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OS PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL

Por Leon Frejda Szklarowsky * Os Procuradores da Fazenda Nacional constituem-se em advogados altamente especializados, de inequívoca tradição na defesa dos interesses do Erário e da Nação, remontando sua origem aos idos da colonização lusitana. O Procurador dos Feitos da Coroa, da Fazenda e do Fisco, antecessor do atual Procurador da Fazenda Nacional, já na época…


SINPROFAZ SE MANTÉM CONTRA RETORNO À “NORMALIDADE”

O SINPROFAZ reitera que se mantém contra a assunção de qualquer cargo, função ou encargo perante a administração, bem como contra a retomada da DIGRA e da DIAES, não havendo de cogitar retorno à “normalidade”.


OAB ALTERA EXIGÊNCIAS PARA EXAME DE ORDEM

Estão dispensados do Exame os advogados públicos aprovados em concurso de provas e títulos realizado com a participação da OAB e que estejam há mais de cinco anos no exercício da profissão.


SINPROFAZ É DESTAQUE EM MATÉRIA DO VALOR ECONÔMICO

O jornal Valor Econômico destacou o sistema do Sonegômetro, desenvolvido pelo SINPROFAZ. A matéria ressaltou a estimativa de aproximadamente R$ 500 bilhões que deixarão de entrar nos cofres da União este ano por conta da sonegação.


MANIFESTO DE OPOSIÇÃO À UNIFICAÇÃO DAS CARREIRAS NA ADVOCACIA PÚBLICA FEDERAL

Artigo apresenta posicionamento do Procurador-Geral Adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, sobre a unificação das Carreiras da Advocacia Pública Federal.


ESTADÃO DESTACA AÇÃO DO SONEGÔMETRO NO JORNAL IMPRESSO e ON LINE

O jornal O Estado de S. Paulo, desta sexta-feira, destacou mais uma vez a ação do Sonegômetro instalado na Avenida Paulista, nesta quinta (22) e sexta-feira (23). Nota publicada no caderno de Economia, ressalta a importância da campanha que tem como objetivo chamar a atenção sobre a sonegação fiscal no Brasil.


SINPROFAZ COORDENA REUNIÃO COM COLEGAS NA PRFN 1ª REGIÃO

O SINPROFAZ, representado pelo presidente Achilles Frias, coordenou, na tarde desta quarta-feira (07,) uma reunião com aproximadamente 40 PFNs lotados na Procuradoria- Regional da Fazenda Nacional 1ª Região (PRFN 1), em Brasília.


DIVULGAÇÃO DO RESULTADO DA AGE 2015

O SINPROFAZ apresenta o resultado da Assembleia Geral Extraordinária (AGE) que aconteceu no dia 24 de setembro, no Hotel Comfort Suites, em Brasília.


SINPROFAZ E ENTIDADES REÚNEM PARTE DA BANCADA DO DF NA CÂMARA FEDERAL EM APOIO À PEC 443

Encontro promovido pelo SINPROFAZ e demais entidades da advocacia pública, no Hotel Cullinan Brasília, reforça compromisso dos parlamentares como a aprovação da Proposta das carreiras da Advocacia – Geral da União (AGU).


Reivindicações da Carreira recebem destaque no Jornal Correio Braziliense

Ganhou destaque nesta quinta-feira (20) no caderno de economia, do jornal Correio Braziliense, a matéria intitulada “Sonegação no país atinge R$ 327 bilhões”.


BLOG DO SERVIDOR, DO CORREIO BRAZILIENSE, DIVULGA POSSE DO NOVO PRESIDENTE DO SINPROFAZ

Veja o conteúdo da publicação:


ESTADÃO: SINPROFAZ denuncia Derrama Seletiva

Em longa entrevista que ganhou a primeira página do prestigiado caderno Aliás do jornal O Estado de S. Paulo, o presidente do SINPROFAZ, Heráclio Camargo, denunciou o sistema tributário injusto e que fomenta a concorrencia desleal e a concentração de renda.


Carlos Marden é o mais votado de lista tríplice para AGU

Procurador Federal obteve 791 votos no escrutínio encerrado neste domingo, 16/11. O nome de Carlos Marden será sugerido à Presidenta da República reeleita para ocupar o cargo de Advogado-Geral da União.


Correio Braziliense desconstrói argumento pífio do governo

Matéria publicada na edição desta quarta-feira (15), no caderno de Economia, esclarece à população que, para cada R$ 1,00 investido na cobrança da Dívida Ativa da União, retornam R$ 21,00 aos cofres públicos.


Sonegômetro no Cariri

Veja relato do PFN Jonathas Macêdo Sampaio, lotado na seccional de Juazeiro do Norte, que em palestra sobre Sonegação Fiscal, levou a campanha do Sonegômetro para a Faculdade de Direito da Universidade Regional do Cariri (URCA) no Ceará.


SINPROFAZ realiza II Curso de Formação de Estagiários na PRFN3

O SINPROFAZ, por meio do seu Centro de Estudos Jurídicos – CEJURIS, está realizando o II Curso de Formação de Estagiários da PRFN3, organizado pela Diretora Regina Hirose.


Ação do Sonegômetro em BH teve grande repercussão na mídia local

Nos dois dias em que o painel ficou instalado na praça Afonso Arinos, os números da Sonegação no Brasil foram destaque na imprensa mineira.


Agenda: auditoria da dívida pública em pauta

O Núcleo DF da Auditoria Cidadã da Dívida promoverá evento em Brasília com palestra e debate sobra a auditoria da dívida pública brasileira.


PFNs foram palestrantes em evento da Escola da AGU/RS

No dia 30 de maio, o PFN Daniel Giotti de Paula, lotado no Estado do Rio de Janeiro, e a PFN Regina Hirose, Diretora do CEJURIS e Diretora de Assuntos Profissionais e Estudos Técnicos do SINPROFAZ, proferiram palestras em Porto Alegre/RS a convite da Escola da AGU/RS, sob a direção da Drª. Márcia Uggeri Maraschin.


Sonegômetro: Diretoria do Sindicato divulga ferramenta em Natal

No dia 05 de junho, foram proferidas duas palestras em Natal pela Diretora de Assuntos Profissionais e Estudos Técnicos do SINPROFAZ abordando a Campanha “Quanto Custa o Brasil pra Você”.


CBN Noite Total dá destaque ao Sonegômetro

Em entrevista à jornalista Cristina Coghi, o presidente do SINPROFAZ apontou o financiamento eleitoral como início da cadeia de favorecimento aos mais ricos do País.


Do Subsídio ao Teto: a PEC 63/2013 e o protagonismo judicial remuneratório

SINPROFAZ recomenda leitura de artigo que demonstra como a anti-isonomia entre as Carreiras públicas, aprovada na CCJ do Senado através da PEC 63/13, reforça privilégios à magistratura.


Tratado de Direito Constitucional – Constituição, Política e Sociedade

Este é o título de livro coordenado pelo Procurador da Fazenda Nacional Daniel Giotti de Paula e pelo professor professor Felipe Asensi. Já está programado o segundo volume da obra.


Os Procuradores da Fazenda Nacional

Por Leon Frejda Szklarowsky *

Os Procuradores da Fazenda Nacional constituem-se em advogados altamente especializados, de inequívoca tradição na defesa dos interesses do Erário e da Nação, remontando sua origem aos idos da colonização lusitana.

O Procurador dos Feitos da Coroa, da Fazenda e do Fisco, antecessor do atual Procurador da Fazenda Nacional, já na época do Brasil – Colônia, pelo Regimento de 7 de março de 1609, exercia as funções de defensor da Coroa, da Fazenda, do Fisco e também as de Promotor de Justiça.

Durante o Vice – Reinado de Dom José I, cabia ao Procurador da Fazenda promover a execução dos créditos da Fazenda Real. No Império, com a Regência Trina Permanente, o Decreto de 18 de agosto de 1831 disciplinou a cobrança da ação executiva contra os devedores da Fazenda Nacional, atribuindo aos Procuradores da Fazenda Nacional essa incumbência, tanto na Corte, como nas Províncias.

No Tribunal do Tesouro Público, o Procurador Fiscal, nomeado pelo Imperador, com o título de Conselheiro, era competente para ” vigiar sobre a execução das Leis da Fazenda” e promover o contencioso da Fazenda Pública, e ouvido sempre nas questões de direito. Nas Províncias, o Procurador Fiscal, nomeado pelo referido Tribunal, dentre pessoas de notória inteligência em matéria de legislação fiscal e probidade, promovia o contencioso fiscal perante esse Tribunal e os Procuradores da Fazenda Nacional tinham a faculdade de conceder o parcelamento aos devedores do Fisco.. Restaurado, por Dom Pedro II, o privilégio de foro para as causas da Fazenda Nacional, a representação, perante o Juízo dos Feitos da Fazenda em Primeira Instancia, na Corte, fazia-se, pelo Procurador Especial – o Procurador da Fazenda no Juízo de Primeira Instância. Nas Províncias, “os Procuradores da Fazenda Nacional”, ensina Cid Heráclito de Queiroz, “eram os mesmos que fossem Procuradores Fiscais”. Ainda, no Império, em 1850, o Decreto 736 criava a Diretoria – Geral do Contencioso, chefiada pelo Conselheiro Procurador Fiscal do Tesouro Nacional, à qual incumbia organizar os quadros da dívida ativa, promover e dirigir sua cobrança. O exame e a decisão de toda questão de direito dependia sempre da audiência do Procurador Fiscal do Tesouro. Em abril de 1859, era publicado o Manual do Procurador dos Feitos da Fazenda Nacional, de autoria do Procurador da Fazenda Nacional na Corte e Província do Rio de Janeiro, Dr. Agostinho Marques Perdigão Malheiro, que compilou todos os apontamentos, leis, praxes, julgados de Tribunais e decisões de Tribunais Administrativos, e atualizou a obra do Conselheiro José Antonio da Silva Maia, para permitir o melhor desempenho da função, porque, sublinhava o mestre, a lei deve ser de todos conhecida e não privilégio ou monopólio de alguns. A este Manual, em 1888, sucedeu a obra notável do também Procurador Souza Bandeira, que veio a suprir as lacunas que o tempo oferecera.

Em 1898, pelo Decreto 2807, de 31 de janeiro, as repartições fazendárias eram reorganizadas, somando-se nova competência à Diretoria – Geral, devendo pronunciar-se sobre a organização das companhias anônimas, que dependessem de autorização governamental, e também sobre os negócios referentes à Câmara Sindical, e, em 23 de dezembro de 1909, o Decreto 7751 transformava aquela Diretoria – Geral, em Procuradoria – Geral da Fazenda Pública, incrustada, no Ministério da Fazenda, chefiada pelo Procurador – Geral da Fazenda Pública, doutor ou bacharel em ciências jurídicas e sociais, com novas e significativas atribuições, sobressaindo-se: parecer obrigatório do Procurador nas questões de caráter contencioso, versando sobre direitos decorrentes de fatos da administração, nos recursos que tivessem por objeto o lançamento e a arrecadação de impostos, concessões de obras públicas, estradas e linhas de navegação, contratos de qualquer natureza etc. Tinha, pois, a Procuradoria funções ordenativas, deliberativas e consultivas. Lembre-se que, pelo Decreto 9957, de 21 de dezembro de 1912, os Procuradores da República deviam enviar trimestralmente à Procuradoria – Geral da Fazenda Pública um mapa das ações propostas contra a União. O Decreto – Lei 426, de 12 de maio de 1938, que reorganizou o Tribunal de Contas da União, atribuiu aos Procuradores Fiscais o encargo de Ministério Público, perante as Delegacias do Tribunal nos Estados. Em 1955, com a Lei 2642, é promulgada a primeira lei orgânica, que altera o nome da Procuradoria – Geral da Fazenda Pública, para sua atual denominação – Procuradoria – Geral da Fazenda Nacional, subordinada ao Ministro da Fazenda. Entre suas atribuições, por demais relevantes, destaca-se a de mandar apurar e inscrever a dívida ativa da União. E o Regimento, baixado pelo 39087/56, desenhava a competência, finalidade e organização desse Órgão. O DL 147, de 3 -2- de 1967, redefiniu a competência, reestruturou e modernizou o órgão, restaurando-lhe a majestade e dignidade, que se enriqueceram, com a Constituição de 88, com o apoio incontestável do Dep. Bernardo Cabral, relator-geral da Constituinte, hoje eminente Senador da República.

A Lei Maior consagrou a Advocacia-Geral da União como instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, e institucionalizou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, atribuindo-lhe competência privativa para representar a União, na cobrança da dívida ativa tributária, e, mais, fixou, de imediato, sua competência, para, desde logo, diretamente ou por delegação ao Ministério Público Estadual, representar judicialmente a União, nas causas de natureza fiscal, até a promulgação da lei complementar que se daria, com a edição da Lei Complementar 73/93. Faz parte da Advocacia-Geral da União, conquanto administrativamente se subordine ao Ministério da Fazenda. Hoje, como ontem, exerce atividade essencial ao Estado, ordenando a inscrição da dívida ativa, representando a União em Juízo, na cobrança de sua dívida ativa tributária, ou extrajudicialmente, e ainda com a incumbência que lhe fixa esse diploma legal.


* Leon Frejda Szklarowsky foi subprocurador-geral da Fazenda Nacional, consultor jurídico, escritor, jornalista em Brasília (DF), editor da Revista Jurídica Consulex.

Mestre e especialista em Direito do Estado, juiz arbitral da American Association’s Commercial Pannel, de Nova York; membro da membro do IBAD, IAB, IASP e IADF, da Academia Brasileira de Direito Tributário, do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, da International Fiscal Association, da Associação Brasileira de Direito Financeiro e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Integra o Conselho Editorial dos Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, da Editora Revista dos Tribunais, e o Conselho de Orientação das Publicações dos Boletins de Licitações e Contratos, de Direito Administrativo e Direito Municipal, da Editora NDJ Ltda. É co-autor do anteprojeto da Lei de Execução Fiscal, que se transformou na Lei 6830/80 (secretário e relator); dos anteprojetos de lei de falências e concordatas (no Congresso Nacional) e autor do anteprojeto sobre a penhora administrativa (Projeto de Lei do Senado 174/96). Dentre suas obras, destacam-se: Execução Fiscal, Responsabilidade Tributária e Medidas Provisórias, ensaios, artigos, pareceres e estudos sobre contratos e licitações, temas de direito administrativo, constitucional, tributário, civil, comercial e econômico.


O CEJURIS

CEJURISO CEJURIS – Centro de Estudos Jurídicos do SINPROFAZ tem por missão difundir o saber jurídico relacionado ao direito público, precipuamente o direito tributário, vivenciado no exercício cotidiano das atribuições dos Procuradores da Fazenda Nacional.

Através do CEJURIS, o SINPROFAZ divulga estudos e artigos produzidos por PFNs e viabiliza, em atenção ao seu desígnio institucional, encontros de natureza profissional e acadêmica entre membros da carreira, notórios juristas e doutrinadores.

Para tanto, o CEJURIS envida esforços contínuos destinados ao apoio e promoção de diversos eventos jurídicos, como seminários, cursos, simpósios, palestras e conferências de relevante teor científico.

Importante ressaltar também que o CEJURIS conta com a imprescindível colaboração do CEAE – Centro de Altos Estudos da PGFN no desenvolvimento de cursos voltados à especialização e extensão acadêmica dos Procuradores da Fazenda Nacional.

Além dessas atribuições o CEJURIS publicizará as conquistas do trabalho desenvolvido pelos Procuradores da Fazenda Nacional e demais integrantes da Advocacia-Geral da União.

 

Arquivos

Ata – XXVII Congresso Brasileiro Direito Tributário – São Paulo

Ata – Sorteio NEF/FGV

 

Vídeos

Regina Hirose, Procuradora da Fazenda Nacional e diretora do CEJURIS – Centro de Estudos Jurídicos do SINPROFAZ, apresenta o auditório da PRFN – 3a Região – São Paulo/SP, destinado a cursos e seminários.
Regina Hirose, Diretora do CEJURIS, fala da abrangência dos objetivos do Centro de Estudos Jurídicos do Sinprofaz.
Regina Hirose, diretora do CEJURIS, fala sobre a importância do ASAClub para a viabilização de cursos aos Procuradores da Fazenda Nacional filiados ao SINPROFAZ.

Desde 1º de janeiro, agentes públicos estão proibidos de executar várias ações

Em 5 de outubro serão realizadas eleições gerais no Brasil. Os agentes públicos estão proibidos de praticar algumas condutas desde ontem, 1º de janeiro de 2014.


SINPROFAZ revela prejuízos que o País tem com a sonegação

Em entrevista à Agência Brasil, o presidente do Sindicato, Heráclio Camargo, demonstrou que o valor da sonegação no Brasil é 20 vezes maior do que o montante gasto com o Bolsa Família.


SINPROFAZ presente no XIII Congresso Internacional de Direito Tributário de Pernambuco

Evento foi promovido pelo IPET- Instituto Pernambucano de Estudos Tributários entre os dias 2 a 4 de outubro.


Convocação imediata de novos PFNs conta com adesão de parlamentares

A deputada Andreia Zito (PSDB-RJ) é uma das parlamentares que defende a convocação de candidatos aprovados em concurso público.


Lançamento: Processo de Mandado de Segurança

Este é o título de livro de autoria do PFN Ronaldo Campos e Silva. A obra será lançada em 4 de julho no Salão Nobre no Palácio do Ministério da Fazenda no Rio de Janeiro.


Empresa pode reaver ICMS de produto gratuito

Por Bárbara Pombo | De Brasília Depois de obterem no Superior Tribunal de Justiça (STJ) decisão que isenta do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) os produtos dados em bonificação (gratuitos), as indústrias conseguiram outra importante vitória na disputa contra os Estados. A 1ª Turma entendeu que as empresas também têm o direito…


Eleito tem disciplina de engenheiro e perfil conciliador

Por Sergio Leo e Marta Watanabe | De Brasília e São Paulo Engenheiro eletrônico, formado pela Universidade de Brasília (UnB), o baiano Roberto Azevêdo poderia estar hoje envolvido na construção das hidrelétricas amazônicas do governo Dilma Rousseff. Em 1982, trabalhava para uma consultora, Themag, no cálculo de potências das grandes barragens da época. É casado…


Ministério Público recorre em ações contra decisões do Carf

Por Adriana Aguiar | De São Paulo O Ministério Público Federal (MPF) é favorável à análise pela Justiça de parte das ações contra decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que anularam autuações milionárias de grandes empresas. O órgão entrou com apelação contra pelo menos três das 24 decisões de primeira instância que extinguiram…


CCJ aprova manual de conduta para agente público federal

Simone Franco Os detentores de cargo ou emprego público federal deverão sujeitar sua conduta a uma série de regras de modo a resguardar informação privilegiada e prevenir ou impedir conflito de interesses. Limites específicos à atuação de servidores de alto escalão, durante e após o exercício da função, estão sendo fixados em projeto de lei…


Conselho libera de PIS e Cofins frete internacional

Por Adriana Aguiar | De São Paulo Uma nova discussão que interessa a empresas que importam serviços começou a ser enfrentada no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O órgão entendeu que não são devidos PIS e Cofins Importação sobre valores pagos por empresa nacional referentes a fretes internacionais e comissões a agentes internacionais intermediadores…


PL 5.696: aprovado na CCJ projeto que identifica responsáveis por empresa estrangeira

De autoria do deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE), projeto foi aprovado na sessão desta quarta, 27/03, da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara.


Dia Internacional da Mulher: SINPROFAZ homenageia todas as Procuradoras da Fazenda

Hoje, Dia Internacional da Mulher, o SINPROFAZ saúda especialmente todas as Procuradoras da Fazenda Nacional, que abrilhantam a Carreira com sua formação de alto nível, delicadeza, ética e determinação.


Direito Constitucional Tributário no Império do Brasil

André Emmanuel Batista Barreto Campello
Procurador da Fazenda Nacional. Exerceu os cargos de Advogado da União/PU/AGU, Procurador Federal/PFE/INCRA/PGF e Analista Judiciário – Executante de Mandados/TRT 16ª Região, tendo também exercido a função de Conciliador Federal (Seção Judiciária do Maranhão). É Professor de Direito Tributário da Faculdade São Luís e ex-professor substituto de Direito da UFMA. Especialista em Docência e Pesquisa no Ensino Superior. Membro do Conselho Superior da Advocacia-Geral da União.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O Nascimento do Império do Brasil; 2 A Competência Tributária; 3 Limites ao Poder de Tributar; 5 Conclusão.

RESUMO: Direito Tributário Constitucional no Império do Brasil. Trata-se de artigo que tem por finalidade estudar o sistema tributário brasileiro vigente durante o Império do Brasil, sobretudo durante o entre os anos de 1822 e 1840, que marca o período das grandes definições fiscais imperiais, relacionadas sobremaneira com a fixação das competências tributárias nacionais, sem deixar de analisar problemas jurídicos surgidos relacionados com estas escolhas políticas. Por se pretender analisar a repartição do poder de tributar, almejou-se estudar o direito constitucional tributário então vigente, bem como as limitações ao poder de tributar opostas ao Estado imperial brasileiro. Por meio de tal análise buscou-se também vislumbrar a construção do Império do Brasil e suas turbulências, nestas primeiras décadas, relacionadas, sobretudo, com o tipo de Estado adequado para atender aos conflitos entre as pretensões provinciais e a Monarquia centralizadora.

PALAVRAS-CHAVE: História. Direito. Tributário. Constitucional. Brasil império.

INTRODUÇÃO

O direito, em qualquer sociedade, não pode ser compreendido como um fenômeno isolado no tempo e no espaço. Não pode ser vislumbrado como um amontoado de normas que não estão relacionadas com os valores, as visões de mundo e as expectativas de um grupo social (que o cria e que por ele é governado), em determinado momento da sua história (FERREIRA, 1975, p.31).

A percepção deste fenômeno fica mais evidente quando se estuda o direito contemporâneo, pois, de certo modo, vive-se sob a égide destas normas e se consegue compreender os institutos e o alcance deles, sendo possível vislumbrar-se a alteração da interpretação do Direito, e como as normas se relacionam para construir um sistema jurídico.

Os indivíduos que integram a nossa sociedade, por exemplo, sejam ou não operadores do Direito, percebem as normas jurídicas, isto é, tem uma mínima compreensão dos principais limites impostos pelo ordenamento às suas condutas, inferindo também os direitos que lhe são assegurados.

Em outras palavras, por se viver sob o império do direito, é possível senti-lo; consegue-se perceber a sua dinâmica.

Para o operador do Direito, ao se ler as grandes obras jurídicas, ao conversar com os demais colegas, ao trocar informações na faculdade, ao se defrontar com a jurisprudência dos Tribunais ou ao se atualizar com as informações colhidas na internet, fica manifesta a vivacidade do ordenamento jurídico que está em vigor.

Entretanto, quanto mais se recua no tempo, ao se estudar o direito do passado, algo começa a desaparecer: a percepção de “vida” das normas começa a se esvair.

Não se detecta, com mais facilidade como estas normas se organizavam, de como era construído o sistema jurídico, qual era o alcance e a sua aplicação.

Por exemplo, por constar nos livros dos grandes autores clássicos, como Pontes de Miranda (MIRANDA, 1966, p. 25) ou Aníbal Bruno (BRUNO, 2003, p. 106), compreende-se como era aplicado e compreendido o Código Penal, quando dos primeiros anos da sua origem. Ainda se é possível perceber como era a sua essência e a sua conexão com o direito penal atual, pois, além deste diploma legal está em vigor (apesar da reforma da sua parte geral e de inúmeros dispositivos da parte especial), houve uma constante aplicação, sem rupturas, desde a sua criação, com a interpretação das suas normas, tomando por base as inúmeras constituições vigentes, em cada um dos períodos históricos (Constituições de 1937, de 1946, de 1967/69 e de 1988).

Em outras palavras, um leitor que viesse a desejar fazer a leitura do Código Penal, na sua redação original, não estranharia o seu conteúdo, pois se trata de diploma legal que ainda guarda pontos de contato com o pensamento jurídico contemporâneo e com a própria sociedade brasileira, em alguns de seu aspectos, apesar de tal Código ser datado da década de 40, no século XX, já possuindo algumas de suas partes, quase 70 anos.

No direito tributário, vive-se uma experiência um pouco mais complicada.

O Código Tributário Nacional (Lei nº. 5.172/66), decorrente da Emenda constitucional nº 18/66, foi um diploma revolucionário na história do Brasil, por ter conseguido, de forma sucinta, clara e precisa, apresentar alicerces para a construção de uma teoria do tributo e das novas bases para a relação entre Fisco e contribuinte (MARTINS, 2005, p. 29-31).

Toda a teoria contemporânea do direito tributário, por óbvio, foi edificada sobre os alicerces lógicos do nosso Código Tributário de 1966.

Em outras palavras, o operador do direito, quando busca estudar o Direito Tributário, irá sempre tentar visualizar as normas jurídicas sob as categorias lógicas fornecidas pelo nosso Código Tributário: competência tributária, capacidade tributária, limitações ao poder de tributar (princípios e imunidades), conceito de tributo, elementos da norma tributária, espécies tributárias, legislação tributária, obrigação tributária, crédito tributário etc.

Em outras palavras, a legislação fiscal brasileira pré-Código Tributário, para alguns, pode até se parecer com leis de civilizações desaparecidas, como se fora o Código de Hamurabi, da Babilônia, pelo seu exotismo e estranha forma de se apresentar, não guardando, aparentemente, nenhum contato com o nosso direito atual.

De fato, ao se estudar o direito tributário do Império do Brasil, o operador do direito se defronta com obstáculos que devem ser transpostos, sendo que o primeiro deles é que alguns dos parâmetros interpretativos contemporâneos não se conectam às estruturas fiscais do Brasil imperial, isto é, a doutrina jurídica não cria pontos de enlace entre o direito tributário brasileiro atual e o que vigia no século XIX.

O segundo empecilho reside no fato de que estudar o direito vigente no Império do Brasil é estudar normas jurídicas que foram criadas para reger uma sociedade que possui significativas diferenças econômicas (e culturais) em relação ao Brasil contemporâneo, logo, as bases para compreensão não podem se fundamentar em valores vigentes atualmente.

As categorias lógico-jurídicas que regiam o direito brasileiro no Império do Brasil são, em demasia, distintas das que vigoram atualmente, a começar pela inexistência de um Código Civil, pela manutenção do odioso instituto jurídico da escravidão como alicerce do trabalho produtivo (pelo menos até 1860), e pelo fato de que o Império era um Estado unitário sui generis, sobretudo após o Ato Adicional de 1834, que reformou a Constituição de 1824.


Adverte-se que, assim como no estudo do direito romano (ALVES, 1995, p. 67-74.), não se pode vislumbrar o Império do Brasil como um conjunto monolítico de normas, inalteradas no tempo.

As necessidades fiscais do reinado de D. Pedro I, sem dúvidas, não se assemelham às da Regência, muito menos às existentes durante o longo reinado em que D. Pedro II governou a nação, no qual o Brasil se envolveu muito na política interna dos seus vizinhos do cone sul, culminando no conflito armado no Paraguai. (BALTHAZAR, 2005, p.93)

Para saciar estas necessidades fiscais, o Império criou tributos (e as províncias também) sobre novos fatos geradores, instituiu alíquotas adicionais sobre tributos já existentes, abusou da bitributação, mas, sobretudo, buscou taxar as principais atividades econômicas da sociedade brasileira: a exportação, a importação e o consumo de bens não-duráveis.

Mas o Império, apesar do seu desequilíbrio fiscal, deixou de tributar a renda e a propriedade territorial rural, se abstendo de impor taxação sobre a acumulação de riqueza da elite brasileira.

Estudar o direito do Império do Brasil é assaz interessante pelo fato de que nos fornece as perspectivas da sociedade brasileira que estava, após a independência, tentando construir uma nação continental, já sendo possível perceber o nascer de algumas das estruturas do Brasil contemporâneo.

No estudo que será realizado, por óbvio, tenta-se sistematizar o conhecimento à luz de algumas das categorias lógicas do direito tributário contemporâneo, para que o leitor possa compreender o direito vigente naquele período tentando-se adentrar na essência das normas tributárias.

Assim como nas obras de direito romano (CRETELLA JUNIOR, 1995, p. 19-20), faz-se uma tentativa de, didaticamente, apresentar aos operadores do direito as facetas de como era a estrutura e a aplicação do direito em uma sociedade que existiu há quase dois séculos.

Evidente que não se busca cair no erro do anacronismo, mas apenas utilizar as ferramentas dadas pela moderna ciência do estudo do Direito Tributário para entender a realidade passada, a fim de compreender as normas então vigentes, segundo os valores da sociedade brasileira do século XIX.

Este passo é necessário, pois, por óbvio, não seria possível ao autor, simplesmente, estudar o direito do passado, com os olhos do homem daquele contexto histórico, já que tanto o leitor deste trabalho quanto o seu autor integram a sociedade brasileira do início do século XXI, ou seja, pertencem ao presente.

Por esta razão, ao longo desta pequena obra, buscou-se estudar o Direito imperial do Brasil à luz das interpretações do Marquês de São Vicente, que talvez possa ser considerado o grande Constitucionalista do período imperial. A visão e a compreensão deste autor acerca do ordenamento jurídico serviu de ponto de partida para nossas reflexões.

Não obstante esta forma de fazer a leitura da legislação, não nos furtamos a tentar adequar os institutos tributários com a tecnologia lingüística do direto contemporâneo, sobretudo a fim de decifrar as disposições legais estabelecidas. Deve-se frisar que o estudo da legislação tributária imperial, com a utilização de alguns dos arquétipos construídos pala doutrina de direito tributário contemporâneo, não é algo estranho ao estudo de temas relacionados com a história do direito

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Este mesmo método é utilizado pelos autores quando se busca a compreensão do direito romano (CORREIA e SCIASCIA, 1996, p. 32): realiza-se a divisão da matéria em uma parte geral e especial, analisando os institutos civilísticos romanos, sob os parâmetros dados pela codificação do direito civil moderno, apesar de o direito romano clássico (aproximadamente, de 140 a.C, com a criação da Lei Aebutia, até o término do reinado de Diocleciano, em 305 d.C.) não ter construído nenhum código ou instrumento legal similar, já que, neste período, surgiram duas ordens distintas: o ius civile (direito aplicável apenas aos cidadãos romanos) e o ius honorarium (criado pela atuação dos pretores peregrinos, com o advento da Lei Aebutia, os quais eram magistrados que dirimiam os conflitos entre gentios, ou entre estes e os romanos). (ALVES, 1995, p. 69-70)

Feitas estas considerações iniciais, convida-se o leitor a vislumbrar o nascimento do Império do Brasil, com a outorga da Constituição de 1824.

1 O NASCIMENTO DO IMPÉRIO DO BRASIL

1.1 A INDEPENDÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DE UMA NAÇÃO

O Império do Brasil não nasceu pronto e acabado: trata-se de um projeto político das elites das províncias do sul ao qual se associou a figura do Imperador D. Pedro I.

A proclamação da independência por sua majestade imperial, um ato derivado, sem dúvidas, da sua impetuosidade (LUSTOSA, 2006, p.152-153) não foi suficiente, por si só, para promover a adesão das demais capitanias (e futuras províncias) do então restante Reino do Brasil, sobretudo no norte da América lusitana.

Não existia uma nação brasileira, não existia um Estado brasileiro.

Em verdade, ao longo da história colonial, a metrópole lusitana buscou fazer com que os principais portos e zonas econômicas tivessem laços imediatos apenas com Portugal e não entre si. Pode-se afirmar que os principais pólos econômicos da colônia brasileira estariam mais interligados ao contexto de exploração econômica do Atlântico sul (Luanda, Guiné etc.), devido ao intercâmbio escravista, do que de regiões interioranas do Brasil (ALENCASTRO, 2000, p.9).

Nas palavras de MELLO (2004, p.18): “Como observava Horace Say, ao tempo da Independência, o Brasil era apenas “a designação genérica das possessões portuguesas na América do Sul”, não existindo “por assim dizer unidade brasileira”.

A inexistência de uma nação brasileira, de um país denominado de Brasil, fica mais claro ainda quando se vislumbra o surgimento da Confederação do Equador (1824), quando as capitanias de Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte e do Ceará não compactuaram com o projeto político de criação do Império do Brasil, que faria com que estas passassem a se subordinar à Corte imperial, no Rio de Janeiro.

Entretanto, a Corte necessitava da Bahia, de Pernambuco e das demais capitanias do norte, tendo em vista que estas ricas regiões poderiam financiar tanto a independência da América portuguesa, quanto os projetos políticos de D. Pedro I e a guerra na província Cisplatina. (MELLO, 1999, p. 249-250)

1.2 A HERANÇA LEGISLATIVA COLONIAL

O Império do Brasil não herdou apenas a estrutura econômico-social vigente durante o seu período de vínculo para com Portugal colônia, mas também a legislação metropolitana portuguesa que foi recepcionada pela Lei de 20 de outubro de 1823:

Art. 1.º As Ordenações, Leis, Regimentos, Avaras, Decretos, e Resoluções promulgadas pelos Reis de Portugal, e pelas quaes o Brazil se governava até o dia 25 de Abril de 1821, em que Sua Magestade Fidelíssima, actual Rei de Portugal, e Algarves, se ausentou desta Corte; e todas as que foram promulgadas daquella data em diante pelo Senhor D. Pedro de Alcântara, como Regente do Brazil, em quanto reino, e como Imperador Constitucional delle, desde que se erigiu em Império, ficam em inteiro vigor na parte, em que não tiverem sido revogadas, para por ellas se regularem os negócios do interior deste Império, emquanto se não organizar um novo Código, ou não forem especialmente alteradas.

O Império do Brasil, no seu nascedouro, recepcionou a legislação portuguesa inclusive a legislação tributária da metrópole.


Por esta razão os mesmos defeitos que constavam no sistema de tributação da metrópole portuguesa, no que se refere a sua lei vigente no Brasil, também assolavam a estrutura tributária brasileira quando da ocorrência da independência do Brasil:

[…] a Independência não significava um rompimento com a estrutura patrimonialista, tendo em vista o interesse de determinados setores de manter o status quo. Desta forma, quanto aos tributos, herdou-se a frágil estrutura colonial, embora a mudança na excessiva carga tributária constasse como um dos objetivos do movimento patriótico. (BALTHAZAR, 2005, p.78)

D. Pedro I proclamou expressamente que uma das razões para independência era a necessidade de um novo regime de tributação, diferente do existente na metrópole, que não asfixiasse a vida econômica do Brasil:

[…] grande dose de verdade havia na afirmativa que o então príncipe regente constitucional fizera, dias antes do grito do Ipiranga, de que Portugal, em suas relações com a antiga colônia, queria “que os brasileiros pagassem até o ar que respiravam e a terra que pisavam. (ELLIS, 1995, p. 62)

O então Príncipe regente alardeava os seus desejos:

[…] os brasileiros teriam um sistema de impostos que respeitaria “os suores da agricultura, os trabalhos da indústria, os perigos da navegação e a liberdade do comércio”, sistema esse tão “claro e harmonioso” que facilitaria “o emprego e a circulação dos cabedais”, desvendando “o escuro labirinto das finanças”, que não permitia ao cidadão “lobrigar o rosto do emprego que se dava às rendas da Nação”. (ELLIS, 1995, p.62)

Evidente que tal promessa não foi cumprida, tendo em vista a impossibilidade de reforma profunda da legislação lusitana que havia sido recepcionada, pelos sucessivos déficits fiscais e pelos tratados internacionais que fixavam as alíquotas do imposto de importação em patamares insignificantes.

O brilhante Procurador da Fazenda Nacional Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, ao analisar a tributação no período joanino, expõe as razões dadas pelo príncipe regente (o futuro rei D. João VI) para a diminuição da alíquota do imposto de importação em face de mercadorias portuguesas (Decreto de 11 de junho de 1808):

Sendo conveniente ao bem público remover todos os embaraços que possam tolher o livre giro e a circulação do comércio: e tendo consideração ao estado de abatimento, em nome de que presente se acha o nacional, interrompido pelos conhecidos estorvos e atuais circunstâncias da Europa: desejando animá-lo e promovê-lo em benefício da causa pública, pelos proveitos, que lhe resultam de se aumentarem os cabedais da Nação por meio de um maior número de trocas e transações mercantis, e de se enriquecerem os meus fiéis vassalos que se dão a este ramo de prosperidade pública e que muito pretendo favorecer como uma das classes úteis ao Estado: e querendo outrossim aumentar a navegação que prospere a marinha mercantil, e com ela a de guerra, necessária para a defesa dos meus Estados e Domínios: sou servido ordenar que todas as fazendas e mercadorias que forem próprias dos meus vassalos, e por sua conta carregadas em embarcações nacionais, e entrarem nas Alfândegas do Brasil, pagarem por direito de entrada dezesseis por cento somente. (GODOY, 2008, p.31)

Tendo em vista este desequilíbrio estrutural na legislação fiscal, o Império do Brasil nasceu tendendo a não conseguir organizar seu orçamento, já que, além das inúmeras obrigações político-militares que teve de assumir, em face do rompimento com a metrópole lusitana, ainda recepcionou tratados internacionais que lhe impediam de tributar, de modo significativo, a importação de mercadorias, então a mais significativa atividade econômica do país.

1.3 A CONSTITUIÇÃO DE 1824: A CONSTRUÇÃO DE UM ESTADO UNITÁRIO

1.3.1 A DISSOLUÇÃO DA ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE DE 1823

Pelo Decreto de 12 de novembro de 1823, D. Pedro I dissolveu a Assembléia Geral Constituinte e Legislativa, que havia sido convocada, pelo próprio soberano, pelo Decreto de 03 de junho de 1822.

Segundo o nosso Imperador, tal fato se deu porque este órgão (fundante do próprio Estado brasileiro) teria perjurado o solene juramento de defender a integridade do Império, sua independência e a dinastia de D. Pedro I. Tal ato extremo, segundo o soberano, deu-se para a salvação do Império, como consta no referido instrumento normativo.

Observe-se que Frei Caneca, na edição natalina do periódico Typhis Pernambucano, de 25 de dezembro de 1823, demonstra que as decisões políticas cristalizadas no título 1º, arts. 1, 2 e 3, da abortada Constituição de 1823, não agrediam o juramento feito pelos constituintes de defender a integridade do Império, sua independência e a dinastia de D. Pedro I. (CANECA, 2001, p.309)

Pela Proclamação de 13 de novembro de 1823, S. Majestade Imperial comunicou ao povo brasileiro, que a Assembléia Constituinte de 1823 foi dissolvida e, em seguida, pelo Manifesto de 16 de novembro de 1823, explicitou as razões da prática de tal ato: o “fel da desconfiança”, que elaboravam planos ocultos para semear a discórdia no Brasil, ameaçando o futuro e a própria existência da Nação.

Em 17 de novembro do mesmo ano (de 1823), também por meio de Decreto, o Defensor Perpétuo do Brasil ratificou mandou proceder à realização de eleições para composição de nova Assembléia Geral Constituinte e Legislativa, que como se sabe, nunca promulgou nova Constituição.

Coube ao Conselho de Estado, sobretudo pelo trabalho de José Joaquim Carneiro de Campos (o futuro Marquês de Caravelas, integrante da futura regência trina provisória, constituída em 07 de abril de 1831), influenciado pelo pensamento de Benjamin Constant, preparar um anteprojeto de Constituição, sobre os escombros dos trabalhos da Assembléia Constituinte de 1823.

Este anteprojeto foi apresentado à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que, ao declarar que o seu texto era imelhorável, apresentou respectiva proposta de juramento (em 08 de janeiro de 1824), para coincidir com o Dia do Fico.

