, quando ondas de incertezas no mundo geraram fortes retrações na produção e na demanda doméstica. Por fim, pretende evidenciar os reflexos das medidas anticíclicas adotadas entre 2008 e 2009 no sistema de repartição de receitas tributárias, especialmente os desequilíbrios nas finanças públicas de entes federados.

1 Introdução

A crise financeira desencadeada em 2008 empurrou os mercados globalizados em queda livre1. Atirado no mar de tormentas do capitalismo contemporâneo, o Brasil precisou adotar medidas céleres para conter os efeitos danosos da retração econômica, através da implementação de políticas anticíclicas. Nesse sentido, foram concedidos diversos incentivos fiscais pelo Governo Federal, no fito de fomentar a reconstrução das demandas domésticas negativamente afetadas, de maneira a garantir a continuidade do desenvolvimento nacional. A intervenção estatal, mais do que necessária, revelou-se vital.

Todavia, em função do modelo de repartição de receitas tributárias previsto na Constituição de 1988, as desonerações fiscais utilizadas para conter a crise acabaram produzindo reflexos financeiros negativos para os entes federados, comprometendo o equilíbrio de contas públicas e a continuidade de programas sociais, especialmente nos pequenos municípios.

O presente estudo busca analisar, de um lado, os impactos econômicos dos incentivos fiscais editados no contexto da crise internacional, identificando em que compasso podem ser empregados para promover o desenvolvimento nacional, bem como os parâmetros jurídicos que permitem o seu controle. De outro lado, pretende cotejar os reflexos financeiros dessas medidas no arranjo de partilhas característico do federalismo fiscal brasileiro.

Inevitavelmente, toda crise chega ao fim, mas não sem deixar marcas, tanto positivas quanto negativas. Algumas são claramente perceptíveis; outras exigem exames com lupas de maior alcance, não apenas focadas no campo da visão tributária, mas também econômica e financeira. Procuraremos, nas linhas seguintes, examinar algumas dessas marcas, com lentes multifocais.

2 Intervenção do Estado sobre o domínio econômico

O intervencionismo estatal é fenômeno concernente ao exercício de uma ação sistemática sobre a economia, “estabelecendo-se estreita correlação entre o subsistema político e o econômico, na medida em que se exige da economia uma otimização de resultados e do Estado a realização da ordem jurídica como ordem do bem-estar social”2. Pode ocorrer de forma direta ou indireta. Na intervenção direta, o Estado assume o exercício de atividades econômicas. Na indireta, age através da direção ou controle normativo3. A modalidade indireta, assim, configura uma “intervenção exterior, de enquadramento e de orientação que se manifesta em estímulos ou limitações, de vária ordem, à actividade das empresas”.4

Ensina Eros Roberto Grau5 que a intervenção do Estado pode se dar: (i) por absorção ou participação; (ii) por direção; (iii) por indução. A primeira hipótese representa uma intervenção no domínio econômico, ou seja, no âmbito de atividades econômicas em sentido estrito, atuando o Estado em regime de monopólio (intervenção por absorção) ou de competição (intervenção por participação). As duas outras hipóteses consubstanciam modalidades de intervenção sobre o domínio econômico, desenvolvendo o Estado o papel de regulador.

Através das normas de indução, o Estado “privilegia determinadas atividades em detrimento de outras, orientando os agentes econômicos no sentido de adotar aquelas opções que se tornarem economicamente mais vantajosas”6, mas não fixa sanções pela não-adesão à hipótese estimulada. Entretanto, o incentivo ao comportamento sugerido tende a ser bastante atrativo, na medida em que gera posições de vantagem no mercado para os agentes econômicos alcançados pelo comando normativo, o qual pode prever diferentes espécies e níveis de estímulos.

É no campo da intervenção por indução que o Estado pode se valer da política fiscal para alcançar finalidades específicas, “com a concessão de incentivos fiscais setoriais ou regionais, utilizando a maior ou menor incidência de carga tributária como mecanismo redutor de custos e estimulador de atividades econômicas”.7 Tais finalidades, porém, devem ter amparo na Constituição. Afinal, são nos valores por ela albergados que encontra ressonância a própria justificativa da intervenção estatal.

Vale ressaltar que a Constituição de 1988 prevê, em seu art. 170, que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social8. A ação do Estado sobre o domínio econômico, com efeito, não poderá olvidar tais fundamentos, e deverá pautar-se nos princípios e objetivos fixados no texto constitucional, dentre os quais a redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170, inciso VII), a busca do pleno emprego (art. 170, inciso VIII) e a garantia do desenvolvimento nacional (art. 3º, II).

Embora referidos princípios e objetivos sejam dotados de elevado grau de abstração e generalidade, o que dificulta o controle finalístico da medida interventiva, constituem cânones a subsidiar o intérprete. Intervenções estatais despropositadas, em afronta à igualdade ou à proporcionalidade, não podem ser toleradas no contexto de um Estado Democrático e Social de Direito.

A face geralmente oculta da tributação – a desoneração fiscal – pode ser um eficiente instrumento de intervenção indutora do Estado, com vistas à promoção do desenvolvimento econômico. Mas cabe ressalvar: o uso desse instrumento deve atentar para as molduras traçadas pela Constituição, uma vez que a eficiência econômica, por si mesma, não legitima as ações estatais9.

3 Extrafiscalidade

Os tributos, além de terem a função arrecadatória de receitas para a manutenção do Estado, apresentam funções redistributiva e regulatória10. Podem, assim, oportunizar desde a redução de desigualdades sociais à regulação de mercados. Nesse sentido, a principal finalidade de muitos tributos “não será a de instrumento de arrecadação de recursos para o custeio das despesas públicas, mas a de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada”11.

Por meio da tributação (e da desoneração), possibilita-se ao Estado intervir sobre o domínio econômico de forma indireta, induzindo a adoção de determinados comportamentos. É a vertente da extrafiscalidade. Nas palavras de Geraldo Ataliba, a extrafiscalidade se configura pelo “emprego deliberado do instrumento tributário para finalidades não financeiras, mas regulatórias de comportamentos sociais, em matéria econômica, social e política”.12 Segue esta mesma linha o pensamento de Raimundo Bezerra Falcão, para quem “a extrafiscalidade é atividade financeira que o Estado exercita sem o fim precípuo de obter recursos para o seu erário, para o fisco, mas sim com vistas a ordenar ou re-ordenar a economia e as relações sociais”.13

Explica José Casalta Nabais14 que a extrafiscalidade pode ser traduzida no conjunto de normas que tem por finalidade dominante a consecução de resultados econômicos ou sociais, por meio da utilização do instrumento fiscal, e não a obtenção de receitas para fazer face às despesas públicas. De acordo com os ensinamentos de Roque Antonio Carrazza, a extrafiscalidade se caracteriza “quando o legislador, em nome do interesse coletivo, aumenta ou diminui as alíquotas e/ou as bases de cálculo dos tributos, com o objetivo principal de induzir contribuintes a fazer ou deixar de fazer alguma coisa”.15

As exações e desonerações tributárias, desse modo, se colocam como ferramentas para o incentivo ou coibição de condutas por parte dos destinatários normativos, contribuindo para a realização – ou até realizando diretamente – finalidades propugnadas pela Constituição Federal.16 Quando as exonerações são utilizadas para incentivar condutas que promovem a efetivação de objetivos constitucionais, com impactos no seio social, justifica-se a extrafiscalidade17. São esses objetivos e finalidades, em síntese, que legitimam a intervenção estatal.


Nota-se, porém, que o conceito de extrafiscalidade está relacionado a características não-arrecadatórias, isto é, não-fiscais, dos tributos. O próprio prefixo “extra” é indicativo dessa alusão “para além”, ou seja, de exceção ao padrão da simples fiscalidade. A distinção entre fiscalidade de extrafiscalidade, neste compasso, repousaria na finalidade da norma tributária. Tributos de cunho fiscal seriam instrumentos de arrrecadação, enquanto tributos extrafiscais seriam preponderantemente mecanismos de intervenção na ordem econômica e social18.

