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NA CÂMARA DOS DEPUTADOS, SINPROFAZ MANIFESTA CONTRARIEDADE AO PLP 459/17

O SINPROFAZ, representado pelo presidente Achilles Frias, participou na quarta-feira (20) de reunião com o presidente da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, deputado Renato Molling (PP/RS).


NOTA DA ASSEMBLEIA NACIONAL DO SINPROFAZ CONTRA O PLP 459/2017

Procuradores da Fazenda Nacional reunidos em Assembleia Nacional manifestam a preocupação da categoria com os gravíssimos riscos para as finanças dos entes federados do projeto de lei que trata da SECURITIZAÇÃO DE CRÉDITOS.


REPRESENTANTES DO CCHA E CONSELHO SUPERIOR DA AGU SE REÚNEM COM CARREIRA

Em reunião liderada pelo vice-presidente, Juscelino Ferreira, e pelo diretor Sérgio Carneiro durante o XVII Encontro Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, a Carreira pôde conhecer um pouco mais sobre as atribuições dos CSAGU e do CCHA.


DEBATE POLÍTICO MARCA ÚLTIMO DIA DO XVII ENCONTRO DO SINPROFAZ

O último dia de programação do XVII Encontro foi marcado por painéis de cunho político. Abordaram-se temas de interesse da Carreira em debate no Congresso Nacional e as perspectivas para o funcionalismo público como um todo.


SINPROFAZ APOIA LANÇAMENTO DE “NCPC COMENTADO NA PRÁTICA DA FAZENDA NACIONAL”

O Código Comentado pela PGFN teve a apresentação escrita pela ministra aposentada Eliana Calmon, do STJ, e é dedicado ao ministro Teori Zavascki. A publicação conta ainda com prefácio escrito pelo ministro Luiz Fux, do STF.


SINPROFAZ PROMOVE ENCONTRO COM ASSOCIADOS APOSENTADOS

Ao longo do dia, os diretores apresentaram um panorama da atuação do Sindicato nos últimos meses, dentro do Congresso Nacional e em parceria com instituições como a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e a Advocacia-Geral da União.


ATUAÇÃO PARLAMENTAR DO SINPROFAZ É DEBATIDA EM REUNIÃO

Na oportunidade, os dirigentes do SINPROFAZ tomaram conhecimento da situação em que tramitam as pautas de interesse dos associados no Congresso Nacional, especialmente a proposta do governo de reforma da Previdência.


CONFIRA DISCURSO DO PRESIDENTE DO SINPROFAZ DURANTE AÇÃO DO SONEGÔMETRO

O SINPROFAZ já levou o Sonegômetro para várias partes do país. As ações tiveram repercussão na sociedade, na imprensa e entre parlamentares. De acordo com o placar, mais de R$ 500 bilhões são sonegados anualmente.


ADVOGADA-GERAL DA UNIÃO PALESTRA DURANTE XVI ENCONTRO DO SINPROFAZ

O XVI Encontro Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional foi realizado entre os dias 24 e 27 de novembro. Entre os palestrantes, esteve a AGU Grace Mendonça que, durante sua exposição, abordou assuntos de interesse da Carreira.


XVI ENCONTRO CONTA COM A PRESENÇA DO PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL

O SINPROFAZ promoveu, de 24 a 27 de novembro, o XVI Encontro Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional. Realizado no sul fluminense, o evento contou com a presença de autoridades e membros da Carreira vindos de todo país.


SOLENIDADE MARCA A ABERTURA DO XVI ENCONTRO DO SINPROFAZ

A Carreira está reunida para o XVI Encontro Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional. O evento, promovido pelo SINPROFAZ, ocorre no sul fluminense e teve a cerimônia de abertura realizada na noite dessa quinta-feira (24).


SINPROFAZ SE REÚNE COM PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL

O SINPROFAZ, representado pelo presidente Achilles Frias, esteve reunido com o Procurador-Geral da Fazenda Nacional, Fabrício Da Soller. A reunião ocorreu na sede da PGFN e possibilitou a abordagem de vários temas de interesse da Carreira.


CORREIO DO POVO NOTICIA INSTALAÇÃO DO SONEGÔMETRO EM PORTO ALEGRE

O Correio do Povo, jornal impresso do Rio Grande do Sul, deu destaque à instalação do Sonegômetro nessa quinta-feira (18), no Largo Glênio Peres, ao lado do Mercado Púbico, em Porto Alegre – RS. O placar estará exposto pela primeira vez na capital gaúcha.


ENTIDADES DIVULGAM PERFIL DOS CANDIDATOS PARA FORMAÇÃO DA LISTA TRÍPLICE DA AGU

Confira as apresentações dos seis candidatos mais votados na primeira etapa do processo de consulta à carreira.


DELEGACIAS SINDICAIS (Estados e Regiões)

 ACRE JOSIALDO APARECIDO BATISTA FERREIRA – Titular   ALAGOAS CARLA CRISTINA ROCHA GUERRA – Titular   AMAPÁ GUILHERME DE OLIVEIRA VILLELA – Titular   AMAZONAS Sem delegado sindical   BAHIA CLAUDIA MAGALI SILVA MOREIRA- Titular ROBERTO LEVY BASTOS MANATTA – Suplente   CEARÁ IANA NARA SÁ MACIEL CAVALCANTE – Titular RONALDO ANTONIO ARAUJO PRADO –…


Investir na Advocacia-Geral da União é garantia de retorno ao erário

Por Allan Titonelli Nunes A intenção do legislador constituinte ao incluir a Advocacia Pública entre as funções essenciais à Justiça foi criar um órgão técnico capaz de prestar auxílio ao governante e, ao mesmo tempo, resguardar os interesses sociais, entre eles a preservação da Justiça. A Advocacia-Geral da União, especificadamente, é a instituição que representa…


PFNS DO CEARÁ PROMOVEM ELEIÇÕES PARA PROCURADOR-CHEFE DO ESTADO

Em razão da designação do Procurador-Chefe do Estado do Ceará para o cargo de Coordenador Geral de Grandes Devedores, os membros da PFN/CE baixaram normas para a escolha do novo Procurador-Chefe.


PANORAMA DA AGU E PLEITOS DA CARREIRA SÃO ABORDADOS EM SEMINÁRIO

No Seminário Nacional da Advocacia Pública Federal, o presidente do SINPROFAZ, Achilles Frias, e o analista político Antônio de Queiroz destacaram a união da AGU e a relação entre os pleitos da Carreira e as propostas em tramitação no Congresso.