O Imperador rejeitou a proposta e fixou o juramento da Constituição para 25 de março daquele ano (1824). (MELLO, 2004, p.169)

Ao povo brasileiro, por meio da Carta de Lei de 25 de março de 1824, o Imperador do Brasil apresentou o teor da Constituição do Império do Brasil que deveria ser jurada por ele e pelos representantes das Câmaras (advindas de diversas províncias), em local e data já fixados: no dia 25.03.1824, na Câmara do Rio de Janeiro, como consta no Decreto de 13 de março de 1824.


É interessante observar que o Imperador buscou legitimidade para a outorga da sua carta política não em uma Assembléia Constituinte (ou Legislativa), mas nas Câmaras municipais, a começar, pela Câmara do Rio de Janeiro, o que era de se estranhar, já que tais órgãos não eram representantes do povo, mas do próprio Rei, tendo em vista a sua natureza jurídica oriunda da legislação metropolitana portuguesa:

No direito português, o poder das Câmaras, como o das antigas Cortes, não advinha da nação mas do Rei, pois uma e outras „não são representantes dos povos; representam sim pelos povos. A Câmara do Rio, […], tomava-se pelo Senado romano e decidia pelo Brasil, como havia feito em 1822 o Conselho de Procuradores, que tampouco tivera competência para aclamar d. Pedro fosse Defensor perpétuo, fosse Imperador. [grifos do autor] (MELLO, 2004, p.170)

Portanto, por ato do Defensor Perpétuo do Brasil, foi outorgada a Constituição de 1824.

1.3.2 O ESTADO UNITÁRIO

A natureza jurídica do Império do Brasil era a de um Estado Unitário (LOPES, 2002, p.313), resultante de uma proclamada: “associação Politica de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles formam uma Nação livre, e independente, que não admitte com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se opponha á sua Independencia. (art. 1, da Constituição de 1824)”.

As províncias eram órgãos administrativos decorrentes da desconcentração do órgão central, sendo, portanto, uma extensão deste, que tinham por atribuição a gestão das regiões do Império, na forma da Lei (arts. 165 e 166 da Constituição de 1824)

Tais Províncias, por serem órgãos responsáveis pela gestão de parcela do território da Nação, poderiam ser alteradas, isto é, a sua amplitude territorial poderia ser modificada sem consulta aos habitantes destas regiões: “art. 2. O seu territorio é dividido em Provincias na forma em que actualmente se acha, as quaes poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado.”.

Como exemplo, menciona-se o Decreto de 07 de julho de 1824, da lavra de Sua Majestade Imperial, que, após parecer do Conselho de Estado (art. 137 da Constituição de 1824), “desligou” da província de Pernambuco a comarca do Rio de São Francisco.

A Constituição que em cada Província seria assegurado aos cidadãos o direito de intervir nos seus negócios, tendo em vista os interesses peculiares destas regiões.

Tal direito deveria ser exercitado pelos Conselhos Gerais de cada Província (art. 71 e 72 da Constituição de 1824), cujas resoluções deveriam ser submetidas ao Poder Executivo (art. 77 da Constituição de 1824), não podendo estes órgãos deliberativos dispor sobre: assuntos de interesse geral; ajustes interprovinciais; criação de imposições (tributos); ou execução das leis (art. 83 da Constituição de 1824).

1.4 A REFORMA DA CONSTITUIÇÃO DE 1824: O ATO ADICIONAL DE 1834

1.4.1 O PROCEDIMENTO DE REFORMA DA CONSTITUIÇÃO DE 1824

A Constituição de 1824 estabelecia que durante determinado período (04 anos) ela seria imutável (MORAES, 2003, p.39), podendo a partir daí ser reformada (art. 174 da Constituição de 1824): “Se passados quatro annos, depois de jurada a Constituição do Brazil, se conhecer, que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por escripto, a qual deve ter origem na Camara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte delles”.

Apesar desta imutabilidade transitória, a Constituição de 1824 poderia ser classificada como uma constituição semi-rígida (ou semi-flexível): isto é, parte do seu texto poderia ser alterado pelo procedimento das leis ordinárias. (MORAES, 2003, p.39)

A Constituição declarava que existiam determinados temas contidos no seu corpo que eram materialmente constitucionais: “É só Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respectivas dos Poderes Politicos, e aos Direitos Politicos, e individuaes dos Cidadãos” (art. 178, 1ª parte, da Constituição de 1824).

Tais normas que dispunham sobre tais temas representavam o núcleo constitucional desta Charta e só poderiam ser alteradas sob o rito previsto nos seus arts. 175, 176 e 177.

Todas as demais matérias eram consideradas apenas formalmente constitucionais e, portanto, não se submetiam a este rito especial de reforma: “Tudo, o que não é Constitucional, póde ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinarias.” (art. 178, 2ª parte, da Constituição de 1824).

1.4.2 A ABDICAÇÃO DE D. PEDRO I

Por uma ironia do destino, o reinado do Defensor Perpétuo do Brasil D. Pedro I se encerrou com a sua abdicação, em favor de seu filho, às 10 horas, de 07 de abril de 1831, praticado no Senado brasileiro, onde se encontravam presentes 26 senadores e 30 deputados.

Além de ter ocorrido durante as férias parlamentares (art. 18 da Constituição de 1824) (VIANNA, 1967, p.104), a abdicação trazia um problema em si: não existia previsão de a Assembléia Geral eleger um Regente para esta situação (art. 15, II, da Constituição de 1824), pois a Charta política apenas elencava tal possibilidade em caso de falecimento do soberano, se não fosse possível a coroação

do seu sucessor (art. 47, IV c/c arts. 121 e 122, da Constituição de 1824).

Ou seja, a sucessão deveria se dar apenas na forma do art. 117 da Charta imperial, o que se apresentava como outro problema.

O Regente deveria ser o parente mais próximo do soberano com mais de 25 anos e, se não houvesse, deveria ser instituída uma Regência provisória composta por dois Ministros (Estado e Justiça) e dois dos mais antigos membros do Conselho de Estado, sob a presidência da Imperatriz viúva (e, na sua ausência, pelo mais antigo membro do Conselho de Estado). Esta Regência provisória se manteria até a escolha da Regência permanente pela Assembléia Geral, na forma do art. 123 da Constituição de 1824.

Entretanto, os fatos do turbulento dia de 07 de abril de 1831 atropelaram as disposições constitucionais, já que a Imperatriz havia falecido (em 11.12.1826), não existiam outros herdeiros maiores de 25 anos e o Imperador, que deveria ter sido o Defensor Perpétuo do Brasil, havia subitamente abdicado: “A regulamentação constitucional, como se vê, pressupunha situações normais, enquanto o que acontecera naquele tumultuado 7 de abril fora anormalíssimo, excepcional, reclamando, desta sorte, tratamento diferente”. (PORTO, 1981, p.10)

No mesmo ato de abdicação foi constituída provisoriamente uma Regência Trina, composta pelos seguintes membros: Brigadeiro Francisco de Lima e Silva, José Joaquim Carneiro de Campos (o Marques de Caravelas) e pelo Senador Nicolau Pereira do Santos Vergueiro.

Iniciava-se o período regencial no Brasil e com ele aguçaram-se os debates sobre a reforma constitucional.


1.4.3 O ADVENTO DO ATO ADICIONAL DE 1834

Com o advento da era regencial, a pressão por maior autonomia provincial se intensificou, culminando na edição de uma verdadeira tentativa de revolução constitucional: o Ato Adicional de 1834.

O Ato Adicional de 1834 que instituiu a Regência Una, foi o resultado de um processo de negociação que se iniciara em 1831 e que concedeu autonomia às Províncias, estabelecendo a existência nelas de dois centros de poder: a Assembléia Legislativa – que substituiu os Conselhos Gerais, e a presidência provincial. (DOLHNIKOFF, 2005, p. 93 e 97)

Nas palavras do Padre FEIJÓ, Regente do Brasil, vislumbrava-se os limites da autonomia político-legislativa concedida às províncias:

Somente os negócios gerais, quais os direitos e obrigações dos cidadãos, os códigos criminal e de processo, o emprego das forças e do dinheiro foram excluídos da ação das assembléias provinciais. Hoje as províncias têm em seu meio a potência necessária para promover todos os melhoramentos materiais e morais. A seus filhos está encarregada a espinhosa tarefas, mas honrosa, de fazer desenvolver os recursos necessários a seu bem ser. (apud DOLHNIKOFF, 2005, p. 100)

Ou seja, a Constituição do Império foi alterada de tal forma que já se nota o despontar do embrião da futura federação brasileira.

O Ato Adicional de 1834, a Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834, foi votado observando os ritos previstos para a reforma da Constituição (DOLHNIKOFF, 2005, p. 97), bem como ao disposto na Lei de 12 de outubro de 1832, que determina que os eleitores, ao elegerem os membros da Câmara dos Deputados, para legislatura seguinte, lhes concederiam poderes para a reforma de inúmeros dispositivos da Constituição Imperial.

Devido a problemas gerados pela aplicação de normas jurídicas contidas no Ato Adicional de 1834, foi editado uma Lei Interpretativa deste diploma, Lei nº 105, de 12 de maio de 1840, restringindo os excessos desta experiência semi-federalista ocorrida durante o período regencial (DOLHNIKOFF, 2005, p. 125), inclusive com a possibilidade revogação de leis provinciais, por ato praticado pelo Poder Legislativo Geral (art. 8º), se afrontarem as interpretações autênticas conferidas por este diploma legal; bem como a faculdade de o presidente da província negar sanção a projeto de lei local que venha contrariar a Constituição do Império (art. 7º da Lei Interpretativa combinado com o art. 16 do Ato Adicional de 1834). (VIANNA, 1967, p.111)

Evidente que a história legislativa imperial não se encerra neste momento, mas a partir daqui o leitor já possui subsídios para a compreensão dos temas que serão a seguir estudados.

Nos capítulos seguintes pretende-se adentrar no estudo do Direito Tributário no Império do Brasil.

2 A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

2.1 A CONSTITUIÇÃO E O PODER DE TRIBUTAR

A partir da ascensão da doutrina constitucionalista (MORAES, 2003, p.35), no século XVIII, o poder de tributar, assim como qualquer espécie de poder, tem a sua origem no Povo, que se apresenta como o seu titular.

O Povo, por meio de seus representantes, reunido em assembléia constituinte, poderá instituir um Estado, por meio de uma Constituição:

A Constituição é a ordem fundamental jurídica da coletividade. Ela determina os princípios diretivos, segundo os quais deve formar-se unidade política e tarefas estatais ser exercidas. Ela regula procedimentos de vencimento d conflitos no interior da coletividade. Ela ordena a organização e o procedimento da formação da unidade política e da atividade estatal. Ela cria as bases e normaliza traços fundamentais da ordem total jurídica. Em tudo, ela é “o plano estrutural fundamental, orientado por determinados princípios de sentido, para a configuração jurídica de uma coletividade.” (HESSE, 1998, p.37)

Pelo fenômeno do constitucionalismo, o Povo, por meio da Constituição por ele proclamada, edificaria o Estado, delegaria poderes às entidades políticas do Estado, repartiria atribuições entre os órgãos estatais, criaria limites e os respectivos instrumentos para assegurar as liberdades individuais.

Dentro da perspectiva da delegação de poderes e a sua repartição entre os órgãos estatais, pode-se vislumbrar um dos fundamentos do Direito Tributário: o exercício da competência tributária.

2.2 O PODER DE TRIBUTAR E A COMPETÊNCIA LEGISLATIVA NA CHARTA MAGNA DE 1824

O Direito Tributário, como nós conhecemos, também só pode ser compreendido a partir dos eventos das revoluções burguesas do século XVIII que ensejaram o surgimento do fenômeno do constitucionalismo.

Pode-se afirmar, sem muitos receios, que um dos marcos, do direito tributário, foi a revolta popular contra a Lei do Selo de 22 de março de 1765, que impunha a obrigatoriedade de obtenção de selo público em todos os contratos, jornais e cartazes, mediante pagamento de taxa nas colônias americanas da Inglaterra. A Declaração dos colonos, oferecida ao rei Jorge III, se inspirou na idéia de que o Parlamento inglês não poderia impor uma tributação à sociedade (da colônia), pelo simples fato de que neste órgão legislativo não existiam representantes populares das colônias americanas, as quais sofreriam a imposição fiscal: not tributation without representation. A lei foi revogada em 1766.

Mais adiante, como o Parlamento metropolitano inglês pretendia instituir tributação adicional sobre o chá que seria exportado desta colônia para a metrópole, a comunidade de Boston reputou por injusta e abusiva a incidência deste tributo, o qual prejudicaria o seu comércio, bem como a vida econômica daquela sociedade: estava armado o palco para a deflagração da revolta, que culminou com o Massacre de Boston, em 5 de maio de 1770. (KERNAL, 2008, p. 77-79).

O tributo passou a ser compreendido como uma exceção a dois direitos fundamentais, o de livre obrigar-se e o de propriedade: ninguém está obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo senão em virtude lei (art. 179, I, da Constituição de 1824) e é assegurado a todos o direito de possui patrimônio (art. 179, XXII, da Constituição de 1824).

Ou seja, o indivíduo só estaria obrigado a pagar algo, contra a sua vontade, transferindo parte do seu patrimônio, se a lei (em sentido formal) assim o declarasse.


A Charta Magna de 1824 incorporava estes princípios, ao estabelecer, em seu art. 36, I, que era da competência privativa da Câmara dos Deputados, cujos representantes eram eleitos (para mandato provisório) pelo voto dos cidadãos habilitados (art. 35 e 90 da Constituição de 1824), a instauração do processo legislativo sobre impostos:

Os impostos e o recrutamento são dois gravames que pesam muito sobre os povos, são dois graves sacrifícios do trabalho ou propriedade, do sangue e da liberdade, são dois assuntos em que a nação demanda toda a poupança, meditação e garantias.

[…]

Se a Câmara rejeita a medida, a rejeição é peremptória, pois que o Senado não pode propô-la; se adota, os termos da adoção vêm já acompanhados do juízo expressado, das circunstâncias dos debates, de uma influência moral ou predomínio importante, que gera impressão sobre a opinião pública e que deve ser bem considerado pelo Senado, que antes disso não é chamado a manifestar suas idéias. Acresce que , por uma conseqüência lógica e rigorosa, o senado não pode mesmo emendar tais projetos no fim de aumentar por forma alguma o sacrifício do imposto […], ou de substituir a contribuição por outra mais onerosa, pois que seria exercer uma iniciativa nessa parte. Seu direito limita-se a aprovar, rejeitar ou emendar somente no sentido de diminuir o peso ou duração desses gravames

[…]

Tal é o privilégio que a Câmara dos Comuns mais zela na Inglaterra; ela não tolera que nenhuma medida que tem relação direta ou estreita com money-bill possa ser iniciada na Câmara dos Lordes. (SÃO VICENTE, 2002, p. 172-173)

Este poder conferido à Câmara dos Deputados se justificava, em verdade, pela natureza da composição deste órgão, no qual se faziam presentes os mandatários que representavam o Povo, de modo mais imediato:

Os deputados são os mandatários, os representantes os mais imediatos e ligados com a nação, com os povos. Tema a missão sagrada de expressar as idéias e desejos destes, de defender suas liberdades,, poupar os seus sacrifícios, servir de barreira a mais forte contra os abusos e invasões do poder, em suma, de substituir na Assembléia Geral a presença dessas frações sociais e da nação inteira cumpre pois que sejam escolhidos e eleitos por aqueles que lhes cometem tão importante mandato, cumpre que dependam só e unicamente daqueles de cujas idéias, necessidades e interesses, de cujo bem ser e progresso têm o destino de ser órgãos imediatos e fiéis. (SÃO VICENTE, 2002, p. 112)

Portanto, apesar do silêncio (e concordância tácita) sobre a escravidão (art. 94, II), apesar da manutenção do padroado (art. 102, II e XIV) et cetera, a Constituição de 1824 estava (formalmente) em plena sintonia com os baluartes liberais do século XIX, como vangloria LIMA:

A monarquia no Brasil achava-se estreitamente ligada ao sistema parlamentar e foi, até, no século XIX, sem falar na Inglaterra, alma mater do regime representativo e não obstante defeitos procedentes das deficiências políticas do meio, uma das expressões mais legítimas e pode mesmo dizer-se mais felizes. (LIMA, 1962, p. 371)

A competência tributária, portanto, seria o poder delegado pela Constituição para que órgãos do Estado pudessem, mediante Lei, instituir tributos. O exercício de tal competência, em última análise, pressupõe que aquele órgão teria, também, atribuição legiferante, já que o tributo deveria ser instituído mediante Lei em sentido formal (AMARO, 2005, p. 93):

Após a Independência constitui-se, no Brasil, o estado fiscal. A principal característica deste estado consiste em um “novo perfil da receita pública, que passou a se fundar nos empréstimos, autorizados e garantidos pelo legislativo, e principalmente nos tributos” em vez de estar consubstanciada nos ingressos originários do patrimônio do príncipe. Além disso, o tributo deixa de ser cobrado transitoriamente, vinculado a uma determinada necessidade conjuntural (ainda que, às vezes, continuasse sendo cobrado mesmo quando não existia mais necessidade, como se verificou no caso de dotes nupciais), para ser cobrado permanentemente. (BALTHAZAR, 2005, p.79)

A Lei (em sentido formal) é espécie legislativa que, por meio de determinado processo realizado pelos representantes políticos (art. 52 usque art. 70 da Constituição de 1824), a vontade do Estado fica cristalizada. A Lei, portanto, seria um instrumento de inserção, no ordenamento jurídico, daquelas normas que o Estado entende por criar, após a observância de determinado procedimento.

Em outras palavras, a lei é fruto da vontade popular, que, por meio de determinado procedimento, e concretiza as decisões políticas tomadas pelos mandatários do povo (deputados, senadores etc.), inserindo novas normas no ordenamento jurídico, permitindo que o povo se governe.

2.3 A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA NO IMPÉRIO DO BRASIL

2.3.1 A CONCENTRAÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

Como exposto, a Constituição de 1824 instituiu um Estado Unitário, em que as províncias não gozavam de autonomia, não participavam do exercício do poder político, o qual estava concentrado no ente central, que representava a Nação.

Se não existia repartição deste poder, sendo as Províncias mera extensão do ente político central, é evidente que não faria sentido que o legislador constituinte as dotasse de parcela do poder de tributar.

De fato, os Conselhos Gerais, que eram órgãos colegiados de deliberação sobre assuntos provinciais (art. 71 da Constituição de 1824), foram expressamente proibidos de instituir tributos (ELLIS, 1995, p.64):

Art. 83. Não se podem propôr, nem deliberar nestes Conselhos Projectos.

I. Sobre interesses geraes da Nação.

II. Sobre quaesquer ajustes de umas com outras Provincias.

III. Sobre imposições, cuja iniciativa é da competencia particular da Camara dos Deputados.

IV. Sobre execução de Leis, devendo porém dirigir a esse respeito representações motivadas á Assembléa Geral, e ao Poder Executivo conjunctamente.

Somente a Câmara dos Deputados detinha a atribuição privativa para iniciar os debates sobre a instituição de tributos, na forma do art. 36, I, da Charta imperial, logo, nenhum outro órgão estatal (central ou provincial) poderia iniciar o processo legislativo para a criação da lei tributária.


Note-se que a deliberação e a aprovação de uma lei (inclusive a tributária) era da atribuição da Assembléia Geral (arts. 13 e 15, VIII, da Constituição imperial), a qual era composta pela Câmara dos Deputados e pelo Senado (art. 14, da Constituição imperial).

Apesar de a atribuição para instituir a Lei tributária residir na Assembléia Geral, o exercício da iniciativa para apreciação de propostas de criação de lei tributária partia, necessariamente, da Câmara dos Deputados.

O Poder Legislativo, consoante a Charta Magna imperial, era delegado à Assembléia Geral, com a sanção do Imperador (art. 13 da Constituição imperial), isto é, o Imperador participava do exercício deste Poder, como se infere da interpretação dos arts. 64 a 70 da Constituição imperial. (SÃO VICENTE, 2002, p.111)

2.3.2 PROBLEMAS DECORRENTES DA CONCENTRAÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

Tendo em vista a concentração da competência tributária no Ente central, as Províncias ficaram na dependência de decisões políticas de repasses do tesouro público, algo que não ocorria com freqüência, tendo em vista o déficit fiscal crônico que assolava o governo imperial (LIMA, 1962, p.452) e que praticamente impedia a realização de significativas transferências.

Ademais, como exposto, o Império do Brasil recepcionou a legislação tributária lusitana e as Províncias, tendo em vista a penúria fiscal crônica, além de continuarem a cobrar tributos antigos, em flagrante agressão à Charta Magna, instituíram, dissimuladamente, novos tributos, inclusive sobre as mesmas hipóteses de incidência de tributos gerais (isto é, instituídos pelo ente central) (BALTHAZAR, 2005, p.82): “A Constituição de 1824 não resolveu o problema de competências tributárias. Alguns impostos eram cobrados várias vezes sobre o mesmo gênero.” (BALTHAZAR, 2005, p.81)

A situação se agravou a ponto que, em 1835, o Ministro da Fazenda Miguel Calmon du Pin e Almeida, por meio da Circular, de 17 de dezembro de 1827 (decisão nº 126), veio a exigir que as Juntas de arrecadação, nas províncias, elaborassem uma lista completa e circunstanciada de todos os “tributos e impostos”, com a indicação da denominação, da data da criação, do ato normativo que o instituiu, do valor arrecadado líquido (nos últimos três anos), bem como a indicação da despesa pública e do estado atual da dívida ativa da Nação, naquela Província.

Dois dias depois, por meio da Circular, de 19 de dezembro de 1827 (decisão nº 129), o mesmo Ministro da Fazenda exigiu que os presidentes das províncias informassem, minuciosamente os impostos “mais gravosos aos contribuintes e por isso mais nocivos ao desenvolvimento da riqueza pública”, de modo a ser possível determinar quais poderiam ser arrecadados diretamente pela Fazenda pública e quais poderiam ser arrematados por contratos. Requereu também informações sobre eventuais abusos quando da cobrança e fiscalização dos tributos e como corrigir estes excessos, tudo isto a fim de diminuir as despesas e aumentar as receitas.

Com o advento da primeira Lei orçamentária brasileira, a Lei de 14 de novembro de 1827, buscou-se organizar a precária relação entre despesas e receitas.

Apesar desta lei expressamente se referir ao Tesouro público da Corte e da Província do Rio de Janeiro, ela também conferia parâmetros para as demais províncias.

Note-se que as províncias deveriam concorrer para custear as despesas gerais, sendo que seus eventuais saldos existentes deveriam servir para o financiamento do governo central (art. 4º), tendo em vista o déficit público existente (art. 5º). Foram mantidos em vigor, para o exercício de 1828, todos os tributos que estavam sendo exigidos (art. 6º).

2.3.3 O ATO ADICIONAL DE 1834: O SURGIMENTO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA PROVINCIAL E A GUERRA FISCAL

2.3.3.1 O ATO ADICIONAL DE 1834.

O Ato Adicional de 1834, a Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834, transformou os Conselhos Gerais em Assembléias Legislativas (art. 1º) e delegou a estes órgãos diversas competências legislativas (art. 10), dentre elas as de fixar as “despesas municipais e provinciais e os impostos para elas necessários, contanto que não prejudiquem as imposições gerais do Estado”.

Recebendo esta competência legislativa, bastante genérica, o legislador, no art. 12, do mesmo Ato Adicional, também estabeleceu outro limite ao exercício do poder de tributar por aqueles órgãos legislativos provinciais: “As Assembléias Provinciais não poderão legislar sobre impostos de importação […]”.

Com o advento deste Ato Adicional ocorreu que as Províncias receberam poderes para instituir quaisquer tributos, desde que não prejudicassem as imposições gerais do Estado e que não se confundissem com os impostos de importação. (SÃO VICENTE, 2002, p.252)

2.3.3.2 INVASÕES DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA.

Evidente que estas vedações genéricas não bastavam para impedir os excessos dos legisladores provinciais, que reiteradamente invadiam a competência tributária do ente central:

É que as Assembléias Provinciais, contrariando proibição expressa da lei de 12 de agosto de 1834 (Ato Adicional), continuavam a legislar sobre importação e exportação, bem como sobre outras contribuições […] “A circulação dos produtos da indústria nacional é gravada em algumas Províncias com imposições quase proibitivas; em outras os próprios gêneros que já pagaram direitos de importação são novamente tributados, segundo a sua natureza e qualidade, com o intuito de proteger algumas fábricas estabelecidas nas ditas Províncias”. Impunha-se, assim, uma decisão sobre o assunto, pois, do contrário, não só seria perturbado o sistema fiscal, “como prejudicada profundamente a riqueza pública.” (SÃO VICENTE, 2002, p.252)

Em verdade, ao se dotar às províncias de competência tributária sem se estruturar um sistema tributário nacional, que de modo eficaz impedisse os conflitos no exercício deste poder de tributar, criou-se uma grande guerra fiscal no Império do Brasil, pois as províncias, em busca de novas fontes de receitas, instituíam muitas vezes adicionais aos impostos gerais ou então estabeleciam dissimuladamente impostos de importação ou de exportação (o que era vedado), ou tributavam o comércio interprovincial.

A razão para este fenômeno era, sem dúvidas, a escassez de fontes significativas de receitas provinciais:

Dois anos depois, Sales Tôrres Homem acentuava, também, e igualmente na posição de ministro da Fazenda, as distorções causadas pela exorbitância legislativa das Assembléias Provinciais, em matéria de impostos, com grave reflexo nas atividades do país. Mas esse era, sem dúvida, o resultado, que se agravava com o decorrer do tempo, do excessivo poder de tributar que detinha o governo central, em detrimento das províncias, as quais, na falta de recursos, exigidos pela evolução de sua própria economia, não viam outro meio para obtê-los senão desrespeitar os limites fiscais que lhes haviam sido traçados. (ELLIS, 1995, p.73)


2.3.3.3 CRISE FISCAL

Esta falta de recursos, justificada pela impossibilidade de criação de tributos, que pudessem incidir sobre relevantes fatos econômicos se agrava pelo fato que a sociedade brasileira do século XIX continuava a ter por principais atividades econômicas aquelas relacionadas com a monocultura agrícola, fundada no trabalho escravo, bem como, e a exportação destes produtos primários:

[…] podemos dizer que o Período Imperial se assemelhou ao Período Colonial em três aspectos: a economia do Brasil conservava-se monocultora, agro-exportadora e escravocrata. Outro ponto em comum residiu na importância dada ao imposto de importação, alterado conforme as necessidades e anseios protecionistas da Coroa. (BALTHAZAR, 2005, p.101)

As Províncias, portanto, eram praticamente compelidas a invadir a competência tributária do ente central, em busca de fontes de financiamento, tendo em vista que significativamente muito pouco restava para a incidência de eventuais tributos locais: “Na área provincial, como se viu, os governos locais, premidos pela falta de meios, eram levados a recorrer com freqüência, a impostos que conflitavam, ostensivamente, com sua reduzida competência tributária”. (BALTHAZAR, 2005, p.101).

Este conflito ficava mais evidente quando se tinha em conta que, antes mesmo do advento do Ato Adicional de 1834, por meio de leis ordinárias, o Império discriminou as competências tributárias do ente central e das Províncias, classificando-as em Receitas Gerais e Receitas Provinciais.

2.3.3.4 RECEITAS GERAIS E RECEITAS PROVINCIAIS: A REPARTIÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

O conceito de Receita Geral e de Receita Provincial foi inicialmente previsto na Lei nº 58, de 08 de outubro de 1833, que era a lei orçamentária para o exercício financeiro que foi de 1º de julho de 1834 a 30 de junho de 1835.

Inicialmente, como era de praxe nas leis orçamentárias imperiais, determinou-se que todos os impostos que haviam sido instituídos pela lei orçamentária de 24.10.1832 continuariam em vigor naquele exercício financeiro (art. 30, Lei nº 58, de 08 de outubro de 1833).

Por Rendas públicas integrantes da Receita geral (art. 36, da Lei nº 38, de 03 de outubro de 1834), enquanto lei geral não viesse a dispor especificamente sobre o tema, consideravam-se todos as receitas (inclusive os impostos) a que se referiam a Lei nº 58, de 08 de outubro de 1833, bem como os impostos provinciais da Corte e do Município do Rio de Janeiro.

Ou seja, a especificação das receitas gerais era discriminada de forma taxativa, numerus clausus, sendo que na Corte e no Município do Rio de Janeiro havia uma competência tributária cumulativa do ente central (art. 36, §1º, da Lei nº 38, de 03 de outubro de 1834) para cobrar os impostos provinciais, com exceção de alguns impostos que eram de competência da Câmara Municipal do Rio de Janeiro: os arrecadados pela Polícia e os foros anuais decorrentes de terreno de marinha, art. 37, §§1º e 2º, da Lei nº 38, de 03 de outubro de 1834.

As Rendas Provinciais (art. 39 da Lei nº 38, de 03 de outubro de 1834) eram as demais rendas que eram cobrados pelas Províncias e que não eram abarcadas pela competência tributária do ente central, passando a pertencer o produto da arrecadação à Receita Provincial, sendo possível a sua alteração pelas respectivas Assembléias Legislativas.

Ressalte-se que antes mesmos das alterações na competência tributária instituídas pelo Ato Adicional de 1834, a Lei orçamentária nº 58, de 08 de outubro de 1933 já fazia referência expressa ao poder de tributar das Províncias (art. 35), isto é, todos os impostos não inclusos dentro do conceito de Receita Geral, sendo permitido que os Conselhos Gerias (das províncias) fixassem o orçamento local.

A partir da Lei orçamentária nº 99, de 31 de outubro de 1835, que fixava as despesas e receitas para o exercício financeiro compreendido entre 1º de julho de 1936 e 30 de junho de 1937, ficou melhor delineado a amplitude das receitas gerais (art. 11). Por este diploma legislativo, as províncias recebiam uma espécie de competência tributária residual, que deveria ser exercida por sua Assembléia Legislativa (art. 12, da Lei nº 99, de 31 de outubro de 1835):

Ficam pertencendo à Receita Provincial todas as imposições não delineadas nos números do art. 11 antecedente; competindo ás Assembleas Provinciaes legislar sobre a sua arrecadação e altera-las, ou aboli-las, como julgarem conveniente.

O complicador na delimitação das competências tributárias residia no fato de que não existiam normas constitucionais dispondo sobre o tema, ficando ao arbítrio do legislador ordinário, ao elaborar as leis orçamentárias, definir a repartição do poder de tributar e também na existência de um efetivo sistema de controle de constitucionalidade das leis provinciais.

2.3.3.5 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA CHARTA MAGNA IMPERIAL E A GUERRA FISCAL

Ao contrário das Constituições republicanas que adotaram, na sua evolução, um misto do sistema americano-germânico para o Controle de Constitucionalidade das leis, a ser exercido pelo Judiciário, de forma difusa (por qualquer órgão jurisdicional, a partir de 1891) ou concentrada (pela nossa Corte Suprema, a partir de 1946), a Charta Magna imperial adotou o sistema britânico de controle, isto é, somente o Parlamento, órgão composto por representes populares, poderia realizar a fiscalização dos atos normativos à luz da nossa Constituição. (MENDES, 2007, p. 154 e 983)

Competia à Assembléia Geral velar pela guarda da Constituição, bem como interpretar, suspender ou revogar as Leis (art. 15, IX e X, da Constituição de 1824), pelo fato de que, pelos ensinamentos de SÃO VICENTE:

O art. 15, §9º da Constituição confirma uma atribuição que o direito de fazer as leis por certo importa; ele inclui necessariamente o direito de inspecionar, de examinar se elas são ou não fielmente observadas.

[…]

De todas as leis as que demandam maior inspeção, por isso mesmo que demandam o mais alto respeito, são as leis constitucionais, pois que são o fundamento de todas as outras e da nossa existência e sociedade política. São os títulos dos direitos dos poderes políticos, e não são só títulos de seus direitos, mas também de suas obrigações, não são só brasões de autoridades, são também garantias dos cidadãos; ligam o súdito e o poder; é por isso que a Constituição ordena que a Assembléia Geral que vele na guarda de seus preceitos. (SÃO VICENTE, 2002, p. 168)

Competia também à Assembléia Geral controlar os atos do Poder Executivo, limitando os seus poderes:

A principal vigilância que a Assembléia Geral deve exercer é que o poder executivo se encerre em sua órbita, que não invada o território constitucional dos outros poderes, é a primeira condição da pureza do sistema representativo e que decide das outras; que respeite as liberdades individuais.

A exata observância das leis ordinárias, das leis fiscais, cujos abusos são mui opressivos, das que promovem os melhoramentos vitais do país, como suas estradas e colonização, cuja omissão tanto pode afetar a sorte do povo, enfim de todas as normas da sociedade, muito interessada, ao seu desenvolvimento e bem-estar. (SÃO VICENTE, 2002, p. 168)


A Charta Magna de 1824 originariamente, por instituir um estado Unitário, sem delegar aos Conselhos Gerais provinciais competências legislativas, estabeleceu que as resoluções tomadas por estes órgãos deveriam ser remetidas ao Poder Moderador (o Imperador), por meio do Presidente da Província (art. 84, da Constituição imperial), o qual poderia mandar executar ou suspender a eficácia da resolução até ulterior deliberação da Assembléia Geral (arts. 86, 87, 88, e 101, IV, da Constituição imperial).

Se a Assembléia Geral estivesse reunida, deveria ser enviada diretamente para este órgão a resolução do Conselho geral provincial, nos termos do art. 85 (da Constituição imperial), para que fosse a proposta debatida como projeto de lei.

Em outras palavras, como os Conselhos Gerais tinham sua atribuição legislativa limitadíssimas, o risco de haver leis provinciais inconstitucionais também era (em tese) reduzido.

Com o advento do Ato Adicional de 1834 e a criação de Assembléias provinciais dotadas de competência legislativa, inclusive tributária, a situação se modificou, pois o risco de surgimento de leis inconstitucionais provinciais aumentou em muito (art. 10, da Lei nº 16, de 12, de agosto de 1834).

Este risco ficou tão evidente para SÃO VICENTE que ele analisa, de modo enérgico, a natureza de uma lei provincial inconstitucional:

§2º Das leis provinciais ofensiva das Constituição:

235. É evidente que qualquer lei provincial que ofender a constituição, ou porque verse sobre assunto a respeito de que a Assembléia Provincial não tenha faculdade de legislar, ou porque suas disposições por qualquer modo contrariem algum preceito fundamental, as atribuições de outro poder, os direitos ou liberdades individuais ou políticas dos brasileiros, é evidente, dizemos, que tal lei é nula, que não passa de um excesso ou abuso de autoridade.

Um ato tal é uma espécie de rebelião da autoridade provincial contra seu próprio título de poder. A própria A própria Assembléia Geral não tem direito para tanto, as Assembléias Provinciais não podem, pois, pretendê-lo. No caso de se dar tal abuso ele deve ser desde logo cassado. (SÃO VICENTE, 2002, p.251)

Como se daria esta cassação da lei provincial inconstitucional?

O art. 20, do Ato Adicional de 1834 (que reformou a Constituição imperial) atribuiu à Assembléia Geral poderes para revogar apenas as leis provinciais que ofendessem a Constituição, os impostos gerais, os direitos de outras províncias ou os tratados.

Entretanto, esta revogação não era automática, dependendo de expressa prática de ato pelo Poder legislativo (art. 8º da Lei nº 105, de 12 de maio de 1840 (Lei de Interpretação do Ato Adicional de 1834)).

A Lei nº 105, de 12 de maio de 1840 (Lei de Interpretação do Ato Adicional de 1834), estabelecia, no seu art. 10, §8º, a possibilidade de o Presidente provincial vetar (não sancionar) lei aprovada pela Assembléia Legislativa, por inconstitucionalidade (art. 7º). (SÃO VICENTE, 2002, p.258)

O problema envolvendo esta forma de controle de constitucionalidade era manifesta: a revogação (ou suspensão da eficácia) de uma Lei provincial, pela Assembléia Geral, necessitava de articulação política para que resultasse em deliberação no legislativo nacional, como ocorreu com o imposto de consumo (de giro) instituído pela Assembléia Legislativa pernambucana (1885), em manifesta afronta ao disposto no art. 10, §5º, do Ato Adicional de 1834. O Governo imperial preferiu manter-se inerte, não comprando esta briga, tendo em vista que a existência destas espécies de imposto provinciais era um “mal menor”: o Poder Executivo não desejava intervir para não gerar conflito com as Assembléias Provinciais. (MELLO, 1999, p.277-278)

Diante deste deficiente sistema de controle de constitucionalidade, o estudo dos limites ao poder de tributar ganha um realce maior.

3 LIMITES AO PODER DE TRIBUTAR

À luz do constitucionalismo, o poder de tributar, como qualquer outra forma de poder, tem como seu titular o próprio Povo, que o delega, pela Constituição a órgãos do Estado.

Evidente que o Povo não delega o poder de tributar de forma absoluta, ao contrário, limita o exercício destes poderes a fim de proteger os direitos fundamentais à liberdade e ao patrimônio.

Neste momento, busca-se estudar quais os limites ao poder de tributar que existiam no Direito do Império do Brasil.

3.1 LEGALIDADE

Não existia, no art. 179, da Constituição do Império, uma previsão explícita de que os tributos apenas poderiam ser instituídos por meio lei, em sentido formal.

Entretanto, facilmente se extrai este princípio da leitura da Constituição de 1824: estava assegurado, como direito fundamental dos cidadãos, que ninguém está obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo senão em virtude lei (art. 179, I, da Constituição de 1824) e é que seria assegurado, a todos, o direito de possuir patrimônio (art. 179, XXII, da Constituição de 1824).

Esta proclamação do império da Lei também se percebe quando se está diante da criação de tributos.

Nos termos da Constituição do Império, a atribuição privativa para se iniciar o processo legislativo para criação de tributos, nos termos do art. 36, I, era da Câmara dos Deputados, cujos representantes eram eleitos (para mandato provisório) pelo voto dos cidadãos habilitados (art. 35 e 90 da Constituição de 1824). Entretanto, a criação da Lei deveria se dar após procedimento que previa debate e deliberação em ambas as Casas do Poder Legislativo (arts. 55 e 60, da Constituição de 1824), com posterior sanção do Imperador, no exercício do Poder Moderador (art. 101, III, da Constituição de 1824).

Portanto, para a criação de tributos, nos termos da Constituição de 1824, exigia-se Lei, em sentido formal.

3.1.1 LEIS ORÇAMENTÁRIAS

Uma prática muito comum, durante o Império do Brasil, a partir da Lei orçamentária nº 58, de 08 de outubro de 1833, era a descrição e a possibilidade de instituição de tributos por meio das leis orçamentárias que iriam vigorar no exercício fiscal seguinte.

Nas próprias leis orçamentárias vinha a descrição dos tributos existentes e, em alguns casos, a instituição de outros ou a alteração das alíquotas dos tributos existentes.


3.1.2 TRATADOS INTERNACIONAIS

Os tratados internacionais podem ser considerados como o calcanhar de Aquiles do 1º Reinado e merecem um estudo mais detalhado.