Todavia, conforme adverte Alfredo Augusto Becker19, na construção dos tributos não se ignora o finalismo extrafiscal, nem se esquece o fiscal, pois ambos coexistem: há apenas maior ou menor prevalência deste ou daquele finalismo. A presença de uma dessas finalidades não exclui necessariamente a outra. Mesmo tributos de caráter eminentemente arrecadatório, como o Imposto sobre a Renda, podem ser alterados com finalidades extrafiscais.

Com base na lição de Klaus Vogel, que identifica nas normas tributárias a função de distribuir a carga tributária (conforme critérios de justiça distributiva), a função indutora e a função simplificadora, Luís Eduardo Schoueri defende ser a extrafiscalidade gênero, do qual seriam espécie as normas tributárias indutoras20. Tais normas visam a alcançar determinadas finalidades, demandando do intérprete o cotejamento de elementos extratextuais, como o contexto histórico e econômico em que editadas. Daí a pertinência do método teleológico.

O método teleológico tem por escopo “apanhar a função de cada dispositivo legal dentro da estrutura da ordem jurídico-tributária e em seu relacionamento com as demais partes da ordem jurídica”21. Essa forma de interpretar o Direito parte da premissa de que é sempre possível atribuir um dado propósito às normas. Seu movimento interpretativo, conforme explica Tercio Sampaio Ferraz Jr., “parte das conseqüências avaliadas das normas e retorna para o interior do sistema”22. Nesse giro, considerações econômicas podem ser levantadas em sustentação do alcance de determinada finalidade pela norma jurídica tributária.

Com efeito, é possível afirmar que finalidades inerentes à estrutura de normas tributárias indutoras formam um substrato axiológico que não se pode ignorar. A circunstância de carecerem de positivação expressa não deve conduzir ao absurdo de negá-las23. Cabe ao intérprete avaliar, com base no método teleológico, a compatibilidade entre tais finalidades e o sistema constitucional.

4 Conceito, modalidades e efeitos dos Incentivos Fiscais

O Decreto n. 2.543A, de 05/01/1912, que estabelecia “medidas destinadas a facilitar e desenvolver a cultura da seringueira, do caucho, da maniçoba e da mangabeira e a colheita e beneficiamento da borracha extraída dessas árvores”, prevendo a isenção de impostos de importação, prêmios para aqueles que fizessem plantações regulares e inteiramente novas, além de outros incentivos, talvez tenha sido a experiência pioneira em da instituição de medidas de intervenção por indução no Brasil24. Já nesse momento se percebe a tendência de utilização de incentivos fiscais para o alcance de objetivos econômicos.

Desde tal antecedente histórico até os dias atuais, foram inúmeros os incentivos fiscais criados para viabilizar intervenções sobre o domínio econômico. Mas o que caracteriza esses instrumentos? Qual, afinal, a ideia por trás dos incentivos fiscais?

Numa concepção ampla, incentivos fiscais são medidas que estimulam a realização de determinada conduta25. Nesse sentido, “a concessão de incentivos fiscais se insere como instrumento de intervenção no domínio econômico a fim de que se possam concretizar vetores e valores norteadores do Estado”26.

De forma mais restritiva, parcela da doutrina entende que os incentivos constituem “medidas fiscais que excluem total ou parcialmente o crédito tributário, aplicadas pelo Governo Central com a finalidade de desenvolver economicamente uma determinada região, ou um determinado setor de atividade”27. Seriam, portanto, incentivos fiscais “todas as normas que excluem total ou parcialmente o crédito tributário, com a finalidade de estimular o desenvolvimento econômico de determinado setor de atividade ou região do país”28.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal seguiu esse conceito ligado à ideia de exclusão do crédito tributário, no julgamento dos Recursos Extraordinários n. 577.348 e 561.485, sob a relatoria do Ministro Ricardo Lewandoski, o qual asseverou em seu voto condutor que “incentivos ou estímulos fiscais são todas as normas jurídicas ditadas com finalidades extrafiscais de promoção do desenvolvimento econômico e social que excluem total ou parcialmente o crédito tributário”29.

Entretanto, não são apenas os casos de exclusão do crédito tributário30 que podem configurar incentivos fiscais. O conceito de incentivos fiscais abrange também outras formas de desoneração, como a redução de alíquotas ou mesmo a postergação do prazo de recolhimento de determinada exação.

A técnica da “alíquota zero” é ontologicamente diversa da isenção, e também se insere na categoria dos incentivos fiscais. Ao se estabelecer a alíquota de 0%, ocorre a nulificação do montante devido a título de tributo, em virtude de uma operação matemática de multiplicação. Isso não significa que o produto seja isento, mas apenas que sua alíquota foi fixada em valor nulificante. O resultado da conta, de qualquer modo, é notoriamente um incentivo.

Conforme definição de Rubens Gomes de Souza, um dos idealizadores do Código Tributário Nacional – CTN, a isenção é “favor fiscal concedido por lei, que consiste em dispensar o pagamento de um tributo devido”31. Pressupõe, portanto, a existência de um “tributo devido”, de acordo com a lógica que guiou a redação do art. 175 do CTN.

Com a aplicação de alíquota zero, sequer chega a existir tributo devido, pois o valor resultante da incidência tributária é nulo. Na prática, o resultado financeiro é equivalente a uma isenção, porém as premissas teóricas são distintas. E é precisamente essa distinção que assegura a inaplicabilidade das restrições fixadas no art. 150, §6º, da Constituição Federal32 nos casos de alterações, pelo Poder Executivo, das alíquotas do Imposto de Importação, do Imposto de Exportação, do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, e do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou Relativas a Títulos e Valores Mobiliários – IOF, com fundamento no art. 153, §1º, da Lei Maior33.

Enquanto a outorga de isenção de referidos tributos depende de lei específica, a alteração de alíquotas pode ser realizada por simples decreto do Poder Executivo, permitindo uma maior flexibilidade e agilidade normativa em matéria de regulação econômica através de políticas fiscais. Nesse mesmo viés, o art. 14, §3º, I, da Lei de Responsabilidade Fiscal, exclui alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição da obrigatoriedade de estimativa prévia do respectivo impacto orçamentário-financeiro.

Tampouco se pode enquadrar a concessão de créditos tributários ou diferimentos de prazos para recolhimento na noção de “exclusão” de crédito. No entanto, é inegável que esses estímulos se amoldam à ideia de incentivo fiscal. Assim como ocorre com a redução da base de cálculo ou a concessão de isenção, o mecanismo de creditamentos gera para o particular, ao final, um saldo menor de despesas com o pagamento de obrigações tributárias. O adiamento do prazo para adimplemento de tais obrigações (moratória) também é uma espécie de vantagem operada no lado da arrecadação, pois o custo da postergação (juros e correção monetária) é assumido pelo Estado. Da mesma forma, anistias (perdão legal de infrações) e remissões34 (dispensa do pagamento de débitos tributários) podem ser adotados como espécies de incentivos fiscais.

Nessa perspectiva, pode ser considerado incentivo fiscal qualquer instrumento, de caráter tributário ou financeiro, que conceda a particulares vantagens passíveis de expressão em pecúnia, com o objetivo de realizar finalidades constitucionalmente previstas, através da intervenção estatal por indução. Essas vantagens podem operar subtrações ou exclusões no conteúdo de obrigações tributárias, ou mesmo adiar os prazos de adimplemento dessas obrigações. É possível, ainda, que autorizem transferências diretas destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas, como acontece nas hipóteses previstas no art. 12, §3º, da Lei nº. 4.320/6435 (subvenções).