SINPROFAZ REALIZA 15º ENCONTRO DE PFNs RESSALTANDO A PGFN COMO FUNÇÃO ESSENCIAL À JUSTIÇA

Entre os dias 19 e 22 de novembro, PFNs de todo o Brasil estiveram reunidos no Club Med Itaparica (Bahia) para o 15º Encontro da Carreira, promovido pelo SINPROFAZ. Com o tema Da PGFN como Função Essencial à Justiça, o evento também marcou os 25 anos da entidade.


ASSOCIADOS GAÚCHOS PARTICIPAM DE REUNIÃO DO SINPROFAZ

Na sexta-feira (6), o SINPROFAZ, representado pelo Presidente Achilles Frias, Diretores e Delegado da quarta região, coordenou reunião com Procuradores da Fazenda Nacional em Porto Alegre – RS.


PFNs protocolam documento na PRFN4

Colegas do Rio Grande do Sul e o PFN José Carlos Loch também participaram da entrega formal da notificação extrajudicial ontem na Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional da 4ª Região, em Porto Alegre/RS.


14º Encontro: pluralidade de temas marca a terceira noite do evento

Pauta de encerramento do Encontro do SINPROFAZ abordou desde as exitosas experiências nos 25 anos do TRF4 até o domínio do privado sobre o público e o papel da Advocacia Pública, e ainda a defesa dos direitos dos PFNs.


Deputado Paulo Pimenta é favorável à PEC 82/2007

O SINPROFAZ, representado pela Delegada no Rio Grande do Sul, Iolanda Guindani, confirmou mais um apoio à PEC da Probidade.


Lajeado: Dia Nacional de Paralisação da Advocacia Pública Federal

Além da ação em Porto Alegre, outras unidades da PGFN manifestaram-se no Estado do Rio Grande do Sul pela valorização das Carreiras da Advocacia-Geral da União.


Comunicado da Comissão Eleitoral da Lista Tríplice da AGU

A Comissão Eleitoral da Lista Tríplice da AGU, vem a público comunicar a abertura do sistema para votação, bem como trazer informações relevantes sobre o procedimento a ser iniciado.


Advocacia pública faz homenagem a deputado Fábio Trad

Movimento Nacional pela Advocacia Pública presta homenagem ao deputado federal Fábio Trad (PMDB/MS) pelos serviços em defesa do fortalecimento das instituições públicas brasileiras.


A luta pelos honorários no Senado

Na opinião de Antônio Augusto de Queiroz, consultor do SINPROFAZ, advogados públicos devem repetir no Senado a estratégia adotada na Câmara, com argumentos políticos curtos e diretos.


PEC 82: primeiro seminário estadual será em Porto Alegre

Na segunda-feira, 18/11, os Procuradores da Fazenda lotados no Rio Grande do Sul têm um importante compromisso na seccional da OAB: participar do seminário sobre a PEC 82/2007.


Honorários e a votação do novo CPC

SINPROFAZ convoca PFNs a comparecem à Câmara Federal no próximo dia 22 de outubro, a partir das 17h, para acompanhar a votação diretamente das galerias do plenário.


SINPROFAZ presente no XIII Congresso Internacional de Direito Tributário de Pernambuco

Evento foi promovido pelo IPET- Instituto Pernambucano de Estudos Tributários entre os dias 2 a 4 de outubro.


SINPROFAZ cobra o cumprimento do Acordo sobre Honorários na AGU

Foi em reunião com Adjunta do AGU na última sexta-feira, 27. Em pauta, vários assuntos de interesse da Carreira com destaque para a implementação dos Honorários.


II Congresso de Direito Tributário da Ajufesp

Tributação e empreendedorismo é o tema norteador do evento que acontece nos dias 29 e 30 de agosto no auditório da AGU em São Paulo.


SINPROFAZ presente no I Seminário da CDPAP da OAB/RJ

Evento foi voltado à atuação dos Advogados Públicos, sua independência e autonomia, bem como seu papel na modelagem de projetos de infraestrutura e para grandes eventos.


Posse da nova diretoria do SINPROFAZ será na OAB Federal

Solenidade ocorrerá na noite de 3 de julho. Porém, a diretoria eleita para gerir o Sindicato no biênio 2013 e 2015 iniciará o exercício já em 1º de julho, nos termos do Estatuto da entidade.


Regime Diferenciado de Contratações Públicas: risco à vista!

RDC: RISCO À VISTA !

Rui Magalhães Piscitelli[1]

Como Administrativista e Membro da Associação Nacional dos Procuradores Federais, temos o dever de trazer à discussão, não só jurídica, mas de toda a sociedade, os grandes assuntos que vão afetar a vida de todos nós: administrados pelo Estado Brasileiro.

E o tema que muito tem me angustiado na atualidade é a ventilada possibilidade de inclusão, nas propostas dos licitantes pelo Regime Diferenciado de Contratações Públicas, o RDC, de um percentual em torno de 17 % (dezessete porcento), a título de redução dos riscos que o contratado privado venha a correr durante a execução do contrato administrativo decorrente da licitação que lhe foi adjudicada (licitação por ele ganha).

Primeiramente, queremos, aqui, enaltecer muitas das características do RDC, que, em relação à Lei nº 8.666, de 1993, fazem daquele egime diferenciado já um marco na diminuição dos prazos do processo licitatório, da própria execução do contrato administrativo, bem como do aumento da economicidade, esta traduzida na redução do valor das propostas dos licitantes.

E, para isso, a negociação ativa pela Comissão licitatória, a divulgação dos orçamentos somente após o final da licitação (exceto para os Órgãos de controle, a estes, acesso franqueado a qualquer momento) e a inversão das fases licitatórias (primeiro julgando-se as propostas, para, depois, habilitar-se somente o melhor classificado) são ingredientes importantes desse novo regime.

É acrescer que o introduzido regime de contratação integrada para as obras e serviços de engenharia , no qual o licitante, além do objeto principal, também apresentará o projeto básico, com o dever de a Administração somente apresentar o anteprojeto, resulta, como já salientei várias vezes, do desmonte que a máquina administrativa brasileira sofreu na década de 90 (ao invés de se readequar o serviço público à sua função constitucional precípua, qual seja, de regulação, esta a ser exercida com vigor, simplesmente desmontou-se tanto o aparato executor).