Nos termos do art. 102, VII e VIII, da Constituição de 1824, competia ao Poder Executivo entabular negociações co


Reforma Tributária: Uma breve análise da PEC nº 233/2008

André Emmanuel Batista Barreto Campello
Procurador da Fazenda Nacional
Lotação: Procuradoria da Fazenda Nacional no Estado do Maranhão

RESUMO: O presente artigo buscou analisar o Projeto de Emenda à Constituição nº 233/2008, que pretende alterar o Sistema Tributário Nacional. Almeja-se, de forma sistematizada, realizar estudo acerca da estrutura da PEC e suas principais inovações. Por meio do estudo do conteúdo da PEC nº 233/2008, à luz da doutrina e jurisprudência pátria, teceu-se análise acerca dos seus principais tópicos: o novo ICMS federal, o Imposto sobre Valor Agregado federal (IVA-F), e as alterações na forma de repartição de receitas, com a criação de novos fundos constitucionais. No estudo desta proposta de alteração da Carta Magna, foi realizado estudo acerca das alterações das regras determinantes das competências tributárias, suas conseqüências jurídicas, questionando-se, inclusive, acerca da existência de agressão ao pacto federativo. Pelo emprego de método dedutivo, tendo como premissa maior a nossa carta magna e como menor as propostas de inovações constitucionais, aplicou-se interpretação integrativa, a fim de demonstrar a constitucionalidade da PEC nº 233/2008. Por fim, conclui-se pela adequação destas inovações constitucionais, em face da necessidade de racionalização do Sistema Tributário Nacional

PALAVRAS-CHAVE: Reforma Tributária. PEC nº 233/2008. ICMS. IVA-F.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 A ESSÊNCIA DA REFORMA TRIBUTÁRIA: a criação de novas competências tributárias para instituição do novo ICMS; 2.1 O ICMS FEDERAL: INTRODUÇÃO; 2.2 O novo ICMS federal (art. 155-A, da PEC nº 233/08); 2.2 O novo ICMS federal (art. 155-A, da PEC nº 233/08); 2.2.1 PRINCIPAIS CARACTERISTICAS DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA PARA INSTITUIR O ICMS FEDERAL; 2.2.1.1 LEI COMPLEMENTAR FEDERAL DESCREVERÁ OS ELEMENTOS NUCLEARES DESTE TRIBUTO; 2.2.1.2 REGULAMENTAÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR QUE CRIA O ICMS; 2.2.1.3 AGRESSÕES À COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA: SANÇÕES; 2.2.1.4 ALÍQUOTAS; 2.2.1.5 LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR; 2.2.1.6 NÃO-CUMULATIVIDADE E SELETIVIDADE; 2.2.1.7 PRODUTO DA ARRECADAÇÃO DO NOVO ICMS E A CÂMARA DE COMPENSAÇÃO;2.2.1.8 FIM DO ICMS ESTADUAL; 3 O IVA FEDERAL: PRINCIPAIS CARACTERISTICA DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA; 4 ALTERAÇÕES NA REPARTIÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS; 4.1 IMPOSTOS RESIDUAIS DA UNÃO; 4.2 FUNDO DE EQUALIZAÇÃO DE RECEITAS E FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL; 4.3 NOVAS ATRIBUIÇÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO; 5 OUTRAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA PEC Nº 233/2008; 5.1 INTERVENÇÃO FEDERAL; 5.2 MEDIDAS PROVISÓRIAS; 5.3 utilização da receita do novo ICMS como garantia; 5.4 CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS; 5.5 ALTERAÇÃO DA COMPETÊNCIA JURISDICIONAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA; 5.6 EXECUÇÃO EX OFFICIO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS NO ÂMBITO DA JUSTIÇA DO TRABALHO; 5.7 MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE; 6 CONCLUSÃO; 7 REFERÊNCIAS

1 INTRODUÇÃO

O Presidente da República, no exercício das suas competências constitucionais (art. 60, II e art. 84, III, da CF), enviou ao Congresso Nacional, por meio da mensagem nº 81/2008, Projeto de Emenda à Constituição Federal (PEC nº 233, apresentada em 28.02.2008), alterando o Sistema Tributário Nacional.

A análise de qualquer projeto de criação de normas constitucionais é sempre um trabalho baseado no estudo da “lei que virá”, de lege ferenda.

Pode-se afirmar que tal análise passa por três etapas distintas: analisa-se o direito existente, vislumbra-se a proposta de alteração e busca-se inferir quais as conseqüências destas modificações legislativas.

Sem sombras de dúvida exige-se do operador do Direito a utilização plena dos métodos interpretativos lógicos e sistemáticos, a fim de se verificar como as normas se introduzirão no ordenamento, em face das demais normas já existentes, e como estas novas disposições deverão ser interpretadas, sem que se produzam absurdos.

Esta advertência fica mais evidente quando se verifica que, na interpretação das disposições constitucionais, não é possível a realização da mesma a ponto de subverter a própria existência da Constituição, sob pena de obtenção de absurdo resultado, já que o legislador reformador constitucional (poder constituído) jamais poderia implodir a própria Constituição (resultado do exercício do poder constituinte)1.

Neste sentido os ensinamentos de BARROSO, ao analisar o princípio da unidade da constituição, como princípio orientador para o intérprete da nossa Carta Magna:

O papel do princípio da unidade é o de reconhecer as contradições e tensões – reais ou imaginárias – que existam entre normas constitucionais e delimitar a força vinculante e o alcance de cada uma delas. Cabe-lhe, portanto, o papel de harmonização ou “otimização” das normas, na medida em que se tem de produzir um equilíbrio, sem jamais negar por completo a eficácia de qualquer delas.2

Portanto, ao se analisar os dispositivos existentes na PEC nº 233/2008, que procura alterar o Sistema Tributário Nacional, alerta-se que o presente autor não busca extrair conclusões que desconstruam a nossa Carta Magna, ao contrário, busca harmonizar as proposições de lege ferenda ao sistema constitucional atualmente vigente. Ou seja, neste texto busca-se interpretar os dispositivos da PEC nº 233/2008, conforme a Constituição Federal, isto é:

A supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo poder público competente exigem que, na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal. Assim sendo, no caso de normas com várias significações possíveis, deverá ser encontrada a significação que apresente conformidade com as normas constitucionais, evitando sua declaração de inconstitucionalidade e conseqüente retirada do ordenamento jurídico.3

Evidente que tal artigo não pretende esgotar o tema, mas tão somente torná-lo de mais fácil compreensão ao operador do direito, concatenando os temas correlatos, que estão dispersos pela PEC, e sistematizando-os, a fim de melhor esclarecê-los ao leitor.

2 A ESSÊNCIA DA REFORMA TRIBUTÁRIA: A CRIAÇÃO DE NOVAS COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS PARA INSTITUIÇÃO DO NOVO ICMS

2.1 O ICMS FEDERAL: INTRODUÇÃO

Se fosse possível resumir a reforma tributária a ser implementada pela aprovação da PEC nº 233/2008, ela poderia ser sintetizada da seguinte forma: trata-se de uma profunda alteração das competências tributárias, em que haverá repercussão, também da repartição das receitas tributárias.

Por esta razão, para se realizar reforma tributária de tal porte era necessária a utilização da emenda constitucional, tendo em vista a necessidade de alteração destas competências tributárias.


Como sabido, a competência tributária é definida como:

O poder de criar tributos é repartido entre os vários entes políticos, de modo que cada um tem competência para impor prestações tributárias, dentro da esfera que lhe é assinalada pela Constituição. Temos assim, que Competência Tributária, ou seja, a aptidão para criar tributos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Todos tem dentro de certos limites, o poder de criar determinados tributos e definir o seu alcance, obedecidos os critérios de partilha estabelecidos pela Constituição4

O núcleo desta reforma reside, sem dúvidas, na criação do novo ICMS federal e na instituição do Imposto sobre o Valor Agregado Federal (que surgirá para substituir diversos tributos), e também nas novas formas de repartir as receitas decorrentes da arrecadação de tributos.

A Constituição Federal de 1988, originariamente, atribuiu a competência tributária para instituição do ICMS aos Estados Membros:

Em 1987 advém a Assembléia Nacional Constituinte, e nela planta-se com extraordinário vigor os anseios dos estados de “independência e autonomia financeiras” nas estiras da descentralização do poder Central.

Opera-se, então, a construção do maior conglomerador tributário de que se tem notícia na história do país, com a adesão de deputados “expertos” em tributação. As constituintes modernas, que seguem a rupturas inconstitucionais, são radicais. As que seguem “acordos de transição” são compromissórias, embora em ambas existam sempre o “elemento radical” e a “componente compromissória”. Sobre a nossa Constituinte – compromissória aqui e radical acolá – convergiram pressões altíssimas de todas as partes. Dentre os grupos de pressão há que destacar o dos Estados-Membros em matéria tributária, capitaneada pela tecnoburocracia das secretarias de fazenda dos estados. E surge o ICMS, outra vez à revela das serenas concepções dos juristas nacionais, senhores das experiências européias e já caldeados pela vivência de 23 anos de existência do ICM. Suas proposições não foram aceitas. Prevaleceu o querer dos estados. A idéia era, à moda dos IVAs europeus, fazer o ICM englobar o ISS municipal ao menos nas incidências ligadas aos serviços industriais e comerciais. O ISS municipal restou mantido. Em compensação, os três impostos únicos federais sobre (a) energia elétrica, (b) combustíveis e lubrificantes líquidos e gasosos e (c) minerais do país passaram a integrar o fato gerador do ICM, ao argumento de que são tais bens “mercadorias” que circulam. Certo, são mercadorias, mesmo a energia elétrica equiparada a “coisa móvel” pelo Direito Penal para tipificar o delito de furto. Ocorre que são mercadorias muito especiais, com aspectos específicos que talvez não devessem se submeter à disciplina genérica do ICMS. Além de englobar os impostos únicos federais da Carta de 1967, o ICM acrescentou-se dos serviços de (a) transporte e (b) comunicações em geral, ainda que municipais, antes tributados pela União, tornado-se ICM + 2 serviços = ICMS. A rigor, o ICMS é um conglomerado de seis impostos, se computando o antigo ICM, a que se pretende dar um tratamento fiscal uniforme a partir do princípio da não cumulatividade, ao suposto de incidências sobre um ciclo completo de negócios (plurifasia impositiva).5

O que existe atualmente é um tributo, que engloba pelo menos cinco hipóteses de incidência diferentes6, cuja competência tributária é atribuída a cada um dos 27 Estados e ao Distrito Federal. Cada um destes entes da Federação pode criar, no exercício da sua competência tributária privativa7, uma legislação própria (obedecendo a algumas balizas federais), e estas 27 legislações (já que cada Estado institui seu próprio ICMS) repercutem em fatos geradores ocorridos fora dos seus próprios territórios, interferindo no comércio jurídico nacional.8

O ponto de partida do presente estudo da PEC nº 233/2008, portanto, será a criação do novo ICMS federal, cuja competência legislativa passou a ser atribuída à União e cuja regulamentação e gestão se dará por meio de órgãos colegiados compostos por representantes da União e dos Estados (e DF).

Em outras palavras, o novo ICMS passa a ter uma regulamentação federal, já que a PEC nº 233/08 acrescenta à competência tributária da União, a atribuição para, por meio de lei complementar, instituir o novo ICMS federal.

Desde já, afirma-se que não há agressão ao pacto federativo (cláusula pétrea: art. 60, §4, I, da CF), tendo em vista que o que se busca não é suprimir competências tributárias para agredir a autonomia9 dos Estados membros (arts. 18 e 25 da CF).

A intenção da reforma é tão-somente racionalizar a tributação, sobretudo em relação ao ICMS (art. 155, II, da CF), o qual, apesar de ser um tributo cuja atribuição legislativa para instituí-lo (poder de tributar) foi conferida aos Estados (e ao DF: art. 147 da CF), em verdade, o mesmo possui características de tributo “federal”10, já que o seu fato gerador é a circulação de mercadoria de bens (e de determinados serviços) dentro do território nacional, não havendo razão para existência de diferentes regimes de tributação, em cada ente regional da nossa República.

Tal desiderato é manifestado, inclusive, pela exposição de motivos nº 16 que acompanhava o anteprojeto desta PEC, enviada ao Chefe do Poder Executivo federal, em 26 de fevereiro de 2008, pelo Ministro do Estado da Fazenda:

No tocante ao imposto de competência estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), tem-se, atualmente, um quadro de grande complexidade da legislação. Cada um dos Estados mantém a sua própria regulamentação, formando um complexo de 27 (vinte e sete) diferentes legislações a serem observadas pelos contribuintes. Agrava esse cenário a grande diversidade de alíquotas e de benefícios fiscais, o que caracteriza o quadro denominado de “guerra fiscal”. Para solucionar essa situação, a proposta prevê a inclusão do art. 155-A na Constituição, estabelecendo um novo ICMS em substituição ao atual, que é regido pelo art. 155, II, da Constituição, o qual resta revogado. A principal alteração no modelo é que o novo ICMS contempla uma competência conjunta para o imposto, sendo mitigada a competência individual de cada Estado para normatização do tributo. Assim, esse imposto passa a ser instituído por uma lei complementar, conformando uma lei única nacional, e não mais por 27 leis das unidades federadas.”11

2.2 O NOVO ICMS FEDERAL (ART. 155-A, DA PEC Nº 233/08)

2.2.1 PRINCIPAIS CARACTERISTICAS DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA PARA INSTITUIR O ICMS FEDERAL

A PEC nº 233/08 acresce, à nossa Carta Magna, o art. 155-A, artigo único de uma nova Seção intitulada “o imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal”.

Por meio desta proposta, atribui-se aos Estados e ao DF, conjuntamente, a receita do produto da arrecadação do imposto incidente sobre “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.”

Tal tributo também incidirá sobre “as importações de bem, mercadoria ou serviço, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a finalidade” e “o valor total da operação ou prestação, quando as mercadorias forem fornecidas ou os serviços forem prestados de forma conexa, adicionada ou conjunta, com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios”. (art. 155-A, §1º, III, “a’ e “b”).

Cria-se uma nova competência tributária para a União, a qual deverá ser exercida por meio de lei complementar12, utilizando-se o fato gerador do antigo ICMS (art. 155, II, da CF), atribuindo-se aos Estados e ao DF o produto da arrecadação deste tributo.


Em outras palavras, pode-se afirmar que a alteração da competência tributária proposta pela PEC nº 233/2008 acarreta, implicitamente, no fato de que os Estados e o DF receberão delegação, pela própria Constituição Federal, para fiscalizar e arrecadar este novo ICMS federal13. Ao se utilizar a expressão “implicitamente” o que se pretende dizer é que, nesta PEC não há a previsão expressa desta delegação (como ocorre, por exemplo, com o ITR, em relação aos Municípios, por exemplo, no art. 153, §5º, III, da CF), mas dela pode se inferir, já que não se pretende que os Estados e o DF desmontem suas estruturas fiscalizadoras (do ICMS) e também pelo fato de que em inúmeras passagens se vislumbra a possibilidade desta dupla atuação por estes entes da federação. Note-se que haverá inclusive um período de transição (art. 3º e art. 12, II, da PEC nº 233/2008).

Quando se fala que a o art.155-A atribui aos Estados tão-somente a receita do produto da arrecadação, diz-se isto porque a competência legislativa plena para a instituição do tributo (art. 6º do CTN) foi conferida à União, que deverá exercê-la por meio de lei complementar.

A iniciativa legislativa14 para deflagrar o processo legislativo da lei complementar15 que disporá sobre o novo ICMS é atribuída, exclusivamente, na forma do art. 61, §3º, (contido na PEC nº 233/2008), aos seguintes órgãos:

“I – a um terço dos membros do Senado Federal, desde que haja representantes de todas as Regiões do país;

II – a um terço dos Governadores de Estado e Distrito Federal ou das Assembléias Legislativas, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros, desde que estejam representadas, em ambos os casos, todas as Regiões do País;

III – ao Presidente da República.”

As explicações para esta restrição em relação à competência para iniciativa legislativa é dada pela exposição de motivos nº 16, que acompanhava o anteprojeto desta PEC, enviada ao Chefe do Poder Executivo federal, em 26 de fevereiro de 2008, pelo Ministro do Estado da Fazenda:

Dada a peculiaridade dessa lei complementar, que vai além da norma geral, fazendo as vezes de lei instituidora do imposto para cada Estado e o Distrito Federal, são propostas, no § 3o do art. 61 da Constituição, regras especiais para a iniciativa dessa norma, que ficará a cargo do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, dos Governadores ou das Assembléias Legislativas, sendo que nessas hipóteses deverão estar representadas todas as Regiões do País. Tal configuração tem o objetivo de prover maior estabilidade à legislação do imposto, que, com isso, estará sujeita a um menor volume de propostas de alteração.16

Isto posto, necessário agora vislumbrar pontos específicos do novo ICMS, os quais, para fins didáticos, são expostos em tópicos, a fim de melhor compreensão das propostas de inovação constitucional:

2.2.1.1 LEI COMPLEMENTAR FEDERAL DESCREVERÁ OS ELEMENTOS NUCLEARES DESTE TRIBUTO

O §6º, do art. 155-A, da PEC nº 233/08, prescreve que competirá à lei complementar nacional definir os seguintes aspectos nucleares deste novo tributo:

“I – definir fatos geradores e contribuintes;

II – definir a base de cálculo, de modo que o próprio imposto a integre;

III – fixar, inclusive para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações e prestações;

IV – disciplinar o regime de compensação do imposto;

V – assegurar o aproveitamento do crédito do imposto;

VI – dispor sobre substituição tributária;

VII – dispor sobre regimes especiais ou simplificados de tributação, inclusive para atendimento ao disposto no art. 146, III, “d”;

VIII – disciplinar o processo administrativo fiscal;

IX – dispor sobre as competências e o funcionamento do órgão de que trata o §7º, definindo o regime de aprovação das matérias;

X – dispor sobre as sanções aplicáveis aos Estados e ao Distrito Federal e seus agentes, por descumprimento das normas que disciplinam o exercício da competência do imposto, especialmente do disposto nos §§ 3º a 5º;

XI – dispor sobre o processo administrativo de apuração do descumprimento das normas que disciplinam o exercício da competência do imposto pelos Estados e Distrito Federal e seus agentes, bem como definir órgão que deverá processar e efetuar o julgamento administrativo.”

Os elementos nucleares da norma tributária (art. 97 do CTN) deverão vir contidos, pela PEC, na lei complementar nacional, que criará um ICMS único a viger em toda a Federação.

A hipótese de incidência, a definição da base de cálculo, os elementos referentes à qualificação do contribuinte, bem como as hipóteses para extinção do crédito tributário e a padronização do procedimento administrativo tributário, serão todos objeto de disposição desta lei. Procura-se conferir um tratamento uniforme, para uma matéria que está fragmentada entre os Estados da Federação.

2.2.1.2 REGULAMENTAÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR QUE CRIA O ICMS

As atribuições para promover a regulamentação deste tributo (art. 99 do CTN), sem poderes de inovação, serão conferidas a órgão colegiado composto por agentes públicos dos Estados e Distrito Federal, presidido por representante da União (sem direito à voto), que terão atribuições para dispor sobre: parcelamento; hipóteses de anistia, remissão, moratória e transação; fixar prazos para recolhimento do tributo; bem como critérios e procedimentos fiscalizatórios que ultrapassem o território de cada Estado da federação (art. 155-A, §7º).

Na verdade, trata-se do CONFAZ, que passará a ter poderes para promover a regulamentação do ICMS federal.


O regulamento do novo CONFAZ, bem como suas atribuições e procedimentos de deliberação, deverão vir previstos na lei complementar que criar o ICMS, na forma do art. 155-A, §6º, IX.

2.2.1.3 AGRESSÕES À COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA: SANÇÕES

O §8º, do art. 155-A da PEC nº 233/08, cria, também sanções por eventual agressão às competências tributárias inseridas no texto constitucional, permitido-se que, se agredidas tais disposições, seja possível a aplicação de penalidades, na forma da lei complementar, tanto ao ente político violador (Estados e DF), com sujeição deste a multas, retenção dos recursos oriundos das transferências constitucionais e seqüestro de receitas; quanto ao agente público que a perpetrou, que poderá se sujeitar às seguintes sanções: multas, suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário (o que nos poderia levar a crer que se pretende que tal prática seja compreendida como um ato de improbidade administrativa).

A União poderá reter as transferências constitucionais aos Estados, ou ao DF, nas hipóteses de agressão às competências tributárias estabelecidas em relação ao novo ICMS (art. 155-A, §8º, I c/c art. art. 160, §2º, com a redação conferida pela PEC nº 233/2008).

A lei complementar que instituir o novo ICMS também deverá dispor sobre as sanções aplicáveis aos Estados e ao Distrito Federal e seus agentes, por descumprimento das normas que disciplinam o exercício da competência deste tributo (art. 155-A, §6º, X) e também estabelecerá o processo administrativo de apuração do descumprimento das normas que disciplinam o exercício da competência do imposto pelos Estados e Distrito Federal e seus agentes, bem como definir órgão que deverá processar e efetuar o julgamento administrativo (art. 155-A, §6º, XI)

2.2.1.4 ALÍQUOTAS

As alíquotas17 deste tributo federal serão fixadas pelo Senado Federal, por meio de Resolução (art. 155-A, §2º, I, da PEC nº 233/08), o qual também terá atribuição para, por meio da mesma espécie legislativa, definir “a alíquota padrão aplicável a todas as hipóteses não sujeitas a outra alíquota”, bem como o “enquadramento de mercadorias e serviços nas alíquotas diferentes da alíquota padrão” (art. 155-A, §2º, II, da PEC nº 233/08).

A lei complementar nacional, que instituir o novo ICMS, definirá sobre quais mercadorias (e serviços) os Estados (e o DF) poderão, por meio de lei própria, alterar as alíquotas do ICMS federal incidente sobre aqueles bens (e serviços), indicando também os limites e as condições para o exercício desta competência (art. 155-A, §2º, V, da PEC nº 233/2008). Nestas hipóteses o Senado Federal não poderá fixar tais alíquotas por meio de Resolução.

2.2.1.5 LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR

As alíquotas poderão ser reduzidas ou restabelecidas por atos do órgão colegiado, o que por si só constitui uma exceção à legalidade (art. 150, I, CF), como previsto no art. 155-A, §7º, da PEC nº 233/2008.

Será possível a criação de isenções, por meio de convênios interestaduais, na forma do §4º, I, do art. 155-A c/c art 150, §6º, da CF. Todas as demais isenções deverão estar prevista na lei complementar que cria tal tributo.

Ademais é importante frisar as importantes imunidades tributárias18 que excluem a incidência deste tributo, elencadas no §1º, IV, do art. 155-A, da CF:

a) as exportações de mercadorias ou serviços, garantida a manutenção e o aproveitamento do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores;

b) o ouro, nas hipóteses definidas no art. 153, § 5o;

c) as prestações de serviço de comunicação nas modalidades de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita.

Não se aplica, ao novo ICMS federal, o princípio da anterioridade (art. 150, III, “b”, da CF), nem a “noventena” (prevista no art. 150, III, “c”, da CF), até o prazo de dois anos a contar da sua exigência, por força do disposto no art. 4º, da PEC nº 233/08. Se norma tributária, no prazo de dois anos, vier a aumentar o referido tributo, ela só produzirá efeitos 30 dias após a sua publicação, nos termos do parágrafo único, do art. 4º, da PEC nº 233/08.

2.2.1.6 NÃO-CUMULATIVIDADE E SELETIVIDADE

O novo ICMS federal será não-cumulativo19 (na forma da lei complementar) e, nas operações em que estejam sujeitas a “alíquota zero, isenção, não-incidência e imunidade”, não haverá surgimento de crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes (salvo se a lei complementar dispuser em contrário) (art. 155-A, §1º, I e II). Em outras palavras, o legislador constitucional tenta evitar futuros litígios decorrentes da natureza não-cumulativa deste tributo. O novo ICMS poderá ser seletivo, isto é suas alíquotas (fixadas por Resolução do Senado Federal, na forma do art. 115-A, §2º, I, da PEC nº 233/2008) poderão variar em face da quantidade e do tipo de consumo (art. 155-A, §2º, IV).

2.2.1.7 PRODUTO DA ARRECADAÇÃO DO NOVO ICMS E A CÂMARA DE COMPENSAÇÃO

Nos termos do art. 155-A, §1º, III, “a”, c/c art. 155-A, §3º, I contido na PEC nº 233/2008, o produto da arrecadação do imposto, nas operações interestaduais, competirá ao Estado de destino da mercadoria, salvo em relação à parcela equivalente a 2% sobre a base de cálculo do imposto, que será atribuída ao Estado de origem (art. 155, §3º, II, da CF). Nas operações em que o valor do tributo seja irrisório, a totalidade deste pertencerá ao Estado de origem (art. 155, §3º, II, “a”).

Observe-se que nas operações com petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica, o imposto pertencerá integralmente ao Estado de destino (art. 155, §3º, II, “b”).

Pelo texto da PEC nº 233/2008, fica criada também uma câmara de compensação (entre os estados federados) com a finalidade de obrigar o Estado de origem a transferir, ao Estado de destino, o montante global do imposto. A esta câmara de compensação, também poderá ser atribuída parcela do produto da arrecadação deste imposto com a única finalidade de liquidar as obrigações do estado relativas a operações e prestações interestaduais (art. 155-A, §3º, III, da PEC nº 233/2008).

2.2.1.8 FIM DO ICMS ESTADUAL

O antigo ICMS vigorará até o 7º ano subseqüente à promulgação desta PEC. No curso deste prazo haverá uma uniformização das alíquotas dos ICMS estaduais, com a padronização também de normas referentes à constituição de créditos fiscais, bem como lei complementar poderá dispor, nas operações interestaduais, sobre a destinação do produto da arrecadação do tributo. (art. 3º, da PEC nº 233/2008)

3 O IVA FEDERAL: PRINCIPAIS CARACTERISTICA DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

A PEC nº 233/2008 acrescentou, ao rol de competências tributárias privativas20 da União, o poder para que este ente da Federação institua imposto sobre “operações com bens e prestações de serviços, ainda que as operações e prestações se iniciem no exterior” (art. 153, VIII, da PEC nº 233/08).


O próprio legislador constitucional reformador nos apresenta indicativo para compreensão do que seria prestação de serviços: “considera-se prestação de serviço toda e qualquer operação que não constitua circulação ou transmissão de bens”, ou seja, poderá ser prestação de serviços tudo aquilo não constituir circulação de bens, ou que não esteja sob a incidência do novo ICMS federal (art. 155-A, a ser acrescentado pela PEC nº 233/2008).

Tal tributo também incidirá sobre as importações (art. 153, §6º, III, previsto na PEC nº 233/08) e integrará sua própria base de cálculo (art. 153, §6º, V, previsto na PEC nº 233/08).

É interessante assinalar que tal tributo não se sujeita ao princípio da anterioridade, por força da nova redação conferida pela PEC nº 233/2008, ao §1º, do art. 150, da CF, mas tão somente à noventena (art. 150, III, “c”, da CF).

Tal imposto não deverá incidir (ou seja, trata-se de uma hipótese de imunidade) sobre a exportação de operações com bens ou prestações de serviços, sendo garantida “a manutenção e o aproveitamento do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores” (art. 153, §6º, IV)

O IVA federal será não-cumulativo (na forma da lei) e, nas operações em que estejam sujeitas a “alíquota zero, isenção, não-incidência e imunidade”, não haverá surgimento de crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes (salvo se lei dispuser em contrário) (art. 153, §6º, I e II, contidos na PEC nº 233/2008). Em outras palavras, o legislador constitucional tenta evitar futuros litígios decorrentes da natureza não-cumulativa deste tributo.

Tal tributo terá por finalidade substituir a COFINS (art. 195, I, “b”, da CF), a CIDE (art. 177, §4º, da CF), o salário-educação (art. 212, §5º, da CF) e a contribuição para o PIS (art. 239, da CF), cujos respectivos dispositivos foram alterados, por força do disposto nos art. 8º e art. 13, bem como da nova redação dada ao “caput” do art. 239, da PEC nº 233/2008.

Esta intenção é manifestada, inclusive, na exposição de motivos nº 16 que acompanhara o anteprojeto desta PEC, enviada ao Chefe do Poder Executivo federal, em 26 de fevereiro de 2008, pelo Ministro do Estado da Fazenda:

No caso da União, propõe-se uma grande simplificação, através da consolidação de tributos com incidências semelhantes. Neste sentido, propõe-se a unificação de um conjunto de tributos indiretos incidentes no processo de produção e comercialização de bens e serviços, a saber: a contribuição para o financiamento da seguridade social (Cofins), a contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e a contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível (CIDE-Combustível).
Tal unificação seria realizada através da criação de um imposto sobre operações com bens e prestações de serviços – que, nas discussões sobre a reforma tributária vem sendo denominado de imposto sobre o valor adicionado federal (IVA-F) –, consubstanciada na inclusão do inciso VIII e dos parágrafos 6o e 7o no art. 153 da Constituição, bem como pela revogação dos dispositivos constitucionais que instituem a Cofins (art. 195, I, “b” e IV, e § 12 deste artigo), a CIDE-Combustíveis (art. 177, § 4o) e a contribuição para o PIS (modificações no art. 239).
Além da simplificação resultante da redução do número de tributos, esta unificação tem como objetivo reduzir a incidência cumulativa ainda existente no sistema de tributos indiretos do País. Esta redução da cumulatividade resultaria da eliminação de um tributo que impõe às cadeias produtivas um ônus com características semelhante ao da incidência cumulativa, a CIDE-Combustíveis, e da correção de distorções existentes na estrutura da Cofins e da contribuição para o PIS, as quais, pelo regime atual, têm parte da incidência pelo regime não-cumulativo e parte pelo regime cumulativo.
Vale destacar que, na regulamentação do IVA-F, será possível desonerar completamente os investimentos, através da concessão de crédito integral e imediato para a aquisição de bens destinados ao ativo permanente. Também será possível assegurar a apropriação de créditos fiscais, atualmente obstados, relativo a bens e serviços que não são diretamente incorporados ao produto final – usualmente chamados de “bens de uso e consumo” –, eliminando assim mais uma importante fonte de cumulatividade r

emanescente nos tributos indiretos federais.21

O produto da arrecadação do imposto sobre a renda (art. 153, III, da CF), do imposto IPI (art. 153, IV, da CF) e do IVA (art. 153, VIII) será repartido nos seguintes termos (art. 159, com a redação atribuída pela PEC nº 233/08):

  1. 38,2% será destinado ao financiamento da seguridade social;
  2. 6,7% será destinado ao financiamento do abono do PIS e o seguro-desemprego (nova redação do art. 239, dada pela PEC nº 233/08)
  3. lei complementar estabelecerá o percentual a ser utilizado para: (c.1) “o pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo, o financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás, e o financiamento de programas de infra-estrutura de transportes”; (c.2) “o financiamento da educação básica”.

O percentual 21,5% do IVA-F integrará o somatório das rendas para constituição o Fundo de Participação dos Estados (art. 159, II, “a”, com a redação dada pela PEC nº 233/08), enquanto que 22,5% deste tributo integrará o Fundo de Participação do

Município (art. 159, II, “b”, com a redação dada pela PEC nº 233/08).

Parcela (1,8%) deste tributo também será destinada para a constituição do Fundo de Equalização (art. 159, II, “d”), previsto no art. 5º da PEC nº 233/2008.

4 ALTERAÇÕES NA REPARTIÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS

Anteriormente ao CTN/66 (Lei nº 5172/66) vigorava no Brasil um Sistema Tributário tripartite que, em base essencialmente política, consistia na coexistência de três sistemas tributários autônomos (federal, estadual e municipal), cada qual com seus impostos privativos, cujo produto da arrecadação pertencia em sua totalidade à pessoa política competente para instituí-lo.

A Comissão da Reforma Tributária de 1965, ao elaborar o anteprojeto de que resultou a Emenda Constitucional nº 18/65, teve por escopo a criação de um Sistema Tributário uno e nacional, em que se consideram conjugados os sistemas individuais de cada nível de governo, como partes integrantes de um todo.22


A quase unanimidade dos autores considera o tema Repartição das Receitas Tributárias como inserido no campo de Estudo do Direito Tributário, entretanto, para HARADA,

a repartição das receitas tributárias nenhuma relação tem com os contribuintes; interessa apenas às entidades políticas tributantes; insere-se no campo da atividade financeira do estado, objeto de estudo pelo Direito Financeiro.23

Neste mesmo sentido COÊLHO:

De observar que esta questão da repartição de receitas fiscais ou, noutro giro, das participações das pessoas políticas no produto da arrecadação das outras, não tem, absolutamente nenhum nexo com o Direito Tributário. Em verdade são relações intergovernamentais, que de modo algum dizem respeito aos contribuintes. A inclusão da seção ou, por outro lado, do assunto por ela versado, no Capítulo do Sistema tributário, constitui evidente equívoco.24

Já é tradição nas Cartas Políticas brasileiras que, logo após a outorga das competências tributárias aos entes da federação (competência tributárias privativas), haja a fixação do mecanismo de repartição das receitas tributárias, isto é, a definição dos critérios de participação de um ente da federação na arrecadação dos tributos de outros entes.Nas palavras de HARADA:

Esse critério vias, antes de mais nada, assegurar recursos financeiros suficientes e adequados às entidades regionais (estados-membros) e locais (Municípios) para o desempenho de suas atribuições constitucionais.25

Neste sentido:

[…] é uma das técnicas aptas a garantir a autonomia das ordens políticas parciais na forma federativa de Estado, uma vez que não é possível falar-se em autonomia política se inexiste a autonomia financeira.26

Outra técnica para assegurar a autonomia financeira dos entes da Federação é a distribuição das competências tributárias. Pode-se deduzir que ambas as técnicas são adotadas pela CF/88.

A PEC nº 233/2008 altera significativamente os critérios de repartição de receitas tributárias, a fim de, inclusive, evitar a guerra fiscal (com a criação de fundo para implementar o desenvolvimento regional), bem como perdas de arrecadação dos Estados em face da Reforma Tributária proposta, sobretudo com o advento do novo ICMS.

4.1 IMPOSTOS RESIDUAIS DA UNÃO

Nas palavras de ÁVILA, a competência tributária residual poderia ser assim vislumbrada:

A Constituição Brasileira prevê competência para a instituição de determinados tributos que só poderão ser instituídos mediante a edição de lei complementar: […] impostos não previstos na competência ordinária da União Federal, a serem instituídos no exercício da sua competência residual (art. 154, I). Essa exigência de lei complementar decorre do caráter extraordinário desses tributos.27

Na redação conferida ao art. 157 da CF, o percentual de 20% do produto da arrecadação dos impostos derivados do exercício da competência tributária residual da União (art. 154, I, da CF) são destinados aos Estados e ao DF.

Pela PEC nº 233/2008, o produto da arrecadação destes impostos, decorrentes do exercício desta competência tributária, deverão integrar os Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios, nos termos da redação dada ao art. 159, II, da CF, por este Projeto.

4.2 FUNDO DE EQUALIZAÇÃO DE RECEITAS E FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL

O Fundo de Equalização de Receitas (FER), a ser instituído por meio de lei complementar, tem por objetivo compensar a eventual redução de arrecadação dos Estados e do Distrito Federal em decorrência de alterações introduzidas por esta Emenda, em relação ao advento do novo ICMS (art. 155-A), na forma do art. 5º da PEC nº 233/08.

Para composição deste fundo, na forma do art. 159, II, “d”(pela PEC nº 233/08), será destinado 1,8% do produto da arrecadação do montante global do imposto sobre a renda (art. 153, III), do IPI (art. 153, IV), do IGF (art. 153, VII) e do IVA federal (art. 153, VIII), bem como dos impostos residuais da competência tributária da União (art.154, I).

O Poder Executivo da União deverá enviar ao Congresso nacional, em até 180 dias, da data da promulgação da Emenda resultante da aprovação da PEC nº 233/2008, o projeto de lei complementar com a finalidade de instituir tal Fundo de Equalização (art. 5º, §6º, da PEC nº 233/08.

Até que esta lei complementar entre em vigor, “os recursos do Fundo de Equalização de Receitas serão distribuídos aos Estados e ao Distrito Federal proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados, sendo que a nenhuma unidade federada poderá ser destinada parcela superior a vinte por cento do total.” (art. 5º, §7º, da PEC nº 233/2008).

Os Estados (e o DF) somente terão direito à percepção dos recursos deste fundo se implementarem as medidas “concernentes à emissão eletrônica de documentos fiscais, à escrituração fiscal e contábil, por via de sistema público de escrituração digital” (previstas no art. 37, XXII, da CF), nos prazos definidos na lei complementar que cria o Fundo de Equalização de Receitas (FER) (art. 5º, §5º, da PEC nº 233/2008).

Para enfrentamento das desigualdades regionais, a PEC nº 233/2008, pretende instituir um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR, art. 161, IV), o qual terá os seus recursos oriundos de percentual (4,8%) do total da arrecadação de tributos federais (art. 159, II, “c”, acrescentado pela PEC nº 233/2008).

Parte do montante arrecadado (5%) poderá ser utilizado em regiões menos desenvolvidas do Sul e do Sudeste, sendo que, no mínimo, 60% do montante do Fundo deverá ser utilizado para o financiamento de atividades produtivas, havendo até a possibilidade de parte do montante ser repassado para fundos estaduais de desenvolvimento (art. 161, IV, com a redação dada pela PEC nº 233/2008)

4.3 NOVAS ATRIBUIÇÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

O art. 161 da Constituição, por meio da PEC nº 233/08, passará a conferir novas atribuições ao Tribunal de Consta da União, o qual terá a missão de estabelecer normas para a entrega dos recursos para o Fundo de Participação dos Estados, para o Fundo de Participação dos Municípios28 e para o Fundo de Equalização de Receitas, bem como estabelecerá a normatização para aplicação e distribuição de recursos para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (art. 7º da PEC nº 233/2008):


“Art. 161. omissis

I – estabelecer os critérios de repartição das receitas para fins do disposto no art. 158, parágrafo único, I;

II – estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 159, II, “a”, “b” e “d”, especialmente sobre seus critérios de rateio, objetivando promover o equilíbrio sócioeconômico entre Estados e entre Municípios;

III – omissis;

IV – estabelecer normas para a aplicação e distribuição dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, os quais observarão a seguinte destinação:

a) no mínimo sessenta por cento do total dos recursos para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste;

b) aplicação em programas voltados ao desenvolvimento econômico e social das áreas menos desenvolvidas do País;

c) transferências a fundos de desenvolvimento dos Estados e do Distrito Federal, para aplicação em investimentos em infra-estrutura e incentivos ao setor produtivo, além de outras finalidades estabelecidas na lei complementar.

§ 1o O Tribunal de Contas da União efetuará o cálculo das quotas referentes aos fundos a que alude o inciso II.

§ 2o Na aplicação dos recursos de que trata o inciso IV do caput deste artigo, será observado tratamento diferenciado e favorecido ao semi-árido da Região Nordeste.

§ 3o No caso das Regiões que contem com organismos regionais, a que se refere o art. 43,

§ 1o, II, os recursos destinados nos termos do inciso IV, “a” e “b”, do caput deste artigo serão aplicados segundo as diretrizes estabelecidas pelos respectivos organismos regionais.

§ 4o Os recursos recebidos pelos Estados e pelo Distrito Federal nos termos do inciso IV, “c”, do caput não serão considerados na apuração da base de cálculo das vinculações constitucionais.”

5 OUTRAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA PEC Nº 233/2008

5.1 INTERVENÇÃO FEDERAL

Nas palavras de SLAIBI FILHO, a intervenção seria:

[…] a medida excepcional, decorrente da forma de Estado Federal, através da qual o nível federativo mais elevado assume temporariamente as funções executivas, legislativas e administrativas, total ou parcialmente, do ente federativo imediatamente inferior, visando defender o sistema federativo através do eficiente funcionamento dos órgãos públicos nos seus limites constitucionais e legais de competência.

O objetivo da intervenção é,assim, a assunção dos serviços do ente federativo inferior, de forma excepcional e temporária, de acordo com as estritas hipóteses previstas na Constituição.”29

A PEC nº 233 acrescenta nova alínea ao art. 34, V, ao estabelecer que a União poderá intervir nos Estados quando estes retiverem parcela do novo ICMS (v.g. art. 155-A, III, contido na PEC nº 233/2008) devida a outro ente da Federação da mesma natureza.

Nesta hipótese, para iniciar o procedimento interventivo, seria necessária a solicitação do Poder Executivo do Estado prejudicado pela retenção ilícita dos repasses (art. 36, V, contido na PEC nº 233/2008).