As subvenções e os subsídios, a nosso ver, configuram incentivos financeiros, implementados no lado das despesas do Estado, e não da arrecadação tributária. As demais hipóteses acima mencionadas se enquadram como incentivos tributários. De toda sorte, tais instrumentos (incentivos tributários e incentivos financeiros) são muitas vezes cambiáveis entre si, sendo um problema secundário a forma que adquirem. O que realmente acaba importando, seja para os agentes no mercado, seja para as finanças públicas, é a expressão pecuniária resultante do benefício, bem como sua eficiência para o sistema econômico36. Por representarem perda voluntária de receitas públicas, sua concessão deve estar devidamente lastreada em finalidades constitucionais, sob pena de malferir os próprios fundamentos da intervenção sobre a ordem econômica.

5 Parâmetros de controle

Incentivos fiscais se afirmam como instrumentos indutores de comportamentos voltados ao alcance de objetivos constitucionalmente estipulados como relevantes no contexto de um Estado Social e Democrático de Direito. Nessa medida, sua utilização deve conciliar-se com a busca do bem comum, ditando-se por considerações de interesse coletivo, como a promoção do desenvolvimento econômico37.


O papel promocional dos incentivos fiscais, segundo a lição de Heleno Tôrres, consiste precisamente no “servir como medida para impulsionar ações ou corretivos de distorções do sistema econômico, visando a atingir certos benefícios, cujo alcance poderia ser tanto ou mais dispendioso, em vista de planejamentos públicos previamente motivados”A análise da legitimidade da concessão de benefícios fiscais fundamenta-se na verificação das finalidades da medida, e na sua pertinência com relação aos valores refletidos no texto constitucional. Será legítimo o incentivo fiscal concedido sob o amparo de desígnios constitucionais, como instrumento de promoção de finalidades relevantes à coletividade. Por via transversa, será ilegítimo (e, portanto, odioso) o benefício que se destinar a privilegiar pessoas ou situações específicas, em detrimento do princípio da igualdade; ou que não guarde pertinência com os objetivos constitucionais autorizadores da intervenção do Estado sobre a economia.

Com arrimo em Misabel Derzi, ressalta Schoueri38 que representam privilégios intoleráveis aqueles incentivos fiscais que, não fiscalizados em seus resultados, se estendem excessivamente no tempo, ou servem à concentração de renda ou proteção de grupos economicamente mais fortes, em detrimento da maioria da população, à qual são transferidos seus altos custos sociais.

O ordenamento jurídico, de fato, não se coaduna com privilégios odiosos. A concessão de incentivos fiscais que não sejam compatíveis com as finalidades constitucionais que fundamentam a intervenção estatal por indução é perfeitamente suscetível de controle jurisdicional. Contudo, quais parâmetros podem ser utilizados para avaliar essa compatibilidade?

A norma tributária indutora não pode ir além do ponto necessário para alcançar os objetivos constitucionais que a lastreiam. Tampouco deve ser editada sem prévia análise econômica da sua potencial eficiência na busca dos fins pretendidos pelo Estado. Precisa, enfim, observar a regra da proporcionalidade na intervenção econômica39.

O exame da proporcionalidade é realizado com base em três elementos, que se relacionam subsidiariamente entre si: (i) adequação; (ii) necessidade; (iii) proporcionalidade em sentido estrito. Um meio é considerado adequado quando for apto para promover o alcance de um determinado resultado40. Se implicar restrições a direitos fundamentais, somente será considerado necessário “caso a realização do objetivo perseguido não possa ser promovida, com a mesma intensidade, por meio de outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido”41. Por último, verifica-se a proporcionalidade em sentido estrito a partir de um juízo de ponderação acerca da intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da efetivação do direito que com ele colide, e que lastreia a adoção da medida42.

Além da proporcionalidade, a igualdade estrutural é também parâmetro para o controle da compatibilidade dos incentivos fiscais com o sistema constitucional. Para que haja observância ao princípio da igualdade (art. 5º, caput, da Constituição Federal43), a medida de comparação eleita para realizar diferenciações deve manter relação fundada de pertinência com a finalidade que lastreia sua utilização, com base em suportes empíricos consideráveis44. Significa que se deve comprovar que o critério de distinção elegido fomenta a finalidade visada, em maior medida do que outros critérios possíveis. Essa finalidade precisa ser clara e coerente, já que é dever do Estado tratar a todos igualmente45, e apenas são admissíveis distinções se existirem motivos razoáveis.

Diante da necessidade de observância ao princípio da igualdade, o tratamento diferenciado em matéria tributária, decorrente da utilização de instrumentos extrafiscais, apenas será considerado legítimo quando: (i) não configurar irrazoável benefício individual; (ii) estiver ancorado em finalidade constitucional; (iii) decorrer de fator de discriminação e medida de comparação adequados.46

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é escassa no que tange a verificações aprofundadas dos critérios de controle das normas tributárias indutoras. Num primeiro momento, em precedentes da década de 1990, o STF evitou adentrar no mérito de medidas extrafiscais, afirmando serem atos discricionários do Poder Público. Na análise do Recurso Extraordinário n. 149.659, julgado em 1995, a Corte entendeu que a isenção “decorre do implemento de política fiscal e econômica, pelo Estado, tendo em vista determinado interesse social; envolve, assim, um juízo de conveniência e oportunidade do Poder Executivo”47, não estando sujeita a controle material pelo Poder Judiciário. Nada obstante a premissa da discricionariedade do ato, já naquela época o Supremo Tribunal Federal consignou a necessidade de legitimação das isenções, que se destinam “a partir de critérios racionais, lógicos e impessoais estabelecidos de modo legítimo em norma legal, a implementar objetivos estatais nitidamente qualificados pela nota da extrafiscalidade”48.

O STF também observou a via de mão dupla das normas tributárias indutoras, ou seja, a possibilidade de tais instrumentos serem utilizados para induzirem positiva ou negativamente comportamentos. Na hipótese de aumento de alíquotas de IPI sobre cigarros, destacou o Ministro Cezar Peluso a viabilidade da função inibidora, presente nos tributos de caráter extrafiscal proibitivo, refletido na elevada alíquota do IPI, com o nítido viés de desestímulo por indução na economia49.

De outra banda, examinando isenção fiscal de IPI sobre o açúcar de cana, concedida com base em critério espacial (art. 2º da Lei nº. 8.393/91), o STF reconheceu a ausência de conteúdo arbitrário na aludida norma tributária, afirmando que a sua concessão pela União Federal objetivou conferir efetividade ao art. 3º, incisos II e III, da Constituição da República. Ressaltou, ainda, que tal benefício pôs em relevo a função extrafiscal do IPI, “utilizado como instrumento de promoção do desenvolvimento nacional e de superação das desigualdades sociais e regionais”50. Tal precedente ilustra de forma clara a possibilidade de normas tributárias indutoras, como isenções sobre o IPI, serem utilizadas como instrumentos de promoção do desenvolvimento. O parâmetro de controle desses instrumentos acenado pelo STF seria a eventual arbitrariedade do Poder Público na sua concessão.

Todavia, pode ser tarefa extremamente difícil avaliar o grau de arbitrariedade de um benefício fiscal conjuntural. Por vezes, normas tributárias indutoras são empregadas com lastro em critérios de eficiência econômica, e não de justiça distributiva. Exemplos disto são os incentivos dirigidos a setores específicos durante a crise internacional, pautados em visões macroeconômicas sobre o comportamento da demanda doméstica e dos investimentos das empresas, e não na busca da equidade ou justiça social.