Bem verdade que, nos últimos anos, a Administração Pública brasileira vem se reestruturando (ao menos quantitativamente), com a substituição, mediante concursos públicos, dos terceirizados em postos de servidores, bem como com o fortalecimento de diversos setores regulatórios.

Mas, qualitativamente, ainda precisamos reestruturar a máquina pública, tanto com salários que permitam que os servidores sejam tratados com o mínimo de isonomia entre os Poderes da República (a fim de evitar que entrem em um concurso e, imediatamente, já migrem para outra carreira, ainda que com as mesmas atribuições, mas com salários muito maiores, notadamente no Poder Legislativo), quanto com treinamentos periódicos.

E aqui está o grande ponto: aliado ao desmonte da estrutura administrativa brasileira, a falta de treinamento levou a que fosse criado, no RDC, o regime de contratação integrada para obras e serviços de engenharia.

Consiste tal regime em que, além do objeto principal (no caso, a obra), também o licitante possa vender para a Administração o projeto básico, este um documento essencial para fixar a execução do próprio objeto principal. O projeto básico deve “visar à caracterização da obra ou serviço de engenharia, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares; assegurar a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento; e possibilitar a avaliação do custo da obra ou serviço e a definição dos métodos e do prazo de execução”, conforme contido inciso IV do art. 2º da Lei do RDC, a Lei nº 12.462, de 2011.

Pois bem, a grande justificativa para a criação de tal regime, aliado ao que já noticiamos acima, da falta de estrutura a que foi levada a Administração Pública, é a expertise da iniciativa privada para executar tal projeto básico. Afinal, essa é sua atividade diária, isso é o que vendem as empresas de engenharia estão acostumadas a fazer, e podem investir livremente na qualidade de seus serviços, sem as “amarras” impostas à Administração Pública, como, por exemplo, a fixação de tetos remuneratórios, a existência de orçamentos contingenciados, a necessidade de licitação, etc…

ENTÃO ESTÁ TUDO CERTO….

NÃO !!! E AÍ ESTÁ O GRANDE PROBLEMA…. RISCO À VISTA…

As próprias construtoras, agora, que passaram, no RDC, no regime de contratação integrada, a elaborar os projetos básicos (evitando, assim, erros, que eram atribuídos, por elas, à incapacidade da Administração Pública) , vem reclamando dos riscos na execução do contrato administrativo[2]…..

Mas, perguntamos: por acaso os contratos administrativos do regime de contratação integrada do RDC não reconhecem os aditivos para o reequilíbrio econômico-financeiro ? Sim, claro que a Lei do RDC reconhece,com previsão no inciso IV do seu art. 9º (além dos casos fortuitos e de força maior). E, antes disso, a própria Constituição, no inciso XXI do seru art. 37 assim já obrigava.

O Tribunal de Contas da União -TCU, aliás, preocupado com o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos no regime de contratação integrada do RDC, já recomendou que a Administração Pública elabore matrizes de risco, a fim de discriminar, o mais minuciosamente possível, as possibilidades que levam ao reequilíbrio econômico financeiro de ditos contratos. E isso para que as empresas contratadas não sejam prejudicadas na ocorrência de fatos que levem à perda da manutenção das suas propostas, o que não pode ocorrer, conforme mandamento constitucional posto no inciso XXI do seu art. 37.

E, mais, algumas entidades da Administração Pública, já têm obrigado os licitantes a contratarem seguro de riscos de engenharia para, ainda mais, minorar a possibilidade de que se materializem riscos que venham a levar à perda da equação econômico-financeira da proposta vencedora na licitação.

A propósito, vejam-se os recentes Acórdãos nº 1.310 e 1.465, de 2013, do Plenário do TCU.

MAS A QUESTÃO É GRAVE: AS CONSTRUTORAS QUEREM EMBUTIR NAS PROPOSTAS DA LICITAÇÃO OS RISCOS QUE VENHAM A OCORRER NA EXECUÇÃO DO CONTRATO ! RISCOS ESSES QUE PODEM NEM SE CONCRETIZAR NA PRÁTICA !

Isso mesmo, querem as grandes construtoras a permissão do Governo para incluir nas suas propostas de preço, no regime de contratação integrada do RDC, a média do percentual dos aditivos que eram feitos nos contratos administrativos antes da criação do RDC !

Ora, esqueceram-se as empresas construtoras que, justamente, o regime de contratação integrada foi criado para minorar os erros que eram atribuídos à Administração Pública na elaboração dos projetos básicos ? Afinal, agora, não são as próprias construtoras que elaboram o referido documento ? Mais, esquecem-se as próprias empresas que o contratante tem o dever constitucional e legal de aditivar os contratos na ocorrência de fatos que levem ao desequilíbrio econômico-financeiro de suas propostas vencedoras na licitação ? Ainda, não atentaram as construtoras que o TCU já vem zelando, com a recomendação de elaboração de matrizes de risco, para que as propostas dos licitantes fiquem preservadas ?

Claro que o medo das empresas de que a Administração Pública não reequilibre os contratos administrativos pode levar a superfaturamento de suas propostas; todavia, entendemos que, conforme acima exposto, tanto a Constituição, quanto a Lei do RDC, quanto a jurisprudência do TCU e a atuação dos demais Órgãos de controle, incluindo a Advocacia – Geral da União, já é muito mais do que suficiente para que os licitantes não saiam em prejuízo com a deterioração do equilíbrio econômico-financeiro de suas propostas vencedoras.

AGORA, EMBUTIR NAS PROPOSTAS UM PERCENTUAL FIXO DE RISCO QUE PODE NEM SE CONCRETIZAR NA EXECUÇÃO DO CONTRATO É SIMPLESMENTE PREJUDICAR A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, E, ASSIM, TODOS NÓS, CIDADÃOS BRASILEIROS.

O que está se gestando não é somente o aumento do chamado “Custo Brasil”, mas a própria desestruturação do princípio básico das licitações, qual seja, garantir a proposta mais vantajosa à Administração Pública !

Repito, a própria razão que levou à criação do regime de contratação integrada, no RDC, bem como a obrigação do ente público reequilibrar os contratos administrativos (prevista legal e constitucionalmente), além das recomendações do TCU de elaboração de matrizes de risco JÁ SÃO MAIS DO QUE SUFICIENTES PARA NÃO IMPUTAR RISCOS INDEVIDOS À INICIATIVA PRIVADA.