5.2 MEDIDAS PROVISÓRIAS

As medidas provisórias, são espécies legislativas, previstas no art. 59, V, da CF, assim analisadas por MORAES:

Apesar dos abusos efetivados com o decreto-lei, a prática demonstrou a necessidade de um ato normativo excepcional e célere, para situações de relevância e urgência. Pretendendo regularizar esta situação e buscando tornar possível e eficaz a prestação legislativa do Estado, o legislador constituinte de 1988 previu as chamadas medidas provisórias, espelhando-se no modelo italiano.

Desde antes da EC nº 32/2001 (com a introdução do §2º, ao art. 62, da CF), o Supremo Tribunal Federal já admitia a possibilidade de Medida provisória dispor sobre tributos30, inexistindo, portanto, qualquer, limite material ao exercício da competência tributária por meio desta espécie legislativa, salvo nos casos de tributos que, para sua criação (ou alteração), fosse exigida lei complementar.

Ressalte-se que o art. 62, §2º, da CF, admite a instituição (ou majoração) de imposto por meio de medida provisória, estando a eficácia destes tributos, no exercício financeiro seguinte, condicionada à conversão em lei (publicação desta) da referida espécie legislativa (MP), no mesmo exercício financeiro de sua edição.31

Pela redação proposta nesta Reforma Tributária, não se aplica à instituição ou à majoração do IVA-F (art. 153, VIII, contido na PEC nº 233/2008), por meio de Medida Provisória, a necessidade de sua prévia conversão em lei, como requisito para a sua produção de efeitos (§2º, art. 62, com a redação apresentada pela PEC nº 233/2008).

5.3 UTILIZAÇÃO DA RECEITA DO NOVO ICMS COMO GARANTIA

Desde o advento da EC nº 03/2003, admitiu-se a possibilidade de vinculação, pelos Estados, Municípios e DF, de suas receitas geradas pelos seus impostos e dos seus repasses constitucionais (arts. 155 e 156, e arts. 157, 158 e 159, I, a e b, e II, da CF) para a prestação de garantia ou contragarantia à União e para pagamento de débitos para com esta (art. 167, §4º, da CF).


Pela PEC nº 233/2008, atribui-se nova redação ao §4º, do art. 167 da CF, pela PEC nº 233/08, é permitido, também, aos Estados e ao DF, a vinculação de receitas próprias geradas pelo novo ICMS como garantia ou contragarantia à União, para pagamento de seus débitos para com esta.

5.4 CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS

As contribuições sociais possuem natureza jurídica de tributos:

“As contribuições passaram a ser consideradas tributos por força da EC nº 01/69, que estabeleceu, ao lado da competência da União para instituir impostos, sua competência para instituir contribuições de intervenção no domínio econômico, de interesse da previdência social e do interesse de categorias profissionais, conforme se vê do art. 21, §2º, I, da CF/67 com a redação da EC nº 01/69, situado dentro do Capítulo V – Do sistema Tributário Nacional. Com a EC nº 08/77, porém, embora a previsão da competência da União para instituir contribuições tenhas permanecido dentro do capítulo atinente ao Sistema Tributário Nacional, houve o acréscimo do inciso X ao art. 43, que cuidava da competência legislativa da Unia, passando a constar, separadamente, a competência legislativa para dispor sobre tributos, arrecadação e distribuição de rendas (inciso I) e para dispor sobre contribuições sociais (inciso X). Tal foi suficiente para quie o STF entendesse que o Constituinte havia entendido não serem, as contribuições, tributos. A Constituição de 1988, por fim, deu-lhes tratamento dentro do Sistema Tributário Nacional e, escoimando qualquer dúvida, estabeleceu que lhes seriam aplicadas limitações constitucionais ao poder de tributar, bem como as normas gerais em matéria tributária.”32

Com a extinção da COFINS e da CSLL (art. 13, I, “d”, da PEC nº 233/08), subsiste tão-somente a competência tributária para a União instituir a contribuição social cobrada ao empregador, à empresa e à entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício. (art. 195, I, da CF, com a nova redação dada pela PEC nº 233/2008)

Em verdade, a CSLL (instituída pela Lei nº 7.689/89) será absorvida pelo Imposto de Renda (Pessoa Jurídica), por força do acréscimo do III, ao §2º, do art. 153 da CF, bem como por alteração da legislação infraconstitucional:

Outra importante simplificação que está sendo proposta é a incorporação da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) ao imposto de renda das pessoas jurídicas (IRPJ), dois tributos que têm a mesma base: o lucro das empresas. Para tanto propõe-se a revogação da alínea “c” do inciso I do art. 195, da Constituição, sendo que os ajustes decorrentes da incorporação poderão ser feitos através da legislação infra-constitucional que rege o imposto de renda. Faz-se necessário, no entanto, um ajuste nas normas constitucionais relativas ao imposto de renda, de modo a permitir que possam ser cobrados adicionais do IRPJ diferenciados por setor econômico, a exemplo do que hoje já é permitido para a CSLL. Tal ajuste é feito através da inclusão o inciso III no § 2o do art. 153 da Constituição.33

Fica mantida a contribuição social paga pelo trabalhador (art. 195, II, da CF), mas revoga-se o inciso IV, do art. 195 da CF (art6. 13, I, “d”, da PEC nº 233/08), que admitia a instituição de contribuições sociais a serem cobradas do importador de bens ou serviços do exterior (e equiparados), já que o art. 153, §6º, III, referente ao IVA federal, admite este evento como possibilidade para definição da sua hipótese de incidência.

Não houve alteração, em relação à competência tributária, para a instituição de contribuição social incidente sobre concursos de prognóstico (art. 195, III, da CF).

Ressalte-se, por fim, que, pela alteração na redação conferida ao §12, do art. 195, pela PEC nº 233/2008, nos termos fixados lei, a agroindústria, o produtor rural pessoa física ou jurídica, o consórcio simplificado de produtores rurais, a cooperativa de produção rural e a associação desportiva podem ficar sujeitos a contribuição sobre a receita, o faturamento ou o resultado de seus negócios, em substituição à contribuição de que trata o inciso I, do “caput” do art. 195 (sobre empregador ou empresa, com base nos rendimentos pagos a qualquer título), hipótese na qual não se aplica o disposto no art. 149, § 2o, da CF (não-incidência das CIDEs e das contribuições sócias sobre as receitas decorrentes das exportações)

5.5 ALTERAÇÃO DA COMPETÊNCIA JURISDICIONAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Para MORAES, tal órgão jurisdicional poderia ser assim compreendido:

Assim como podemos afirmar que o STF é o guardião da Constituição, também podemos fazê-lo no sentido de ser o STJ o guardião do ordenamento jurídico federal.34

As atribuições do Superior tribunal de Justiça podem ser classificadas em originária e recursal. Nesta última, pode-se identificar a competência recursal originária e a especial, que agora nos interessa.

A competência jurisdicional para processar e julgar o recurso especial é atribuída ao STJ. O recurso especial seria aquele que :teria por escopo “garantir a efetividade e a uniformidade de interpretação do direito objetivo em âmbito nacional”, sendo admissível daquela “decisão de que já não caiba mais recurso ordinário e que tenha contrariado ou negado vigência a tratado ou a lei federal.”.35

Pela PEC nº 233/2008, passará a competir, ao STJ, processar e julgar o recurso especial das causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais (art. 107 da CF), Tribunais de Justiça (art. 125 da CF) e Tribunais de Justiça do Distrito Federal e Territórios (art. 92, VII, da CF) que almeje a revisão da decisão que contrarie lei complementar que institua o novo ICMS ou a sua regulamentação, ou que lhe negue vigência ou lhes confira interpretação divergente da que lhes tenha atribuído outro tribunal (alínea “d”, do Inciso III, do art. 105, acrescentada pela PEC nº 233/2005).

Eis as razões apresentadas na exposição de motivo nº 16, pelo Ministro da Fazenda, ao Presidente da República, para esta alteração da competência do Superior Tribunal de Justiça:

Mais uma vez, em função da peculiaridade do modelo proposto, com suas regras nacionais sendo aplicáveis diretamente pelos Estados e julgadas nas respectivas justiças estaduais, prevê-se alteração no art. 105 da Constituição, conferindo-se ao Superior Tribunal de Justiça a competência para o tratamento das divergências entre os Tribunais estaduais na aplicação da lei complementar e da regulamentação do novo ICMS.36

5.6 EXECUÇÃO EX OFFICIO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS NO ÂMBITO DA JUSTIÇA DO TRABALHO

A Justiça do Trabalho, após o advento da EC nº 20/98, passou a deter competência jurisdicional para promover a execução de contribuições socais decorrentes das sentenças que proferir, como ensina TEIXEIRA FILHO:


“Durante largo período, muito se discutiu, nos foros da doutrina e da jurisprudência, sobre a competência da justiça do trabalho para promover execuções relativas a contribuições previdenciárias e ao Imposto de Renda.

Encontrava-se no auge essa controvérsia quando adveio a emenda constitucional n. 20, de 12 de dezembro de 1998 (DOU de 16 do mesmo mês), que introduziu o §3º no art. 114 da Constituição Federal, com esta redação: “Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir”.

A contar daí, a Justiça do trabalho ficou dotada de competência para executar as contribuições devidas à Previdência Social. Essa competência, todavia é reflexa ou derivada, uma vez que pressupõe a existência de sentença ou acórdão condenatório proferido pela Justiça do Trabalho. Assim, sem uma lide trabalhista preexistente, não se pode cogitar da competência desta Justiça Especializada para executar contribuições previdenciárias, ainda que estas possuam origem em um contrato de trabalho.”37

Tal competência foi mantida pela EC nº 45/2004, ao acrescentar o inciso VIII, ao art. 114, da Constituição Federal38.

Pela PEC nº 233/2008, os órgãos da Justiça do Trabalho continuam a possuir competência para executar, de ofício, inclusive, as contribuições sociais previstas no art. 195, I (a cargo do empregador, incidente sobre a folha de salários e rendimentos pagos a qualquer título) e II (a cargo dos trabalhadores, incidentes sobre a sua remuneração), bem como seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças prolatadas por estes órgãos jurisdicionais. (nova redação ao inciso VIII, art. 114, contido na PEC nº 233/2008).

5.7 MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE

A própria lei (Lei Complementar nº 123/2006) fornece o conceito de microempresa e empresa de pequeno porte:

Art. 3o Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:

I – no caso das microempresas, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais);

II – no caso das empresas de pequeno porte, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).

Nos termos do art. 146, III, “d”, da CF (com a redação dada pela PEC nº 233/2008), as microempresas e empresas de pequeno porte também terão tratamento diferenciado e favorecido, nos termos de lei complementar, inclusive em relação ao novo ICMS (art. 155-A) e ao IVA-F (Art. 153, VIII).

6 CONCLUSÃO

Como apresentado na introdução, o presente artigo não busca exaurir o tema, mas tão-somente apontar ao leitor os principais pontos do projeto de Reforma Tributária previsto pela PEC nº 233/208, o qual, na sua essência, poderia ser resumido na idéia de alteração de competências tributárias, a fim de melhor sistematizar a estrutura fiscal brasileira.

A Reforma Tributária tem como cerne a alteração da competência tributária para a criação do ICMS e a instituição de poderes para que a União possa criar o IVA Federal, o qual absorveria, sobretudo, a PIS, a COFINS e a CIDE.

A importância desta reforma fica evidente quando se depara com alguns números, apresentados por ALVARENGA39:

  1. no ano de 2000, o ICMS representou mais de 20% da receita tributária do valor global arrecadado por todos os entes da federação;
  2. 70% da arrecadação tributária de toda a federação brasileira derivava, em 2000, apenas dos seguintes tributos ICMS, contribuições para a Previdência Social (lei nº 8212/91), Imposto sobre a Renda, COFINS e FGTS;
  3. No grupo dos dez maiores tributos, é evidente a elevado crescimento da incidência de tributos cumulativos no total da receita tributária da federação (COFINS: 10,9%; e PIS: 4,0%).

Tal situação foi, inclusive, reconhecida pelo próprio executivo federal, o qual, na sua Cartilha da Reforma Tributária40, na qual se vislumbra que os tributos, quando cumulativos (PIS/COFINS, CIDE, ICMS e ISS), implicariam um impacto sobre a economia de modo a transferir 1,9% do PIB para o poder público.

Na verdade, o que ocorre é que o sistema tributário brasileiro perdeu, à luz da teoria econômica, há um bom tempo, a característica da neutralidade, ou seja, que tributação está introduzindo profundas alterações nos mecanismos de funcionamento da economia de mercado e interferindo substancialmente na alocação dos capitais existentes.

Isto se corrobora com algumas conclusões extraídas da mesma Cartilha da Reforma Tributária, a seguir transcritas:

Além da cumulatividade, o custo dos investimentos é elevado devido ao longo prazo de recuperação dos créditos dos impostos pagos sobre os bens de capital. Uma empresa leva 48 meses para compensar o ICMS pago na compra de uma máquina (ao ritmo de 1/48 por mês) e 24 meses para compensar o PIS/Cofins.

O custo efetivo deste diferimento depende da situação financeira da empresa. Para uma empresa líquida corresponde ao que deixa de receber por não aplicar os recursos no mercado financeiro. Para uma empresa endividada, corresponde aos juros pagos sobre o crédito que tem de tomar para financiar o longo prazo de recuperação do imposto.41


Pelo exposto, fica evidente que o atual sistema tributário brasileiro possui sérias distorções, detectadas pelo próprio Executivo federal, as quais pretendem ser sanadas pela PEC nº 233/2008 e que o debate a ser travado no Congresso Nacional será essencial para se delinear a estrutura da reforma tributária, ou mesmo se ela virá ser efetivada.

Seja como for, alguns dos principais problemas da tributação na economia brasileira já foram diagnosticados e a PEC nº 233/2008 busca efetivamente alterar o atual sistema tributário brasileiro a fim de apresentar soluções para eles.

7 REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito tributário na Constituição e no STF. 7.ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2004.

ALVARENGA, Cleuda Maria Alvarenga. Carga Tributária Brasileira: análise da evolução histórica. 10 e 11pp, http://www.univap.br/biblioteca/hp/Mono%202001%20Rev/07.pdf, acessado em 14.03.2008.

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005.

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário: de acordo com a emenda constitucional n° 42, de 19.12.03.São Paulo: Saraiva, 2004.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 17ª ed. atual., São Paulo: Malheiros Ed., 2005.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 12ª ed., ver. e atual., Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

CARTILHA: Reforma Tributária
http://www.fazenda.gov.br/portugues/documentos/2008/fevereiro/Cartilha-Reforma-Tributaria.pdf, acessado em 11.03.2008

CASSONE, Vittorio. Direito Tributário. 12ª ed., São Paulo: Atlas, 2000.

CASTRO, Aldemário Araújo. Direito Tributário. Brasília: Fortium, 2005, p. 104.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002.

DALLEGRAVE NETO, José Affonso


A Escravidão no Império do Brasil: perspectivas jurídicas

André Emmanuel Batista Barreto Campello1

“[…] fique o estado de liberdade sem o seu correlativo odioso.
As leis concernentes à escravidão (que não são muitas)
serão pois classificadas à parte, e formarão nosso Código Negro.”.

Augusto Teixeira de Freitas, na sua Consolidação das Leis Civis, de 1858.

RESUMO:

Trata-se de estudo que busca realizar uma análise da escravidão enquanto fenômeno jurídico durante o Império do Brasil, analisando-se o ordenamento jurídico brasileiro do referido período, em busca do regime jurídico do escravo e dos fundamentos legais da escravidão.

Palavras-chave: Escravidão. História do Direito. Brasil Império. Direito Constitucional. Direito Civil. Direito Penal.

1 INTRODUÇÃO

O fascínio de se realizar um estudo sobre história do direito reside no fato de que ao se adentrar na legislação de um ordenamento jurídico que não mais vigora, em verdade, se depara com a alma de uma sociedade que não mais existe.

Seria como reanimar, com um sopro, um ser que não mais vive, vendo como ele se move, quais são seus objetivos, seus valores, seus traumas, em suma, tentando enxergar o cotidiano do reanimado, pois, com o estudo das formas jurídicas, é possível compreender como uma sociedade tutela seus principais valores e como pretende defender e efetivar os direitos assegurados, que estão cristalizados nas normas jurídicas.

Sem dúvidas este ato de reconstrução da dinâmica jurídica é uma atividade artificial, já que os integrantes daquela sociedade, sobre a qual incidiam aquele ordenamento jurídico estudado, não se encontram presentes, logo, para o estudo do direito deve-se buscar a doutrina, a opinio iuris, de contemporâneos que pudessem nos explicar a dinâmica daquele Direito.

Portanto, ao se realizar um estudo sobre o direito que regia uma outra sociedade, que não mais existe, deve-se buscar interpretar a legislação, não com os nossos olhares, mas pelos padrões de compreensão daqueles que viveram sob aquele ordenamento.

Neste presente artigo pretende-se vislumbrar os marcos jurídicos do instituto da escravidão vigentes durante o Império do Brasil.

É manifesto que os aspectos sociológicos e econômicos da escravidão são em demasia abordados na farta bibliografia nacional sobre o tema, entretanto, por mais estranho que possa parecer, não é usual encontrar artigos que venham a trazer análise do ordenamento jurídico brasileiro vigente no século XIX, que amparava tal instituto.

A escravidão, muitas vezes, é enxergada apenas como um fenômeno fático, percebido sob nuances sociológicas ou econômicas, que simplesmente existia no Brasil do século XIX e que foi extinto por meio da Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888.

Entretanto, a questão não é tão simples assim: a escravidão era amparada por uma legislação, que, inclusive a constitucionalizava, apesar de não se referir a ela diretamente (MORAES, 1966, p.372).

Neste artigo pretende-se apresentar ao leitor os marcos jurídicos e a sua dinâmica, a fim de ser possível conhecer o regime jurídico da escravidão, bem como analisar como a natureza jurídica do escravo, tanto no âmbito civil, quanto no âmbito penal.

O primeiro passo, sem dúvida é desvendar o mistério de como a Constituição de 1824 conseguiu conciliar a contradição existente na manutenção da escravidão e a sua natureza liberal, que inclusive trazia um grande rol de direitos fundamentais.

2 A ESCRAVIDÃO COMO INSTITUTO DO DIREITO VIGENTE NO IMPÉRIO DO BRASIL

2.1 A Escravidão: fundamentos constitucionais do instituto.

O fenômeno constitucionalista brasileiro não adveio de uma revolução, pois a Independência não significou uma ruptura com o passado brasileiro.

A independência do Reino do Brasil Unido a Portugal e Algarves (desde a chegada da família real portuguesa e da transferência da Corte para o Rio de Janeiro) não significou um rompimento das estruturas sociais e econômicas vigentes no período histórico anterior, mas uma manutenção destas, conferindo-se poderes políticos à aristocracia rural brasileira.

Pela sua perspectiva de manutenção do status quo, não haveria como a futura constituição do Império do Brasil eliminar subitamente o instituto jurídico da escravidão que servia de fundamento jurídico do sistema produtivo brasileiro.

Apesar disto, na Assembléia Constituinte de 1823 foi apresentada, por José Bonifácio, representação contra a escravatura, nos seguintes termos:

[…] sem a abolição total do infame tráfico da escravatura africana, e sem a emancipação sucessiva dos atuais cativos, nunca o Brasil firmará a sua independência nacional, e segurará e defenderá a sua liberal Constituição; nunca aperfeiçoará as raças existentes, e nunca formará, como imperiosamente o deve, um exército brioso, e uma marinha florescente. Sem liberdade individual não pode haver civilização nem sólida riqueza; não pode haver moralidade, e justiça; e sem estas filhas do céu, não há nem pode haver brio, força, e poder entre as nações. (DOLHNIKOFF, 2005, p.51)

A escravidão não estava prevista, expressamente, em nenhum dos dispositivos da Constituição Imperial, de 1824, o que não poderia ser diferente, já que, pela sua inspiração liberal, não poderia tal Charta Magna, explicitamente trair a sua própria finalidade, como preconizado pela teoria constitucionalista, o resguardo das liberdades individuais.

Dispor sobre a escravidão em uma Constituição liberal seria uma contraditio in terminis, entretanto, o legislador constituinte encontrou uma saída: implicitamente, fez referência aos cidadãos brasileiros libertos, ou seja, que emergiram da capitis diminutio maxima, passando a gozar de seu status libertatis, mas sem alcançar o mesmo status civitatis dos cidadãos brasileiros ingênuos.

Tal conclusão pode ser ratificada pela leitura do art. 6º, §1º, da Constituição de 1824, que classificava os cidadãos brasileiros em duas categorias, os ingênuos e os libertos:

Art. 6. São Cidadãos Brazileiros
I. Os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingenuos, ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação.


Para perfeitamente definir estes termos jurídicos contidos na Charta imperial, importantíssima a leitura das lições do Conselheiro Joaquim Ribas (1982, p. 280):

Em relação ao direito de liberdade, dividem-se os homens em – livres e escravos, e aquelles se subdividem em – ingênuos e libertos. Chama-se ingênuo o que nasce livre; liberto o que tendo nascido escravo, veio a conseguir a liberdade.

Pode-se concluir que, se a própria Charta Magna imperial atribuía a condição de cidadãos apenas àqueles indivíduos que se apresentavam como ingênuos ou libertos era porque este diploma admitia, ao menos tacitamente, a existência de, no território do Império (art. 2º), haver a possibilidade de existência de outros indivíduos que não poderiam ser cidadãos, por não possuírem este status libertatis, ou seja, porque eram escravos.

A Constituição imperial não declarou a existência da escravidão, mas dela poderia se inferir a existência e a legitimidade deste instituto, pelo ordenamento jurídico brasileiro.

2.2 O estatuto constitucional do liberto

O art. 94, §2º, da Charta imperial reduz o liberto à condição de cidadão de segunda classe: apesar de os libertos serem cidadãos e, portanto, gozarem de liberdade, não poderiam ser eleitores (em um contexto do voto censitário), portanto, também estaria vedado o seu acesso a cargos públicos cujo requisito fosse a condição de eleitor:

Art. 94. Podem ser Eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e Membros dos Conselhos de Provincia todos, os que podem votar na Assembléia Parochial. Exceptuam-se.
I. Os que não tiverem de renda liquida annual duzentos mil réis por bens de raiz, industria, commercio, ou emprego.
II. Os Libertos.

Deve-se frisar que há uma aparente antinomia entre o dispositivo em comento e o art. 179, XIV, da Charta imperial, já que se o liberto era um cidadão brasileiro, não poderia haver vedação dos cidadãos ao cargos públicos, nem criação de restrições, senão com fundamento nos talentos e virtudes de cada um: “XIV. Todo o cidadão pode ser admittido aos Cargos Publicos Civis, Politicos, ou Militares, sem outra differença, que não seja dos seus talentos, e virtudes.”.

Evidente que, à luz da Charta imperial, talentos e virtudes não seriam suficientes para suprir a perda do status libertatis (em algum momento da sua existência), que impossibilitaria que ex-escravos viessem a ocupar cargos públicos.

O Conselheiro Joaquim Ribas assim comenta o status do liberto, demonstrando que ele poderia retornar ao estado de escravo (RIBAS, 1982, p. 280):

Entre os Romanos esta distinção [entre ingênuos e libertos] influía poderosamente na condição do liberto para tornal-a inferior à do ingênuo. Entre nós esta influencia hoje só se entende à esphera do direito político; pois a possibilidade de ser o liberto reconduzido ao estado de escravidão, por ingratidão, nos casos definidos pela Ord. L. 4, Tit. 63 §7 e seguintes, cessou pela disposição do art. 4 §9 da lei n. 2040 de 28 de setembro de 1871.

Observe-se que o liberto, em verdade, no ordenamento jurídico brasileiro, vivia sob um estado de constante insegurança jurídica, já que existia uma real possibilidade jurídica de perda do seu status libertatis em face da possibilidade de se invocar a ingratidão por supostos atos praticados pelo alforriado em detrimento do seu antigo dominus.

Esta possibilidade de revogação do status libertatis é objeto do raciocínio do Conselheiro Joaquim Ribas, que a justificava aplicando-lhe o regime jurídico da doação, com fundamento no disposto no § 7º, Título 63, do Livro IV, das Ordenações Filipinas:

Se alguém forrar seu escravo, livrando-o de toda a servidão, e depois que for forro, commetter contra quem o forrou, alguma ingratidão pessoal em sua presença, ou em sua absencia, quer seja verbal, quer de feito e real, poderá este patrono revogar a liberdade, que deu a este liberto, e reduzil-o à servidão, em que antes estava. E bem si por cada huma das outras causas de ingratidão, porque o doador pôde revogar a doação feita ao donatário, como dissemos acima.

As consequ?ências práticas deste odioso dispositivo podem ser assim compreendidas:

A prática da alforria permitia a um indivíduo constituir uma clientela de homens obrigatoriamente dedicados. Mercê da alforria, o político escravista podia aumentar o número de votos que controlava nas eleições primárias ou paroquiais. Nisto reside a explicação da circunstância, repetidamente lamentada por Joaquim Nabuco, de que nas eleições os libertos votavam nos candidatos antiabolicionistas. Por medo de serem acusados de ingratos, os libertos denunciavam as conspirações escravas. O liberto se vinculava ao patrono até mesmo pelo sobrenome. Escravos, como se sabe, não tinham sobrenome, e por isto ao se alforriarem adotavam o do patrono. A Lei Rio-Branco (Lei n.º 2.040), de 1871, ao revogar o dispositivo das Ordenações que facultava a revogação da alforria, conferiu a todos os libertos a mais completa independência jurídica, mas nem por isso suprimiu a restrição aos seus direitos políticos. (FREITAS, 1988, p. 55-56)

Como exposto, a previsão legal de reversão da alforria concedida foi revogada, expressamente, pelo §9º, art. 4.º, da Lei n.º 2.040, de 28 de setembro de 1871, a denominada “lei do ventre livre”, que derrogava os dispositivos das ordenações Filipinas que admitiam esta possibilidade: “§9.º Fica derrogada a Ord.. liv. 4.º, tit.63, na parte que revoga as alforrias por ingratidão.”

É importante frisar que este odioso dispositivo, que permitia a reversão no status do liberto, somente foi revogado aproximadamente transcorrido meio século após a outorga da Charta imperial, pela Lei n.º 2.040, de 28 de setembro de 1871.

2.3 A herança legislativa portuguesa e a compra e venda de escravos

Quando se busca investigar as estruturas legislativas do ordenamento jurídico brasileiro, vigentes no Império do Brasil, não se pode deixar de falar que o país não herdou apenas a estrutura econômico-social vigente durante a colônia, mas também a legislação metropolitana portuguesa, recepcionada pela Lei de 20 de outubro de 1823:

Art. 1.º As Ordenações, Leis, Regimentos, Avaras, Decretos, e Resoluções promulgadas pelos Reis de Portugal, e pelas quaes o Brazil se governava até o dia 25 de Abril de 1821, em que Sua Magestade Fidelíssima, actual Rei de Portugal, e Algarves, se ausentou desta Corte; e todas as que foram promulgadas daquella data em diante pelo Senhor D. Pedro de Alcântara, como Regente do Brazil, em quanto reino, e como Imperador Constitucional delle, desde que se erigiu em Império, ficam em inteiro vigor na parte, em que não tiverem sido revogadas, para por ellas se regularem os negócios do interior deste Império, emquanto se não organizar um novo Código, ou não forem especialmente alteradas.

Na falta de um Código, os atos da vida civil deveriam ser regidos pelo Livro IV, das Ordenações Filipinas, que tratava especificamente deste tema, mas que não possuía ponto de contato com a sociedade brasileira do século XIX, já que este diploma legislativo havia sido criado antes da União Ibérica, isto é, já datando mais de 200 quando da independência do Brasil.


O Conselheiro Joaquim Ribas assim comenta e critica a aplicação das Ordenações Filipinas à sociedade brasileira (RIBAS, 1982, p. 76):

O ultimo [trabalho legislativo português], que ainda até hoje se acha em vigor, foi começado no reinado de Fellippe II de Hespanha e I de Portugal, e concluída no seguinte, sendo sancionado e publicado pelo Alv. De 11 de Janeiro de 1603. Em consequ?ência, porém, da elevação da casa de Bragança ao throno de Portugal, entende-se necessário revalidar estas Ordenações, e para este fim expediu D. João IV a lei de 29 de Janeiro de 1643, que revogou todas as legislações anteriores a ella, [salvo algumas exceções] (…). Dos cinco livros das Ordenações Philipinas quase que só o 4º é destinado à theoria do direito civil. Mas os seus preceitos, além de nimiamente [sic.] deficientes, e formulados sem ordem, não estão ao par das necessidades da sociedade actual e dos progressos da sciencia jurídica.

Não obstante estas críticas, os negócios jurídicos civis em geral, bem como os contratos, deveriam ser regulados por este diploma legislativo que apresentava inclusive as regras para regência do contrato de compra e venda de escravos, nos termos do Título XVII, Livro IV, das Ordenações Filipinas:

Qualquer pessoa, que comprar algum scravo doente de tal enfermidade, que lhe tolha servir-se delle, o poderá engeitar a quem lho vendeu, provando que já era doente em seu poder de tal enfermidade, com tanto que cite ao vendedor dentro de seis meses o dia, que o escravo lhe for entregue.

É de se ressaltar que, nos parágrafos do Título XVII, Livro IV, das Ordenações Filipinas, havia a regulamentação, bem como de eventuais vícios redibitórios, além de outros que pudessem contaminar o referido negócio jurídico:

Se o scravo tiver commettido algum delicto, pelo qual, sendo-lhe provado, mereça pena de morte, e ainda não for livre por sentença, e o vendedor ao tempo da venda e não declarar, poderá o comprador engeital-o dentro de seis meses, contados da maneira, que acima dissemos. E o mesmo será, se o scravo tivesse tentado matar-se por si mesmo com aborrecimento da vida, e sabendo-o o vendedor, o não declarasse.

Em suma, no próprio negócio jurídico de compra e venda, já se pode constatar que, aos escravos, poderiam ser aplicadas sanções, tendo em vista o peculiar regime jurídico dos cativos, distinto daquele relacionado aos homens livres. Esta diversidade de regimes sancionatórios será analisada mais adiante.

3 DEBATES ACERCA DA LEGALIDADE DA ESCRAVIDÃO

3.1 Questionamentos sobre a legitimidade da escravidão

Evaristo de Moraes, em brilhante obra, questiona a legalidade da própria manutenção da escravidão e de escravos, à luz nas normas vigentes durante o Império do Brasil.

O mencionado autor, para espanto, cita um trecho da fala do senador Ribeiro da Luz, em discurso proferido no dia 07 de julho de 1883, tecendo reflexões sobre a validade e eficácia da Lei de 07 de novembro de 1831 (mais adiante analisada):

Não sei qual foi a lei que autorizou a escravidão. O que nos diz a história pátria é que, havendo índios escravos entre nós, para libertá-los, foram introduzidos os africanos, que passaram a substituí-los no cativeiro. Conheço muitas leis, que fazem referência à escravidão, e estabelecem, disposições especiais a respeito do escravo; mas não sei de nenhuma que autorize expressamente a escravidão no Brasil. Foi o tempo e depois as lei, que se referiam à escravidão, que a legalizaram. (MORAES, 1966, p. 156-157)

A regra é a liberdade, já que a escravidão não se presume:

Sendo a escravidão, como fato anormal contrário à lei natural, somente tolerada pela lei civil, por força de razões puramente econômicas, nunca e e em caso algum se presume, mas deve pelo contrário, se provada sempre: Inst. Just. pr. de libert. 1.º e 5.º; Ord. I, 4º tit 42; alv. 30 de junho de 1609. (MARQUES apud MOARES, 1966, p. 165)

Esta conclusão decorre de um exercício de lógica: se a Constituição política, que deveria servir de fundamento para a defesa de direitos fundamentais, não declara (ao menos expressamente) a existência da escravidão, não tolerando a violação do direito à liberdade (art. 179, I e VII, da Charta de 1824, por exemplo), não haveria razão para, de forma tácita, inferir que este abominável instituto civil viesse a prosperar no nosso solo. Evidente que não era desta forma que se interpretava a Charta imperial.

Prova disto é que o Supremo Tribunal de Justiça (cuja existência e competências se encontravam previstas no art. 163 da Carta imperial), julgou em sentido contrário a este preceito clássico de direito romano e canônico, entendendo que a liberdade não pode se presumir se houver agressão ao direito de propriedade do dominus sobre o escravo. Tal decisão é assim comentada pelo jurista Cândido Mendes de Almeida:

As causas de liberdade pelo nosso antigo Direito sempre forão reputadas causas pias (…), e por conseguinte gozando de todo o favor. Entretanto uma decisão do Supremo Tribunal de 5 de Julho de 1832 publicada no Diário do Rio de Janeiro de 23 de Agosto do mesmo ano declarou, que não se podia conceder nestes casos liberdade aos escravos em prejuízo dos direitos de propriedade, i. e., contra o princípio aqui firmado. Em vista do que diz o §4º [do título 11, do Livro 4, das Ordenações Filipinas] em se principio toda a legislação Romana e Canônica em pró da liberdade dos captivos deve ser aceita e executada; nem seria possível que em uma epocha de liberdade a legislação outr’ora executada com tanto favor em pró dos escravos, se tornasse sem nenhum motivo ou lei de repugnante dureza. (MENDES, 1870, p.790)

Ressalte-se que o direito romano e o canônico eram considerados como fontes do direito civil brasileiro, consoante aplicação das Ordenações Filipinas (RIBAS, 1982, p.107), com aplicação subsidiária, nos termos do título LXIX, do Livro III, das Ordenações e sob as limitações conferidas pela lei da boa razão, a Lei de 18 de agosto de 1769. (RIBAS, 1982, p.110)

Entretanto, no Império do Brasil, os fundamentos da sua economia justificavam a existência da situação fática da escravidão (SENTO-SÉ, 2000, p.37-39), pois, pelos diplomas legais existentes, a vigência das normas referentes a sua manutenção passaram a ser, cada vez com mais intensidade, questionadas pela sociedade. Uma situação fática irreformável legitimava a vigência de diplomas não recepcionados.

3.2 A tese da ilegalidade da escravidão

Não obstante este debate acerca da legitimidade da escravidão, uma forte tese começou a surgir no Brasil imperial: a escravidão era uma conduta ilegal e que, em verdade, os senhores dos escravos estavam realizado dupla conduta típica, contrabando (art. 177 do Código Criminal) e reduzir pessoa livre à escravidão (art. 179 do Código Criminal).


A idéia era simples, o Império do Brasil firmou com o Reino da Inglaterra tratado internacional, em 26 de novembro de 1826, por este instrumento: “[…] o Brasil proibia o tráfico dentro de três anos improrrogáveis. Seriam então punidos como piratas quantos neles se envolvessem. Conferiu-se à Inglaterra o tão cobiçado direito de visita e busca.” (TAUNAY, 1941, p. 264)

Este tratado foi ratificado em 13 de março de 1827, devendo passar a viger a partir de 1830.(VIANNA, 1967, p. 148)

Pela Portaria de 21 de maio de 1831, expedida pelo Ministro da Justiça Manoel José de Souza Franco, durante a Regência, ficou expressamente vedado o contrabando de escravos:

Constando ao Governo de S. M. Imperial que alguns negociantes, assim nacionais como estrangeiros, especulam com desonra da humanidade o vergonhoso contrabando de introduzir escravos da Costa da África nos portos do Brasil, em despeito da extinção de semelhante comércio, manda a Regência Provisória, em nome do Imperador, pela Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, que a Câmara Municipal desta cidade faça expedir uma circular a todos os juízes de paz das freguesias do seu território, recomendando-lhes toda a vigilâncias policial ao dito respeito; e que no caso de serem introduzidos por contrabando alguns escravos novos no território de cada uma das ditas freguesias, procedam imediatamente ao respectivo corpo de delito e constando por este que tal ou tal escravo boçal foi introduzido aí por contrabando, façam dele sequ?estro, e o remetam com o mesmo corpo de delito ao juiz criminal do território para ele proceder nos termos de direito, em ordem a lhe ser restituída a sua liberdade, e punidos os usurpadores dela, segundo o art. 179 do Código, dando de tudo conta imediatamente à mesma Secretaria.(MORAES, 1966, p. 366)

Tal portaria teve muito pouca repercussão, além, de baixíssima efetividade. Cumpre ressaltar que as portarias eram consideradas fontes do direito que buscavam regular os casos nela tratados, sem prejudicar terceiros, nem revogar ou alterar a legislação vigente (RIBAS, 1982, p.83 e MORAES, 1966, p.154), por esta razão adveio a Lei de 07 de novembro de 1831.

O Art. 1º de tal diploma estabelecia: “Todos os escravos que entrarem no território ou portos do Brasil vindos de fora ficam livres.”.

De duas alternativas, uma das teses deve prevalecer:
Primo, se for considerado o argumento de que eventual ato de traficar escravos da Costa da África é importação de mercadoria – compreendendo o escravo como mercadoria, tendo em vista a sua possível natureza de res –, vislumbra-se que a importação destes é proibida desde 13 de março de 1827, portanto, o importador comete o crime público de contrabando:

Art. 177. Importar, ou exportar gêneros, ou mercadorias prohibidas; ou não pagar os direitos dos que são permittidos, na sua importação, ou exportação.
Penas – perda das mercadorias ou gêneros, e de multa igual à metade do valor delles.

No caso concreto o senhor que viesse a importar tais escravos poderia figurar, no mínimo, como cúmplices, na forma do art. 6º, 1.º, do Código Criminal do Império:

Os que receberem, occultarem ou comprarem cousas obtidas por meios criminosos, sabendo que o foram, ou devenddo sabel-o em razão da qualidade, ou condição das pessoas, de quem receberam, ou compraram. (fls. 143)

Secundo, entretanto, é manifesto que o legislador, pela Lei de 07 de novembro de 1831, em verdade, assegurou que escravos introduzidos após a vigência deste dispositivo seriam considerados como homens livres.

Em tese, não poderia mais existir escravos que tivessem sido importados para o Brasil, a partir da publicação deste diploma legal. Esta é a única conclusão que se pode chegar.

Qualquer indivíduo que reduzisse estes homens à condição de escravo estaria cometendo o crime particular, contra a liberdade individual, de reduzir à escravidão pessoa livre, (como previsto no art. 4º desta mencionada lei):

Art. 179. Reduzir à escravidão pessoa livre, que se achar em posse da sua liberdade.
Pena – de prisão por três a nove annos, e de multa correspondente à terça parte do tempo; nunca porém o tempo de prisão será menor, que o do captiveiro injusto, e mais uma terça parte.

Comentando o tema, o brilhante deputado pernambucano Joaquim Nabuco:

Com efeito, a grande maioria desses homens, sobretudo no Sul, ou são africanos, importados depois de 1831, ou descendentes destes. Ora, em 1831 a lei de 7 de novembro declarou no seu artigo 1.º: “Todos os escravos que entrarem no território ou portos do Brasil vindos de fora ficam livres.”. Como se sabe, essa lei nunca foi posta em execução, porque o Governo brasileiro não podia lutar com os traficantes; mas nem por isso deixa ela de ser a carta de liberdade de todos os importados de pois de sua data. Que antes de 1831, pela facilidade de aquisição de africanos, a mortalidade dos nossos escravos, ou da Costa ou crioulos, era enorme, é um fato notório. “É sabido dizia Eusébio de Queirós em 1852 na Câmara dos Deputados, que a maior parte desses infelizes [os escravos importados] são ceifados logo nos primeiros anos, pelo estado desgraçado que os reduzem os maus tratos da viagem, pela mudança de clima, de alimentos e todos os hábitos que constituem a vida”. Desses africanos, porém, – quase todos eram capturados na mocidade – introduzidos antes de 1831, bem poucos restarão hoje, isto é, depois de cinqu?enta anos de escravidão na América a juntar aos anos que vieram da África; e, mesmo sem a terrível mortalidade, de que deu testemunho Eusébio entre os recém-chegados, pode-se afirmar que quase todos os africanos vivos foram introduzidos criminosamente no país (NABUCO, 1977, p. 115-116, grifo nosso).