Tendo em vista que os incentivos fiscais se sujeitam rigorosamente aos ditames da Constituição, “devem ser concedidos a partir de análises técnicas da economia, que deve fornecer ao direito instrumentos úteis de busca das soluções para os problemas sociais”.51 Daí o papel de relevo do sistema econômico para o Direito Tributário. A partir de elementos objetivos da Economia é que se torna possível avaliar a adequação da intervenção indutora projetada, e consequentemente sua compatibilidade com o ordenamento constitucional. Essa adequação está relacionada à efetividade da medida jurídica, ou seja, à sua potencial capacidade de produzir os efeitos econômicos desejados. Quanto menor for a efetividade, menor o grau de adequação, e maior o desnível em relação ao objetivo constitucional que confere legitimidade à intervenção estatal. Caso esse grau de adequação revele assimetrias incompatíveis com os propósitos econômicos da intervenção, indicando a desproporção da medida adotada, a norma tributária indutora deverá ser retirada do sistema jurídico.

De modo semelhante, também deverá ser retirada do sistema a norma tributária indutora que viole o princípio da igualdade, concedendo benefício singular e irrazoável, ou elegendo medida de comparação ou fator de discriminação inadequados às finalidades constitucionais que fundamentam a indução econômica.

6 Impactos econômicos das medidas anticíclicas utilizadas pelo Governo

Em outubro de 2008, a economia americana desabou brutalmente, em virtude da total ruptura de confiança do mercado financeiro. Rapidamente, como um “efeito dominó”, o pânico se alastrou pelo mundo. Já não se podia acreditar na solidez dos bancos. Diante de um cenário de incertezas, o crédito tornou-se escasso, abalando o consumo.

Com a diminuição do consumo das famílias e dos investimentos das empresas, vigas estruturais do crescimento econômico, os números do Produto Interno Bruno – PIB são afetados, aumentando ainda mais o temor de recessões. Esse temor ocasiona efeitos prejudiciais na concessão de crédito. O resultado: menos dinheiro disponível, menos gastos, menos produção, menos crescimento, menos emprego. Os efeitos negativos de uma crise de confiança geram efeitos ainda mais negativos, e incertezas ainda maiores. É necessário agir rápido para evitar que esses efeitos não contaminem todos os setores da economia.

A redução da demanda doméstica tende a afetar bastante os setores industriais, principalmente o automotivo e o setor de bens de capital (relacionado a investimentos empresariais), os quais dependem diretamente da oferta de financiamentos. Em face do aumento do custo do crédito, provocado pelas incertezas da crise financeira, reduz-se o interesse pela aquisição de bens industrializados de alto valor, como os automóveis. De outra banda, empresas que dependem diretamente de financiamentos também passam a conter seus investimentos. A consequência é o abalo direto nos índices econômicos que medem o desempenho da indústria.


De fato, a crise intensificou a retração da indústria brasileira. No mês de dezembro de 2008, foi registrada desaceleração de 12,4% frente ao mês anterior, de acordo com dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, sendo o pior resultado da série histórica, iniciada em 1991, influenciado principalmente pelo setor automobilístico, cuja produção caiu 39,7%52.

Diante desse cenário temeroso, medidas de estímulo à demanda interna são remédios indispensáveis. Dentre os instrumentos possíveis, a concessão de incentivos fiscais se destaca pela maleabilidade, celeridade e eficiência com que pode ser manejada pelo Poder Executivo, visando à retomada do crescimento econômico.

A possibilidade de estímulos na demanda agregada sob a forma de incentivos fiscais serem vistos como fonte de recuperação econômica foi analisada extensivamente por economistas norte-americanos após a crise de 1929. Pesquisas realizadas na década de 1940 já apontavam que a política fiscal revelou-se um efetivo instrumento de revigorar o fôlego da economia afetada pela crise53.

Uma das recomendações do Fundo Monetário Internacional, no tocante ao contorno da crise deflagrada em 2008, foi a promoção de medidas de estímulo fiscal até determinada data (como a redução de impostos sobre consumo durante um período certo)54. Instrumentos fiscais anticíclicos devem, a princípio, ter impacto transitório, sendo revistos tão logo a economia apresente os sinais de recuperação esperados.

Foi esse o principal caminho adotado pelo Brasil, por meio da redução das alíquotas de tributos com acento extrafiscal, notadamente o IPI e o IOF.

O IPI apresenta características que “o tornam adaptável às flutuações da política, das finanças, da conjuntura nacional e, até internacional”55. Pode ser manejado extrafiscalmente com bastante flexibilidade, em virtude previsão do art. 153, §1º, da Constituição.

Com o objetivo de aumentar a demanda interna os investimentos, evitando maiores retrações na produção industrial, as quais afetam o nível de emprego e as taxas de crescimento do país, foi promovida redução temporária (por prazo determinado) do IPI sobre veículos56, eletrodomésticos da linha branca, materiais de construção e bens de capital57. Paralelamente, reduziu-se a alíquota do IOF sobre crédito direto a pessoa física, no escopo de estimular a sua concessão58. Demais disso, alterouse a tabela do IRPF59, criando-se novas alíquotas, o que pragmaticamente implicou diminuições no valor final pago a título do imposto, aumentando de forma indireta o poder de consumo das famílias.

Se, por um lado, a redução de alíquotas do IPI apresenta função anticíclica típica, tendo sido concedida por tempo determinado e com gradual retorno após a verificação das condições econômicas que objetivavam promover, o mesmo não se pode afirmar com relação à alteração das faixas de incidência e novas alíquotas do IRPF, que configura medida anticíclica atípica, de efeitos permanentes.

A estimativa de renúncia de receitas tributárias decorrente de ações anticíclicas durante a crise, para o ano de 2009, foi inicialmente avaliada pelo Governo em 3.342 bilhões.60 As desonerações fiscais concedidas, destinadas a setores produtivos específicos e faixas de renda com capacidade de consumo, embora tenham gerado elevadas renúncias de receitas tributárias, contribuíram decisivamente para a frenagem dos efeitos negativos da crise no Brasil. A redução do preço final ao consumidor, em decorrência da aplicação de alíquotas menores do IPI (até zero), ocasionou um incremento nas vendas e, por conseguinte, na produção, evitando quedas acentuadas no nível de emprego. Nos meses de março e junho de 2009, quando os benefícios se encerrariam, houve intenso aumento nas vendas dos produtos alcançados pelas medidas indutoras. Automóveis e caminhões novos tiveram o melhor mês de março da história das montadoras no país, com um aumento de 36% em comparação com fevereiro de 2008, segundo dados da Federação Nacional de Distribuição de Veículos Automotores61. Se não houvesse a desoneração, as quedas nas vendas de veículos provavelmente afetariam bastante a arrecadação dos Estados e Municípios, já que o volume do IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores tenderia a ser significativamente menor.

Ademais, estima-se que a redução do IPI contribuiu para manter entre 50 mil e 60 mil empregos diretos e indiretos na economia brasileira no primeiro semestre de 200962. A demanda doméstica acabou sendo a indutora do crescimento em 2009 e no primeiro trimestre de 2010, principalmente pela menor afetação do consumo das famílias durante a crise, em face desonerações tributárias concedidas63.

As normas tributárias indutoras estruturadas durante a crise tiveram a importante função de estimular o crescimento econômico, por meio da redução do custo de impostos incidentes sobre o consumo, impulsionando a compra de bens de capital, automóveis e eletrodomésticos, de molde a incrementar os níveis da demanda doméstica. Contribuíram, assim, para a equalização das distorções provocadas no mercado em virtude da crise de crédito e da retração do consumo.

Percebe-se que, além de constituírem meios adequados (proporcionais) à promoção das finalidades constitucionais que embasaram a intervenção do Estado sobre o domínio econômico, as normas tributárias indutoras utilizadas pelo Governo para conter a crise se revelaram eficientes no alcance de seus objetivos. Tanto que geraram um aumento histórico da demanda nos setores alcançados pelos incentivos.