Agora, querer cobrar da sociedade brasileira riscos que podem não vir a ocorrer, aumentando o preço a ser pago pelo Estado nas licitações, ISSO É COISA QUE NÃO PODE OCORRER !

Por isso, digo: RISCO À VISTA !!!!


Notas

[1] Vice-Presidente Administrativo e Financeiro da Associação Nacional dos Procuradores Federais. Especialista em Processo Civil e Mestre em Direito Constitucional. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Administrativo.

[2] Disponível em: https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2013/6/12/adicional-de-risco-nas-obras-publicas


SINPROFAZ notifica PGFN sobre estudo de lotação

Sindicato formalizou a insatisfação dos PFNs com o estudo de lotação e pediu a revisão de seus critérios. Resultados demonstraram a falta de diálogo da PGFN com a carreira na condução desse processo.


SINPROFAZ participa de reunião com PFNs de Campo Grande

Presidente do SINPROFAZ, Allan Titonelli, esteve presente na PFN/MS, com sede em Campo Grande, para tratar dos assuntos de interesse dos PFNs.


Isenção de IR aos anistiados políticos somente incide sobre valores pagos como indenização

A isenção de imposto de renda aos anistiados políticos incide tão somente sobre os valores pagos a título de indenização, mesmo aos declarados anistiados antes da Lei n. 10.559/02 e que ainda não foram submetidos à substituição de regime prevista no art. 19 deste diploma legal. Assim decidiu a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados…


Advogado público tem direito a honorário de sucumbência

Por Rui Magalhães Piscitelli

Estranhamente, tenho observado, estupefato, o desconhecimento de alguns formadores de opinião acerca do conceito de honorários advocatícios, sobretudo de sua percepção pelos advogados do Estado brasileiro.

Ora, qualquer cidadão brasileiro já teria essa noção básica: honorários advocatícios não são honorários dos advogados?

Pois é, são, mas, às vezes, é preciso explicarmos da maneira mais clara possível.

Primeiramente, veja-se que o Estatuto da Advocacia, sob pena de em assim não sendo ferir a isonomia entre advogados públicos e privados, reconhece aos advogados do Estado os mesmos direitos albergados pelos advogados privados, senão do contido no seu artigo 3º (Lei 8.906, de 1994):

Artigo 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

parágrafo 1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional.

Aliás, tanto os advogados do Estado submetem-se ao regime de direitos e obrigações dos advogados privados que, nos concursos públicos para ingresso na Advocacia Pública, exige-se a inscrição junto à Ordem dos Advogados do Brasil. Isso é óbvio, mas é importante esclarecermos aos formadores de opinião.

Mais, no artigo 21 do referido Estatuto da Advocacia, é comando legal que os honorários de sucumbência (quando seu cliente vence a causa, a parte adversa paga um percentual, fixado pelo juiz a esse título) pertencem ao advogado que ganhou a disputa judicial, a saber: “Nas causas em que for parte o empregador, ou pessoa por este representada, os honorários de sucumbência são devidos aos advogados empregados.”

Ou seja, os advogados privados recebem, além de seu salário mensal, os honorários de sucumbência, por dispositivo legal próprio, acima.

Por que, então, dizer que os Advogados Públicos já recebem salário e não merecem receber os honorários de sucumbência?

Aqui, importante destacarmos aos que eventualmente confundem a percepção dos honorários de sucumbência pelo advogado público com sua remuneração mensal paga pelo Estado: os honorários de subumbência são pagos pela parte que perdeu a ação judicial, em percentual fixado pelo juiz, diretamente ao advogadoa que venceu a disputa, e não pelo Estado. Isso, pois, não é salário pago pelo Estado.

Nesse sentido, é desconhecer totalmente a estrutura da profissão de advogado, quer público quer privado, quem diz que o advogado já ganha o seu salário mensal, não devendo perceber também os honorários de sucumbência.

Veja-se, não se falou qualquer novidade neste artigo. E, para demonstrar isso, vejam-se dispositivos das Leis Orgânicas das Procuradorias de alguns Estados da Federação, com a disposição do direcionamento dos honorários de sucumbência aos seus advogados públicos:

São Paulo (Lei Complementar 478, de 1986, com atualizações posteriores)[1]:

Artigo 126: (…)

parágrafo 1º: Para atendimento do disposto nos incisos I a III, a Secretaria da Fazenda depositará mensalmente, em conta especial no Banco do Estado de São Paulo S.A., à disposição da Procuradoria Geral do Estado, a importância arrecadada no mês anterior a título de honorários advocatícios, mais até 3 (três) vezes a mesma importância, na forma a ser estabelecida em decreto.

Rio de Janeiro (Lei 772, de 1984, com redação da Lei Complementar 137, de 2010)[2]:

Artigo 3º: (…)

Parágrafo único. Os honorários advocatícios de que tratam os incisos I e II do caput, na proporção de 20% (vinte por cento) a 80% (oitenta por cento), conforme disposto em ato do Procurador Geral do Estado, serão empregados para os fins previstos no artigo 1º, sendo o restante repassado aos Procuradores do Estado.

Enfim, poder-se-iam citar diversos outros exemplos de estados e municípios em que o direito à percepção dos honorários advocatícios por parte dos advogados públicos é reconhecida.

Posto isso, repetimos, o que não é nenhuma novidade, também devemos informar aos formadores de opinião e à toda a sociedade brasileira que os advogados públicos não ganham, a título de honorários advocatícios (nem, claro, a título da remuneração paga pelo Estado), mais do que o teto constitucional. Quer dizer: o somatório da remuneração paga pelo Estado acrescida da verba honorária que lhe é destinada pela parte contrária, derrotada na ação, não pode ultrapassar o teto constitucional.

Esse é o entendimento do Egrégio Supremo Tribunal Federal, de julgado de 26 de junho de 2012, em que discutia o caso dos honorários de sucumbência pagos aos procuradores do Município de São Paulo, a saber:[3]

Os honorários advocatícios devidos aos procuradores municipais, por constituírem vantagem conferida indiscriminadamente a todos os integrantes da categoria, possuem natureza geral, razão pela qual se incluem no teto remuneratório constitucional.

Ou seja, não procede, de nenhuma forma, o argumento de que os advogados públicos ganham “boladas” a título de honorários de sucumbência.