Nas palavras do advogado Busch Varela (apud MORAES, 1966, p. 159-160), em discurso proferido no dia 09 de março de 1884, em conferência realizada no Rio de Janeiro:

Como já observei, a lei de 1831 não criva uma disposição transitória; não se limitava a abolir o tráfico; foi além – declarou livres todos os escravos, importados de então em diante. Tal disposição é, de sua natureza, irrevogável; a liberdade, uma vez adquirida, nunca mais se pode perder. Os importados depois de 1831 adquiriram-na, por disposição expressa de lei, nunca foram escravos no Brasil; foram vítimas de atroz e condenada pirataria; ninguém dirá que o roubo é meio de adquirir propriedade e de transmiti-la legitimamente.

A conclusão que chega Evaristo de Moraes é peremptória:


Uma e única: muitos senhores de escravos, orgulhosos latifundiários brasileiros, se não eram ladrões, eram, pelo menos, receptadores de grande número de liberdades humanas; boa porção das suas fortunas tinha raízes na prática do crime previsto no art. 179 do Código Criminal do Império, pois resultava da escravidão direta dos africanos contrabandeados e da indireta dos africanos livres, misturados no eito com os outros (MORAES, 1966, p. 165).

Ora, se a partir de 1831, qualquer escravo que, após o advento desta lei fosse importado e viesse a ser desembarcado no Brasil seria considerado como homem livre, logo, pode-se concluir que somente poderiam ser considerados cativos, em território brasileiro, os filhos de mãe e pais escravos que já houvesse chegado ao território nacional, anteriormente a este diploma legislativo.

4 A NATUREZA JURÍDICA DO ESCRAVO

Pode-se afirmar, que falar da natureza jurídica de algo é inserir o objeto estudado dentro das categorias lógicas do direito vigente naquele contexto histórico, isto é, é afirmar que aquilo que está sendo estudado tem características que tornam possível, para fins de classificação, afirmar que ele se encontra dentro de um específico conjunto com propriedades similares.

O debate sobre a natureza jurídica do escravo versa necessariamente sobre a controvérsia se aquele ser humano, à luz do direito, deveria ser regido pelo regime jurídico das coisas ou das pessoas.

4.1 O status do escravo na legislação brasileira: persona e res

Para o Conselheiro Joaquim Ribas, o escravo não era tão-somente uma res, era considerado também como personae, ou seja, os direitos do senhor sobre seu escravo (dominica potestas) não eram apenas exercidos a título de dominus, mas também como potestas:

A dominica potestas dos Romanos, constando de dous elementos – o dominium e a potestas, impunha ao escravo duplo subjeição ao senhor, e o considerava ao mesmo tempo como cousa e como pessoa. Esta instituição não despessoalizava, pois, inteiramente o escravo, nem poderia elle sel-o, pois que a sua incapacidade era subjeita a restrições. À proporção, porém, que o direito estricto se foi aproximando do racional, foi-se restrigindo a dominica potestas, e parallellamente alargando a capacidade dos escravos, esta instituição reconhecida como opposta á natureza,e a liberdade como faculdade natural. Entre nós também os direitos do senhor sobre o escravo constituem domínio e poder, em relação ao domínio o escravo é cousa, em relação ao poder é pessoa (RIBAS, 1982, p. 281-282).

Tal raciocínio pode ser explicado pela compreensão dos institutos de direito romano que eram aplicados subsidiariamente para sistematizar a escravidão brasileira: o escravo era res e personae ao mesmo tempo, desde que se compreenda este último termo não como sujeito de direito, mas como ser humano:

No direito romano o termo personae era usado como equivalente a homo e não como titular de direito. Por isso os escravos eram considerados ao mesmo tempo personae, e res. Isto não significa que o escravo pudesse ser titular de direito, pois Ulpiano esclarece muito bem a sua posição perante o direito civil – “Quod attinet ad IUS CIVILE SERVI pro nullis habentur.” O escravo não era sujeito de direito, pois era considerado uma coisa, ou melhor, um animal humano. O dominus exercia sobre o servus o direito de propriedade e para sancionar esse direito fazia uso da reivindicatio, isto é, da mesma ação de que se servia em se tratando de um objeto móvel. (NÓBREGA, 1955, p. 120 e p. 130)

Para exemplificar, pode-se analisar um caso concreto, descrito no Parecer nº. 05, de 20 de março de 1858, da lavra do Conselho de Estado do Império, que discutia as questões apontadas, analisando a extensão do direito de propriedade do dominus sobre o servus.

A questão levada ao Conselho de Estado iniciava-se com o fato de que Porfírio Fernandes Siqueira, residente na província do Rio Grande do Sul, hipotecou três escravos seus a Francisco Manuel dos Passos.

A hipoteca, assim como hoje, era considerada direito real, nos termos das Ordenações Filipinas, Livro II , f. 52, §5º e livro 4º, f. 3º. O art. 13, do regulamento de 14 de novembro de 1846 previa os efeitos legais da hipoteca: “[…] são efeitos legais o registro das hipotecas, tornar nula a favor do credor hipotecário, qualquer alienação dos bens hipotecados por título, quer gratuito, quer oneroso.”

Posteriormente, com a finalidade de retirar o gravame que incidia sobre seus escravos, com manifesta má-fé, Porfírio Fernandes Siqueira levou-os à República Oriental do Uruguai, cuja legislação considerava livre os escravos que ali se encontrassem.

Francisco Manuel dos Passos, diante deste prejuízo, com a perda da garantia real do seu crédito, formulou requerimento ao Presidente da Província requerendo que este, junto a legação imperial em Montevidéu, reclamasse a extradição dos escravos brasileiros hipotecados, com fundamento no art. 6º do tratado de extradição firmado entre a República Oriental do Uruguai e o Império do Brasil, que possuía o seguinte conteúdo:

O governo da República Oriental do Uruguai reconhece o princípio da devolução dos escravos pertencentes a súditos brasileiros que, contra a vontade dos seus senhores, forem, por qualquer maneira, para o território da dita república e aí se acharem.

Na fundamentação da decisão ao requerimento formulado por Francisco Manuel dos Passos (de 15 de dezembro de 1857, da lavra do Presidente da Província do Rio Grande do Sul), encontra-se a perfeita descrição do status do servus perante a legislação brasileira:

O governo [da República] oriental, concedendo a devolução, como exceção da lei que aboliu a escravatura em todo o território da república, limitou-a aos casos em que os escravos passarem a esse território contra a vontade de seus senhores. O Governo Imperial, aceitando essa limitação, garantiu a liberdade aos que se acharem no caso contrário. Por isso, em toda questão de devolução, é mister ter em vista não somente os direitos do governo oriental e do senhor do escravo, mas também a posição deste para com aquele. O escravo ignora as transações de que é objeto, não entra, nem pode entrar, no exame delas: obedece a seu senhor. Se este o traz para o Estado Oriental, quaisquer que sejam as obrigações contraídas, haja ou não hipotecas, por aquele simples fato, o escravo adquire a sua liberdade, é livre nesta república, é liberto no Brasil. Ambos os governos estão obrigados a manter-lhe o direito que lhe concederam, nem um pode reclamar a sua devolução, nem o outro pode concedê-la. […]. Finalmente, devem ser considerados libertos os escravos, que estando como contratados, ou em serviço autorizado por seus senhores no território indicado – voltarem à província do Rio Grande do Sul, porquanto, pelo princípio geral acima exposto, o fato de permanecer ou ter permanecido, por consentimento do seu senhor, em um país onde está abolida a escravidão, dá imediatamente ao escravo a condição de liberto […] (O Conselho de Estado, 2005, p. 32-33).

Tais conclusões foram remetidas ao Conselho de Estado do Império, que as ratificou e acrescentou:

Se esses escravos voltassem ao Império, então poderia o reclamante fazer valer seus direitos hipotecários contra uma liberdade conferida com fraude manifesta e, ainda assim, o êxito seria duvidoso. (O Conselho de Estado, 2005, p. 34)

O Imperador aprovou o parecer em 29 de março de 1859.

4.2 Capacidade jurídica minorada e responsabilidade

Portanto, manifesto que o escravo possuía, ao lado da sua condição de personae, a natureza de coisa, tendo em vista que sobre ele, inclusive poderiam recair inclusive direitos reais de garantia. Nas palavras de COSTA: “Nas formas jurídicas do século XIX, o escravo é tido como ser ausente. É ausente por não ser sujeito ou ser quase-sujeito” (COSTA, 2009, p. 204).

O ordenamento jurídico brasileiro, como exposto, também considerava o escravo como pessoa, mas diferindo destas perspectivas clássicas, o servus poderia ser paciente ou agente de condutas que desencadeariam o surgimento de consequ?ências jurídicas (ou seja, não haveria atribuição das consequ?ências jurídicas para o dominus).

As consequ?ências jurídicas oriundas da prática de atos jurídicos incidiriam tão-somente sobre a sua pessoa (escravo), que poderia vir a integrar um dos pólos de uma relação jurídica.

Cumpre ressaltar que, apesar da aparente ilogicidade desta argumentação, está a se tentar explicar um determinado fenômeno jurídico valendo-se da teoria do fato jurídico contemporânea.

Para o direito brasileiro do século XIX era possível que o escravo fosse res e personae2, pelo simples fato de que, pela aplicação subsidiária do direito romano, não haveria óbices para que o escravo pudesse vir a ser objeto de sanção penal, pois desde a antiguidade o mesmo respondia por eventuais condutas criminosas por ele perpetradas, tendo o dominus direito de vida e de morte sobre o servus. (NÓBREGA, 1955, p. 138)

É de se observar que, para o Estado Imperial, qualquer aplicação da sanção capital deveria restar submetida ao devido processo legal (art. 179, XI, da Charta da 1824).

Inclusive o escravo deveria figurar como parte, como preceitua o art. 332 do Código de Processo Criminal do Império, de 1932 (que atribui ao Júri a competência para “imposição da pena de morte”). Ou seja, pela legislação imperial, o servus poderia inserir-se em relação processual.

Entretanto, não poderia figurar como testemunha no processo criminal, consoante a Lei de 29 de novembro de 1832, o Código de Processo Criminal do Império:

Art. 89. Não podem ser testemunhas o ascendente, descendente, marido, ou mulher, parente até o segundo gráo, o escravo, e o menor de quatorze annos; mas o Juiz poderá informar-se delles sobre o objecto da queixa, ou denuncia, e reduzir a termo a informação, que será assignada pelos informantes, a quem se não deferirá juramento. Esta informação terá o credito, que o Juiz entender que lhe deve dar, em attenção ás circumstancias.

Para o direito romano clássico, o servus não poderia integrar validamente relação processual:

Nas Novelas de Teodósio encontramos um texto segundo o qual a incapacidade do escravo para participar de um processo se explicava pelo fato de não ser ele persona. O Escravo, esclarece Sohm, é um homem, que não é pessoa jurídica, mas uma coisa; não podia participar de qualquer relação jurídica; não tinha bens ativos (propriedade) nem passivos (contrair dívidas); não participava de qualquer relação de direito de família. Um processo contra um escravo seria completamente inócuo (NÓBREGA, 1955, p. 138).

Portanto, pelo exposto acima, pode-se concluir que: (a) para o direito imperial, o servus, apesar de não ser cidadão brasileiro, poderia se inserir em algumas relações jurídicas. Conclui-se que, para a legislação brasileira, o escravo era um sujeito de direito cuja capacidade jurídica estava minorada, pois se inexistisse esta capacidade e o direito brasileiro adotasse plenamente a doutrina romanística, não poderia o escravo integrar validamente nenhuma relação processual; e(b) para o direito brasileiro, os atos praticados pelo escravo não necessariamente repercutem sobre o seu dominus. Ou seja, o senhor não se torna responsável pelos fatos praticados pelo escravo (inaplicabilidade da teoria pelo fato da coisa), nem a título de culpa, até porque a pena não pode passar da pessoa do condenado (art. 179, XX, da Charta imperial). Ou seja, como o escravo poderia ser sujeito ativo de crime, sofrendo as consequ?ências de condenação criminal, a pena não poderia repercutir sobre a pessoa do dominus, que não concorreu para o resultado delituoso.

A conclusão não poderia ser diferente, para o direto imperial, o escravo poderia ser sujeito de relação jurídica penal, sobretudo na condição de agente.


4.3 A capacidade do escravo para figurar nas relações jurídicas civis

O escravo, paulatinamente, ao longo do século XIX, foi adquirindo legitimação para a prática de atos da vida civil:

A ab-rogação da penalidade consistente em açoites – penalidade excepcional e de extensão arbitrária – não teve, somente, o efeito que lhe atribuíram alguns escravistas, entre os quais Lourenço da Albuquerque e Ratisbona, não influiu, apenas, por haver suprimido o receio de atrozes sofrimentos físicos. Mais importante foi o reflexo moral da lei n.º 3.310, de 15 de outubro de 1886. Ela acresceu a série de atos legislativos que, desde 1871, vinham conferindo personalidade ao escravo; aumentou o grau da sua elevação na escala para a cidadania; colocou-o, quanto à repressão penal, quase na mesma plana das pessoas livres; numa palavra, forrou o escravo do opróbio, sempre, e por toda parte, ligado aos castigos corporais.” (MORAES, 1966, p. 244)

Pela Lei n.º 2.040, de 28 de setembro de 1871, pelo seu art. 4.º, o escravo estava autorizado a constituir um pecúlio com finalidade de obter sua alforria:

Art. 4.º É permittido ao escravo a formação de um pecúlio com o que lhe provier de doações, legados e heranças, e com o que, por consentimento do senhor, obtiver do seu trabalho e economias. O Governo providenciará nos regulamentos sobre a collocação e segurança do mesmo pecúlio.

Observe-se que até efeitos sucessórios eram descritos, bem como o reconhecimento de relação conjugal, no §1.º, deste mesmo art. 4.º:

§ 1.º Por morte do escravo, metade do seu pecúlio pertencerá ao cônjuge sobrevivente, se o houver, e a outra metade se transmittirá aos seus herdeiros, na fôrma da lei civil. Na falta de herdeiros, o pecúlio será adjudicado ao fundo de emancipação de que trata o art. 3.º.

Na lúcida visão do Conselheiro Joaquim Ribas (RIBAS, 1982, p. 282):

À proporção, porém, que o direito estricto se foi approximando do racional, foi-se restrigindo a dominica potestas, e parallellamente alargando a capacidade dos escravos, esta instituição reconhecida como opposta á natureza, e a liberdade como faculdade natural.

O escravo, inclusive estava autorizado ao contratar, em prol da sua liberdade, nos termos do art. 4.º, §1.º, da Lei n.º 2.040, de 28 de setembro de 1871 (Lei do Ventre Livre). Tal diploma legal foi exaustivamente criticado, por contemporâneos, pela sua limitada e lenta efetivação:

Em matéria de emancipação, temos uma lei falha e manca, triste e arrastadamente executada, e mais nada. Nas arcas do Tesouro existem 4.000 contos do fundo de emancipação por qualquer pretexto fiscal. Quatro mil homens ainda escravos por qualquer relaxação administrativa. Até hoje, três anos depois da lei, nem a mínima, providência sobre a educação dos ingênuos e dos emancipados (REBOUÇAS apud MORAES, 1966, p. 24).

Estudada a capacidade civil do escravo, deve-se vislumbrar como o ordenamento jurídico brasileiro do século XIX dispunha sobre a responsabilidade penal dos escravos.

5 O DIREITO PENAL MATERIAL E PROCESSUAL E O ESCRAVO

5.1 A responsabilidade penal do escravo

O Código Criminal do Império do Brasil, a Lei de 16 de dezembro de 1830, estabelecia o conceito de criminoso, nos seus arts. 3º e 4º:

Art. 3.º Não haverá criminoso, ou delinqu?ente, sem má fé, isto é, sem conhecimento do mal, e intenção de o praticar.
Art. 4.º São criminosos, como autores, os que commetterem, constragerem, ou mandarem alguém commetter crimes.

Os escravos não se enquadram em nenhum dos casos de inimputabilidade previsto no art. 10 do referido Código Criminal:

Art. 10. Também não se julgarão criminosos: 1.º Os menores de quatorze annos.
2.º Os loucos de todo o gênero, salvo se tiverem lúcidos intervallos, e nelles commtterem o crime.
3.º Os que commetterem crimes violentados por força, ou por medo irresistíveis.
4.º Os que commetterem crimes casualmente no exercício, ou pratica de qualquer acto licito, feito com a tenção ordinária.

Portanto, por óbvio, os escravos, apesar sua capitis dimininutio maxima, estavam submetidos ao Código Penal, podendo figurar como “criminosos” das condutas previstas neste diploma legal: “Em geral, o Direito penal considera o escravo como pessoa, quando julga apto para servir de agente ou paciente de qualquer delicto” (RIBAS, 1982, p. 282).

Uma outra questão que merece análise é a da possibilidade de o escravo vir a ser vítima do crime homicídio praticado pelo seu senhor: juridicamente falando, o dominus que perpetrasse conduta que viesse a resultar na morte do escravo poderia ser processado pelo delito previsto no arts. 192 ou 193 do Código Criminal do Império ou estaria ele no exercício de uma faculdade sua, derivada do seu poder de propriedade sobre o seu servus?

Para responder tal questionamento, deve-se vislumbrar que o art. 14, item 6º do Código Criminal do Império admitia a possibilidade de o dominus praticar conduta lesiva que viesse a resultar dano a seu escravo, desde que de forma moderada, sob a forma de castigo, salvo se agredisse as leis em vigor no Império: tratava-se de uma hipótese de “crime justificável”, segundo a legislação penal da época, mas não seriam admitidas denúncias do escravo contra o senhor, nos termos do art. 75, § 2º, do Código de Processo Criminal do Império de 1932, já que “a vontade do cativo não pode colidir com a vontade do seu proprietário” (COSTA, 2009, p. 205).

Note-se que, segundo o Código Criminal do Império, o senhor não poderia matar o escravo, como sanção privada pelos atos cometidos por este. Como castigo moderado não se inclui a morte do servus. (RIBAS, 1982, p.282)

Cometendo este ilícito, o Estado estaria autorizado a realizar a persecução penal em face do senhor que houvesse provocado o resultado morte no seu escravo, pelos castigos aplicados.


Neste sentido, a denúncia oferecida pelo promotor adjunto (art. 74 do Código de Processo Criminal do Império: Lei de 29 de novembro de 1832), perante o Juiz Substituto do 3º Distrito Criminal da Comarca de São Luís do Maranhão, em face de D. Anna Rosa Vianna Ribeiro, Baronesa de Grajaú (esposa do presidente da Província do Maranhão Dr. Carlos Fernando Ribeiro, em 1884), pelo homicídio do seu escravo Inocêncio, em face de castigos imoderados por ela perpetrados:

Desta sorte indigitada a denunciada, como autora das sevícias e maus tratos encontrados e reconhecidos no cadáver do seu escravo Inocêncio, visto que este durante o tempo em que foi possuído por ela, jamais esteve em outro poder e debaixo de outras vistas, torna-se a mesma denunciada, D. Anna Rosa Vianna Ribeiro criminosa; e, por isso, e em cumprimento da lei, dá o abaixo assinado a presente denúncia, para o fim de ser ela punida com as penas decretadas no art. 193 do Código Criminal, oferecendo por testemunhas aos adiante nomeados, os quais serão citados para deporem no dia e hora que V. S.ª designar, e bem assim a denunciada para se ver processar, sob pena de revelia, fazendo-se as requisições necessárias (ALMEIDA, 2005, P. 65-70).

Ressalte-se que a pena de galés, ou seja, prestação de trabalhos públicos forçados, com os pés acorrentados era inaplicável às mulheres, nos termos do art. 45, 1º, do Código Criminal do Império, devendo ocorrer a sua conversão em prisão, com a realização de serviços compatíveis com o sexo feminino, pelo mesmo período de tempo fixado na sentença.

No caso em comento, foi proferida sentença de impronúncia (em 23.01.1877), nos termos do art. 145 do Código de Processo Criminal do Império, a qual, sendo objeto de recurso, foi reformada (no dia 13.12.1877), determinando o juízo ad quem (Tribunal da Relação) a pronúncia da ré, que foi levada a júri popular, sendo absolvida em 22.02.1877.

Após apelação (art. 301 do Código de Processo Criminal do Império), foi julgado improcedente o recurso (em 22.05.1877), e, não havendo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art. 305 do Código de Processo Criminal do Império), o feito transitou em julgado.

5.2 As penas aplicadas aos escravos

Os regimes das penas aplicadas aos escravos, manifestamente, diferiam das sanções aplicadas aos homens livres.

5.2.1 A pena de açoitação

A priori, é de se ressaltar que a Charta imperial, no seu art. 179, XIX, abolia as penas cruéis:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.
[…]
XIX. Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas crueis.

Entretanto, o art. 60 do Código Criminal do Império do Brasil, estabelecia:

Art. 60. Se o réo for escravo, e incorrer em pena, que não seja a capital, ou de galés, será conmdemnado na de açoute, e depois de os soffrer, será entregue a seu senhor, que se obrigará a trazel-o com um ferro, pelo tempo, e maneira que o Juiz designar. O número de açoutes será fixado por sentença; e o escravo não poder´pa levar por di mais de cincoenta.

Ademais, nas Ordenações Filipinas, Livro V, título LX, §2º, recepcionadas, verifica-se a previsão da pena de açoitação para o delito de furto, aplicável tanto a homens livres quanto a escravos.

Aos escravos, segundo o disposto nas Ordenações, seriam aplicadas a penas açoitação nos seguintes termos: “Porém, se for escravo, quer seja Christão, quer infiel, e furtar valia de quatrocentos reis para baixo, será açoutado publicamente com baraço e pregão.”.

Para solucionar tal antinomia, a doutrina jurídica do período realizava a harmonização destes dispositivos alegando que o art. 179 da Constituição imperial assegurava direitos fundamentais e liberdades públicas tão-somente aos “Cidadãos Brazileiros”, ora, se o escravo perdeu seus status libertatis (ocorrendo a capitis diminutio maxima), não poderia ser um Cidadão, portanto, inaplicável tal proteção a estes indivíduos. (MORAES, 1966, p. 175).

Portanto, revogada estava à pena de açoitação, prevista nas Ordenações Filipinas, somente para os cidadãos e não para os escravos.

Tal pena era assim executada, nas palavras do Conselheiro Otoni:

Era castigo crudelíssimo: – atava-se o paciente solidamente a um esteio (poste vertical de madeira) e, despidas as nádegas, eram flageladas até ao sangue, às vezes até à destruição de uma parte do músculo. Se não havia o esteio, era o infeliz deitado de bruços e amarrado em uma escada de mão; aí tinha lugar o suplício (apud MORAES, 1966, p. 177).

Cumpre esclarecer que o regime de pena de açoitação, poderia ser judicial ou doméstico. O regime judicial, como referido no art. 60 do Código Criminal, possuía seus limites no arbítrio do órgão jurisdicional (art. 60 do Código Criminal): “o legislador penal da monarquia não limitava o número total dos açoites; deixava ao arbítrio do julgador. Apenas limitava a dose diária” (MORAES, 1966, p. 176).

No que se refere à pena de açoitação, os fundamentos para o exercício deste poder punitivo no âmbito doméstico podem ser encontrados no art. 14, § 6º, do Código Criminal do Império, que estabelecia, dentre as causas de “crimes justificáveis”, a aplicação de castigo moderado que os senhores venham a aplicar a seus escravos. Quando o dominus exercia este seu poder, o critério para fixação do quantum desta sanção decorria do seu livre arbítrio, mas “a maneira material da execução do suplício era, em uma e outra hipótese, os mesmos.” (MORAES, 1966, p. 177).

Tal pena aplicada aos escravos foi revogada pela Lei nº. 3.310, de 15 de outubro de 1886.

5.2.2 A pena de morte

5.2.2.1 A pena de morte e o direito penal imperial

Antes do advento do Código Criminal do Império, vigorava no Brasil, como fonte do direito penal, o Livro V, das Ordenações Filipinas, que previa a existência da pena capital.

Apesar de inúmeros debates, de manifestações inclusive contrárias, Bernardo Pereira de Vasconcelos, autor do anteprojeto do Código Criminal de 1932, manteve a pena de morte tanto para crimes comuns, quanto para crimes políticos, sob o fundamento de que, tal sanção subsistiria para poucos delitos e que o anseio de segurança pública deveria prosperar, já que a inocência, em verdade, era sempre a vítima do crime (RIBEIRO, 2005, p. 27).


Ademais, consoante argumentos do relator, a Constituição Imperial admitia implicitamente a possibilidade de existência da pena capital, como se depreende da leitura do art. 27 desta Charta Magna:

Art. 27. Nenhum Senador, ou Deputado, durante a sua deputação, póde ser preso por Autoridade alguma, salvo por ordem da sua respectiva Camara, menos em flagrante delicto de pena capital.

Como exposto, o Código Criminal do Império trazia, dentre as espécies de pena, a de morte (art. 38), a qual era executada na forca, após o trânsito em julgado do feito, no dia seguinte após a intimação, mas nunca antes de domingo, dia santo ou de festa nacional (art. 39).

Para o cumprimento da pena capital, o réu era conduzido pelas “ruas mais públicas” até a forca, acompanhado pelo Juiz Criminal, pelo escrivão e pela força policial necessária (art. 40).

A presidência dos atos de execução desta pena era feita pelo juiz Criminal, com a lavratura de certidão de todos os atos pelo Escrivão, a qual será juntada aos autos do processo (art. 41).

O corpo do réu poderia ser entregue à família (ou amigos), se requisitado ao juiz, mas não haveria enterro com pompa, sob pena de prisão daqueles que descumprissem este comando (art. 42).

Mulheres grávidas não poderiam ser enforcadas, nem julgadas enquanto perdurasse este estado, somente após transcurso 40 dias do parto (art. 43).

Nos processo criminais em que fosse determinada a condenação nesta pena, poderia haver o perdão pelo exercício do Poder Moderador (art. 66 do Código Criminal c/c art. 101, §8º, da Constituição Imperial), ou, no caso de “crimes particulares” (“sem accusação por parte da Justiça” – art. 67). A pretensão executiva era imprescritível (art. 65).

5.2.2.2 A pena de morte e a Lei n.º 04, de 10 de junho de 1855

Em relação às penas de morte aplicadas aos escravos, necessário o estudo da execrada, desde sua época, Lei n.º 04, de 10 de junho de 1855. Tratava-se de lex specialis que previa tipificação especial e pena capital para algumas condutas delituosas dos escravos, além de rito processual específico para julgar estes crimes, quando figurassem como réus tais agentes.

Anteriormente à Lei nº. 04, de 10 de junho de 1835, foi instituído o Decreto de 11 de abril de 1829 (anterior, portanto ao Código Criminal do Império, de 1830), pelo qual “todo réu escravo, condenado à pena máxima por assassínio do seu senhor devia ser executado, imediatamente, sem direito ao recurso de graça, interposto ao Poder Moderador.”.

Inicialmente, deve-se frisar que tal Decreto, além de agredir ao disposto no art. 101, §8º, da Constituição do Império, por ofensa explícita às competências constitucionais do Poder Moderador imperial, criava-se uma inconstitucional exceção à Lei de 06 de setembro de 1826, que atribuía ao próprio Imperador (no exercício das suas atribuições) ressalvas ao seu poder de moderar ou perdoar as penas aplicadas.

O Decreto de 11 de abril de 1829, sem dúvidas é o embrião da cruel Lei nº. 04, de 10 de junho de 1835, tendo em vista a manifesta ratio legis, isto é, acirrar o terror, pela célere aplicação da sanção capital para réus escravos.

Iniciando o estudo da Lei nº 04, de 10 de junho de 1835, seu art. 1º estabelecia:

Serão punidos com pena de morte os escravos ou escravas que matarem por qualquer maneira que seja, que propinarem veneno, ferirem gravemente ou fizerem outra qualquer grave ofensa física a seu senhor, a sua mulher, a descendência ou ascendentes, que em, sua companhia morarem, a administrador, feitor e as suas mulheres que com elês viverem. Se o ferimento, ou ofensa física forem leves, a pena será de açoites a proporção das circunstâncias mais ou menos agravantes.

Observe-se que, por este dispositivo, buscava-se criar uma norma protetiva do status quo escravista, não apenas para a proteção do senhor e da sua família, mas também dos indivíduos (e respectivo grupo familiar) incumbidos do gerenciamento desta mão-de-obra escrava.

Pela leitura de um trecho de Parecer da Seção de Justiça do Conselho de Estado, de 09 de setembro de 1854, cujo relator fora o Visconde do Uruguai, consegue-se captar a ratio legis do referido diploma: “[…] É uma lei inteiramente excepcional, ad terrorem, feita para produzir terror, que, ao menos agora, não produz.”, na verdade, a Lei n.º 4, de 10 de junho de 1835, foi uma consequ?ência da revolta dos negros Malés na cidade de Salvador:

Em 24 de janeiro de 1835 irrompia em Salvador, uma insurreição armada, que passaria à história como Revolta dos Malês ou a Grande Insurreição. Esta revolta faz parte de um grande ciclo de rebeliões ocorridas na Bahia desde o início do século XIX, e que se estenderia até o ano de 1844. […].
Os primeiros tiros partiram da casa de Manuel Calafate, onde os revoltosos atacados, revidaram e passaram à ofensiva dirigindo-se então para a Rua da Ajuda “onde tentaram arrombar a cadeia a fim de libertar Pacífico Licutan”, não conseguindo lograr êxito. O grupo marcha para o Largo do Teatro, onde trava combate com a polícia derrotando-a pela segunda vez. Essa vitória tinha aberto “caminho para atingirem o Forte de São Pedro. No entanto, com as forças que dispunham era impossível tomar o Forte de artilharia”. Buscam, então, outras alternativas. “Os escravos vindos do Largo do Teatro tentaram estabelecer junção com outra coluna que vinha da Vitória, sob o comando dos dirigentes do Clube da Barra. Esses, por sua vez, já haviam conseguido unir-se ao grupo do Convento das Mercês. Os escravos da Vitória operaram a junção planejada, abriram caminho para a Mouraria onde travaram combate com a polícia, sendo que neste combate perderam dois homens. Rumam, então, para a Ajuda; daí estabelecem uma mudança de rumo na sua marcha: desceram para a Baixa dos Sapateiros, seguindo pelos Coqueiros.3

Até então, os crimes praticados pelos escravos eram processados de acordo com o legislação procedimental comum (a Lei de 29 de novembro de 1832, isto é, o Código de Processo Criminal), mas com o surto de pânico que assolou a sociedade escravista brasileira, em face de tal revolta, inclusive, com reflexos na Corte e na Província do Rio de Janeiro (FREITAS; SOUZA, 1988, p. 63-65), surgiu uma legislação que de modo sumário e extremamente agressivo, cominava penas capitais, quando da prática de insurreições escravas, a fim de responder aos anseios de manutenção da paz e do status quo.

Tal afirmação pode ser corroborada com o fato de que o art. 2º, da Lei n.º 04, de 10 de junho de 1835, também aplicava os seus rigores quando ocorresse o crime de insurreição, restando revogadas as penas cominadas, no Código Criminal, para este delito (art. 5º, da Lei de 10 de junho de 1835):

Art. 2º. Acontecendo algum dos delictos mencionados no art. 1.º, o de insurreição, e qualquer outro commettido por pessoas escravas, em que caiba a pena de morte, haverá reunião extraordinária do Jury do Termo (caso não esteja em exercíciio) convocada pelo Juiz de Direito, a quem taes acontecimentos serão immediatamente communicados (grifos nossos).


Como exposto, fica manifesto que a intenção do legislador é a proteção ao bem jurídico “sistema de produção escravista”, com a previsão que a pena capital será aplicada aos escravos que cometerem o delito de insurreição (art. 113 do Código Criminal):

Art. 113 Julgar-se-ha commettido este crime, reunindo-se vinte ou mais escravos para haverem a liberdade por meio da fôrça. Penas – aos cabeças – de morte no grão Maximo; de galés perpétuas no médio; e por quinze annos no minimo; – aos mais – açoutes.

Observe-se que o delito de Insurreição (que era um crime público, contra a segurança interna do Império, e publica tranqu?ilidade) poderia contar com a participação de homens livres (arts. 114 e 115 do Código Criminal), mas, a tais agentes, não se estendia a pena prevista no art. 1º da Lei nº 04, de 10 de junho de 1835, em face de que estes detinham seu status libertatis pleno.

Ratificando o que foi exposto, faze-se necessário ler-se os dispositivos deste diploma legislativo, que prescrevem procedimento penal específico (e absurdo) para estas condutas delituosas:

Art. 2º. Acontecendo algum dos delictos mencionados no art. 1.º, o de insurreição, e qualquer outro commettido por pessoas escravas, em que caiba a pena de morte, haverá reunião extraordinária do Jury do Termo (caso não esteja em exercíciio) convocada pelo Juiz de Direito, a quem taes acontecimentos serão immediatamente communicados.
Art. 3.º Os Juizes de Paz terão jurisdicção cumulativa em todo o Município para processarem taes delictos até a pronuncia com as diligencias legaes posteriores, e prisão dos delinqu?entes, e concluído seja o processo, o enviarão ao Juiz de Direito para este apresenta-lo no Jury, logo que esteja reunido e seguir-se os mais termos.
Art. 4.º Em taes delictos a imposição da pena de morte será vencida por dous terços do número de votos; e para as outras pela maioria; e a sentença, se for condemnatoria, se executará sem recurso algum.

Por tal procedimento, cria-se um rito sumaríssimo para julgar os delitos praticados pelos escravos, presos preventivamente, sendo a imposição da pena de morte uma consequ?ência automática, que somente não ocorrerá se vencida por 2/3 (dois terços) dos votos dos membros do Júri.

Observe-se que se a sentença for condenatória ela será irrecorrível, ou seja, a contrariu sensu, somente se favorável ao réu (isto é, se absolutória), é que será admitida a interposição de recurso.

Entretanto, esta previsão legal de sentença capital irrecorrível, contrariava, o disposto no art. 101, §8º, da Constituição do Império (que foi regulamentado pelo art. 1º da Lei de 11 de setembro de 1826): “nenhuma sentença de pena capital podia ser, então, executada, sem que, previamente, fosse presente ao imperador, para, se assim o entendesse, perdoar ou minorar, a pena”.

Como exposto, das sentenças condenatórias, com fundamento nos dispositivos da Lei n.º 04, de 10 de junho de 1835, não caberia recurso algum.

Entretan


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O PIS e a COFINS das instituições financeiras: perspectivas e expectativas do julgamento dos Recursos Extraordinários nºs 400.479 e 609.096

A inconstitucionalidade da ampliação da base de cálculo do PIS/COFINS já está pacificada no STF, mas a discussão quanto ao alcance da incidência do PIS/COFINS sobre as receitas financeiras das instituições financeiras e companhias seguradoras não está sepultada.

Em homenagem aos professores Sacha Calmon e Misabel Derzi, ícones do direito tributário brasileiro.


Certo, nos autos do referido Recurso Extraordinário n. 609.096[1], sob a relatoria do ministro Ricardo Lewandowski[2], o STF reconheceu a repercussão geral da discussão sobre a incidência do PIS e da COFINS sobre as receitas financeiras das instituições financeiras.[3]

Cuide-se que o Tribunal, em sessão plenária de 19.8.2009, iniciou o julgamento do mencionado Recurso Extraordinário n. 400.479[4], sob a relatoria do ministro Cezar Peluso – recentemente aposentado -, no qual se discute a incidência da COFINS sobre as receitas financeiras operacionais das companhias seguradoras.

Nesse referido RE 400.479, após o extenso voto do relator ministro Cezar Peluso, o ministro Marco Aurélio, em antecipação aos votos dos demais ministros, pediu vista dos autos para melhor exame. Em 4.5.2012, Sua Excelência – o ministro Marco Aurélio – devolveu os citados autos para julgamento. Está-se no aguardo de sua reinclusão na pauta do Plenário da Suprema Corte.

Esses aludidos julgamentos são a continuação das discussões acerca da validade constitucional do alargamento da base de cálculo da COFINS instituída pelo § 1º do artigo 3º da Lei 9.718/98.

Com efeito, o STF iniciou a apreciação desse tema (COFINS BASE DE CÁLCULO) em 12.12.2002, nos autos do Recurso Extraordinário n. 346.084, sob a relatoria originária do ministro Ilmar Galvão, mas que teve como redator do acórdão o ministro Marco Aurélio.

Nesse RE 346.084[5], a Corte decidiu que não poderia o legislador autorizar a incidência do PIS/COFINS sobre “a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvidas e da classificação contábil adotada”.

No citado julgamento que decretou a inconstitucionalidade da ampliação da base de cálculo da COFINS, estabelecida no referido § 1º do artigo 3º da Lei 9.718/98, o redator do acórdão ministro Marco Aurélio[6] entendeu que somente poderia incidir a mencionada contribuição, àquela época, antes do advento da Emenda Constitucional n. 20/98, sobre a receita bruta ou faturamento:

o que decorra quer da venda de mercadorias, quer da venda de serviços ou de mercadorias e serviços, não se considerando receita diversa.

Sucede, no entanto, que o ministro Cezar Peluso[7], conquanto acompanhasse o redator na decretação de inconstitucionalidade, entendeu que o faturamento é a receita decorrente das atividades empresariais típicas da pessoa jurídica.

No referido julgamento desse recordado RE 346.084 houve um pequeno debate entre os ministros Cezar Peluso e Marco Aurélio sobre a eventual incidência da COFINS sobre as receitas financeiras de instituições que prestam serviços financeiros.[8]

Nesse mencionado debate deixou-se aberta a porta para a discussão acerca da incidência do PIS/COFINS sobre as receitas financeiras das instituições financeiras e das companhias seguradoras.

Pois bem, se o tema da inconstitucionalidade da ampliação da base de cálculo do PIS/COFINS já restou pacificado no seio do Tribunal, a discussão quanto ao alcance da incidência do PIS/COFINS sobre as receitas financeiras das instituições financeiras e companhias seguradoras não está sepultada, tendo em vista as mudanças de composição da Corte e o fato de que as variações de composição têm significado variações de jurisprudência.[9]

Esse dado necessita de reflexões: a mudança de composição da Corte deve implicar na mudança de orientação jurisprudencial? A jurisprudência é do Tribunal ou é da maioria dominante naquele período? E na hipótese de súmula vinculante, se houver uma mudança de composição que não autorize o seu cancelamento? E se a maioria dominante não pretender se subordinar à súmula vinculante?

À luz do texto constitucional, a jurisprudência é da Corte e não da composição momentânea, por isso que as súmulas vinculantes necessitam de pelo menos 2/3 dos ministros aderindo a sua aprovação, depois de reiteradas decisões sobre o tema. Ou seja, a súmula vinculante deve nascer madura e ponderada e deve ter a chancela de pelo menos 8 ministros da Corte (Art. 103-A, CF).

Nada obstante, o Regimento Interno do STF permite que um único julgamento de um RE com repercussão geral viabilize a edição de uma súmula vinculante (art. 354-E, RISTF). O que deve prevalecer a Constituição Federal ou o Regimento Interno do STF?

Por esse ângulo, na hipótese de mudança de composição e que eventualmente 7 ministros discordem da vigência e aplicabilidade de alguma súmula vinculante, em homenagem à segurança e à confiabilidade do Tribunal, esses 7 ministros deverão se curvar ao mandamento dominante da súmula. Com isso, pretendeu o constituinte criar condições de estabilidade institucional na jurisprudência do STF.

Mas e se os 7 ministros se mantiverem rebeldes à súmula vinculante? Qual a saída institucional? Nos termos do art. 52, II, CF, o Senado Federal deverá processar e julgar os ministros do STF por crime de responsabilidade.