Por outro lado, constata-se que os benefícios concedidos não incorreram em afronta ao princípio da igualdade, uma vez que: (i) não denotam privilégios odiosos, pois foram destinados em caráter temporário, com objetivos de curto prazo claros e delimitados, aos setores mais prejudicados com a contração da demanda, e cujo impulso ocasionaria resultados econômicos potencialmente positivos; (ii) ancoram-se em finalidades constitucionais de promoção do desenvolvimento nacional e de busca do pleno emprego; (iii) elegeram fatores de discriminação e medida de comparação adequados a uma política fiscal anticíclica, que escalonou como metas prioritárias a retomada dos investimentos das empresas, o crescimento da demanda doméstica relacionada à indústria, e o estímulo ao crédito. O foco no setor automobilístico, de eletrodomésticos e de bens de capital se justifica em face dessas metas de curto prazo, de caráter políticoeconômico, e não a partir de considerações de justiça distributiva.

A compatibilidade com a regra da proporcionalidade e com o princípio da igualdade não significa, porém, a ausência de reflexos financeiros negativos das medidas adotadas pelo Governo Federal sobre o equilíbrio das finanças públicas dos entes subnacionais. Este equilíbrio, por sua vez, é fundamental para que possa ser garantido o desenvolvimento econômico nacional de modo harmônico na federação brasileira. Daí porque a correção de assimetrias financeiras negativas, decorrentes do uso de normas tributárias indutoras, se revela indispensável para a preservação da compatibilidade das medidas extrafiscais com as finalidades constitucionais que as lastreiam.

7 Reflexos financeiros dos incentivos fiscais concedidos durante a crise

Os incentivos fiscais oferecidos em virtude da crise financeira de 2008 alteraram substancialmente a arrecadação do IPI e do IR. Apenas em relação ao IPI, principalmente em virtude das medidas propostas pelo Governo no ano de 2009, houve decréscimo de aproximadamente 7,7 bilhões de reais na arrecadação líquida, 22% a menos do que em 200864. No primeiro trimestre de 2009, a diferença para o mesmo período do ano anterior foi cerca de 1,2 bilhões de reais a menos. Além disso, calcula-se a alteração da tabela de alíquotas do IRPF tenha gerado uma diminuição de quase R$ 520 milhões na arrecadação do primeiro trimestre de 2009, relativamente ao ano de 200865. De acordo com estudos do Ministério da Fazenda, as desonerações estimadas para o IRPF foram da ordem de 5 bilhões de reais66.

Essa diminuição abrupta da arrecadação tributária relacionada ao IPI e ao IR impactou sensivelmente nos valores das transferências constitucionais aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. É que, conforme a previsão do art. 159 da Constituição Federal, parcelas do produto da arrecadação do IR e do IPI devem ser destinados aos entes subnacionais, mediante repasses aos chamados Fundos de Participação.

Segundo o texto constitucional, do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados, quarenta e oito por cento devem ser entregues pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, da seguinte forma: a) 21,5 % ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal – FPE; b) 22,5% ao Fundo de Participação dos Municípios – FPM; c) 3% para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento; d) 1% ao Fundo de Participação dos Municípios – FPM.

Esse arranjo de partilhas de receitas tributárias é traço do modelo de federalismo fiscal cooperativo consagrado pela Constituição Federal de 1988. Nesse modelo, a repartição de receitas se coloca como um canal de coordenação que viabiliza a coexistência entre a descentralização de encargos e a centralização da arrecadação tributária67. Configura uma intrincada rede financeira que “cria para os entes políticos menores o direito a uma parcela da arrecadação do ente maior”68. Esta parcela visa a reduzir o descompasso entre os meios de arrecadação disponíveis e as necessidades de gastos dos entes federados, chamado de “brecha fiscal vertical” (vertical fiscal gap)69, e representa um importante mecanismo de equilíbrio das finanças das unidades subnacionais.


Com diminuição da arrecadação nacional do IPI e do IR, decorrente das desonerações fiscais realizadas pelo Poder Executivo, acabou sendo gravemente afetado o equilíbrio das finanças dos pequenos municípios, que dependem substancialmente das transferências constitucionais do FPM.

No mês de fevereiro de 2009, os repasses aos Fundos de Participação de que trata o art. 159 da Constituição Federal sofreram diminuição de 6,8%, comparativamente ao mês anterior. Em relação a fevereiro de 2008, houve decréscimo da ordem de 12% (cerca de R$ 485 milhões). Em março de 2009, tais repasses foram diminuídos em 20,1%, relativamente ao mês anterior, representando aproximadamente 11% a menos do que o mesmo período do ano de 2008. Por conseguinte, no primeiro trimestre de 2009, constatou-se diminuição de quase 750 milhões de reais nos montantes das transferências ao FPM, tomando como parâmetro o ano. Com o corte repentino nos valores dos repasses constitucionais, serviços públicos prestados à população de inúmeros Municípios passaram a ficar comprometidos, diante da inviabilidade financeira de arcar-se de forma autônoma com os custos de programas sociais.

Ainda em março de 2009, o presidente Luís Inácio Lula da Silva reconheceu a gravidade da situação dos Municípios, afirmando ser o problema “resultado de uma crise que não nasceu no Brasil, de uma crise que aconteceu nos Estados Unidos, na Europa, no Japão, e que demorou mais para chegar aqui”, mas que não poderia permitir a paralisação das prefeituras70.

Evidenciou-se um conflito axiológico. De um lado, dispositivos tributários editados com a finalidade de estimular a demanda interna, de modo a garantir a manutenção do nível de empregos e o desenvolvimento econômico, valores constitucionalmente consagrados (artigos 3º, II, e 170, VIII). De outro, o reflexos de tais normas no sistema de repartição de receitas tributárias, ocasionando a diminuição brusca de repasses aos municípios, o consequente comprometimento de políticas públicas destinadas à efetivação de direitos fundamentais.

A percepção de que medidas eficientes para promover o crescimento econômico podem impactar negativamente na rede de artérias financeiras do federalismo fiscal e na efetivação de programas de melhorias sociais e investimentos em infraestrutura, os quais constituem pilares para o equilíbrio do desenvolvimento sustentável a médio e longo prazos, remete à importância da compreensão de plenitude do desenvolvimento econômico.

O desenvolvimento econômico pressupõe não apenas o fator do crescimento, mas também melhorias no âmbito social. Para que essas melhorias sejam implementadas de modo eficiente no arranjo federativo brasileiro, é necessário garantir às unidades descentralizadas, mais próximas da população (municípios), recursos financeiros suficientes para fazer frente aos encargos públicos. Sem tais recursos, resta prejudicada a eficiência alocativa, um dos fundamentos para a descentralização de políticas públicas sociais.

No intuito de contornar o problema, após discussões no âmbito do Ministério da Fazenda, ocorreu a publicação da Medida Provisória nº. 462, de 14/05/2009, convertida na Lei nº. 12.058, de 13/10/2009, que dispõe sobre a prestação de apoio financeiro pela União aos entes federados71.

Assim, a Lei nº. 12.058/2009, em seu art. 1º, previu o dever da União de prestar apoio financeiro, no exercício de 2009, aos entes federados que recebiam o FPM, mediante entrega do valor correspondente à variação nominal negativa entre os valores creditados a título daquele Fundo nos exercícios de 2008 e 2009, antes da incidência de descontos de qualquer natureza, de acordo com os prazos e condições nela previstos e limitados à dotação orçamentária específica para essa finalidade, fixada por meio de decreto do Poder Executivo.