O que ocorre até o momento, infelizmente, é que os advogados e procuradores da União não recebem os honorários de sucumbência que lhes são devidos, diferentemente de seus colegas que defendem os estados e os municípios, o que tem causado grande evasão dos quadros da Advocacia Pública Federal em direção às Advocacias Públicas dos Estados e Municípios. Isso sem falar na evasão para os quadros da magistratura e do Ministério Público, com remunerações muito mais altas do que a Advocacia Pública Federal.

Ora, por que a União não merece os melhores profissionais a fim de dizer nos autos judiciais por ela?

Mas, recentemente, a fim de regularizar esse tratamento írrito ao ordenamento jurídico, o excelentíssimo advogado-geral da União acolheu parecer em que a matéria é posta no sentido de que os honorários de sucumbência sejam do advogado público (o que não é nenhuma novidade na grande maioria dos estados e municípios brasileiros), a saber[4]:

A aprovação do PARECER Nº 1/2013/OLRJ/CGU/AGU implicará a superação do PARECER GQ-254, que considerou incompatível com o regime jurídico da advocacia pública a percepção de honorários de sucumbência. Como demonstrado agora, após exame detalhado dos precedentes jurisprudenciais e da legislação vigente, é fundamental que a titularização dos honorários seja impotada em lei e, também por esse meio normativo, que se definam questões de grande relevo como a instituição de fundos; a destinação dos haveres, de modo parcial ou total, bem assim a forma de administração desses valores. O essencial, porém, é que se levanta um óbice jurídico que pairava sobre a Advocacia-Geral da União há quase vinte anos.

E, veja-se, teve importante papel nesse entendimento da Advocacia-Geral da União a própria Ordem dos Advogados do Brasil, grande defensora da cidadania e do Estado Democrático de Direito, do que destacamos as palavras do Exmo. presidente da OAB Federal[5]:

“Uma grande vitória da advocacia pública nacional”. Assim o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Furtado, classificou o parecer entregue à entidade nesta segunda-feira (18) pela Advocacia-Geral da União (AGU), no qual o órgão acolheu pleito do Conselho Federal da OAB e opinou favoravelmente à percepção dos honorários de sucumbência pelos advogados públicos. “A AGU, que anteriormente possuía parecer contrário ao recebimento desse tipo de honorários pela advocacia pública, agora atendeu ao pleito da OAB e revisou seu entendimento, emitindo novo parecer, desta vez favorável à nossa reivindicação. É uma enorme vitória”, afirmou Marcus Vinicius.

O parecer reconhece como legítima a prerrogativa dos advogados públicos de receberem honorários pelos processos em que atuaram e foram vitoriosos, inaugurando uma nova fase na história da categoria. “São notórias as vantagens do reconhecimento da titularidade dos honorários pelos membros das carreiras de Estado da AGU ou pela União, com a transferência aos primeiros. Ter-se-á maior segurança jurídica e serão dissipadas as brumas atualmente visíveis no horizonte judiciário sobre esse tema”, traz o texto do parecer.

Ainda, temos de trazer a disposição da Advocacia Pública no texto constitucional (o que também não é novidade), no seu artigo 131, como função essencial à Justiça, ao lado do Ministério Público e da Defensoria Pública, ou seja, em dispoisção especial aos artigos 39 a 41 que tratam dos servidores públicos em geral.

Essa foi a vontade do Constituinte em fazer com que essas categorias profissionais possam falar pelo próprio Estado Brasileiro, com tratamento próprio!

Ao final, queremos concluir que o direcionamento dos honorários de sucumbência aos advogados públicos (claro, respeitado o teto constitucional da soma da remuneração  com a percepção dos honorários advocatícios) é, no caso da União, além de questão que faz respeitar o ordenamento jurídico vigente bem como vem a tratar com isonomia os advogados públicos federais, defensores da União (de toda a federação brasileira), sobretudo, fazer com que a União possa ter ainda mais condições, através do estímulo proporcionado a esses profissionais, de implementar as políticas públicas em prol da sociedade brasileira.

Temos certeza, não tratamos sobre qualquer novidade…..


[1] Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/blog/Lei%20Org%C3%A2nica%20PGE%20revista%20e%20atualiza%C3%A7%C3%A3o%20-%20LC%201082-08.pdf Acesso em: 12 de maio de 2013.

[2] Disponível em: http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/CONTLEI.NSF/c8aa0900025feef6032564ec0060dfff/5d1b97982d75624a032565850079d5af?OpenDocument Acesso em: 12 de maio de 2013

[3] EMB.DECL. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 380.538. Disponível em: http://tinyurl.com/bnz2dfr“>http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28380538%2ENUME%2E+OU+380538%2EACMS%2E%29&;base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/bnz2dfr Acesso em: 12 de maio de 2013.

[4] Disponível em: http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateImagemTextoThumb.aspx?idConteudo=233349&;id_site=3 Acesso em: 12 de maio de 2013.

[5] Disponível em: http://www.oab.org.br/noticia/25312/agu-atende-oab-e-da-parecer-pro-honorarios-a-advocacia-publica Acesso em: 12 de maio de 2013.

Rui Magalhães Piscitelli é vice-presidente de Administração e Finanças da Associação Nacional dos Procuradores Federais (Anpaf) e professor de graduação e pós-graduação em Direito Administrativo.

Revista Consultor Jurídico, 14 de maio de 2013


10 Anos de Governo Pós-Neoliberal no Brasil, o Financiamento Privado das Campanhas e o Necessário Aprimoramento do Estado Brasileiro via o Fortalecimento de sua Administração Pública de Carreira

Rui Magalhães Piscitelli e Fernanda Demarchi Matielo1

É com intensa curiosidade que a sociedade brasileira espera o lançamento, no próximo dia 13 de maio do livro “10 anos de governo pós-neoliberal no Brasil – Lula e Dilma”, do sociólogo Emir Sader e do pesquisador argentino Pablo Gentil.

Alguns excertos foram antecipados a grandes jornais do Brasil, como a Folha e o Globo, neste domingo dia 5, dos quais chama-nos à atenção entrevista concedida aos autores pelo ex-Presidente Lula.