Com efeito, nos termos da Lei n. 1.079, de 10.4.1950, art. 39, itens 4 e 5, são crimes de responsabilidade dos ministros do STF, além de outros, ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo e proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções.

Ora, se os ministros não respeitarem a súmula do próprio Tribunal estarão incorrendo nos aludidos crimes de responsabilidade.

Mas se o Tribunal, via mandado de segurança ou qualquer outro expediente, trancar ou infirmar o processo e o julgamento do Senado Federal em face de crime de responsabilidade de algum de seus membros?

Nessa hipótese, a saída institucional é dramática: Forças Armadas para garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem (art. 142, CF).


Pessoalmente, tenho plena convicção de que os ministros que têm assento nas cátedras do STF são pessoas responsáveis e absolutamente conscientes das graves responsabilidades que o cargo lhes impõe, de modo que essas alusões são meras especulações acadêmicas. Nada disso que cogitamos se tornará realidade. Espero.

Com efeito, a história brasileira tem revelado que os ministros do STF têm demonstrado um agudo faro de sobrevivência institucional, de modo que não é da tradição da Corte agredir frontalmente os demais poderes nem extrapolar das suas atribuições constitucionais.[10]

Retorno ao tema do PIS/COFINS das instituições financeiras.

Nessa perspectiva, a discussão sobre a incidência do PIS/COFINS sobre as receitas financeiras das instituições financeiras, ante as variações de composição do Tribunal, pode revelar surpresas.

Mas quais são os principais fundamentos normativos e argumentos jurídicos levantados pelos contribuintes? Quais são os da Fazenda Nacional?

Os contribuintes alegam, em síntese, que as receitas financeiras não são sujeitas à incidência do PIS e da COFINS, por não serem receitas de serviços, pelo fato de que não decorrem da venda de mercadorias ou da prestação de serviços que sejam remuneradas por um “preço”, pois este – o preço decorrente de uma venda – viabiliza o faturamento ou a receita bruta.[11]

A Fazenda Nacional defende posição diametralmente contrária: as receitas financeiras das instituições financeiras são as suas receitas operacionais típicas e sobre elas devem incidir o PIS e a COFINS.[12]

Tenha-se que o acórdão recorrido nos autos do multicitado RE 609.096, oriundo do egrégio Tribunal Federal da 4ª Região, sob a lavra do eminente juiz federal convocado Leandro Paulsen, acolheu a pretensão do contribuinte e decidiu que as receitas financeiras não se enquadram no conceito de faturamento.[13]

No voto que o juiz Leandro Paulsen prolatou por ocasião desse citado julgamento, há a seguinte passagem favorável às pretensões dos contribuintes:

Também esclarecedor é o art. 2º da mesma LC 116 ao dispor no sentido de que o imposto sobre serviços não incide sobre o ‘valor intermediado no mercado de títulos e valores mobiliários, o valor dos depósitos bancários, o principal, juros e acréscimos moratórios relativos a operações de crédito realizadas por instituições financeiras’.

É que, embora sob a denominação de não-incidência, não se trata de prestação de serviços, de modo que não pode ser tributado a título de ISS, tampouco a receita correspondente poderia ser considerada como receita de prestação de serviços.

Esse será o tema central da controvérsia: se a intermediação financeira é prestação de serviços e se as receitas decorrentes dessa intermediação financeira são as operacionais das instituições financeiras, sujeitas, portanto, à incidência do PIS e da COFINS. [14]

Malgrado o brilhantismo daqueles que entendem que as receitas financeiras das instituições financeiras e das companhias seguradoras não devem sofrer a incidência do PIS e da COFINS, entendo que razão não lhes assiste.

Com efeito, o que o STF decidiu, quando decretou a inconstitucionalidade da ampliação da base de cálculo da COFINS (art. 3º, § 1º, Lei 9.718/98), foi que as receitas não-operacionais estariam fora da incidência desse aludido tributo. Logo, em sentido contrário, as receitas operacionais sofreriam a incidência normativa dessa contribuição social.

Também não colhe o argumento de que as intermediações financeiras prestadas pelas instituições financeiras não seriam prestações de serviços, pelo fato de que estariam excluídas da incidência do ISSQN.

Ora a exclusão reforça o caráter de serviço dessa atividade das instituições financeiras, pois somente se exclui o que se estava dentro. Do contrário, ante a imunidade tributária dos templos religiosos diremos que eles não são prédios? Ou que a imunidade dos livros lhes afasta o caráter de mercadorias?

Em suma, com esteio nos precedentes do STF e estribado no texto constitucional, podemos defender que todas as receitas operacionais das atividades empresariais típicas, regulares e habituais da pessoa jurídica se sujeitam ao recolhimento do PIS/COFINS, especialmente as instituições financeiras possuidoras de indiscutível poderio econômico e patrimonial superior ao de vários outros contribuintes.

De modo que, sem embargo dos judiciosos argumentos contrários, acredito que o STF decidirá pela incidência desses mencionados tributos sobre as receitas operacionais das instituições financeiras e das companhias seguradoras. Aguardemos.


Notas

[1] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 609.096. Plenário. Relator ministro Ricardo Lewandowski. Recorrentes: Ministério Público Federal e União Federal (Fazenda Nacional). Recorrido: Banco Santander do Brasil S/A.

[2] LEWANDOWSKI, Ricardo. Recurso Extraordinário n. 609.096. Voto. Acórdão. Folhas 131 e 132. Supremo Tribunal Federal: Brasília, 2011: “Com efeito, o tema apresenta relevância do ponto de vista jurídico, uma vez que a definição sobre o enquadramento das receitas financeiras das instituições financeiras no conceito de faturamento para fins de incidência da COFINS e da contribuição para o PIS norteará o julgamento de inúmeros processos similares, que tramitam neste e nos demais tribunais brasileiros. Ademais, a discussão também apresenta repercussão econômica porquanto a solução da questão em exame poderá ensejar relevante impacto financeiro no orçamento das referidas instituições, bem como no da Seguridade Social e no do PIS. Além disso, a matéria em debate guarda similitude com a questão tratada no RE 400.479-AgR-ED/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, submetido ao julgamento do Plenário desta Corte em 18/8/2009, mas suspenso, na mesma data, em razão do pedido de vista do Min. Marco Aurélio.”

[3] Recurso Extraordinário n. 609.096. Preliminar de repercussão geral. Julgado em 3.3.2011. Acórdão publicado em 2.5.2011. Ementa: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. COFINS E CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS. INCIDÊNCIA. RECEITAS FINANCEIRAS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. CONCEITO DE FATURAMENTO. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

[4] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 400.479. Plenário. Relator ministro Cezar Peluso. Recorrente: Axa Seguros Brasil S/A. Recorrida: União Federal (Fazenda Nacional).


[5] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 346.084. Plenário. Redator ministro Marco Aurélio. Recorrente: Divesa Distribuidora Curitibana de Veículos S/A. Recorrida: União Federal (Fazenda Nacional). Julgamento em 9.11.2005. Acórdão publicado em 1º.9.2006. EMENTA: CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE – ARTIGO 3º, § 1º, DA LEI Nº 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998 – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1998. O sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente. TRIBUTÁRIO – INSTITUTOS – EXPRESSÕES E VOCÁBULOS – SENTIDO. A norma pedagógica do artigo 110 do Código Tributário Nacional ressalta a impossibilidade de a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de consagrados institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados expressa ou implicitamente. Sobrepõe-se ao aspecto formal o princípio da realidade, considerados os elementos tributários. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – PIS – RECEITA BRUTA – NOÇÃO – INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada.

[6] AURÉLIO, Marco. Recurso Extraordinário n. 346.084. Voto. Acórdão. Folhas 1.266 e 1.267. Supremo Tribunal Federal: Brasília, 2006.

[7] PELUSO, Cezar. Recurso Extraordinário n. 346.084. Voto. Acórdão. Folhas 1.210 e 1.255. Supremo Tribunal Federal: Brasília, 2006.

[8] Recurso Extraordinário n. 346.084. Debate entre os ministros Cezar Peluso e Marco Aurélio. Acórdão. Folhas 1.254 e 1.255. Supremo Tribunal Federal: Brasília, 2006. O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – “Sr. Presidente, gostaria de enfatizar meu ponto de vista, para que não fique nenhuma dúvida ao propósito. Quando me referi ao conceito construído no RE 150.755, sob a expressão ‘receita bruta de venda e mercadorias e prestação de serviço’, quis significar que tal conceito está ligado à ideia de produto do exercício de atividades empresariais típicas, ou seja, que nessa expressão se inclui todo incremento patrimonial resultante do exercício de atividades empresariais típicas. Se determinadas instituições prestam tipo de serviço cuja remuneração entra na classe das receitas chamadas financeiras, isso não desnatura a remuneração de atividade própria do campo empresarial, de modo que tal produto entra no conceito de ‘receita bruta igual a faturamento’.” O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – “Mas, ministro, seria interessante, em primeiro lugar, esperar a chegada de um conflito de interesses, envolvendo uma dúvida quanto ao conceito que, por ora, não passa pela nossa cabeça.” O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – “Mas passa pela cabeça de outros. Já não temos poucas causas, Sr. Ministro, para julgar. Quanto mais claro seja o pensamento da Corte, melhor para a Corte e para a sociedade”. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – “Não pretendo, neste julgamento, resolver todos os problemas que possam surgir, mesmo porque a atividade do homem é muito grande sobre a base de incidência desses tributos. E, de qualquer forma, estamos julgando um processo subjetivo e não objetivo e a única controvérsia é está: o alcance do vocábulo ‘faturamento’. E, a respeito desse alcance, temos já, na Corte, reiterados pronunciamentos”. O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – “É o que estou fazendo: esclarecendo meu pensamento sobre o alcance desse conceito”. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – “Senão, em vez de julgarmos as demandas que estão em Mesa, provocaremos até o surgimento de outras demandas, cogitando de situações diversas”.

[9] Quando houve o início do julgamento do citado RE 346.084, em 12.12.2002, o Tribunal estava sob a presidência do ministro Marco Aurélio e tinha em sua composição os seguintes ministros: Moreira Alves, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Quando o julgamento do RE 346.084 se encerrou, em 9.11.2005, a Corte era presidida pelo ministro Nelson Jobim e tinha em sua composição os seguintes ministos: Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Ayres Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. No início do julgamento do RE 400.479, em 19.8.2009, o Tribunal era presidido pelo ministro Gilmar Mendes e tinha a seguinte composição: Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Até o final deste de 2012 ocorrerá a aposentadoria do ministro presidente Ayres Britto e segundo notícias veiculadas nos órgãos de imprensa também solicitará aposentadoria o ministro decano Celso de Mello. Atualmente, além desses dois ministros citados, a Corte é composta pelos ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa (futuro presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux e Rosa Weber. Nessa toada, o Tribunal, em 2012, terminará o ano desfalcado de 3 ministros, em face da aposentadoria do ministro Peluso e da iminente aposentadoria do ministro Ayres Britto e da cogitada aposentadoria do ministro Celso de Mello. Para a vaga decorrente da aposentadoria do ministro Peluso a escolha do ministro Teori Albino Zavascki homenageou a Constituição. Aguardemos as próximas nomeações para o STF. Espera-se que a Presidenta da República mantenha essa linha de escolha: jurista, com pelo menos 35 anos de experiência profissional (e não apenas de vida, pois o STF não é lugar de “menino” ou de “principiantes”), de notável saber jurídico e de reputação ilibada. Há brasileiros com essas qualidades. Que Sua Excelência mantenha-se iluminada pela razão e pelo bom senso na hora de indicar o homem ou a mulher para a cátedra suprema da magistratura brasileira. O Supremo é o coroamento de uma carreira brilhante, de quem tem grandes e inquestionáveis contribuições jurídicas. Magistratura é coisa séria e deve ser apenas para pessoas honradas e altamente preparadas.

[10] Confira-se: ALVES JR., Luís Carlos Martins. Memória Jurisprudencial – Ministro Evandro Lins. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2009 (www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoinstitucionalmemoria).

[11] Constam nos autos dos citados RREE 400.479 e 609.096 pareceres confeccionados, em defesa dos interesses dos contribuintes, por juristas excepcionais e admiráveis: José Souto Maior Borges, Paulo de Barros Carvalho, Celso Antonio Bandeira de Mello, Alcides Jorge Costa, Marco Aurélio Greco, Tércio Sampaio Ferraz Jr., José Arthur Lima Gonçalves e Humberto Ávila.

[12] ALVES JR., Luís Carlos Martins. Direito Constitucional Fazendário. Brasília: Escola da AGU, 2011 (www.agu.gov.br/publicações/livroseletronicos).

[13] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação em Mandado de Segurança n. 2005.71.00.019507-0/RS. 2ª Turma. Relator Juiz convocado Leandro Paulsen. Julgamento em 7.8.2007. EMENTA: “TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. Apenas durante a vigência temporária do art. 72 do ADCT é que se viabilizou a cobrança de PIS das instituições financeiras sobre a receita operacional bruta. De janeiro de 2000 em diante, não há mais tal suporte constitucional específico a admitir outra tributação que não a comum. O STF declarou a inconstitucionalidade do art. 3º, § 1º, da L. 9.718/98, por entender que a ampliação da base de cálculo da COFINS por lei ordinária violou a redação original do art. 195, I, da Constituição Federal, ainda vigente ao ser editada a mencionada norma legal. Tomado o faturamento como produto da venda de mercadorias ou da prestação de serviços, tem-se que os bancos, por certo, auferem valores que se enquadram em tal conceito, porquanto são, também, prestadores de serviços. É ilustrativa a referência, feita em apelação, à posição n. 15 da lista anexa à LC 116, em que arrolados diversos serviços bancários, como a administração de fundos, abertura de contas, fornecimento ou emissão de atestados, acesso, movimentação, atendimento e consulta a contas em geral etc. Mas as receitas financeiras não se enquadram no conceito de faturamento.”

[14] Tenha-se que a 2ª Turma do STF, no julgamento dos RREE 346.983 e 525.874, que versava acerca da contribuição ao PIS das instituições financeiras, decidiu pela validade jurídica da Medida Provisória n. 517/94. Eis as ementas dos acórdãos dos referidos feitos: TRIBUTO. Contribuição para o PIS. Medida Provisória nº 517/94. Fundo Social de Emergência. Matéria estranha à MP. Receita bruta. Conceito Inalterado. Constitucionalidade reconhecida. Recurso provido. A Medida Provisória nº 517/94 não dispõe sobre Fundo Social de Emergência, mas sobre exclusões e deduções na base de cálculo do PIS. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recursos Extraordinários ns. 346.983 e 525.874. 2ª Turma. Relator ministro Cezar Peluso. Julgados em 16.3.2010. Acórdãos publicados em 14.5.2010).


Prescrição intercorrente no âmbito da execução fiscal

Por Guilherme Chagas Monteiro

A execução fiscal é o procedimento para cobrança de créditos já constituídos pelos órgãos lançadores, nos termos do artigo 142 do Código Tributário Nacional (Exemplo: Secretaria da Receita Federal do Brasil, INCRA, Fundo Gestor do FGTS, entre outros.) e rege-se pela Lei 6830/1980 (Lei de Execuções Fiscais — LEF) que trata especificamente da cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública.

“Com o lançamento eficaz, quer dizer, adequadamente notificado ao sujeito passivo, abre-se à Fazenda Pública o prazo de cinco anos para que ingresse em juízo com a ação de cobrança (ação de execução). Fluindo esse período de tempo sem que o titular do direito subjetivo deduza sua pretensão pelo instrumento processual próprio, dar-se-á o fato jurídico da prescrição. A contagem do prazo tem como ponto de partida a data da constituição definitiva do crédito, expressão que o legislador utiliza para referir-se ao ato de lançamento regularmente comunicado (pela notificação) do devedor.” (CARVALHO, Paulo de Barros, página 470)

Nestes termos, inadimplida a obrigação no âmbito administrativo e esgotados todos os prazos constitucionalmente estabelecidos para exercer sua defesa quanto à impugnação do crédito, faz-se necessário a remessa à Procuradoria da Fazenda Nacional para apuração e inscrição em Dívida Ativa do montante devido para consequente ajuizamento da execução fiscal.

Eis o título executivo que ensejará a propositura da execução fiscal.

Esta Dívida Ativa, nos termos do artigo 3º da LEF, regularmente inscrita, goza de presunção de certeza, liquidez e exigibilidade.

Portanto é pressuposto para o ajuizamento da execução fiscal que o crédito esteja previamente constituído pelo lançamento e que haja o título executivo pela inscrição do débito em dívida ativa (Certidão de Dívida Ativa — CDA).

Assim, visa a execução fiscal o recebimento do crédito tributário, com seus consectários legais, satisfazendo-se a obrigação tributária por meio de um pronunciamento judicial.

Constituído definitivamente o crédito pelo lançamento e inscrito em dívida ativa, tem então a Fazenda Pública cinco anos para o ajuizamento da execução fiscal nos termos do artigo 174 do Código Tributário Nacional.

Da Prescrição

O artigo 174 do CTN dispõe sobre o prazo de prescrição da cobrança do crédito tributário já constituído definitivamente pela autoridade administrativa nos ditames do artigo 142 também do CTN.

A prescrição é a perda do direito à ação para cobrança do crédito tributário, sendo caracterizada como hipótese de extinção do crédito tributário nos termos do artigo 156 inciso V do CTN.

Por exigir a constituição do crédito tributário, não se vislumbra a possibilidade de uma prescrição, quiçá intercorrente, no âmbito do processo administrativo tributário (Precedentes do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e do Conselho de Contribuintes).

Nestes termos existe a súmula 11 do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Portaria 106/2009 que unificou o entendimento dos Conselhos) que reza: “Não se aplica a prescrição intercorrente no Processo Administrativo Fiscal” bem como existia a súmula do 1º Conselho de Contribuintes, 11 (DOU 1 de 26/06/2006) e a súmula 7 do 2º Conselho de Contribuintes (DOU 26/09/2007) bem como a súmula 4/2003 do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo.

O prazo prescricional para a Fazenda inicia-se somente com a notificação da decisão final do processo administrativo fiscal, ficando o prazo, até tal notificação, suspenso nos termos do artigo 151 do CTN.

O referido prazo de cinco anos do artigo 174 do CTN decorre de vontade do legislador.

Para que não se eternizasse o prazo para cobrança, sabiamente o legislador estabeleceu o prazo razoável de cinco anos aos débitos tributários, sendo que transcorrido esse prazo, haveria extinção do crédito tributário e por isso deve a Fazenda Pública estar atenta a tal prazo para que haja eficiência no recebimento do crédito.

Com a propositura da execução fiscal antes do término do prazo de cinco anos, a sociedade, através de seu representante legal, qual seja, o Procurador da Fazenda Nacional, tem mais uma chance de arrecadação do montante devido e não pago no prazo e forma devidos, o que trará, com a arrecadação tributária, inúmeros benefícios sociais com a alocação de tais recursos recuperados nos mais variados setores do país como a saúde, educação, infra-estrutura, projetos sociais e aparelhamento dos Poderes Públicos.

Proposta a execução fiscal, repita-se, dentro do prazo legal de cinco anos, deve a União (Credora/Exequente) dar andamento ao processo no sentido de localizar o devedor e seus bens.

Para evitar uma inércia da Fazenda Pública na recuperação do crédito público, o legislador estabeleceu mecanismos para que não se deixasse, uma vez proposta a execução fiscal, a Fazenda dar o regular e efetivo andamento processual e com isso criou-se a figura da “prescrição intercorrente”.

Da Prescrição Intercorrente

Esta é caracterizada pela inércia continuada e ininterrupta no curso do processo executivo. É fenômeno endoprocessual.

Ultrapassada a fase de propositura da ação fiscal com o despacho do juiz que ordena a citação (nos termos dos artigos 8º, parágrafo 2º da LEF e 174, parágrafo único, inciso I do CTN com a redação da Lei Complementar 118/2005), afastando a prescrição tributária em si, este interrompe a prescrição, iniciando, somente então, o suposto prazo quinquenal de uma provável prescrição intercorrente, caso haja inércia continuada e ininterrupta da Fazenda.


Diz-se que ocorre hipótese de prescrição intercorrente, se é que efetivamente existente, em situações nas quais há comprovada e inconteste inércia do Credor em promover diligências no sentido de obter a satisfação do crédito exequendo.

Daniel Monteiro Peixoto (página 11), utilizando-se da jurisprudência do STJ, delimita seis momentos para o cômputo do termo inicial para contagem da prescrição e prescrição intercorrente:

“Fala-se em contagem: i) ora da data da constituição definitiva do crédito; ii) ora da data do despacho da petição inicial da execução fiscal pelo juiz; iii) da data da citação da parte contrária; iv) da data da suspensão da execução ante a falta de localização do devedor para a citação, ou dos seus bens, para a penhora (artigo 40 da LEF); v) a partir de um ano após o despacho que determina a suspensão da execução (artigo 40, parágrafo 2º da LEF; e, vi) da data em que determinado o arquivamento dos autos, logo após o transcurso do prazo anterior.”

Tal figura deixa de existir quando a União se mostra ativa no andamento processual, tanto na propositura da ação executiva quanto na busca do executado e de bens que possam satisfazer a finalidade da execução fiscal.

Com o ajuizamento do executivo fiscal e com a realização de diligências (sem negligência) por parte da Fazenda Pública para localização do executado ou de seus bens, ou havendo causas de suspensão (artigo 151 do CTN) ou de interrupção (artigo 174, parágrafo único do CTN) do prazo prescricional não se poderia penalizar a administração com a prescrição intercorrente pelo fato de haver um impedimento na cobrança do crédito.

Nem se poderia falar em prescrição intercorrente por culpa inerente a mecanismos da justiça nos termos da súmula 106 do STJ que reza:

“Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência”.

É princípio jurídico dos mais elementares que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza. Nisto mesmo se funda a súmula 106 do STJ, que criou mecanismos para evitar que a parte diligente no processo seja prejudicada pela evasão empreendida pela parte que não age com lealdade.

Outrossim, o parágrafo 4º do artigo 40 da Lei 6830/1980 não estabelece em seu corpo de texto um motivo específico para reconhecer a prescrição, como prevê a súmula 106 do STJ

.

A Lei 11051/2004, norma de natureza processual, com aplicação imediata, inclusive aos processos já em curso, acrescentou o referido parágrafo 4º ao artigo 40 da Lei 6830/80, que passou a vigorar com a seguinte redação:

“Artigo 40 — O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

1º – Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.

2º – Decorrido o prazo máximo de um ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.

3º – Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.

4º – Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decreta-la de imediato. (Incluído pela Lei 11.051 de 2004).

5º – A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no parágrafo 4o deste artigo será dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda. (Incluído pela Lei 11.960 de 2009).

A referida lei 11051/2004, contudo, alterou, significativamente, a jurisprudência do STJ, pois, anteriormente a tal lei, decidia-se reiteradamente que a prescrição intercorrente não poderia ser reconhecida de ofício pelo juiz da execução fiscal uma vez que esta versa sobre direito de natureza patrimonial, e, portanto, sobre direitos disponíveis, nos termos dos artigos 166 do Código Civil bem como dos artigos 16, 128 e 219, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil, dependendo, então, de provocação da parte interessada.

A base legal para tanto partia do artigo 219, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil, que até a edição da Lei 11280/2006, consignava que: “Não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de ofício, conhecer da prescrição e decretá-la de imediato”, porém, a nova redação agora dispõe: “O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”.

A partir da lei 11051/2004 em atenção ao princípio da economia processual, com a nova redação do parágrafo 4º do artigo 40, e com a alteração do artigo 219, parágrafo 5º, do Código e Processo Civil pela lei 11280/2006, passou-se a admitir a prescrição intercorrente de ofício, mas, somente após a prévia oitiva da Fazenda Pública.

O Ministro Teori Albino Zavascki em Recurso Especial, descreve bem a mudança de jurisprudência do STJ:

“TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. DIREITO PATRIMONIAL. POSSIBILIDADE, A PARTIR DA LEI 11.051/2004”.

1. A jurisprudência do STJ sempre foi no sentido de que “o reconhecimento da prescrição nos processos executivos fiscais, por envolver direito patrimonial, não pode ser feita de ofício pelo juiz, ante a vedação prevista no artigo 219, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil” (RESP 655.174/PE, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 09.05.2005).


2. Ocorre que o atual parágrafo 4º do artigo 40 da LEF (Lei 6.830/80), acrescentado pela Lei 11.051, de 30.12.2004 (artigo 6º), viabiliza a decretação da prescrição intercorrente por iniciativa judicial, com a única condição de ser previamente ouvida a Fazenda Pública, permitindo-lhe arguir eventuais causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional. Tratando-se de norma de natureza processual, tem aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso, cabendo ao juiz da execução decidir a respeito da sua incidência à hipótese dos autos.

3. Recurso especial a que se dá provimento. (REsp 873.271/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, julgado em 06.03.2007, DJ 22.03.2007 página 309)”

O STJ, porém, em 12/12/2005 – DJ 08.02.2006, editou a súmula 314, nestes termos:

“Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente.”

Referida súmula não faz menção expressa ao despacho de arquivamento provisório após o prazo de um ano bem como à intimação da Fazenda da suspensão ou do próprio arquivamento provisório, dando a entender que transcorrido o prazo de um ano da suspensão, se iniciaria o prazo da prescrição intercorrente.

A Prescrição Intercorrente no âmbito da Execução Fiscal Federal — Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.

Adequando à evolução legislativa e jurisprudencial, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, por suas notas, atos declaratórios e pareceres, que vinculam a instituição, também evoluiu e hoje segue a jurisprudência majoritária dos Tribunais superiores, de acordo com a legalidade estrita.

Assim, nos termos da jurisprudência hoje firmada, a prescrição intercorrente, legalmente estabelecida, é de plena aplicação e reconhecimento por parte da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional nos casos assim detectados nas execuções fiscais federais quando, verificado retroativamente no tempo, constata-se sua incidência.

Bibliografia:

ALEXANDRE, Ricardo, Direito Tributário Esquematizado. 2ª edição. São Paulo, Editora Método, 2008.

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Decadência e Prescrição em Matéria Tributária, Artigo de Paulo César Conrado. Execução fiscal em matéria tributária: Decretabilidade ex officio da prescrição intercorrente. 2ª edição São Paulo, MP Editora, 2010.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17ª edição. São Paulo, Editora Saraiva, 2005.

LEAL, Antônio Luis da Câmara. Da prescrição e da decadência. São Paulo, Editora Saraiva, 1939.

LOPES, Mário Luís Rocha. Processo Judicial Tributário – Execução Fiscal e Ações Tributárias. 4ª edição. Rio de Janeiro, Editora Lumen Júris, 2007.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Secretaria de Reforma do Judiciário. Estudos sobre Execuções Fiscais no Brasil. São Paulo, 2007.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 1ª edição. São Paulo, Editora Método, 2009.

PEIXOTO, Daniel Monteiro. Prescrição Intercorrente na Execução Fiscal: Vertentes do STJ e as Inovações da lei n. 11.051/2004 e da Lei Complementar n. 118/2005. Revista Dialética de Direito tributário nº. 125, São Paulo, Editora Dialética, 2006.


Guilherme Chagas Monteiro é procurador da Fazenda Nacional em Guarulhos (SP).

Revista Consultor Jurídico, 2 de outubro de 2012


PRFN3: prossegue nesta semana curso de formação para estagiários

A palestra ministrada em 16/08 foi exitosa, contando com a presença de 126 estudantes. Próxima aula será conduzida pela PFN Rita Dias Nolasco na quinta-feira, 23/08.


Curso de Formação na PRFN3 desperta interesse dos estagiários

Na sexta-feira, 10/08, foi proferida a segunda palestra do curso. Sucesso de público, evento promovido pelo Cejuris/SINPROFAZ reuniu 97 estudantes.


Cejuris sob nova direção

Nova diretora do Centro de Estudos Jurídicos do Sindicato pretende visitar as regionais da PGFN para estimular a participação dos Procuradores da Fazenda.


A intimação pessoal dos representantes judiciais da Fazenda Pública federal


Analisam-se as normas sobre os atos processuais de comunicação destinados a advogados públicos federais. Defende-se a possibilidade de intimação pessoal do advogado público federal pela via postal, desde que garantida ciência inequívoca do conteúdo da mensagem.


RESUMO: O presente artigo analisa os dispositivos legais que disciplinam os atos processuais de comunicação, quando destinados a advogados públicos federais com atuação em processos que tramitam perante órgãos do Poder Judiciário brasileiro. Ele expõe as características e a finalidade do ato de intimação, pontuando divergências quanto à sua realização em procedimentos diversos e, também, quando envolvem destinatários pertencentes a diversas carreiras da advocacia pública federal. O trabalho aponta, ainda, críticas ao posicionamento jurisprudencial que interpreta a prerrogativa de intimação pessoal dos Procuradores da Fazenda Nacional e analisa a constitucionalidade daquele instituto. Defende, igualmente, a possibilidade de intimação pessoal do advogado público federal pela via postal, desde que respeitadas as formalidades que lhe garantam ciência inequívoca do conteúdo da mensagem. Conclui, por fim, pela iminente superação dos problemas decorrentes do cumprimento da prerrogativa de intimação pessoal dos advogados públicos federais pelo Poder Judiciário, ante a implementação crescente do processo eletrônico em todos os órgãos jurisdicionais.

PALAVRAS-CHAVE: Intimação pessoal; advogado público federal; procurador da fazenda nacional; execução fiscal; prerrogativa; carta; postal; aviso de recebimento; carta precatória; isonomia; razoabilidade; proporcionalidade; razoável duração do processo.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Intimação – modalidades. 2.1 O argumento de quebra de isonomia. 3 Prerrogativa de intimação pessoal conferida aos representantes judiciais da Fazenda Pública na esfera federal. 3.1 Intimação pessoal dos representantes judiciais da Fazenda Pública nas execuções fiscais. 3.2 A intimação pessoal dos Procuradores da Fazenda Nacional. 3.3 Intimação por carta precatória e pela via postal. 3.4 Intimação eletrônica. 4. Conclusão. 5. Referências.


1 INTRODUÇÃO

A atuação diuturna dos advogados públicos federais que desenvolvem suas funções em localidades distantes das capitais dos estados da federação é revestida de vicissitudes que põem à prova o adequado desempenho do mister constitucional de representar judicialmente a União e os entes federais perante os inúmeros órgãos jurisdicionais em funcionamento no País. Nesse quadro, não é incomum que o labor do advogado público seja pautado pela sobrecarga de trabalho e pela ausência de carreiras de apoio administrativo, circunstâncias estas que obstaculizam a garantia de uma eficiente defesa do patrimônio público.

A situação apontada adquire maior relevância na atuação da Procuradoria da Fazenda Nacional – PGFN, considerando o grande volume de processos judiciais sob incumbência daquele órgão, em razão de sua atribuição exclusiva para a cobrança judicial e a defesa de créditos inscritos na Dívida Ativa da União[1].

A atribuição confiada à PGFN pelo Constituinte, conforme art. 121, § 3º da Constituição Federal, aliada às regras de competência previstas no art. 109, §1º também da CF, no art. 15, I, da Lei n. 5.210/66 (Lei Orgânica da Justiça Federal) e no art. 94 do Código de Processo Civil, impõe que a atuação da Procuradoria da Fazenda Nacional ocorra também perante inúmeros Juízos de Direito, quando esses estejam situados em cidades onde não funcione sede de Juízo Federal. Melhor explicando: mesmo quando referidas comarcas estaduais estejam compreendidas na área de jurisdição de um determinado Juízo Federal, os executivos fiscais de créditos inscritos na Dívida Ativa da União deverão ser aforados e processados perante os Juízos de Direito das comarcas onde os executados tiverem domicílio. A única exceção ocorre quando a sede desses Juízos Estaduais (onde estejam domiciliados os executados) esteja localizada em cidade na qual também funcione sede de Juízo Federal.

A inexistência de força de trabalho adequada, a distribuição rarefeita dos escritórios de representação e as dificuldades na instalação de novas unidades têm contribuído para o surgimento de um fenômeno preocupante na práxis dos cartórios judiciais: a opção de intimação dos advogados públicos federais por meios considerados mais expeditos, como a via postal (carta de intimação com aviso de recebimento) e as cartas precatórias.

Sem embargo da discussão acerca da possibilidade ou não de utilização exclusiva de determinadas espécies de atos para a ciência de advogados públicos (se postal ou por oficial de justiça, compreendida nesta última a carta precatória), constata-se que, não raro, os expedientes utilizados pelos cartórios judiciais são instruídos deficientemente. Ou, ainda, não possuem quaisquer elementos que viabilizem ao destinatário a exata compreensão da situação processual retratada e do contexto no qual foram praticados os atos processuais, o que caracteriza prejuízo à defesa do ente público patrocinado.


2 INTIMAÇÃO – MODALIDADES

O Código de Processo Civil (Livro I, Título V, Capítulo IV, Seção IV) dispõe que a intimação, espécie do gênero das comunicações processuais, poderá ocorrer na pessoa das partes, seus representantes legais ou advogados, sob variadas formas:

  1. via postal;
  2. diretamente, pelo escrivão ou chefe de secretaria, quando o destinatário da comunicação comparece ao cartório judicial;
  3. por publicação no órgão oficial;
  4. por oficial de justiça;
  5. por via eletrônica, conforme regulamentação em lei própria.

Constata-se que o direito posto não trouxe um conceito jurídico explícito para a expressão “intimação pessoal”.


A intimação pessoal não conta com a previsão normativa de um rol taxativo de formas que lhe garantam autonomia frente aos demais atos de comunicação processual. Em suma, não há descrição em regra jurídica constante do Código de Processo Civil de um único modo ou forma substancial para que determinado ato de intimação seja qualificado de “pessoal”.

Não se quer, com tal assertiva, apregoar seja despicienda a forma para o ato de intimação. Pelo contrário: advoga-se que a qualidade “pessoal” do ato de intimação decorrerá mais do alcance de um desiderato específico (ciência direta ao destinatário) do que dos atributos formais do meio utilizado. Esse tem sido, aliás, o entendimento consolidado na jurisprudência[2].

Intimar “pessoalmente” significa que o destinatário da comunicação processual efetivamente foi cientificado do conteúdo do ato praticado pelo Juízo ou da provocação para a prática de determinado ato ou providência. Por tal razão, difere da intimação ficta, na qual a ciência do destinatário é presumida.

Em outras palavras: realiza-se meio de comunicação processual hábil a dar conhecimento inequívoco ao destinatário. Será pessoal a intimação tanto quanto viabilize ao destinatário ter conhecimento direto, imediato, do teor da comunicação. Por tal razão é que historicamente a intimação “pessoal” sempre foi realizada “na pessoa” (i.e. na presença) do destinatário. Nessa modalidade, dirimem-se quaisquer dúvidas quanto ao conhecimento do destinatário acerca do teor da mensagem.

A prerrogativa de intimação pessoal foi originariamente resguardada aos membros do Ministério Público pelo art. 236, §2º do Código de Processo Civil. Entende-se, nesse caso, que o membro do Parquet somente é intimado quando comparece em cartório e lhe é dada vista dos autos ou quando o oficial de justiça comunica-lhe diretamente o teor do ato ou da provocação para a prática de alguma providência no processo[3]. O curso do prazo terá início a contar da intimação realizada em cartório, pouco importando o “ciente” aposto em momento ulterior nos autos[4]. Em linhas semelhantes – versando sobre a intimação dos advogados públicos federais – as regras constantes do art. 18, inciso II, alínea “h”, da Lei Complementar n. 75/93 e art. 6º, §2º, da Lei n. 9.028/95.

Constata-se que tem sido adjetivada de “pessoal” a intimação praticada pela via postal (desde que comprovada a entrega a seu destinatário, mediante aposição de sua rubrica no aviso de recebimento). Semelhante equiparação ocorre quando o ato de comunicação processual é realizado mediante mandado cumprido por oficial de justiça, no qual aquele servidor certifica a ciência do destinatário sobre o conteúdo do ato.

Com base na premissa invocada, qual seja, a possibilidade de que meios diversos de intimação possam, de acordo com o alcance de um objetivo específico, ser qualificados de “pessoais”, passa-se a expor algumas observações críticas no tocante à intimação pessoal dos advogados públicos e, em especial, dos Procuradores da Fazenda Nacional.

2.1. O ARGUMENTO DE QUEBRA DE ISONOMIA

Tem sido frequente a insurgência de parte da doutrina contra as prerrogativas conferidas aos representantes judiciais dos entes públicos. Em parte, as alegações estão fundadas no argumento de quebra da isonomia entre os advogados públicos e advogados privados. Isso, no entendimento de alguns doutrinadores, acarreta prejuízos à defesa dos administrados, porquanto estes se encontrariam em posição de grande desvantagem quando pretendessem demandar contra o Estado. Nessa ótica, um segmento da doutrina brasileira entende que o Estado é detentor de maior poder econômico e, portanto, dotado de forte aparato administrativo e legal para sua defesa em Juízo.

Embora não se tenha qualquer pretensão de fazer apologia às “razões de Estado”, reputa-se necessária a análise do problema sob uma perspectiva dialética, o que implica a verificação e a análise crítica dos argumentos apresentados por ambos os interlocutores. Diante do contexto, e não de uma visão apaixonada ou parcial, é que se pode detectar com maior acerto a existência e o grau de eventual mácula.

A visão sob a perspectiva do problema da quebra de isonomia leva a uma pergunta inicial: qual é o tamanho adequado, na máquina administrativa, dos órgãos incumbidos da função de representação judicial do Estado brasileiro? No ordenamento jurídico brasileiro, sabe-se de antemão, a representação judicial dos entes públicos, mormente nas esferas federal e estadual, é incumbida a órgãos específicos, dotados de carreiras compostas de cargos preenchidos por agentes egressos de concurso público de provas e títulos (art. 131 da CF). Desse contexto, é possível deduzir, sem maior esforço, que a criação de carreiras e o aumento de cargos nos órgãos de representação judicial pressupõem uma dotação orçamentária e, consequentemente, o acréscimo de gastos correntes no orçamento dos entes estatais.

Tomando de empréstimo estudo recente realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, verificou-se que “dos 83,4 milhões de processos em tramitação na Justiça brasileira em 2010, 27 milhões referiam-se a processos de execução fiscal, constituindo aproximadamente 32% do total”[5]. Em outras palavras, praticamente um terço de todos os processos em trâmite perante o Poder Judiciário são execuções fiscais[6]. Ademais, considerando o montante dos processos na fase de execução nos três ramos do Poder Judiciário analisados (Estadual, Federal e Trabalhista), as execuções fiscais correspondem a 76% (setenta e seis por cento), sendo que, somente na Justiça Federal, as execuções fiscais representam 79% (setenta e nove por cento) dos processos em fase de execução no ano de 2009[7].

Fato notório a todos os operadores do Direito, a execução fiscal, ao menos perante a Justiça Estadual e Federal, não se processa de ofício, tampouco os atos constritivos do patrimônio dos devedores são realizados por vontade própria do Poder Judiciário, consequência lógica dos atributos daquela função estatal (imparcialidade e inércia). Cada ato constritivo, cada aforamento de execução fiscal, cada leilão de bem, cada conversão em renda e apropriação de valores aos cofres públicos tem origem em um ato processual, um pedido formulado por um advogado público.


À luz do contexto acima narrado, é razoável afirmar-se que o número de advogados públicos responsáveis pelo acompanhamento das execuções fiscais no Brasil é insuficiente, sobretudo se se considerar que perante a Justiça Estadual, onde está localizado o maior quantitativo de execuções fiscais, ocorrem os maiores desafios de logística decorrentes do déficit de unidades locais incumbidas da representação judicial dos entes públicos[8]. Constata-se, pois, que o Poder Executivo não tem acompanhado o ritmo crescente de “interiorização” do Poder Judiciário.