As estimativas para os valores do apoio financeiro previsto na MP nº. 462/2009, correspondendo às diferenças negativas nos repasses do FPM apuradas no período de janeiro a março de 2009, em relação a igual período de 2008, atingiram a estimativa de R$ 755.008.284,5972, com creditamento em maio de 2009. O apoio prosseguiu nos meses subsequentes. Em junho de 2009, foram estimados R$ 197.827.847,7673; em julho, R$, 9.734.549,1874; em outubro, R$ 904.925.735,4275.

Por meio dessa compensação financeira, restou superado o risco de comprometimento da prestação de serviços municipais de interesse social e da continuidade dos projetos de investimento e demais políticas públicas voltadas à promoção do desenvolvimento econômico. Os efeitos das restrições reflexas, provocadas pelas desonerações tributárias editadas durante a crise, foram assim balanceados por normas financeiras de caráter corretivo, visando o retorno ao ponto de equilíbrio das finanças dos municípios e a harmonia do federalismo fiscal cooperativo. Tal equilíbrio é indispensável à garantia da forma federativa de Estado, cláusula pétrea constante do art. 60, §4º, I, da Constituição Federal de 1988.

Todavia, vale lembrar que os reflexos financeiros das reduções de alíquotas do IPI e das alterações de faixas do IR eram perfeitamente previsíveis, desde o momento em que foram cogitados como medidas de política fiscal anticíclica. Os instrumentos equalizadores tardaram a ser editados, dentro de um contexto emergencial. O próprio veículo adotado para a concessão do apoio financeiro (medida provisória, que pressupõe casos de urgência, a teor do art. 62 da Constituição Federal), evidencia que não houve planejamento prévio de compensação financeira concomitante à concessão dos incentivos.

O modelo de federalismo fiscal cooperativo adotado no Brasil, entretanto, não pode se reduzir ao apoio conjuntural da União. É preciso aprimorar mecanismos que garantam a autonomia financeira dos entes subnacionais mesmo em face de políticas fiscais anticíclicas, a fim de que evitar a dependência de auxílios emergenciais, sob liberalidade do Poder Executivo Federal. Sob esse prisma, o legado da crise traz novas oportunidades de repensar os atuais modelos de cooperação existentes, com vistas a um desenvolvimento econômico federativamente harmônico e sustentável.

8 Conclusões

As normas tributárias indutoras podem se revelar eficientes instrumentos de estímulo do comportamento dos agentes econômicos, promovendo o aumento da demanda, da produção, dos investimentos internos, e da oferta de emprego. Tais fatores são indispensáveis ao crescimento econômico, componente da equação geradora do desenvolvimento nacional.

Decerto, “o desenvolvimento depende da capacidade de cada país para tomar decisões que sua situação requer”76. À evidência, o Brasil demonstrou essa capacidade, reunindo condições para superar, com êxito, os efeitos problemáticos da crise internacional deflagrada em 2008. Parte desse sucesso decorreu da política de concessão de incentivos fiscais utilizados conforme critérios de eficiência, os quais se revelaram adequados aos objetivos fomentados pela intervenção do Estado na economia. A função equalizadora das desonerações tributárias indutoras pelo Governo Federal foi determinante para corrigir tendências de contração da demanda interna. Entretanto, essas medidas emergenciais, de curto prazo, não são suficientes para garantir a continuidade do desenvolvimento econômico.

Apesar das dificuldades e dos riscos, o Brasil soube nadar no mar caudaloso da crise internacional, mesmo tendo sido nele arremessado de súbito. Ferramentas eficientes de indução econômica instrumentalizaram a política fiscal anticíclica levada a cabo pelo Governo Federal. Mas distâncias muito maiores ainda precisam ser percorridas para que o país possa galgar uma posição no pódio das nações desenvolvidas. Para tanto, é preciso avançar no aprimoramento dos instrumentos jurídicos tendentes à promoção do desenvolvimento econômico em sua concepção plena, levando em consideração a realidade de profundos desequilíbrios regionais e sociais que marcam a federação brasileira.

A efetividade do art. 3º, II, da Constituição de 1988, para além do crescimento econômico (elemento quantitativo), depende de medidas coordenadas entre União, Estados e Municípios, tendentes a promover melhorias qualitativas no nível de bem-estar geral da sociedade, sem olvidar as peculiaridades do federalismo fiscal cooperativo. Nessa perspectiva, caso o emprego de normas tributárias indutoras pela União acarrete situações de desequilíbrio no arranjo de repartição de receitas com os entes subnacionais, deverão ser adotadas medidas de compensação financeira, suficientes para corrigir as assimetrias negativas geradas, preservando os pilares do federalismo fiscal. Do contrário, poderá restar desvirtuada a finalidade constitucional que embasa a própria intervenção econômica, malferindose a legitimidade da sua utilização, na medida em que for ameaçado o custeio de programas sociais a cargo dos municípios e o atendimento das necessidades da população. O poder do Estado de desonerar é amplo, mas não ilimitado, sujeitando-se às diretrizes normativas e valores contidos no texto constitucional, que balizam o controle das normas tributárias indutoras à luz da proporcionalidade, da igualdade e das finalidades nas quais se ancoram.

Os ventos econômicos que sopram promissoramente a favor do país no cenário de oportunidades pós-crise precisam, enfim, vir acompanhados de arranjos jurídicos de densidade axiológica e efetividade prática, compatíveis com os objetivos trazidos pela Constituição Federal de 1988, rumo a um desenvolvimento federativamente equilibrado e sustentável. 2008.77, 78.