Nesses excertos, fica o depoimento de que o Partido dos Trabalhadores precisa “voltar a acreditar em valores que a gente acreditava e que foram banalizados por conta da disputa eleitoral”. (…) “O PT precisa voltar urgentemente a ter isso como tarefa dele.”2

O financiamento público das campanhas foi um exemplo trazido pelo ex-Presidente de modelo que deveria ser seguido.

Não é nosso objetivo, neste pequeno artigo, fazer críticas ou elogios políticos, até porque não temos qualquer vinculação partidária, mas, simplesmente, analisar nosso objeto diário de trabalho: a Administração Pública.

Nesse sentido, pensamos que um “remédio” muito eficaz para que a má política não seja influenciada pelo interesse econômico é o fortalecimento da Administração Pública PROFISSIONAL, de carreira.

Veja-se, a criação desmesurada de cargos em comissão e as indicações políticas para cargos de direção em estatais é um grande mal que precisa ser extirpado da Administração Pública Brasileira.

Chama-nos à atenção uma outra declaração à Imprensa, desta feita atrituída ao ex-Presidente do Partido Progressista – PP, Pedro Correa, ao Correio Brasiliense da edição do dia 12 de abril de 2013: “Quando você é nomeado diretor de estatal, presidente de banco público ou ministro, você não está pensando em administrar. Você quer se aproximar dos empresários para, lá na frente, durante as eleições, ter dinheiro para financiar as campanhas.”

Ora, dirigir um banco, uma estatal, ou ter outro cargo de comissão qualquer não pode ser um trampolim para que, lá na frente, possa-se receber recursos de empresas para o financiamento privado das eleições, sob pena de fazer aquele período na função pública ser tentador a benefícios, no mínimo, imorais, a agentes privados.

Uma política que tivesse como garantia de ocupação de postos de direção superior da máquina pública a Membros da Administração Pública, de carreira, submetidos a processos disciplinares e à perda do cargo público, com certeza, é uma sugestão que fazemos não somente ao ex-Presidente Lula, mas a todos que queiram resgatar valores para o engrandecimento da moralidade pública.

Ademais, é a Administração Pública de carreira, formada desde o seu ingresso via concurso público universal, é que está apta a, tecnicamente, melhor conduzir qualquer órgão ou entidade públicos. Isso é valorizar a própria eficiência enquanto princípio constitucional.

Com efeito, concordamos que o financiamento público das campanhas é forma para, no mínimo, minorar a relação de débito que políticos possam ter de seus financiadores, mas, mais ainda, não pode-se permitir que haja um “financiamento público” de alguns ocupantes de cargos de comissão, estranhos aos quadros da Administração Pública, enquanto no exercício daquelas funções, pensando nos seus futuros eleitorais.

Esse “financiamento público” decorre do mau poder de decisão que os detentores de altas funções administrativas podem ter, como diretores de estatais, que, não tendo o cargo ou o emprego público ao qual, ao fim do exercício do cargo em comissão, devem voltar, o que os leva a não pensar na sua carreira na Administração Pública de carreira.

Com certeza, o modelo burocrático de Administração Pública deve ser aprimorado, mas o mérito burocrático ainda é um grande pilar da moralidade administrativa.

Quero dizer, devem ser os servidores públicos avaliados por cursos, desempenho profissional, mas, também, por resultados alcançados efetivamente enquanto no seu exercício do cargo ou emprego público. Esse viés gerencialista, aliado à avaliação dos serviços que presta pelos seus destinatários, com certeza, é um aprimoramento necessário ao modelo burocrático de Administração Pública.

Mas, repetimos, na medida em que os ocupantes de altos cargos em comissão fiquem tentados a fazer do exercício daqueles somente um trampolim para atrair, no futuro, o financiamento privado para suas campanhas, teremos, com certeza, necessidade cada vez maior do que o ex-Presidente Lula está sugerindo ao Partido dos Trabalhadores: o resgate aos valores.

O “financiamento público” das campanhas, com a ocupação de cargos estratégicos da Administração Pública, como diretores de estatais, por aqueles que vêm de fora dos quadros do Serviço Público, pode servir como moeda de troca para o aumento de financiamento privado no futuro, e, assim, o esfacelamento cada vez maior do Estado Brasileiro.

Assim, deixamos nossa mensagem no sentido de que, se não o financiamento público das campanhas é o remédio total para o fim da influência desmesurada do capital sobre os interesse públicos, ao menos o “financiamento público” daqueles estranhos à Administração Pública enquanto visarem à ocupação de altos cargos em comissão para agradar seus possíveis futuros financiadores privados pode ser evitado ao máximo, e, para isso, o “remédio” é: Governos trabalhistas, fortaleçam suas Administrações Públicas de carreira, criem mecanismos de preenchimento quase absoluto dos altos cargos de comissão por Servidores Públicos de carreira, e, assim, cada vez mais, diminuam o poder econômico, ao menos dentro do Estado.

Temos, urgentemente, de acabar com o “financiamento público”, como primeiro passo à introdução do financiamento público das campanhas eleitorais.

É o que temos para contribuir com os princípios constitucionais da Administração Pública !


Notas

1Rui Magalhães Piscitelli é Vice-Presidente de Administração e Finanças da Associação Nacional dos Procuradores Federais – ANPAF, e professor de graduação e Pós-graduação em Direito Administrativo. Fernanda Demarchi Matielo é Mestra em Direitos Fundamentais e Advogada em Brasília – DF.

2Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/05/1273570-lula-afirma-que-pt-precisa-recuperar-os-valores-perdidos.shtml Acesso em 05 de maio de 2013.


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Direito Constitucional Tributário no Império do Brasil

André Emmanuel Batista Barreto Campello
Procurador da Fazenda Nacional. Exerceu os cargos de Advogado da União/PU/AGU, Procurador Federal/PFE/INCRA/PGF e Analista Judiciário – Executante de Mandados/TRT 16ª Região, tendo também exercido a função de Conciliador Federal (Seção Judiciária do Maranhão). É Professor de Direito Tributário da Faculdade São Luís e ex-professor substituto de Direito da UFMA. Especialista em Docência e Pesquisa no Ensino Superior. Membro do Conselho Superior da Advocacia-Geral da União.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O Nascimento do Império do Brasil; 2 A Competência Tributária; 3 Limites ao Poder de Tributar; 5 Conclusão.