Duas alternativas apresentam-se viáveis para o atendimento da demanda crescente de processos de execução fiscal, caso mantido o atual modelo de cobrança judicial dos créditos públicos: a) a criação de carreiras, o acréscimo e o provimento de cargos nos órgãos de representação judicial incumbidos da cobrança dos créditos inscritos em dívida ativa; b) a criação e a manutenção de prerrogativas legais que tenham por escopo viabilizar a defesa do ente público frente a uma força de trabalho incapaz de dar adequado atendimento a todos os processos, cujo acompanhamento esteja incumbido aos seus órgãos de representação judicial.

Não seria absurdo afirmar que o melhor aparelhamento dos órgãos incumbidos da representação judicial do Estado não foi, ao menos na seara federal, opção alçada à categoria de meta prioritária pelos gestores públicos. Considerando o insuficiente atendimento das demandas da população por serviços públicos essenciais de maior alcance social (v.g. saúde, educação, segurança), também carentes de investimentos, tem-se que, à míngua de recursos orçamentários, não estaria o administrador público obrigado a dotar os órgãos da advocacia pública federal de plenas e ideais condições estruturais.

Tem-se, portanto, que a falta de investimento na advocacia pública resulta, em grande parte, de uma opção política, respaldada juridicamente na discricionariedade conferida ao Poder Executivo para a eleição dos serviços públicos aptos a serem contemplados com prioridade de investimentos. Tal situação poderia ser solucionada mediante disposição constitucional que viesse a contemplar os órgãos de representação judicial com autonomia financeira e administrativa, a par do que ocorre com o Poder Judiciário[9], com o Ministério Público[10] e com a Defensoria Pública[11]. Não é essa, todavia, a realidade atual, ao menos para a maioria dos órgãos de representação judicial dos entes que compõem a federação.

Também não há de se admitir a solução simplista para a redução do número de execuções fiscais, fundada no argumento favorável à aplicação da remissão em caráter geral aos créditos inscritos em dívida ativa. Como tal medida implica renúncia de receita, sua adoção mediante proposta do chefe do Poder Executivo[12] deve observar os limites previstos na Lei Complementar n. 101/2000.

Ademais, os órgãos de representação judicial tem se utilizado, com frequência, de outras espécies de medidas como solução paliativa para a redução do número de processos, tais como a não inscrição em dívida ativa de créditos com valores ínfimos, o não aforamento de execuções fiscais cujo valor consolidado seja inferior aos limites previstos em lei[13] e a redução do número de litígios mediante instituição de pautas de acordo judicial e hipóteses de dispensa recursal.

Todo o contexto analisado leva a crer que, nada obstante a prerrogativa de intimação pessoal constitua efetivamente uma aparente quebra ao princípio da isonomia entre as partes no processo, nem de longe corresponde aos cognominados “privilégios odiosos” propalados por algumas vozes doutrinárias. As normas que asseguram a intimação pessoal dos advogados públicos foram elaboradas e aprovadas ante a constatação da existência de um volume grandioso de processos judiciais a cargo de um número reduzido de representantes legais dos entes públicos. Buscam, portanto, equilibrar a necessidade de satisfação do crédito e a defesa do patrimônio público com os recursos limitados destinados aos órgãos incumbidos de sua cobrança.

Aplica-se ao caso o que MELLO[14] define como “vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida”. O referido autor preleciona:

A correlação lógica a que se aludiu, nem sempre é absoluta, ‘pura’, a dizer, isenta da penetração de ingredientes próprios das concepções da época, absorvidos na intelecção das coisas.

Basta considerar que em determinado momento histórico parecerá perfeitamente lógico vedar às mulheres o acesso a certas funções públicas, e, em outras épocas, pelo contrário, entender-se-á inexistir motivo racionalmente subsistente que convalide a vedação. Em um caso terá prevalecido a tese de que a proibição, isto é, a desigualdade no tratamento jurídico se correlaciona juridicamente com as condições do sexo feminino, tidas como inconvenientes com certa atividade ou profissão pública, ao passo que em outra época, a propósito de igual mister, a resposta será inversa. Por conseqüência, a mesma lei, ora surgirá como ofensiva da isonomia, ora como compatível com o princípio da igualdade.

Desnecessária a repetição do extenso acervo doutrinário e jurisprudencial no condizente à definição, à classificação e à interpretação do alcance do princípio da isonomia no ordenamento jurídico brasileiro após a promulgação da Constituição Federal. Para o presente estudo, importa apenas rememorar que o trato jurídico distinto de sujeitos frente a determinado fato ou situação jamais foi vedado pelo Constituinte, que sempre admitiu o tratamento diferenciado quando presente a razoabilidade no critério de discrição adotado pelo legislador. Essa tem sido a linha de entendimento do Supremo Tribunal Federal em inúmeros casos.

Não bastasse a fustigada alegação de existência de interesse público nas demandas patrocinadas pelos representantes judiciais dos entes políticos – interesse esse que tem lastro no próprio regime democrático e na forma republicana eleita pelo Poder Constituinte, erigidos à categoria de princípios constitucionais sensíveis[15] – incumbe trazer à lição algumas outras razões que bem demonstram a diferença entre as causas patrocinadas pela advocacia pública e a advocacia privada.

Tais razões foram expostas recentemente pela Advocacia-Geral da União, no intuito de colaborar com o trabalho dos Eminentes Juristas designados para a elaboração do texto do anteprojeto do novo Código de Processo Civil[16]. Ei-las:

  1. O advogado público jamais pode recusar uma causa sob o fundamento de excesso de serviço, de modo que não tem nenhum controle sobre o volume de processos sob sua responsabilidade, o qual é amiúde excessivo:

    […]

  2. A flutuação do número de processos não pode ser rapidamente acompanhada pelo aumento (ou mesmo pela diminuição) do quadro de advogados públicos, especialmente tendo em vista que sua contratação somente pode se dar por meio de concurso público (art. 37, incs. I e II, CF).

Portanto, as disposições legais que conferem a prerrogativa de intimação pessoal aos advogados públicos não violam o art. 5º da CF, ao menos enquanto os órgãos de representação judicial dos entes públicos não forem aparelhados adequadamente para fazer frente ao volume de execuções fiscais e demais processos movidos por ou aforados contra os entes públicos.


A alegação de inconstitucionalidade poderá, talvez, vir a vingar no futuro, diante do adequado aparelhamento dos órgãos de representação judicial e da criação de novas ferramentas tecnológicas que propiciem a superação dos óbices originários da distância geográfica entre as sedes das unidades da advocacia pública e dos Juízos abrangidos pela sua área de atuação.

Registre-se que método de intelecção semelhante já foi adotado pelo Supremo Tribunal Federal em situações análogas, verbis:

EMENTA: Ministério Público: legitimação para promoção, no juízo cível, do ressarcimento do dano resultante de crime, pobre o titular do direito à reparação: C. Pr. Pen., art. 68, ainda constitucional (cf. RE 135328): processo de inconstitucionalização das leis.

  1. A alternativa radical da jurisdição constitucional ortodoxa entre a constitucionalidade plena e a declaração de inconstitucionalidade ou revogação por inconstitucionalidade da lei com fulminante eficácia ex tunc faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade de realização da norma da Constituição – ainda quando teoricamente não se cuide de preceito de eficácia limitada – subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a viabilizem.
  2. No contexto da Constituição de 1988, a atribuição anteriormente dada ao Ministério Público pelo art. 68 C. Pr. Penal – constituindo modalidade de assistência judiciária – deve reputar-se transferida para a Defensoria Pública: essa, porém, para esse fim, só se pode considerar existente, onde e quando organizada, de direito e de fato, nos moldes do art. 134 da própria Constituição e da lei complementar por ela ordenada: até que – na União ou em cada Estado considerado –, se implemente essa condição de viabilização da cogitada transferência constitucional de atribuições, o art. 68 C. Pr. Pen. será considerado ainda vigente: é o caso do Estado de São Paulo, como decidiu o plenário no RE 135328.[17]

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 370, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (REDAÇÃO DA Lei nº 9.271/96). ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 5º, CAPUT E INCS. LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

A peculiar função dos membros do Ministério Público e dos advogados nomeados, no Processo Penal, justifica tratamento diferenciado caracterizado na intimação pessoal, não criando o § 1º do art. 370 do CPP situação de desigualdade ao determinar que a intimação do advogado constituído, do advogado do querelante e do assistente se dê por publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca. O procedimento previsto no art. 370, § 1º, do CPP não acarreta obstáculo à atuação dos advogados, não havendo violação ao devido processo legal ou à ampla defesa. Medida cautelar indeferida.[18]

Não parecem válidas, portanto, quaisquer alegações tendentes a inquinar de ofensivas ao princípio da isonomia as regras jurídicas atualmente em vigor que confiram aos representantes legais dos entes públicos a prerrogativa de intimação pessoal. Ao contrário do que possa parecer, a advocacia pública – nada obstante sucessivos concursos para o provimento de cargos de suas carreiras – ainda não conta com quadro compatível de advogados públicos e servidores de apoio administrativo suficientes ao cumprimento de sua missão[19].


3. PRERROGATIVA DE INTIMAÇÃO PESSOAL CONFERIDA AOS REPRESENTANTES JUDICIAIS DA FAZENDA PÚBLICA NA ESFERA FEDERAL

Tome-se, de início, a expressão “Fazenda Pública” como conceito abrangente dos entes da administração direta e algumas de suas entidades, tais como as autarquias e fundações. Portanto, para a finalidade do presente estudo não serão incluídas no conceito as empresas estatais. Nesse sentido, a lição de ARAGÃO[20]:

a locução Fazenda Pública designa o Estado, nos planos federal, estadual, abrangidos o Distrito Federal e os Territórios, e municipal, todos, sem exceção, destinatários da franquia quanto ao prazo para contestar e para recorrer. Mas, Fazenda Pública compreende duas divisões distintas da Administração: direta e indireta. Esta, fora de dúvida, está amparada pelo preceito, que, quanto àquela, exige melhor análise. A rigor, as duas divisões da Administração deveriam gozar das mesmas regalias. Mas, o Decreto-lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967, com as alterações que lhe introduziu o Decreto-lei n. 900, de 29 de setembro de 1969, estabeleceu uma distinção entre os órgãos da Administração indireta, de modo que apenas as autarquias são pessoas de direito público; as empresas públicas e as sociedades de economia mista são pessoas de direito privado que, vinculadas à Fazenda Pública, não gozam dos favores a esta concedidos como pessoa de direito público (art.5º). Em conseqüência dessa disposição, somente as autarquias estão compreendidas na locução Fazenda Pública, para o fim de desfrutarem do privilégio dos prazos dilatados.

A intimação pessoal é conferida aos representantes judiciais dos entes públicos na esfera federal[21], viabilizando que não somente nas execuções fiscais, mas também nas demais espécies de processos os representantes judiciais da União sejam cientificados pessoalmente dos atos processuais produzidos nos autos ou do teor das provocações judiciais para a prática de atos ou providências.

A lei orgânica da Advocacia-Geral da União – AGU (Lei Complementar n. 73, de 10/02/1993) foi lacônica no trato das prerrogativas conferidas aos agentes públicos de suas carreiras. Por tal razão, o primeiro diploma legal que trouxe para o arcabouço normativo a previsão, explícita e discriminada, de algumas prerrogativas, foi a Lei n. 9.028/95. Seu escopo era conferir um mínimo de estrutura, em caráter provisório e emergencial, para o exercício das funções dos membros da AGU.

Embora a Lei n. 9.028/95 trouxesse, em seu art. 6º, preceito legal que determinava a intimação pessoal dos membros da AGU, o parágrafo 2º do mesmo dispositivo impunha que a intimação, quando destinada a advogado público lotado em local diverso da sede do juízo, deveria ocorrer na forma prevista no inciso II do art. 237 do Código de Processo Civil, ou seja, pela via postal.


Mais tarde, com a criação das carreiras de Procurador Federal e Procurador do Banco Central do Brasil, a Lei n. 10.190, de 15/07/2004 passou a determinar a intimação pessoal de seus membros[22].

Para os Procuradores da Fazenda Nacional, a Lei n. 11.033, de 21/12/2004, dispôs em seu art. 20 que suas intimações “dar-se-ão pessoalmente, mediante a entrega dos autos com vista”. Logo, no caso de processos nos quais seja parte a União (Fazenda Nacional), a intimação pessoal, mediante entrega dos autos, foi disciplinada de modo explícito pela lei, à semelhança da intimação pessoal conferida aos membros do Ministério Público. Logo, após o advento daquele diploma legal os Procuradores da Fazenda Nacional somente serão considerados intimados quando receberem os autos dos processos judiciais com vista (remessa dos autos pela secretaria ou cartório judicial).

Adiante se verá que a intimação mediante remessa dos autos ao advogado público não constitui novidade. Todavia, a Lei n. 11.033/2004 inovou ao dispor que essa sistemática consistiria em forma exclusiva de intimação dos Procuradores da Fazenda Nacional, tornando inaplicáveis àqueles agentes públicos as demais formas de intimação pessoal comumente utilizadas na praxe forense.

A intimação pessoal na forma prevista pelo art. 20 da Lei n. 11.033/2004 também é de necessária observância pela Justiça do Trabalho, nas hipóteses de sentenças homologatórias de acordos que contenham parcela indenizatória e de execuções de verbas trabalhistas (art. 832 e 879, §3º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT)[23].

Modificações legislativas recentes têm flexibilizado disposições processuais relacionadas a prazos e formas de intimação dos advogados públicos para os demais processos e procedimentos judiciais. Nesse sentido, a Lei n. 10.259/2001, que suprimiu, nos Juizados Especiais Federais, a prática de qualquer ato processual com prazo diferenciado (art. 7º).

No âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e Municípios, a criação dos juizados especiais da Fazenda Pública veio a lume pela Lei n. 12.153, de 22/12/2009, diploma legal que inovou no ordenamento jurídico, passando a admitir a possibilidade de utilização de todas as formas de comunicação processuais previstas pelo Código de Processo Civil (reais ou fictas) para a citação e intimação dos representantes judiciais dos entes públicos estaduais e municipais, bem como das autarquias e fundações a eles vinculadas (art. 6º).

Constata-se que, a rigor, o direito positivado traz disposições normativas explícitas que conferem aos advogados públicos federais a prerrogativa de intimação pessoal. Todavia, divergem os diplomas legais quanto à sua forma de atendimento, que variam conforme a espécie de processo judicial e o advogado público federal incumbido de seu patrocínio.

3.1 INTIMAÇÃO PESSOAL DOS REPRESENTANTES DA FAZENDA PÚBLICA NAS EXECUÇÕES FISCAIS. ARTIGO 25 DA LEI N. 6.830/80

No que concerne ao rito da execução fiscal, a intimação pessoal dos representantes judiciais da Fazenda Pública alcança, inclusive, os representantes judiciais dos Estados da federação e dos municípios, conquanto referidos agentes não contem com previsão legal, em âmbito nacional, que lhes assegure a prerrogativa de intimação pessoal para as demais espécies de processos judiciais.

A Lei de Execuções Fiscais – LEF (Lei n. 6.830/80), em seu art. 25, dispõe que a intimação dirigida aos representantes da Fazenda Pública nos processos de execução fiscal deverá ocorrer pessoalmente. Além disso, a lei faculta que o Juízo promova a intimação do advogado público mediante vista e concomitante remessa dos autos pelo cartório ou secretaria.

Embora a LEF preceitue a intimação pessoal do advogado público, não determina expressamente o modo pelo qual tal ato de comunicação deverá ocorrer. Diverso foi o trato normativo conferido pela Lei Orgânica do Ministério Público – LOMP (Lei n. 8.625/93), a qual determinou que a intimação pessoal do membro do MP deverá ser realizada “através da entrega dos autos com vista”.

Nada obstante a semelhança entre o conteúdo normativo do art. 40, IV, da LOMP e o art. 25 da LEF, este último dispositivo admite sejam flexibilizados os meios de comunicação processuais destinados aos representantes judiciais da Fazenda Pública. É a ilação obtida com a interpretação sistemática dos art. 25 da LEF, 36 e 37 da Lei Complementar n. 73/93 (Lei Orgânica da Advocacia Pública da União – LOAGU) e 41, IV, da LOMP. Veja-se.

No tocante às razões legais que amparam a escolha das formas dos atos de comunicação processual dirigidos à Fazenda Pública, cumpre rememorar que o próprio parágrafo único do art. 25 da LEF foi explícito em determinar que a intimação pessoal, mediante vista e remessa dos autos, constitui apenas uma das formas válidas de intimação do advogado público e, portanto, não a única.

Conquanto as disposições dos art. 36 a 37 da LOAGU façam referência aos atos de citação e intimação “nas pessoas do Advogado da União ou do Procurador da Fazenda Nacional”, referidos dispositivos também pecaram pela ausência de disposição expressa quanto ao modo de cumprimento do ato de intimação, admitindo que, diante dessa abertura semântica, sejam utilizados os meios de intimação pessoal já admitidos pela jurisprudência.

O entendimento foi, posteriormente, sufragado pelo art. 6º da Lei n. 9.028/95 que, em decorrência de parágrafo acrescido pela Medida Provisória n. 2.180–35/2001, passou a dispor do seguinte modo:

Art. 6º A intimação de membro da Advocacia-Geral da União, em qualquer caso, será feita pessoalmente.

[…]

§ 2o As intimações a serem concretizadas fora da sede do juízo serão feitas, necessariamente, na forma prevista no art. 237, inciso II, do Código de Processo Civil.

Essa a razão pela qual o Superior Tribunal de Justiça, reiteradamente, tem admitido a utilização de carta com aviso de recebimento ou de carta precatória como meios hábeis à cientificação dos representantes judiciais da Fazenda Pública nos processos de execuções fiscais.


Claro está que a norma do art. 25 da Lei n. 6.830/80 não trouxe para o Poder Judiciário a obrigação de remessa dos autos dos processos judiciais como requisito de validade da intimação dos representantes da Fazenda Pública. Nesses casos as intimações dirigidas a advogados públicos poderão também ser realizadas pela via postal e mediante expedição de cartas precatórias, desde que devidamente instruídas e aptas à ciência inequívoca do conteúdo do ato processual e dos elementos necessários à defesa do ente público.

3.2 A INTIMAÇÃO PESSOAL DOS PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL

Consoante já explanado nos tópicos precedentes, os Procuradores da Fazenda Nacional foram contemplados com norma específica que lhes atribuiu a prerrogativa de intimação pessoal mediante a entrega dos autos processuais em carga: o art. 20 da Lei n. 11.033/2004.

Dispõe a referida norma:

Art. 20. As intimações e notificações de que tratam os arts. 36 a 38 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, inclusive aquelas pertinentes a processos administrativos, quando dirigidas a Procuradores da Fazenda Nacional, dar-se-ão pessoalmente mediante a entrega dos autos com vista.

O art. 20 da Lei n. 11.033/2004 teve nascedouro no processo legislativo de conversão da Medida Provisória n. 206/2004, mais especificadamente na emenda aditiva n. 35, de autoria do Deputado Paulo Bernardo (PT/PR), apresentada na data de 11/08/2004 à Comissão Mista do Congresso Nacional[24]. Da consulta ao teor da referida emenda, é possível extrair as justificativas para a criação do dispositivo legal:

Essa medida visa conferir maior segurança no controle de prazos em ações envolvendo a Fazenda Nacional, eliminando o problema do prazo comum, que surge quando se está diante de decisões que acolhem parcialmente os pedidos e resolve as atuais dificuldades nos Conselhos de Contribuintes. Ademais, procedimento idêntico já é adotado em relação aos representantes do Ministério Público […].

A Comissão Mista do Congresso Nacional, ao aprovar as emendas apresentadas, expôs a seguinte justificativa para a aprovação da Emenda n. 35[25]: “A Emenda nº 35 visa apenas estender ao processo administrativo fiscal a prerrogativa de citação pessoal do representante da Fazenda, norma já existente no processo judicial”.

Constata-se que o objetivo precípuo da norma era conferir aos Procuradores da Fazenda Nacional a prerrogativa de intimação pessoal no curso de processos administrativos fiscais em trâmite nos extintos Conselhos de Contribuintes (hoje Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF).

Atualmente, por força de superveniente modificação legislativa (Lei n. 11.457/2007) a prerrogativa de intimação pessoal dos Procuradores da Fazenda Nacional em processos administrativos fiscais com trâmite perante o CARF é garantida pelo art. 23, §7º do Decreto n. 70.235/72, dispositivo autônomo aplicável à seara administrativa. Logo, essa inovação legislativa retirou parcela substancial de legitimidade do art. 20 da Lei n. 11.033/2004, pois restringiu sua razão de ser à hipótese de resguardo dos interesses da Fazenda Pública nas situações em que proferidos provimentos jurisdicionais deem causa à abertura de prazo comum às partes.

Excetuada a questionável manutenção da norma exclusivamente em razão da impossibilidade de realização de carga dos autos processuais nas hipóteses de prazo comum (justificativa que, a princípio, não se sustenta diante do princípio da razoabilidade), cabe avaliar sua aplicabilidade perante o contexto normativo infraconstitucional.

A primeira novidade fica por conta da abrangência da norma. Sua aplicação não se restringe aos executivos fiscais, tal como dispunha o art. 25 da Lei n. 6.830/80. Igualmente, a observância da forma de intimação preceituada pelo novel dispositivo normativo (entrega dos autos com vista) deixa de ser uma alternativa à disposição do Poder Judiciário (como o era na redação do art. 25 da LEF) para ganhar feição jurídica de norma pública cogente.

Sem prejuízo da clareza do dispositivo legal, constata-se que seu cumprimento pelo Poder Judiciário tem sofrido mitigação. Não raro os Procuradores da Fazenda Nacional veem-se obrigados a tomar ciência dos atos processuais mediante cartas entregues pela via postal ou mandados expedidos no cumprimento de cartas precatórias.

A adoção dessas espécies de atos de comunicação processual demonstra claramente a opção do Poder Judiciário em conferir interpretação extensiva à regra do art. 6º da Lei n. 9.028/95 de modo a aplicá-lo também aos Procuradores da Fazenda Nacional. E esse posicionamento parece ter sido ratificado pelo Superior Tribunal de Justiça, consoante se infere da recente ementa publicada, abaixo transcrita:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DEVEDOR OPOSTOS PELA FAZENDA NACIONAL À EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS A QUE FORA CONDENADA EM EXECUÇÃO FISCAL. INEXISTÊNCIA DE REPRESENTANTE JUDICIAL DA FAZENDA NACIONAL LOTADO NA SEDE DO JUÍZO DA EXECUÇÃO. TERMO INICIAL DO PRAZO PARA A OPOSIÇÃO DOS EMBARGOS. DATA DE JUNTADA AOS AUTOS DA CARTA PRECATÓRIA DE CITAÇÃO DEVIDAMENTE CUMPRIDA.

1. A Primeira Seção, no julgamento dos EREsp 743.867/MG (Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 26.3.2007, p. 187), a partir da interpretação conjunta dos arts. 25 da Lei 6.830/80, 38 da Lei Complementar 73/93 e 20 da Lei 11.033/2004, deixou consignado que tais disposições normativas estabelecem regra geral fundada em pressupostos de fato comumente ocorrentes. Todavia, nas especiais situações, não disciplinadas expressamente nas referidas normas, em que a Fazenda não tem representante judicial lotado na sede do juízo, nada impede que a sua intimação seja promovida na forma do art. 237, II do CPC (por carta registrada), solução que o próprio legislador adotou em situação análoga no art. 6º, § 2º da Lei 9.028/95, com a redação dada pela MP 2.180–35/2001.

2. Esta Turma, ao julgar o AgRg no REsp 1.220.231/RS (Rel. Min.Herman Benjamin, DJe de 25.4.2011), decidiu que a intimação pessoal por carta precatória, do Procurador da Fazenda Nacional lotado em outra comarca, não prejudica o contraditório ou a ampla defesa, não sendo cabível a regra do art. 20 da Lei 11.033/2004 (carga dos autos).

3. Recurso especial não provido.

(REsp 1254045/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/08/2011, DJe 09/08/2011)

Bem se vê que a jurisprudência vem admitindo, por extensão, a utilização de outros meios de intimação pessoal dos Procuradores da Fazenda Nacional, quando esses agentes públicos não estejam lotados em escritórios de representação com funcionamento nas cidades as quais sejam sede dos Juízos.


A solução jurídica adotada pelo Superior Tribunal de Justiça tangencia a questão constitucional subjacente (ofensa ao contraditório e ao devido processo legal) e se utiliza do método de interpretação sistemática (e extensiva) para negar eficácia a um dispositivo normativo com plena vigência.

Diante do contexto narrado, necessário avaliar se existem outros critérios ou argumentos aptos a conferirem legitimidade à atual interpretação jurisprudencial do art. 20 da Lei n. 11.033/2004.

Diz-se que um dos critérios válidos para a distinção entre regras e princípios reside na técnica utilizada para sua interpretação, quando presente uma situação de conflito: enquanto para os princípios a dogmática jurídica aceita sejam os mesmos ponderados na hipótese de conflito, conferindo-lhes dimensão apropriada em consonância com sua natureza frente ao caso concreto, para as regras jurídicas tem sido usual atribuir-lhes sentido absoluto, de modo que, em uma situação de conflito entre duas regras, sempre há de subsistir uma única aplicável, apta a incidir sobre determinado suporte fático. Nesse último caso, a solução do conflito advirá da utilização pelo hermeneuta dos critérios hierárquico, cronológico e o da especialidade.

A instituição de um expediente próprio (remessa dos autos com vista) para o atendimento à prerrogativa de intimação pessoal aos Procuradores da Fazenda Nacional não caracteriza disposição normativa especial a par daquelas anteriormente previstas nos art. 38 da LOAGU e art. 6º, §2º da Lei n. 9.028/95. Pressupondo que o art. 20 da Lei n. 11.033/2004 fosse considerado norma especial, estaria caracterizada a antinomia em relação ao art. 6º, §2º da Lei n. 9.028/95. Nessa hipótese, não seria lícito advogar a invalidade do novo dispositivo legal, porquanto a adoção dos critérios cronológico e o da especialidade admitiriam a subsistência da lei superveniente, seja por tratar de tema já pautado no diploma legal anterior, seja por trazer disposições que são aplicáveis aos membros de apenas uma das carreiras da advocacia pública federal.

No campo das prerrogativas processuais conferidas à Fazenda Pública, não existe antinomia entre os preceitos normativos precedentes – que conferem aos advogados públicos a prerrogativa de intimação pessoal – e o novo preceito que prevê seja a intimação dos Procuradores da Fazenda Nacional realizada mediante a entrega dos autos em carga. Este último é, em verdade, regra excepcional que confere a uma parcela dos advogados públicos meio peculiar para ciência inequívoca dos atos processuais.

As razões que amparam o tratamento díspar conferido pelo art. 20 da Lei n. 11.033/2004 não são, em sua essência, jurídicas. Fundam-se especialmente na deficiência do aparelho estatal para o acompanhamento das inúmeras demandas propostas pelo Estado em face dos cidadãos, necessárias à recuperação de créditos fiscais. E essa característica inviabiliza que o dispositivo legal seja aplicado para toda e qualquer situação em que caracterizado o litígio entre o Fisco e o cidadão. Nesse sentido, a percuciente lição de MAXIMILIANO[26]:

As disposições excepcionais são estabelecidas por motivos ou considerações particulares, contra outras normas jurídicas, ou contra o Direito comum; por isso não se estendem além dos casos e tempos que designam expressamente […] O art. 6º da antiga Lei de Introdução abrange, em seu conjunto, as disposições derrogatórias do Direito comum; as que confinam a sua operação a determinada pessoa, ou a um grupo de homens à parte; atuam excepcionalmente, em proveito, ou prejuízo, do menor número[…] Consideram-se excepcionais as disposições que asseguram privilégio (1), palavra esta de significados vários no terreno jurídico. Abrange: […] c) preferências e primazias asseguradas, quer a credores, quer a possuidores de boa fé, autores de benfeitorias e outros, pelo Código Civil, Lei das Falências e diversas mais.

O art. 20 da Lei n. 11.033/2004, por caracterizar norma excepcional, será aplicável somente naqueles casos em que a obediência à norma, imposta ao Poder Judiciário, afigure-se razoável, ou seja, em casos tais que não impliquem a criação de novos serviços (e, consequentemente, na majoração dos gastos correntes) para atendimento exclusivo de interesses financeiros da União. Logo, a intimação pessoal mediante remessa dos autos à Procuradoria da Fazenda Nacional afigurar-se-á dever inescusável de cumprimento pelo Poder Judiciário nas situações em que for constatado o funcionamento do órgão de representação judicial do ente público na mesma cidade na qual estabelecida a sede do Juízo. Equalizam-se desse modo as prerrogativas conferidas à Advocacia Pública às prerrogativas conferidas ao Ministério Público.

Afora a problemática referente à validade, à eficácia e à vigência do diploma legal no aspecto temporal, afigura-se de suma relevância inquirir se a norma do art. 20 da Lei n. 11.033/2004 seria razoável e proporcional (caso entendido que sua observância incumbe exclusivamente ao Poder Judiciário, sob pena de nulidade do ato que cientifica o Procurador da Fazenda Nacional por meio diverso).

A razoabilidade exige coerência entre os motivos determinantes para a prática do ato (v.g. ato administrativo ou proposição legal) e a finalidade almejada. Em síntese, deve-se perquirir se os motivos suscitados para a criação do dispositivo legal são legítimos e compatíveis com seu conteúdo (alteração na sistemática de intimação pessoal dos Procuradores da Fazenda Nacional).

À luz do princípio da razoabilidade, constata-se que parcela substancial das razões sustentadas para a criação do dispositivo legal não mais se encontram presentes em virtude de modificação do ordenamento jurídico, ocorrida após o ano de 2004. Nesse aspecto, a justificativa remanescente, de necessária remessa dos autos com vista à Procuradoria da Fazenda Nacional nas hipóteses de prazo comum, não guarda coerência com a prerrogativa de intimação pessoal, dado que, aos demais integrantes das carreiras da advocacia pública federal, em situação idêntica, não é assegurado referido modo de intimação.

No tocante ao princípio da proporcionalidade, sua obediência pelo legislador impõe seja realizado o estudo sob o prisma de seus três elementos, a saber: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

A lei ou o ato normativo será adequado quando seja eficaz o bastante para o alcance do escopo almejado pelo legislador. Nessa toada, não se pode negar que a intimação do Procurador da Fazenda Nacional mediante a entrega dos autos em carga possibilita o alcance do objetivo visado pela norma, ou seja, a ciência ampla e inequívoca do advogado público acerca dos atos processuais praticados.


Ultrapassado o primeiro teste de validade da norma, sobreleva indagar a sua necessidade ou, em outras palavras, se a previsão normativa configura o meio menos gravoso para o alcance do fim legal.

Registre-se que, no atual contexto, o art. 20 da Lei n. 11.033/2004 não vem sendo cumprido satisfatoriamente por razões diversas, a saber: a) ausência de recursos humanos e materiais nas unidades da Procuradoria da Fazenda Nacional, impossibilitando o deslocamento, periódico e regular, de servidores e procuradores às sedes dos Juízos Estaduais para a carga dos processos; b) insuficiência dos meios alternativos disponibilizados ao Poder Judiciário para a remessa de todos os processos judiciais que exijam a ciência dos Procuradores da Fazenda Nacional.

Os problemas acima descritos têm sido resolvidos de modo casuístico e pontual: ora com a disponibilização de cartões de postagens aos Juízos Estaduais, admitindo-se a remessa, pela via postal, de determinado número de processos às unidades da Procuradoria da Fazenda Nacional; ora com a adoção de uma sistemática de carga presencial na qual o próprio Procurador da Fazenda Nacional desloca-se às sedes dos Juízos Estaduais, não raro conduzindo viatura oficial e realizando, sem qualquer auxílio de servidores ou empregados terceirizados, o transporte dos processos físicos pendentes de intimação[27].

As duas alternativas adotadas pela Administração, acima narradas, pecam por não atender de forma suficiente à demanda dos Juízos, considerando o volume substancial de processos que aguardam a intimação da Procuradoria da Fazenda Nacional. Ambas não possibilitam a carga presencial regular de todos os processos pendentes de intimação.

Ainda nesse tópico, importa-nos acrescer outro inconveniente: o deslocamento frequente do advogado público para a realização de carga presencial de autos processuais em juízos situados em locais distantes das unidades seccionais da advocacia pública. Tal prática retira temporariamente aquele agente público do exercício das atividades precípuas inerentes à sua função, qual seja, a elaboração de peças e teses jurídicas para a defesa do ente público.

Dentre os outros meios disponíveis para a ciência pessoal e inequívoca do Procurador da Fazenda Nacional, é possível citar prontamente pelo menos duas opções para o alcance do desiderato almejado pelo legislador e para o pleno atendimento à demanda de processos pendentes de intimação dos Procuradores da Fazenda Nacional : 1) a criação de unidades seccionais da Procuradoria da Fazenda Nacional nas cidades onde funcionem as sedes dos Juízos; 2) o comparecimento periódico e espontâneo do advogado público às sedes dos Juízos, com o consequente recebimento dos autos dos processos entregues em carga. Pressupõe-se, nessa última medida, seja disponibilizado pela Administração número suficiente de advogados públicos lotados nas unidades seccionais e meios seguros para seu transporte e dos processos judiciais.

A primeira opção (criação de unidades seccionais no local onde funciona a sede de cada Juízo) é descartada prontamente, dado que implicaria a criação de quantidade substancial de cargos e consequente majoração de despesas, necessárias à manutenção de um grande número de escritórios de representação. Logo, importaria um acréscimo considerável nos gastos correntes previstos no orçamento do Poder Executivo.

A segunda medida proposta seria a de prover adequadamente as unidades seccionais da Procuradoria da Fazenda Nacional com recursos humanos e materiais compatíveis com o número de Juízos atendidos por aquele órgão[28]. Dessa forma, não subsistiria óbice à instalação e concentração das atividades das unidades seccionais em uma única Comarca, posto que existentes recursos humanos (v.g. servidores no apoio administrativo, empregados terceirizados) aptos a auxiliar o Procurador da Fazenda Nacional a comparecer periodicamente às sedes dos Juízos, retirando em carga os autos disponibilizados com vista à Fazenda Pública.

Dentre os meios atualmente existentes e as opções descritas, crê-se que essa última medida seja a que melhor atende ao interesse visado pelo legislador, resguardando a defesa do Erário sem a limitação do número de processos judiciais entregues em carga, e sem a ofensa ao princípio da legalidade.

Remanesce a análise quanto ao terceiro elemento: a proporcionalidade em sentido estrito.

A aplicação do art. 20 da Lei n. 11.033/2004 põe em destaque um aparente conflito entre os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF) e o da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF). Este último aplicável também aos processos patrocinados pela Procuradoria da Fazenda Nacional em razão da observância ao princípio da eficiência administrativa (art. 37, caput, da CF).

Não se olvida que a observância à norma do art. 20 da Lei n. 11.033/2004 impõe considerável atraso na movimentação processual, especialmente no tocante aos Juízos não situados em idêntica cidade onde funcionam as unidades seccionais ou escritórios de representação da Procuradoria da Fazenda Nacional. Por sua vez, o comparecimento irregular dos Procuradores da Fazenda Nacional aos cartórios judiciais, decorrente da insuficiência de adequados recursos humanos e materiais, traz como consequência o aumento do número de processos não movimentados, posto que pendentes de intimação daqueles agentes públicos. Tal situação não traz prejuízo somente ao Erário, em razão de a mora implicar diretamente na redução da probabilidade de recuperação do crédito público, mas também prejudica o jurisdicionado, que se vê obrigado a aguardar considerável lapso temporal para análise e julgamento de questão por ele suscitada em razão da necessária manifestação do representante judicial do ente público[29].

Sob o viés do princípio do contraditório, também é lícito asseverar que a forma de intimação prevista no artigo 20 da Lei nº 11.033/2004 não se afigura medida imprescindível ao resguardo daquela garantia constitucional, tendo em vista que o desiderato pode ser facilmente alcançado por outros meios de comunicação processual.

A situação que se deseja evitar com a imposição da obrigatoriedade da intimação pessoal mediante remessa dos autos com vista ao Procurador da Fazenda Nacional caracteriza prejuízo menor àquele imposto ao jurisdicionado, pois as razões que justificam aquela forma de intimação pessoal têm relação direta com a deficiência estrutural da Procuradoria da Fazenda Nacional, remanescendo pouco a ser creditado a título de resguardo do contraditório e da ampla defesa.

A característica do preceito normativo do art. 20 da Lei n. 11.033/2004 (norma excepcional), aliada ao não atendimento de dois elementos do princípio da proporcionalidade (necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), levam a admitir a possibilidade de mitigação de sua aplicabilidade nas situações em que a garantia da prerrogativa de intimação pessoal mediante vista dos autos em carga possa acarretar prejuízo ao jurisdicionado ou injustificada mora processual.


Conquanto não se partilhe dos métodos hermenêuticos utilizados pelo Superior Tribunal de Justiça para o julgamento da questão – pois interpretou extensivamente dispositivo legal precedente (art. 6º, §2º, da lei 9.028?95) e deixou de apreciar o tema sob a perspectiva constitucional – entende-se que, nos casos excepcionais aqui descritos, estará aberta a possibilidade de intimação dos Procuradores da Fazenda Nacional pela via postal (carta com aviso de recebimento) ou carta precatória.

3.3 INTIMAÇÃO POR CARTA PRECATÓRIA E PELA VIA POSTAL

A premissa adotada, assim, é no sentido de que se deva fazer necessária ponderação entre os insuficientes recursos materiais e humanos da advocacia pública federal e a impossibilidade de transferir ao Poder Judiciário os ônus decorrentes do envio dos autos dos processos físicos aos advogados públicos (quando estes estejam lotados em cidades diversas daquelas onde localizadas as sedes dos Juízos). Logo, é razoável a utilização da carta precatória como meio apto a intimar os advogados públicos, sendo de rigor na utilização dessa espécie de ato processual o cumprimento, pelo Juízo deprecante, de todos os requisitos insertos no art. 202 do CPC[30]. Eventual descumprimento dos requisitos essenciais da carta poderá ocasionar sua devolução pelo Juízo deprecado (art. 209,I do CPC).

Nesse contexto, embora admitida a carta precatória (autuada e processada) e cumprido o seu objeto (v.g. intimação), sua instrução defeituosa inviabiliza o pleno exercício de defesa do ente público, prejuízo manifesto que abre ensejo à arguição de nulidade, trazendo como consequência o refazimento daquele ato de comunicação.

Além da intimação pela via da carta precatória, a jurisprudência preponderante do Superior Tribunal de Justiça tem admitido, nesse caso, que a intimação dos representantes judiciais dos entes públicos nas execuções fiscais também ocorra pela via postal, ou seja, por carta com aviso de recebimento, na forma preconizada pelo art. 237, II, do Código de Processo Civil[31].

A faculdade de intimação pela via postal traz algumas peculiaridades que podem gerar consequências desfavoráveis ao ente público. Uma delas é a ausência, nessa espécie de comunicação processual, de uma regra processual que preceitue de modo explícito os meios para assegurar ao destinatário do ato comunicação processual a garantia de plena ciência de seu conteúdo. Nesse aspecto, a intimação postal difere da carta precatória, pois, para esta, o legislador previu requisitos de natureza cogente – e, portanto, de necessária observância pelo Juízo – com vistas à garantia de efetivo conhecimento do teor e compreensão do objeto deprecado (art. 202, II e III e §§1º e 2º).

Diante do recebimento de uma intimação pela via postal, o representante judicial da Fazenda Pública poderá deparar-se com duas situações distintas: a) carta de intimação devidamente instruída com todos os elementos necessários à ciência e à compreensão dos atos realizados no processo; b) carta de intimação com singela descrição do ato praticado ou da providência determinada pelo Juízo, sem qualquer elemento que viabilize sua pronta manifestação sem o acesso aos autos. Na última hipótese, a arguição de nulidade pela ocorrência de cerceamento de seu direito de defesa somente será acolhida caso seja constatado pelo Juízo o efetivo prejuízo ao ente público. Entretanto, a prática tem mostrado que o acolhimento do pleito pelos Juízos Singulares afigura-se improvável, considerando que os expedientes defeituosos, via de regra, emanam de seus próprios cartórios ou secretarias, pressupondo sua prévia concordância com o procedimento utilizado.