Notas

1 Cf. STIGLITZ, Joseph E. Freefall: Free Markets and the Sinking of the Global Economy. London: Peguin Books, 2010.
2 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Congelamento de Preços: Tabelamentos Oficiais. Rio de Janeiro, Revista de Direito Público, p.76-77, jul./set. 1989.
3 SCAFF, Fernando Facury. Responsabilidade Civil do Estado Intervencionista. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 100.
4 MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito Económico. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 2000. p. 33. 5 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 148.
6 SCAFF, Fernando Facury. Responsabilidade Civil do Estado Intervencionista. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 107.
7 CAVALCANTI, Francisco de Queiroz Bezerra. Reflexões sobre o papel do Estado frente à atividade econômica. Revista Trimestral de Direito Público, v. 1, n. 20. p. 73-74, 1997.
8 A respeito desse tema, já decidiu o Supremo Tribunal Federal: “É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170”. In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.950. Relator: Min. Eros Grau. julgamento em 03.11.05, Plenário, DJ de 02.06.06. Disponível em: http:// www.stf.jus.br. Acesso em: 08 set. 2010.
9 Vale lembrar o entendimento do Supremo Tribunal Federal: “A possibilidade de intervenção do Estado no domínio econômico não exonera o Poder Público do dever jurídico de respeitar os postulados que emergem do ordenamento constitucional brasileiro. Razões de Estado – que muitas vezes configuram fundamentos políticos destinados a justificar, pragmaticamente, ex parte principis, a inaceitável adoção de medidas de caráter normativo – não podem ser invocadas para viabilizar o descumprimento da própria Constituição.” In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 205.193. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento em 25.02.97, 1ª Turma, DJ de 06.06.97. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 08 set. 2010.
10 Cf. AVI-YONAH, Reuven S. Os Três Objetivos da Tributação. Revista Direito Tributário Atual, n. 22. p.8-11, São Paulo, 2008.
11 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2007. p. 623.
12 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1966. p. 151.
13 FALCÃO, Raimundo Bezerra. Tributação e Mudança Social. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 196.
14 NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos: Contributo para a Compreensão Constitucional do Estado Fiscal Contemporâneo. Reimpressão. Coimbra: Almedina, 2009. p. 629.
15 CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 106-107, nota de rodapé n. 66.
16 PAPADOPOL, Marcel Davidman. A Extrafiscalidade e os Controles de Proporcionalidade e de Igualdade. Tese (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 2009. p. 17. 17 Cf. GOUVÊA, Marcus de Freitas. A Extrafiscalidade no Direito Tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 47.
18 CORREIA NETO, Celso de Barros. Instrumentos Fiscais de Proteção Ambiental. Revista Direito Tributário Atual, n. 22. p. 142, São Paulo, 2008.
19 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2007. p. 623- 624.
20 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas Tributárias Indutoras e Intervenção Econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 27-34.
21 ZILVETI, Fernando Aurelio. O ISS, a Lei Complementar nº 116/03, e a Interpretação Econômica. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 104. p. 39, São Paulo, 2004.
22 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 289.
23 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2008. p. 524.
24 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 28.
25 Eis a lição de Pedro Herrera Molina: “incentivos tributarios son aquellas exenciones configuradas de tal modo que estimulan la realización de determinada conducta”. MOLINA, Pedro Herrera. La Execión Tributaria. Madrid: Colex, 1990. p. 57.
26 GADELHA, Gustavo de Paiva. Isenção Tributária: Crise de Paradigma do Federalismo Fiscal Cooperativo. Curitiba: Juruá, 2010. p. 98.
27 MOURA, Maria Aparecida Vera Cruz Bruni de. Incentivos Fiscais Através das Isenções. In: NOGUEIRA, Ruy Barbosa (Coord.). Estudos de Problemas Tributários. São Paulo: José Bushatsky, 1971. p. 135.
28 CALDERARO, Francisco R. S. Incentivos Fiscais à Exportação. São Paulo: Resenha Tributária, 1973. p. 17.
29 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 577.348 e Recurso Extraordinário n. 561.485. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Julgamento em 13.08.09, Plenário, Informativo n. 555. Disponível a partir de: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 08 set. 2010.
30 Código Tributário Nacional: “Art. 175. Excluem o crédito tributário: I – a isenção; II – a anistia. Parágrafo único. A exclusão do crédito tributário não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja excluído, ou dela conseqüente.”
31 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1975. p. 97.
32 “art. 150 […] § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativas a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no artigo 155, § 2º, XII, g. (Redação da EC 03/93)”
33 “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I – importação de produtos estrangeiros; II – exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III – renda e proventos de qualquer natureza; IV – produtos industrializados; V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; VI – propriedade territorial rural; VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar. § 1º – É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.”
34 CTN: “Art. 172. A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo: I – à situação econômica do sujeito passivo; II – ao erro ou ignorância excusáveis do sujeito passivo, quanto a matéria de fato; III – à diminuta importância do crédito tributário; IV – a considerações de eqüidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso; V – a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante. Parágrafo único. O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155.”
35 “§ 3º Consideram-se subvenções, para os efeitos desta lei, as transferências destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas, distinguindo-se como: I – subvenções sociais, as que se destinem a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa; II – subvenções econômicas, as que se destinem a emprêsas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril.”
36 ELALI, André de Souza Dantas. Concorrência Fiscal Internacional: a Concessão de Incentivos Fiscais em face da Integração Econômica Internacional. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2009. p. 33.
37 Cf. BORGES, José Souto Maior. Teoria Geral da Isenção Tributária. 3. ed. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 70-71.
38 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas Tributárias Indutoras e Intervenção Econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 290.
39 Cf. NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos: Contributo para a Compreensão Constitucional do Estado Fiscal Contemporâneo. Reimpressão. Coimbra: Almedina, 2009. p. 648.
40 Cf, ÁVILA, Humberto Bergmann. A Distinção entre Princípios e Regras e a Redefinição do Dever de Proporcionalidade. Revista de Direito Administrativo, n. 215. p. 172, São Paulo, 1999.
41 SILVA, Virgílio Afonso da. O Proporcional e o Razoável. Revista dos Tribunais, n. 798. p. 38, São Paulo, 2002.
42 SILVA, Virgílio Afonso da. Op. cit.. p. 40.
43 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”
44 ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria da Igualdade Tributária. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 61.
45 ÁVILA, op. cit., p. 69.
46 PAPADOPOL, Marcel Davidman. A Extrafiscalidade e os Controles de Proporcionalidade e de Igualdade. Tese (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 2009. p. 83.
47 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 149.659. Relator: Min. Paulo Brossard. DJ de 31.03.1995. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 08 set. 2010.


48 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 142.348. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento em 02.08.94, 1ª Turma, DJ de 24.03.95. Disponível em: http:// www.stf.jus.br. Acesso em: 08 set. 2010.
49 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Cautelar n. 1.657-MC. Voto do Relator Min. Cezar Peluso. Julgamento em 27.06.07, Plenário, DJ de 31.08.07. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 08 set. 2010.
50 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 360.461. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento em 06.12.05, 2ª Turma, DJE de 28.03.08. Disponível em: http://www. stf.jus.br. Acesso em: 08 set. 2010.
51 ELALI, André de Souza Dantas. Tributação e Regulação Econômica: um Exame da Tributação como Instrumento de Regulação Econômica na Busca da Redução das Desigualdades Regionais. São Paulo: MP, 2007. p. 117.
52 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u497886.shtml. Acesso em: 11 set. 2010.
53 Cf. SMITHIES, Arthur. The American Economy in the Thirties. The American Economic Review, vol. 36, 1946, pp. 11-27. Apud SPILIMBERGO, Antonio; SYMANSKY, Steve; BLANCHARD, Olivier. Fiscal Policy for the Crisis. IMF Staff Position Note. International Monetary Fund, 29 dez. 2008. Disponível em: http://www.imf.org/external/pubs/ft/spn/2008/spn0801.pdf. Acesso em: 07 set. 2010.
54 SPILIMBERGO, Antonio; SYMANSKY, Steve; BLANCHARD, Olivier. Fiscal Policy for the Crisis. IMF Staff Position Note. International Monetary Fund, 29 dez. 2008. p. 8-9. Disponível em: http://www.imf.org/external/pubs/ft/spn/2008/spn0801.pdf. Acesso em: 07 set. 2010.
55 BOTALLO, Eduardo Domingos. IPI: Princípios e Estrutura. São Paulo: Dialética, 2009. p. 22.
56 Vide Decreto nº. 6.687, de 11 de dezembro de 2008, e Decreto nº 6.743, de 15 de janeiro de 2009.
57 Vide Decreto nº. 6.825, de 17 de abril de 2009 e Decreto nº. 6.890, de 29 de junho de 2009.
58 Vide Decreto nº. 6.691, de 11 de dezembro de 200


A tributação da transmissão de bens nas partilhas desiguais


Sempre que houver desigualdade na partilha dos bens em razão do desfazimento da sociedade conjugal sem que haja qualquer forma de compensação ao cônjuge a quem coube a menor parte da meação, a transmissão se dará a título gratuito, devendo incidir o ITCMD sobre o valor que excedeu a meação.


A Constituição Federal em seu artigo 155, I, atribuiu aos Estados e ao Distrito Federal competência para instituir o ITCMD, imposto sobre a transmissão causa mortis e sobre doação de quaisquer bens ou direitos.

O termo “transmissão causa mortis“constante da norma Constitucional é entendido como sinônimo de sucessão por causa de morte, devendo o ITCMD incidir sempre que houver transmissão sucessória (heranças e legados) decorrente da morte de uma pessoa natural.

Também é legítima a cobrança do ITCMD sempre que houver transmissão de bens por ato de doação, ainda que entre vivos (Súmula 328 do STF).

O artigo 156, II, por sua vez, atribuiu aos Municípios a competência para instituir e cobrar o ITBI, imposto sobre transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição.