RESUMO: Direito Tributário Constitucional no Império do Brasil. Trata-se de artigo que tem por finalidade estudar o sistema tributário brasileiro vigente durante o Império do Brasil, sobretudo durante o entre os anos de 1822 e 1840, que marca o período das grandes definições fiscais imperiais, relacionadas sobremaneira com a fixação das competências tributárias nacionais, sem deixar de analisar problemas jurídicos surgidos relacionados com estas escolhas políticas. Por se pretender analisar a repartição do poder de tributar, almejou-se estudar o direito constitucional tributário então vigente, bem como as limitações ao poder de tributar opostas ao Estado imperial brasileiro. Por meio de tal análise buscou-se também vislumbrar a construção do Império do Brasil e suas turbulências, nestas primeiras décadas, relacionadas, sobretudo, com o tipo de Estado adequado para atender aos conflitos entre as pretensões provinciais e a Monarquia centralizadora.

PALAVRAS-CHAVE: História. Direito. Tributário. Constitucional. Brasil império.

INTRODUÇÃO

O direito, em qualquer sociedade, não pode ser compreendido como um fenômeno isolado no tempo e no espaço. Não pode ser vislumbrado como um amontoado de normas que não estão relacionadas com os valores, as visões de mundo e as expectativas de um grupo social (que o cria e que por ele é governado), em determinado momento da sua história (FERREIRA, 1975, p.31).

A percepção deste fenômeno fica mais evidente quando se estuda o direito contemporâneo, pois, de certo modo, vive-se sob a égide destas normas e se consegue compreender os institutos e o alcance deles, sendo possível vislumbrar-se a alteração da interpretação do Direito, e como as normas se relacionam para construir um sistema jurídico.

Os indivíduos que integram a nossa sociedade, por exemplo, sejam ou não operadores do Direito, percebem as normas jurídicas, isto é, tem uma mínima compreensão dos principais limites impostos pelo ordenamento às suas condutas, inferindo também os direitos que lhe são assegurados.

Em outras palavras, por se viver sob o império do direito, é possível senti-lo; consegue-se perceber a sua dinâmica.

Para o operador do Direito, ao se ler as grandes obras jurídicas, ao conversar com os demais colegas, ao trocar informações na faculdade, ao se defrontar com a jurisprudência dos Tribunais ou ao se atualizar com as informações colhidas na internet, fica manifesta a vivacidade do ordenamento jurídico que está em vigor.

Entretanto, quanto mais se recua no tempo, ao se estudar o direito do passado, algo começa a desaparecer: a percepção de “vida” das normas começa a se esvair.

Não se detecta, com mais facilidade como estas normas se organizavam, de como era construído o sistema jurídico, qual era o alcance e a sua aplicação.

Por exemplo, por constar nos livros dos grandes autores clássicos, como Pontes de Miranda (MIRANDA, 1966, p. 25) ou Aníbal Bruno (BRUNO, 2003, p. 106), compreende-se como era aplicado e compreendido o Código Penal, quando dos primeiros anos da sua origem. Ainda se é possível perceber como era a sua essência e a sua conexão com o direito penal atual, pois, além deste diploma legal está em vigor (apesar da reforma da sua parte geral e de inúmeros dispositivos da parte especial), houve uma constante aplicação, sem rupturas, desde a sua criação, com a interpretação das suas normas, tomando por base as inúmeras constituições vigentes, em cada um dos períodos históricos (Constituições de 1937, de 1946, de 1967/69 e de 1988).

Em outras palavras, um leitor que viesse a desejar fazer a leitura do Código Penal, na sua redação original, não estranharia o seu conteúdo, pois se trata de diploma legal que ainda guarda pontos de contato com o pensamento jurídico contemporâneo e com a própria sociedade brasileira, em alguns de seu aspectos, apesar de tal Código ser datado da década de 40, no século XX, já possuindo algumas de suas partes, quase 70 anos.

No direito tributário, vive-se uma experiência um pouco mais complicada.

O Código Tributário Nacional (Lei nº. 5.172/66), decorrente da Emenda constitucional nº 18/66, foi um diploma revolucionário na história do Brasil, por ter conseguido, de forma sucinta, clara e precisa, apresentar alicerces para a construção de uma teoria do tributo e das novas bases para a relação entre Fisco e contribuinte (MARTINS, 2005, p. 29-31).

Toda a teoria contemporânea do direito tributário, por óbvio, foi edificada sobre os alicerces lógicos do nosso Código Tributário de 1966.

Em outras palavras, o operador do direito, quando busca estudar o Direito Tributário, irá sempre tentar visualizar as normas jurídicas sob as categorias lógicas fornecidas pelo nosso Código Tributário: competência tributária, capacidade tributária, limitações ao poder de tributar (princípios e imunidades), conceito de tributo, elementos da norma tributária, espécies tributárias, legislação tributária, obrigação tributária, crédito tributário etc.

Em outras palavras, a legislação fiscal brasileira pré-Código Tributário, para alguns, pode até se parecer com leis de civilizações desaparecidas, como se fora o Código de Hamurabi, da Babilônia, pelo seu exotismo e estranha forma de se apresentar, não guardando, aparentemente, nenhum contato com o nosso direito atual.

De fato, ao se estudar o direito tributário do Império do Brasil, o operador do direito se defronta com obstáculos que devem ser transpostos, sendo que o primeiro deles é que alguns dos parâmetros interpretativos contemporâneos não se conectam às estruturas fiscais do Brasil imperial, isto é, a doutrina jurídica não cria pontos de enlace entre o direito tributário brasileiro atual e o que vigia no século XIX.

O segundo empecilho reside no fato de que estudar o direito vigente no Império do Brasil é estudar normas jurídicas que foram criadas para reger uma sociedade que possui significativas diferenças econômicas (e culturais) em relação ao Brasil contemporâneo, logo, as bases para compreensão não podem se fundamentar em valores vigentes atualmente.

As categorias lógico-jurídicas que regiam o direito brasileiro no Império do Brasil são, em demasia, distintas das que vigoram atualmente, a começar pela inexistência de um Código Civil, pela manutenção do odioso instituto jurídico da escravidão como alicerce do trabalho produtivo (pelo menos até 1860), e pelo fato de que o Império era um Estado unitário sui generis, sobretudo após o Ato Adicional de 1834, que reformou a Constituição de 1824.


Adverte-se que, assim como no estudo do direito romano (ALVES, 1995, p. 67-74.), não se pode vislumbrar o Império do Brasil como um conjunto monolítico de normas, inalteradas no tempo.