A eleição dos meios aptos à intimação pessoal do ente público (postal ou mediante carta precatória) não pode significar o abandono de todas as formalidades necessárias ao cumprimento adequado do ato de comunicação processual. Se o ato de intimação deve ocorrer na pessoa do advogado público, viabilizando que tenha plena ciência e compreensão do conteúdo da mensagem, não é dispensada a devida instrução do expediente com os documentos imprescindíveis à defesa.

Embora em situações normais a ciência ao advogado pela via postal ocorra mediante carta com singela transcrição do despacho ou decisão interlocutória prolatada pelo Juízo, a intimação dos representantes do ente público pela via postal deve necessariamente estar acompanhada dos elementos indispensáveis à compreensão do ato processual praticado ou da providência determinada pelo Juízo[32].

Entende-se que uma interpretação que pretenda conferir uma razoável celeridade ao processo deva admitir a intimação pela via postal do ente público, desde que, na prática do ato, também seja resguardado um mínimo de sentido ao vocábulo “pessoalmente”, previsto no art. 25 da Lei n. 6.830/80. Em outras palavras, deve o Poder Judiciário zelar pela efetiva ciência do conteúdo da comunicação processual pelo representante judicial da Fazenda Pública, observando, na intimação postal, as formalidades previstas nos art. 202, II e §1º, combinado com o art. 223, todos do Código de Processo Civil.

Diante da inexistência de disposições legais específicas atinentes à expedição de carta de intimação pela via postal, quando dirigidas a representante judicial de ente público, viável interpretação analógica que possibilite complementar aquele meio de comunicação processual com as formalidades previstas no inciso II e §1º do art. 202 e art. 223 do CPC, resguardando, desse modo, a real possibilidade de defesa do ente público e o cumprimento do disposto nos art. 25, caput da Lei n. 6.830/80, art. 6º, §2º, da Lei n. 9.028/95 e art. 20 da Lei n. 11.033/2004.

3.4 INTIMAÇÃO ELETRÔNICA

Com o advento da Lei n. 11.419/2006 e o acréscimo do parágrafo único ao art. 237 do CPC, foi aberta a possibilidade de realização dos atos de comunicação processuais (intimação e citação) pela via eletrônica (art. 221, IV, do CPC).

No tocante aos representantes judiciais da Fazenda Pública Federal, a utilização da via eletrônica somente será obrigatória na hipótese de o processo judicial possuir suporte integralmente eletrônico, ou seja, naqueles órgãos do Poder Judiciário nos quais já tenham sido desenvolvidos sistemas para o gerenciamento e o trâmite de processos no formato digital. Nada obsta, entretanto, que o destinatário das comunicações processuais manifeste concordância com o recebimento daqueles atos pela via eletrônica, quando tenham origem em processos com trâmite em suporte físico; caso contrário, deverá ser preservada a prerrogativa de intimação pessoal[33].


Calha observar que a Lei n. 11.419/2006 trata de tema específico, o processo eletrônico, de modo que as alterações por ela promovidas nos art. 221 e 237 do CPC são disposições especiais, destinadas a regrar os atos de comunicação processuais nos processos judiciais com trâmite eletrônico, não possuindo eficácia derrogatória dos demais dispositivos legais que determinam a intimação pessoal dos representantes da Fazenda Pública[34]. Por tal razão, eventuais atos de comunicação processual (citações e intimações), não terão eficácia em relação à Fazenda Pública quando publicados em Diário Oficial Eletrônico, pois o próprio diploma legal excepciona que somente serão consideradas intimações e citações pessoais os atos nos quais seja viabilizado o conhecimento da íntegra do processo (art. 4º, §2º e 9, §1º).

Criado o sistema para o trâmite de processos judiciais pelo meio eletrônico, a Lei n. 11.419/2006 trouxe a presunção de que a citação e a intimação, quando destinados a representantes da Fazenda Pública, são equiparadas à forma de comunicação pessoal (art. 4º, §6º). Trata-se de uma presunção legal, considerando que, na prática, para ciência do conteúdo dos autos, é necessário o acesso identificado do advogado público ao sítio na rede mundial de computadores no qual está localizado o sistema de gerenciamento dos processos judiciais eletrônicos.

A tramitação do processo pelo meio eletrônico impõe o cadastramento prévio do advogado público como condição para a prática de atos processuais (art. 2º, §1º, da Lei n. 11.419/2006). Presume-se que determinado usuário – portando uma identificação perante o sistema de processo eletrônico e utilizando um código de acesso – seja efetivamente o destinatário da comunicação processual e dela tenha ciência no momento em que realizar a consulta eletrônica de seu teor (art. 5º, §1º). Cria-se, por outro lado, a obrigação de acesso ao sistema e consulta aos atos de comunicação processual, presumindo o legislador que, após o transcurso de determinado prazo os atos serão reputados como efetivamente realizados, independentemente de acesso pelo representante judicial (art. 5º, §3º).

Constata-se que, com o advento da Lei n. 11.419/2006, foi dado passo importante para o atendimento à garantia da razoável duração do processo. Nesse aspecto, a criação de sistema informatizado para o trâmite de processos judiciais no formato eletrônico trouxe inúmeras vantagens, dentre as quais se destaca a supressão ou automatização de atos cartorários de somenos importância (v.g. numeração de páginas dos autos, aposição de carimbos, juntada de petições, confecções de certidões de decurso de prazo e elaboração de despachos de mero expediente) e o efetivo control


Federalismo e Construção do Espaço Público Democrático no Brasil

MARCELO D’ALENCOURT NOGUEIRA1

RESUMO: Este artigo jurídico está voltado ao estudo do modelo de Estado federativo adotado pela Constituição de 1988, que contribui para a participação do indivíduo nas esferas decisórias de poder e na construção do espaço público democrático no Brasil. O arranjo instituído possibilita maior atuação do cidadão nas questões estatais, em especial as locais, considerados os instrumentos constitucionais disponibilizados, como o plebiscito (consulta anterior ao ato a ser veiculado pelo Poder Público), o referendo (consulta após a realização do ato) e a lei de iniciativa popular (projeto de lei subscrito pelos cidadãos a partir de requisitos estabelecidos constitucionalmente), além de facultar o aumento da participação da cidadania nos atos praticados pelo poder estatal em uma perspectiva pluralista de Estado Democrático de Direito, que preconiza a descentralização político-federativa, a autonomia dos entes federados e sua relevância quanto à participação direta na consecução de políticas públicas fundamentais ao aprimoramento das instituições democráticas.

PALAVRAS-CHAVE: federalismo, democracia, subsidiariedade, descentralização, Constituição.

ABSTRACT: This article is aimed to study the legal state model adopted by the federal Constitution of 1988, which contributes to increase the individual´s participation in decision-making spheres of power and the construction of a democratic society in Brazil. The arrangement allows most established role of citizens in state issues, especially local ones, considering the constitucional instruments available, such as the plebiscite (form of consultation prior to the act to be published by the Government), the referendum (which consultation takes place following the completion of the act) and the law or popular initiative (bill signed by citizens from certain requirements of the Constitucion), as well as help increase citizen participation in the acts of the state power in a pluralist perspective of The Democratic State of Law, which calls for federal political decentralization, autonomy granted to federal entities and their relevance in terms of direct participation in the achievement of public policies that are fundamental to improving democratic institutions.

KEYWORDS: federalism, democracy, subsidiarity, decentralization, Constitution

1 INTRODUÇÃO

A crise política, institucional e social que atualmente afeta os Estados nacionais, dentre eles, o Brasil, representa motivo de crescente preocupação. Aliado a isto, verifica-se a ausência de políticas governamentais eficazes para o combate aos problemas existentes e também o constante desgaste daquelas já instituídas, que não se mostram aptas ao enfrentamento dos problemas. Ainda pior, nesse contexto, o fato de que o principal ator social, o cidadão, retira-se cada vez mais do processo político e deliberativo, permanecendo em posição secundária e de menor importância na sociedade.

A análise da estrutura constitucional pode nos auxiliar a entender melhor como o modelo de Estado federativo repercute em nossa estrutura social, bem como o destaque ocorrido nas Cartas Constitucionais anteriores, além de ser cláusula pétrea na Carta vigente. Ressalte-se que, no Brasil, a proposta federativa tem forte influência do modelo norte-americano, não podendo se desprezar tal circunstância.

O modelo de Estado federativo adotado pela Constituição de 1988 pode contribuir para determinar o incremento da participação do indivíduo nas esferas decisórias de poder e a construção do espaço público democrático no Brasil, possibilitando maior atuação do cidadão nas questões estatais em uma perspectiva pluralista de poder.

A descentralização político-democrática objetiva a diminuição da distância entre o cidadão e os entes governamentais. Representa instrumento para o exercício e o reforço da democracia, ou seja, quanto mais elementos constitucionais forem disponibilizados para o seu exercício, mais probabilidade existe de o poder ser democrático e participativo, aumentando-se não somente os instrumentos de fiscalização, mas também o controle e a supervisão das suas atividades.

O arranjo federativo estabelecido pela Constituição de 1988 traz alguns institutos que podem ser citados como exemplos de incremento na participação democrática (democracia direta) atribuída ao cidadão, dentre eles, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular (art. 14, I a III da CRFB/88), sendo, portanto, tais elementos fundamentais, porém não exclusivos, do ponto de vista da atuação direta do cidadão nos assuntos estatais em uma perspectiva de poder pluralista.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 PACTO FEDERATIVO E PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE

O estudo do federalismo democrático vem ganhando o interesse crescente dos acadêmicos de ciências sociais. Pela via democrática, a forma de Estado federativa representa a realização da descentralização necessária para aproximar o indivíduo das esferas decisórias do poder político.

A formação federativa brasileira advém de uma proposta de Estado unitário (séc. XIX), instituída pela Constituição de 1824. Com a primeira Carta federativa (1891), a União cede poderes para viabilizar a instituição dos entes regionais, criando proposta de federação na qual o ente central detém a maior parte das competências constitucionais, enquanto as entidades subnacionais atuam de maneira complementar, dependendo, em diversos casos, do ente principal para a implementação das suas iniciativas, fato que repercute diretamente na participação do indivíduo nas esferas de poder.

A perspectiva descentralizadora diminui a distância entre o cidadão e os entes governamentais. A descentralização política representa instrumento fundamental para a ampliação do espaço público democrático. Celso Bastos (1997, p. 285) explica:

a federação se tornou, por excelência, a forma de organização do Estado democrático. Hoje, nos Estados Unidos, há uma firme convicção de que a descentralização do poder é um instrumento fundamental para o exercício da democracia.

O arranjo federativo instituído pela Constituição de 1988 repercute diretamente na autonomia atribuída aos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, acarretando, em algumas situações, o afastamento do indivíduo da sede do poder decisório. Tal circunstância compromete o federalismo democrático, tendo em vista que o Poder Público não consegue, em certas situações, solucionar questões relevantes relacionadas ao administrado.


Nesse contexto, torna-se importante o estudo da subsidiariedade como elo nas relações estabelecidas entre os cidadãos e os entes federativos. Augusto Zimmermann (2005, pp. 200-201) esclarece:

Conferindo-se ao sistema político os objetivos de descentralização política ou meramente administrativa, o Estado procede à valorização do princípio da subsidiariedade, atuando preferencialmente para os fins da autonomia dos seus órgãos descentrais. Em outras palavras, apenas quando ao nível inferior não seja possível a realização de determinada ação, de igual ou melhor forma, é que o nível superior deve receber a competência para agir. Também por isso, todos os programas de descentralização democrática, incluindo aqueles de mera desestatização, ficam inevitavelmente ligados ao princípio disposto. Redimensionados os limites da ação estatal, alcançam-se assim os efeitos positivos do controle da sociedade sobre as práticas políticas preferivelmente situadas nas zonas periféricas, e não mais no poder central.

O princípio da subsidiariedade consubstancia aspecto relevante em uma perspectiva federativa pluralista e na consolidação do espaço público democrático. Assim, “devem ser atribuídas ao governo federal e ao estadual aquelas tarefas que não possam ser cumpridas senão a partir de um governo com esse nível de amplitude e generalização” (BASTOS, 1997, p. 285). José Alfredo de Oliveira Baracho (2003, pp. 30-31) explica melhor:

O princípio da subsidiariedade pode ser aplicável nas relações entre órgãos centrais e locais, verificando-se, também, o grau de descentralização. A descentralização é um domínio predileto de aplicação do princípio da subsidiariedade, sendo que a doutrina menciona as relações possíveis entre centro e periferia. A descentralização é um modelo de organização do Estado, pelo que o princípio da subsidiariedade pode ser invocado. A descentralização é um problema de poderes, seja financeiro ou qualquer outro que proponha efetivá-la, bem como de competências. O princípio da subsidiariedade explica e justifica, em muitas ocasiões, a política de descentralização. A compreensão do princípio da subsidiariedade, em certo sentido, procura saber como em organização complexa pode-se dispor de competências e poderes. Aceitá-lo é, para os governantes, admitir a ideia pela qual as autoridades locais devem dispor de certos poderes. O princípio da subsidiariedade intui certa ideia de Estado, sendo instrumento da liberdade, ao mesmo tempo que não propõe a absorção de todos os poderes da autoridade central. A modificação da repartição de competência, na compreensão do princípio da subsidiariedade, pode ocorrer com as reformas que propõem transferir competências do Estado para outras coletividades. Através da sua aplicação, todas as competências que não são imperativamente detidas pelo Estado devem ser transferidas às coletividades. Procura-se resolver a questão de saber quando o Estado e as demais coletividades devem ser reconhecidas na amplitude de suas competências. Deverá ser ela exercida em nível local, ao mesmo tempo em que se propõe determinar qual coletividade terá sua competência definida. Nem sempre o princípio da subsidiariedade dá resposta precisa a todas estas questões. Ele fixa apenas o essencial, quando visa orientar uma reforma, uma política, indicando direção, inspirada na filosofia da descentralização.

Francisco Mauro Dias (1995, p. 21) reforça a relevância da subsidiariedade, mencionando o exemplo francês:

As perplexidades da conjuntura e o despertar globalizado para a incapacidade de o Estado assumir a responsabilidade de resolver, que não subsidiariamente, seus grandes desafios impuseram ao então Primeiro Ministro de França, Senhor Édouard Balladur, a constituição, em 1994, de uma Comissão de Alto Nível, presidida por Alain Minc, para refletir sobre a amplitude dos problemas de natureza econômica e social que a sociedade francesa teria de confrontar, recenseando prospectivamente os desafios do ano 2000.

Em última análise, o reforço da proposta subsidiária pode contribuir para o próprio pluralismo estatal, na medida em que garante ao cidadão mecanismos de participação, os quais serão capazes de mitigar as diferenças a partir do instante em que os indivíduos estarão mutuamente envolvidos na construção da sociedade. Gisele Cittadino (2004, p. 87) explica:

reconhecer o pluralismo, portanto, é reconhecer a diferença. Apenas recorrendo à dimensão ético-política da democracia é possível, segundo Walzer, compatibilizar a participação em uma comunidade política democrática, que tenha a liberdade e a igualdade como princípios, com o pluralismo cultural, étnico e religioso. Em outras palavras, em face do pluralismo, não nos resta outra alternativa senão abdicar das respostas únicas, verdadeiras e definitivas para o problema da associação política e admitir o caráter parcial, incompleto e conflitivo do consenso entre indivíduos.

Ademais, se o poder estatal encontra-se próximo ao indivíduo, mais motivos haverá para que as crescentes demandas possam ser solucionadas e, melhor, para que se incremente a fiscalização dos poderes por órgãos (conselhos, por exemplo) locais onde os diversos setores da comunidade efetivamente participem.

Assim, constata-se que o aumento da participação democrática do indivíduo no processo político decisório, nos termos do arranjo constitucional federal vigente, implica a ampliação das esferas de participação popular no poder público, reforçando a perspectiva democrática a partir do instante em que, através da sua atuação, passa a se sentir partícipe direto dos desígnios da comunidade na qual interage.

2.2 DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA

A democracia pressupõe a participação do cidadão nos atos praticados pelo poder público. Desta maneira, “o intervencionismo e o excesso de planejamento do poder central consubstanciam-se num fator de seriíssimos problemas ao sistema federativo pátrio, no correto ajustamento das respectivas competências e na distribuição dos recursos” (ZIMMERMANN, 2005, p. 210).


Luis Roberto Barroso (1982, p. 109) acusa, ainda na vigência da Carta Constitucional anterior, o problema da centralização no Brasil:

Refletindo fatores insuperáveis, provenientes de um contexto global, ao qual agrega as peculiaridades típicas do regime político que se instalou no Poder, o sistema federativo no Brasil procura subsistir em meio a circunstâncias adversas. Tal adversidade origina-se de duas fontes: em primeiro lugar, da própria Constituição Federal, que, fiel às inspirações dos que a impuseram, tolhe a autonomia dos estados e procura submeter todas as questões relevantes ao crivo do Poder Central; e, em segundo, no conjunto de elementos, circunstâncias e propósitos que, em injunções que se verificam à sombra dos textos legais, condicionam o desempenho das instituições do país, submetidas, ora às complexidades dos mecanismos econômicos, ora às ingerências pouco legítimas de mecanismos políticos.

Quanto ao quadro atual do federalismo no país e à importância de uma nova proposta federativa, Paulo Bonavides (2004, pp. 400-401) ensina:

É inexplicável a indiferença à questão federativa naquilo que entende como a necessidade de um remédio eficaz, de natureza institucional, e não simplesmente paliativa para os problemas federativos já presentes e em debate. Não poderão eles ser resolvidos nas dimensões de um federalismo clássico do modelo liberal. Não se deve redemocratizar o país sem cogitar, igualmente, a modalidade de federalismo que se vai perfilhar. Os vícios que mataram o federalismo das autonomias não poderão conviver com uma estrutura legitimamente democrática. Cedo, a massa de atribuições e prerrogativas concentradas nas esferas executivas e presidenciais da União, por decorrência do rompimento do antigo equilíbrio federativo, se abateriam sobre o novo organismo jurídico-democrático, destroçando-o por inteiro. A presente forma de federalismo se apresenta mais extinta que a democracia mesma; esta respira nos partidos do sistema único, ao passo que o federalismo padeceu graves golpes, a que já sucumbiu tanto na letra da Constituição como nas praxes políticas vigentes. Urge, por conseguinte, um novo quadro federativo para o Brasil.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou nesse sentido sobre o assunto:

Processo

ADI-MC 216

ADI-MC – Medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade

Relator(a)

Celio Borja Sigla do órgão

STF Descrição

Votação: Por maioria. Resultado: Deferida. Caso Repiquinho. Total de páginas: 39. Análise: (DMY). Revisão: (NCS). Inclusão: 20.05.93, (MV). Alteração: 25/05/93, (MK). DSC_Procedência_Geográfica: PB – Paraíba

Ementa

Ação direta de inconstitucionalidade – Constituição estadual – Processo legislativo – A questão da observância compulsória, ou não, de seus princípios, pelos estados-membros – nova concepção de federalismo consagrada na Constituição de 1988 – perfil da federação brasileira – extensão do poder constituinte dos estados-membros – relevo jurídico do tema – suspensão liminar deferida. O perfil da federação brasileira, redefinido pela Constituição de 1988, embora aclamado por atribuir maior grau de autonomia dos estados-membros, e visto com reserva por alguns doutrinadores, que consideram persistir no Brasil um federalismo ainda afetado por excessiva centralização espacial do poder em torno da União federal. Se é certo que a nova Carta política contempla um elenco menos abrangente de princípios constitucionais sensíveis, a denotar, com isso, a expansão de poderes jurídicos na esfera das coletividades autônomas locais, o mesmo não se pode afirmar quanto aos princípios federais extensíveis e aos princípios constitucionais estabelecidos, os quais, embora disseminados pelo texto constitucional, posto que não é tópica a sua localização, configuram acervo expressivo de limitações dessa autonomia local, cuja identificação – até mesmo pelos efeitos restritivos que deles decorrem – impõe-se realizar. A questão da necessária observância, ou não, pelos estados-membros, das normas e dos princípios inerentes ao processo legislativo provoca a discussão sobre o alcance do poder jurídico da União federal de impor, ou não, as demais pessoas estatais que integram a estrutura da federação, o respeito incondicional a padrões heterônomos por ela própria instituídos como fatores de compulsória aplicação. Este tema, que se revela essencial à organização político-administrativa do Estado brasileiro, ainda não foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal. Da resolução desta questão central, emergirá a definição do modelo de federação a ser efetivamente observado nas práticas institucionais. Enquanto não sobrevier esse pronunciamento, impõe-se, como medida de cautela, a suspensão liminar de preceitos inscritos em Constituições estaduais, que não hajam observado os padrões jurídicos federais, de extração constitucional, concernentes ao processo legislativo.

Referência Legislativa
LEG-EST CES ANO-1989 ART-00033 INC-00018 ART-00034 PAR-00002, PB. Revisor

Celso de Mello


O federalismo institui, portanto, através da Constituição, poderes autônomos e descentralizados hábeis à promoção do exercício autônomo, nos termos da CRFB/88, das prerrogativas constitucionais promotoras da pluralidade de poderes verticalmente estatuídos.

Tem-se, desta forma, na organização político-administrativa federativa instituída pela Constituição brasileira de 1988, uma estrutura tendente à centralização. Sem embargo, “um poder central estatizante é inconveniente a uma autêntica federação, que pressupõe um equilíbrio entre as diversas esferas governamentais” (BASTOS, 1997, p. 285), sendo certo que a descentralização política é um processo garantidor de autoridade e recursos para os governos regionais e locais.

A mera descentralização administrativa consubstancia sistema municipalista que se distancia do princípio federalista, podendo, inclusive, recair no próprio Estado unitário descentralizado como critica Celso Ribeiro Bastos (1997, pp. 293-294):

O traço principal que marca profundamente a nossa já capenga estrutura federativa é o fortalecimento da União relativamente às demais pessoas integrantes do sistema. É lamentável que o constituinte não tenha aproveitado a oportunidade para atender ao que era o grande clamor nacional no sentido de uma revitalização do nosso princípio federativo. O Estado brasileiro na nova Constituição ganha níveis de centralização superiores à maioria dos Estados que se consideram unitários e que, pela via de uma descentralização por regiões ou por províncias, conseguem um nível de transferência das competências tanto legislativas quanto de execução muito superior àquele alcançado pelo Estado brasileiro. Continuamos, pois, sob uma Constituição eminentemente centralizadora, e se alguma diferença existe relativamente à anterior é no sentido de que esse mal (para aqueles que entendem ser um mal) se agravou sensivelmente.

A luta pela descentralização de poder no Brasil é histórica, advinda da própria proclamação da República (e também do federalismo!), em que o principal embate era a desconcentração do poder imperial para o novel Estado que se criava, principalmente nos aspectos nacional e regional, sendo, portanto, pleito antigo da sociedade brasileira que chega aos dias atuais.

Há problemas institucionais no que tange à sua efetivação. Como já visto, o poder central, durante as Constituições nacionais que se sucederam, foi prestigiado, via de regra, em clara demonstração de certo receio em se avançar para uma proposta de Estado em que o poder local tivesse mais voz (e vez!).

Todavia, não se deve atribuir exclusivamente ao pacto federativo as dificuldades inerentes à implementação de políticas públicas. Assim, para melhor entender o funcionamento dos sistemas federais, não é necessário compreender somente a estrutura constitucional vigente, mas sim as forças reais do sistema, os partidos políticos e as práticas e as estruturas do poder econômico que influenciam diretamente as escolhas institucionais no Estado

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2.3 ESPAÇO PÚBLICO DEMOCRÁTICO E INSTRUMENTOS CONSTITUCIONAIS DE EXERCÍCIO DA DEMOCRACIA DIRETA

Outra questão fundamental é o entendimento do espaço público democrático e sua relação com o Estado federal. A delimitação do espaço público democrático passa a ser bastante relevante. A sua concretização consolida o sistema político e democrático. A sociedade civil deve ser parte ativa na sua idealização e realização práticas, sem o que passa a ter perigoso papel secundário no processo político. A esfera pública burguesa pode ser compreendida, assim, como o espaço das pessoas privadas reunidas em um espaço público. Elas desejam esta esfera pública regulamentada pela autoridade (como forma de proteção em uma perspectiva originariamente contratualista), mas diretamente contra a própria autoridade, a partir do momento que não desejam sofrer, principalmente, as consequências decorrentes das limitações de direitos advindas do poder público.

O Estado de Direito burguês pretende, com base na esfera pública em funcionamento, uma tal organização do poder público que garanta a sua subordinação às exigências de uma esfera privada que se pretende neutralizada quanto ao poder (HABERMAS, 2003, p. 104). Assim, para Habermas, “a ideia burguesa de Estado de Direito, ou seja, a vinculação de toda a atividade do Estado a um sistema normativo, na medida do possível sem lacunas e legitimado pela opinião pública, já almeja a eliminação do Estado” (2003, p. 102). Desta maneira, segundo este autor, “a esfera pública burguesa desenvolvida baseia-se na identidade fictícia das pessoas privadas reunidas num público em seus duplos papéis de proprietários e de meros seres humanos” (2003, p. 74).

Sobre o tema, José Ribas Vieira (1995, pp. 70-71) esclarece:

Essa compreensão define que o essencial da Constituição é viabilizá-la como processo estabelecedor para a aplicação de decisões coletivas. Essa postura sobre o perfil constitucional aproxima-a, logicamente, da visão habermasiana. Em seu último livro, Faktizitát und Geltung, conforme mencionamos anteriormente, (já há uma versão em língua inglesa mimeografada), Habermas ressalta que a esfera pública traduz uma “rede de comunicação de conteúdos e formas de postura, isto é, de opiniões”. Tal rede filtra ou elabora os fluxos de opiniões e gera opinião pública. Assim, o interessante da análise de Habermas sobre a opinião pública é no sentido de visualizar como a lei não é determinada exclusivamente pelo Parlamento, e sim pela organicidade dessa via política e sua articulação com o público. Na última obra citada de Habermas, ele aponta para duas formas de atores na formulação da opinião pública, a saber: os atores usufrutuários (os partidos políticos, associações de interesses e os meios de comunicação) e os sujeitos “autônomos” responsáveis pela geração e contribuição para reprodução das condições de possibilidade da esfera pública como rede comunicativa, integrantes, assim, da sociedade civil. É, por exemplo, nesse quadro dos Direitos Fundamentais, a partir de uma perspectiva jurídica procedimental, que aumenta a sua responsabilidade de alargar os maiores graus de liberdades públicas e de participação política da sociedade civil.

Ana Lúcia de Lyra Tavares (1995, p. 5), referindo-se à relevância da contribuição do espaço público para o ideal democrático, destaca:


O espaço público, tanto em seu aspecto físico, como procedimental, não escapa a idealizações, a configurações preconcebidas, particularmente no que tange à construção de esquemas de distribuição espacial e funcional do poder, visando ao aperfeiçoamento do sistema político e, nos países aqui focalizados, ao ideal democrático. Se estes esquemas emanam, notadamente, do Estado, não se pode esquecer, todavia, que nos contextos de efetiva prática da democracia a sociedade civil é, por igual, parte ativa na idealização dos mesmos.

Como consequência da omissão do Estado e da sua falta de iniciativa, combinadas com a inoperância do poder público no que tange ao atendimento das demandas sociais cada vez mais crescentes das sociedades de massas, observa-se que os problemas da comunidade tendem a ser mais complexos, contribuindo para o aparecimento do poder paralelo ao Estado, na medida em que os problemas sociais não conseguem ser solucionados satisfatoriamente. Continua Tavares (1995, p. 9):

A lentidão, não raro as omissões, no atendimento às demandas da sociedade civil, em decorrência dos entraves que se criam nas relações entre os poderes instituídos, ao mesmo tempo em que os fragilizam perante a população, dada a frustração que o seu desempenho insatisfatório suscita, concorrem para o fortalecimento de poderes sociais não instituídos e a criação de outros, até marginais, que acabam por atuar com desenvoltura no seio da sociedade.

Para maior efetividade em termos de participação do cidadão no processo político-democrático instituído em 1988, disponibilizam-se alguns instrumentos constitucionais na Carta vigente, dentre eles, como já visto, o plebiscito, o referendo e a lei de iniciativa popular.

O plebiscito consubstancia instrumento de consulta ao cidadão realizado anteriormente ao ato que se vai praticar (inc. I do art. 14 da CRFB/88). Diferentemente do plebiscito, há o referendo (inc. II do art. 14 da CRFB/88), que se caracteriza como consulta posterior ao ato veiculado. Na história recente do país, tivemos a oportunidade de nos manifestar em plebiscito em 1993, escolhendo a forma de governo republicana e o sistema presidencialista. Posteriormente, em 2005, o cidadão foi chamado a deliberar acerca do desarmamento, restando derrotada tal iniciativa.

Outro instrumento constitucional de participação democrática direta é a lei de iniciativa popular (inc. III do art. 14 c/c § 2º. do art. 61, ambos da CRFB/88), que caracteriza possibilidade legislativa conferida ao cidadão para apresentar, mediante proposta, projeto de lei à Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles (art. 61, § 2. da CRFB/88).

Como exemplos de projetos de lei de iniciativa popular, há a Lei n. 8.930/94 (Projeto de Iniciativa Popular Glória Perez), que alterou a Lei n. 8.072/90, tornando-a mais gravosa; a Lei n. 9.840/99 (captação de sufrágio), “a qual possibilitou que a Justiça Eleitoral possa coibir com mais eficiência a compra de votos de eleitores” (LENZA, 2010, p. 449) e, finalmente, a “lei da ficha limpa” (Lei Complementar n. 135/10), recentemente aprovada pelo Congresso Nacional. Destaca-se, ainda, que para sua maior efetividade, melhor seria que as suas exigências constitucionais fossem facilitadas, além de se admitir a possibilidade de o cidadão propor projeto de Emenda à Constituição.

Fábio Konder Comparato (2010, pp. 58-59) explica:

As outras duas medidas institucionais de instauração da democracia entre nós são: 1. A livre utilização pelo povo de plebiscitos e referendos, bem como a facilitação da iniciativa popular de projetos de lei e a criação da iniciativa popular de emendas constitucionais. 2. A instituição do referendo revocatório de mandatos eletivos (recall), pelos quais o povo pode destituir livremente aqueles que elegeu, sem necessidade dos processos cavilosos de impeachment. Salvo no tocante à iniciativa popular de emendas constitucionais, já existem proposições em tramitação no Congresso Nacional a este respeito, redigidas pelo autor destas linhas e encampadas pelo Conselho Federal da OAB: os Projetos de Lei n. 4.718 na Câmara dos Deputados e n. 1/2006 no Senado Federal, bem como a proposta de Emenda Constitucional 73/2005 no Senado Federal. Recentemente, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou a proposta de Emenda Constitucional n. 26/2006, apresentada pelo senador Sérgio Zambiasi, que permite a iniciativa popular de plebiscitos e referendos.

Para tornar mais efetiva a proposta feita por Komparato, ideal seria que o cidadão tivesse o poder de convocar tais instrumentos de participação direta como o plebiscito e o referendo. Entretanto, nos termos do inc. XV do art. 49 da CRFB/88 (“É da competência exclusiva do Congresso Nacional: XV- autorizar referendo e convocar plebiscito”), verifica-se que tal atribuição é exclusiva do Congresso Nacional. Afinal de contas, que democracia direta é esta em que o povo delega ao Congresso Nacional o poder de decidir se haverá ou não consulta quanto a questões fundamentais? E a regra do art. 1º., parágrafo único da Constituição vigente (“todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”), desconsidera-se ?

Diante da difícil questão, Komparato (2010, pp. 58-59) conclui no referido artigo:

Mas não sejamos ingênuos. Todos esses mecanismos institucionais abalam a soberania dos grupos oligárquicos e, como é óbvio, sua introdução será por eles combatida de todas as maneiras, sobretudo pela pressão sufocante do poder econômico. Se quisermos avançar nesse terreno minado, é preciso ter pertinácia, organização e competência. Está posto, aí, o grande desafio a ser enfrentado pelo governo federal. Terá ele coragem e determinação para atuar em favor da democracia e dos direitos humanos, ou preferirá seguir o caminho sinuoso e covarde da permanente conciliação com os donos do poder? É a pergunta que ora faço à presidente eleita.

Assim, o incremento da participação da cidadania nos assuntos estatais, o pluralismo político, o respeito à igualdade e às liberdades públicas contribuem para a formação do espaço público democrático, ressaltando-se que o amadurecimento político, o posicionamento consciente e livre no processo de participação nos debates e nas deliberações pela cidadania e pela sociedade organizada e, em última análise, na reconstrução do espaço público implicam uma base educacional condizente com um país que visa pleitear melhores posições no campo interno e internacional.


Conclui-se, portanto, que há certa dificuldade de se estabelecer um autêntico espaço público democrático no país, principalmente do ponto de vista da influência do processo histórico desigual de formação da sociedade brasileira, que repercute hodiernamente, além da ausência de vontade política das elites dominantes.

Nesse diapasão, a maior efetividade desses mecanismos constitucionais de democracia estará a cargo da sociedade organizada através de sua maior participação no espaço democrático. Todavia, parece inócua tal mobilização se não for apoiada pelas funções de poder da República, em especial o Poder Judiciário, que tem hoje a importante missão, em uma perspectiva neoconstitucional e pós-positivista, de colocar o cidadão como ator principal do processo social, com decisões arrojadas e justas, prestigiando o Estado de Direito e a dignidade da pessoa humana.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão da organização do Estado (aí incluído o brasileiro, objetivo do trabalho) encontra-se hoje na ordem do dia. Indaga-se: O Estado vem cumprindo o seu verdadeiro papel que dá sentido à sua criação? Justifica-se, na perspectiva contratualista, a submissão da população aos seus ditames em um contexto em que o Estado cada vez mais agoniza e perde espaço para poderes paralelos, como é o caso do tráfico de drogas nas favelas cariocas?

Estas questões devem ser entendidas como forma de aprimorar a vida em sociedades cada vez mais complexas. Pode-se concluir que o Estado brasileiro, apesar de significativos avanços, ainda padece de um melhor aperfeiçoamento em termos de pacto federativo. A nossa origem federativa, quase integralmente importada dos estadunidenses na primeira Constituição republicana de 1891, da noite para o dia decretou que um Estado inicialmente monárquico-imperial se transformaria em federativo, ou seja, de um poder centralizado no imperador passa-se a uma perspectiva descentralizada com entes federativos criados para o seu exercício autonomamente.

A federação consolidou-se e chega a 1988 com status de cláusula pétrea (inc. I do § 4º. do art. 60 da CRFB/88) no que tange à forma federativa de Estado. Claro que a organização originária e os aspectos histórico-sociológicos repercutirão em 1988. Tem-se, pois, que a Constituição cidadã, conforme preconizara Ulisses Guimarães, traz uma série de avanços em relação ao pacto federativo instituído. Todavia, observa-se que o poder central prevalece sobremaneira sobre os demais entes federativos (estados-membros, municípios e Distrito Federal), não só em termos de atribuições elencadas (arts. 21 a 24 da CRFB/88), como também em termos econômicos (arts. 153, 154, 149 e 195, todos da CRFB/88), carecendo, pois, de maior descentralização em termos de construção de perspectiva federativa autêntica e efetiva.

Nesse contexto, os poderes regional e local sobrevivem à sombra do poder federal, haja vista que se observa uma subsidiariedade invertida, quando, na verdade, o ideal seria que o poder estivesse mais próximo do cidadão (no município), depois os estados e o Distrito Federal e, por último, a União. A questão é: o Brasil estaria preparado para essa maior autonomia local? Tentou-se em 5 de outubro de 1988. Todavia, observe-se que, posteriormente, a Emenda Constitucional n. 25/2000 trouxe uma série de limitações aos municípios, tendo em vista os desmandos locais protagonizados por políticos descomprometidos com uma proposta séria e digna de país.

Dúvidas não há que o arranjo posto repercutirá na questão do espaço público democrático que, originariamente, era (e ainda é!) extremamente desigual, apesar de políticas compensatórias colocadas em vigor com sucesso, como o Bolsa Família, o Prouni e outros, em especial, no último mandato do presidente Lula (2007/2010).

Observa-se que, na luta por uma sociedade mais participativa e democrática, existe o histórico embate entre forças progressistas e aquelas, conservadoras, que insistem em não aceitar ou admitir que o progresso e a dignidade da pessoa humana cheguem às camadas mais pobres da sociedade brasileira. Parece que a Constituição não pode ser considerada como o único instrumento de viabilização dessas mudanças. O papel central estará a cargo da sociedade civil organizada, esta sim verdadeira protagonista das transformações sociais. No entanto, torna-se complicado discutir a questão das mudanças políticas atualmente prescindindo-se da análise jurídico-constitucional.

Assim, debruçando-se sobre a Carta vigente, visualizam-se importantes instrumentos de participação direta, como plebiscito, referendo e iniciativa popular, que podem ser muito úteis na consolidação do processo democrático. Esta última protagonizou uma das maiores vitórias da sociedade organizada – a Lei da Ficha Limpa – devendo também ser atribuído tal direito ao cidadão para fins de propositura de projeto de Emenda à Constituição, nos termos do art. 60, I a III da CRFB/88, que o exclui, além de ser facilitada para que a cidadania possa participar ainda mais. Relativamente ao plebiscito e ao referendo, entende-se que tais instrumentos representam elementos preciosos de consolidação da perspectiva democrática no Brasil, não podendo permanecer sob o crivo da “convocação e autorização” do Congresso Nacional. Ora, o cidadão que deve ser convocado e autorizado a participar da via democrática, na verdade, é mero coadjuvante de um processo no qual deveria ser ator principal, pois o Estado se justifica a partir do instante em que passa a aprimorar a vida do indivíduo, e não a coagi-lo ou a desconsiderá-lo em termos de opinião.

Logo, questões recentes e relevantes como desnacionalização de empresas nacionais, voto obrigatório, maioridade penal, reformas política e tributária, dentre outras, passaram ao largo da vontade da cidadania e são decididas em Brasília por parlamentares fisiológicos e lobistas corruptos, que têm por escopo, única e exclusivamente, o patrocínio dos interesses dos poderosos que se locupletam, comprometendo a vida digna dos integrantes da sociedade, especialmente, os excluídos.

O caminho é árduo, difícil, entretanto, constroem-se na América Latina (com todas as dificuldades inerentes aos seus 500 anos de exploração) boas perspectivas, elegendo-se governos mais progressistas e comprometidos com as populações mais carentes e com os movimentos sociais. Em termos de Brasil, elegeu-se, pela primeira vez, um operário (Luiz Inácio Lula da Silva), que atingiu mais de 80% de popularidade no final de seu governo, e uma mulher (Dilma Rousseff), ex-guerrilheira, que sofreu nos porões de uma ditadura que insiste em se esconder e em se proteger anos depois, algozes de toda uma geração que, calada e envergonhada, viu passar uma excelente oportunidade de construir um país livre, justo e solidário. Prova-se que o futuro se edifica através de lutas e, principalmente, de desejos e sonhos a serem conquistados.

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ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005.


Notas

1Procurador da Fazenda Nacional, mestre em Ciência Política / UFF, especialista em Direito Constitucional, professor de Direito Constitucional / Ciência Política da graduação e pós-graduação da Universidade Estácio de Sá / RJ, professor de Direito Constitucional do Centro de Estudos Jurídicos 11 de Agosto/RJ, pesquisador associado do Laboratório de Estudos sobre Democracia do IESP/UERJ.