Tanto o ITCMD como o ITBI tem função meramente fiscal, ou seja, a finalidade precípua desses impostos é a geração de recursos financeiros para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Da simples leitura do Texto Constitucional, verifica-se que a distinção entre a incidência dos referidos impostos é a causa da transmissão, se em virtude da morte ou por ato entre vivos, e a onerosidade ou gratuidade do ato de transferência. “Assim, se a transmissão é causa mortis, incide ITCMD;se é inter vivos, deve-se verificar se ocorreu por ato oneroso ou a título gratuito (doação). No primeiro caso, incide ITBI; no segundo o ITCMD”.[01]

No que se refere à transmissão de bens em virtude da dissolução da sociedade conjugal, cumpre tecer alguns comentários acerca dos regimes de bens entre os cônjuges.

Nos casamentos em que o regime de bens adotado é o da comunhão universal (comunicam-se todos os bens presentes e futuros dos cônjuges) ou o da comunhão parcial (comunicam-se os bens adquiridos pelo casal na constância do casamento), os bens que integram a comunhão são considerados pro indiviso, sendo cada cônjuge proprietário da metade ideal da massa matrimonial.

Insta trazer a baila os apontamentos de Silvio Salvo Venosa:

No regime da comunhão universal, há um patrimônio comum, constituído por bens presentes e futuros. Os esposos têm a posse e propriedade em comum, indivisa de todos os bens, móveis e imóveis, cabendo a cada um deles a metade ideal. Como conseqüência, qualquer dois consortes pode defender a posse e propriedade dos bens. Cuida-se de sociedade ou condomínio conjugal, com caracteres próprios.[02]

A separação judicial, consensual ou litigiosa, e o divórcio tem o condão de extinguir o regime de comunhão de bens eleito no momento da contração do matrimônio, tendo como principal consequência a partilha dos bens comuns do casal. Com a partilha, atribui-se a cada um dos cônjuges o bem ou os bens que lhe cabem na meação.

Assim, a meação dos bens do casal não é considerada uma modalidade de aquisição de bens, porquanto os bens já pertenciam ao casal quando do casamento, motivo pelo qual não deve incidir qualquer um dos impostos de transmissão patrimonial.

Sobre o tema, eis os ensinamentos de Sacha Calmon Navarro Coelho:

Se o varão tirar a metade que lhe cabe em bens mobiliários, significa que a meação da mulher, só em imóveis ou parte em imóveis, não dever ser tributada. Nada lhe será transmitido. A metade dos bens já era sua antes da separação dos corpos.[03]

Por outro lado, caso o patrimônio não seja dividido de maneira equânime entre os cônjuges separados, duas situações emergem: se o montante que exceder a meação for compensado por outras formas de transferência patrimonial, como o pagamento em dinheiro da diferença, o ato será oneroso, devendo incidir o ITBI; caso a partilha seja desigual sem qualquer forma de compensação, considera-se o ato como liberalidade, incidindo o ITCMD.

Configura-se, pois, hipótese de incidência do ITCMD a desigualdade das partilhas realizadas em processos de separação, divórcio, inventário ou arrolamento, quando não compensadas por outro ato de transferência, porquanto tais atos são considerados como transmissão de bens a título gratuito entre vivos.

Neste sentido é a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – PARTILHA DE BENS – INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA – OMISSÃO E CONTRADIÇÃO CORRIGIDAS.

  1. Na hipótese de um dos cônjuges abrir mão da sua meação em favor do outro, o direito tributário considera tal fato como doação, incidindo, portanto, apenas o ITCD (art. 155, I, CF).
  2. O STJ é Tribunal que julga as teses jurídicas abstraídas e não fatos, tendo sido corretamente aplicada a Súmula 7 desta Corte.
  3. Questão relativa ao estorno do ITBI pago indevidamente que não pode ser apreciada no presente agravo de instrumento, considerando que não se estabeleceu o contraditório em relação ao Município do Rio de Janeiro, devendo ser resolvida pelo juiz da causa, nos autos principais, ressalvando-se ainda a utilização de ação autônoma para fins de repetição do indébito.
  4. Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos modificativos.

(EDcl nos EDcl no REsp 723.587/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/06/2006, DJ 29/06/2006, p. 178)


O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul segue o entendimento do STJ, vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIVÓRCIO. PARTILHA CONSENSUAL. IMÓVEIS. EXCESSO DE MEAÇÃO. INCIDÊNCIA DE ITCD. DECISÃO MANTIDA. 1. Correta a decisão que concluiu pela incidência de ITCD sobre o excesso de meação, não sendo possível cogitar de mera acomodação patrimonial que não configuraria hipótese de transmissão de bens. 2. O Decreto nº 33.156/89, que regulamenta o ITCD, dispõe no art. 30 que o imposto será pago na dissolução da sociedade conjugal, relativamente ao valor que exceder à meação transmitida de forma gratuita. Há, ainda, a Súmula nº 29 deste Tribunal de Justiça: “Na dissolução de sociedade conjugal, ocorrendo divisão desigual de bens por ocasião da partilha, incide o ITCD, se a transmissão se der a título gratuito, e o ITBI, se a título oneroso”. 3. A transmissão gratuita está equiparada à doação, por previsão específica da Lei Estadual nº 8.821/89, que instituiu o Imposto sobre a Transmissão “Causa Mortis” e Doação de quaisquer bens e direitos. 4. Demonstrado está que há sim fato gerador para incidência do ITCD por configurar hipótese com expressa previsão legal. POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, VENCIDO O DES. RUI PORTANOVA. (Agravo de Instrumento Nº 70039622451, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 09/12/2010)

No que se refere à base de cálculo dos impostos de transmissão de bens, o artigo 38 do Código Tributário Nacional, que fixa normas gerais em matéria tributária, preceitua que será o valor venal dos bens ou direitos transferidos, competindo aos Estados e Municípios a regulamentação dos mencionados tributos.

Nos casos em que a partilha do patrimônio comum do casal se der de maneira desigual, o ITCMD deverá incidir sobre a fração dos bens transferidos acima da meação, consoante prescreve o artigo 38 da Resolução n.º 35, de 24 de abril 2007, expedida pelo Conselho Nacional de Justiça, disciplinando a Lei n.º 11.441/2007.

Desta forma, no Estado de São Paulo, “a Lei n.º 11.154/91, em seu art. 2º, e o Decreto n.º 37.344/98, em seu art. 70. VI, preconizam que o imposto incidirá sobre o valor dos imóveis transmitidos acima da meação ou quinhão”.[04]

Assim também decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE SEPARAÇÃO CONSENSUAL. PARTILHA. DIVISÃO DESIGUAL DE BENS. INCIDÊNCIA DO ITCD. Ocorrendo distribuição desigual dos bens na partilha realizada por ocasião da separação consensual das partes, haverá incidência do ITCD, na parte que excedeu a meação, conforme disposto na Súmula nº 29 deste Tribunal de Justiça. Agravo desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70022804439, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 10/03/2008)”

Conclui-se, então, que sempre que houver desigualdade na partilha dos bens em razão do desfazimento da sociedade conjugal sem que haja qualquer forma de compensação ao cônjuge a quem coube a menor parte da meação, a transmissão se dará a título gratuito, devendo incidir o ITCMD sobre o valor que excedeu a meação.


Referências Bibliográficas

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. São Paulo: Método, 2007.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

VENOSA, Silvio de Salvo. O novo direito civil. São Paulo: Atlas, 2003.


Notas

  1. ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. São Paulo: Método, 2007, p. 572-573.
  2. VENOSA, Silvio de Salvo. O novo direito civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 187.
  3. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 431.
  4. SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 984.

Autor

Luciana Vieira Santos Moreira Pinto

Procuradora da Fazenda Nacional. Pós-graduada em Direito Judiciário. Diretora do Centro de Altos Estudos da PGFN no Distrito Federal

NBR 6023:2002 ABNT: PINTO, Luciana Vieira Santos Moreira. A tributação da transmissão de bens nas partilhas desiguais. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2995, 13 set. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19985>. Acesso em: 17 jan. 2012.


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