As necessidades fiscais do reinado de D. Pedro I, sem dúvidas, não se assemelham às da Regência, muito menos às existentes durante o longo reinado em que D. Pedro II governou a nação, no qual o Brasil se envolveu muito na política interna dos seus vizinhos do cone sul, culminando no conflito armado no Paraguai. (BALTHAZAR, 2005, p.93)

Para saciar estas necessidades fiscais, o Império criou tributos (e as províncias também) sobre novos fatos geradores, instituiu alíquotas adicionais sobre tributos já existentes, abusou da bitributação, mas, sobretudo, buscou taxar as principais atividades econômicas da sociedade brasileira: a exportação, a importação e o consumo de bens não-duráveis.

Mas o Império, apesar do seu desequilíbrio fiscal, deixou de tributar a renda e a propriedade territorial rural, se abstendo de impor taxação sobre a acumulação de riqueza da elite brasileira.

Estudar o direito do Império do Brasil é assaz interessante pelo fato de que nos fornece as perspectivas da sociedade brasileira que estava, após a independência, tentando construir uma nação continental, já sendo possível perceber o nascer de algumas das estruturas do Brasil contemporâneo.

No estudo que será realizado, por óbvio, tenta-se sistematizar o conhecimento à luz de algumas das categorias lógicas do direito tributário contemporâneo, para que o leitor possa compreender o direito vigente naquele período tentando-se adentrar na essência das normas tributárias.

Assim como nas obras de direito romano (CRETELLA JUNIOR, 1995, p. 19-20), faz-se uma tentativa de, didaticamente, apresentar aos operadores do direito as facetas de como era a estrutura e a aplicação do direito em uma sociedade que existiu há quase dois séculos.

Evidente que não se busca cair no erro do anacronismo, mas apenas utilizar as ferramentas dadas pela moderna ciência do estudo do Direito Tributário para entender a realidade passada, a fim de compreender as normas então vigentes, segundo os valores da sociedade brasileira do século XIX.

Este passo é necessário, pois, por óbvio, não seria possível ao autor, simplesmente, estudar o direito do passado, com os olhos do homem daquele contexto histórico, já que tanto o leitor deste trabalho quanto o seu autor integram a sociedade brasileira do início do século XXI, ou seja, pertencem ao presente.

Por esta razão, ao longo desta pequena obra, buscou-se estudar o Direito imperial do Brasil à luz das interpretações do Marquês de São Vicente, que talvez possa ser considerado o grande Constitucionalista do período imperial. A visão e a compreensão deste autor acerca do ordenamento jurídico serviu de ponto de partida para nossas reflexões.

Não obstante esta forma de fazer a leitura da legislação, não nos furtamos a tentar adequar os institutos tributários com a tecnologia lingüística do direto contemporâneo, sobretudo a fim de decifrar as disposições legais estabelecidas. Deve-se frisar que o estudo da legislação tributária imperial, com a utilização de alguns dos arquétipos construídos pala doutrina de direito tributário contemporâneo, não é algo estranho ao estudo de temas relacionados com a história do direito

.

Este mesmo método é utilizado pelos autores quando se busca a compreensão do direito romano (CORREIA e SCIASCIA, 1996, p. 32): realiza-se a divisão da matéria em uma parte geral e especial, analisando os institutos civilísticos romanos, sob os parâmetros dados pela codificação do direito civil moderno, apesar de o direito romano clássico (aproximadamente, de 140 a.C, com a criação da Lei Aebutia, até o término do reinado de Diocleciano, em 305 d.C.) não ter construído nenhum código ou instrumento legal similar, já que, neste período, surgiram duas ordens distintas: o ius civile (direito aplicável apenas aos cidadãos romanos) e o ius honorarium (criado pela atuação dos pretores peregrinos, com o advento da Lei Aebutia, os quais eram magistrados que dirimiam os conflitos entre gentios, ou entre estes e os romanos). (ALVES, 1995, p. 69-70)

Feitas estas considerações iniciais, convida-se o leitor a vislumbrar o nascimento do Império do Brasil, com a outorga da Constituição de 1824.

1 O NASCIMENTO DO IMPÉRIO DO BRASIL

1.1 A INDEPENDÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DE UMA NAÇÃO

O Império do Brasil não nasceu pronto e acabado: trata-se de um projeto político das elites das províncias do sul ao qual se associou a figura do Imperador D. Pedro I.

A proclamação da independência por sua majestade imperial, um ato derivado, sem dúvidas, da sua impetuosidade (LUSTOSA, 2006, p.152-153) não foi suficiente, por si só, para promover a adesão das demais capitanias (e futuras províncias) do então restante Reino do Brasil, sobretudo no norte da América lusitana.

Não existia uma nação brasileira, não existia um Estado brasileiro.

Em verdade, ao longo da história colonial, a metrópole lusitana buscou fazer com que os principais portos e zonas econômicas tivessem laços imediatos apenas com Portugal e não entre si. Pode-se afirmar que os principais pólos econômicos da colônia brasileira estariam mais interligados ao contexto de exploração econômica do Atlântico sul (Luanda, Guiné etc.), devido ao intercâmbio escravista, do que de regiões interioranas do Brasil (ALENCASTRO, 2000, p.9).

Nas palavras de MELLO (2004, p.18): “Como observava Horace Say, ao tempo da Independência, o Brasil era apenas “a designação genérica das possessões portuguesas na América do Sul”, não existindo “por assim dizer unidade brasileira”.

A inexistência de uma nação brasileira, de um país denominado de Brasil, fica mais claro ainda quando se vislumbra o surgimento da Confederação do Equador (1824), quando as capitanias de Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte e do Ceará não compactuaram com o projeto político de criação do Império do Brasil, que faria com que estas passassem a se subordinar à Corte imperial, no Rio de Janeiro.

Entretanto, a Corte necessitava da Bahia, de Pernambuco e das demais capitanias do norte, tendo em vista que estas ricas regiões poderiam financiar tanto a independência da América portuguesa, quanto os projetos políticos de D. Pedro I e a guerra na província Cisplatina. (MELLO, 1999, p. 249-250)

1.2 A HERANÇA LEGISLATIVA COLONIAL

O Império do Brasil não herdou apenas a estrutura econômico-social vigente durante o seu período de vínculo para com Portugal colônia, mas também a legislação metropolitana portuguesa que foi recepcionada pela Lei de 20 de outubro de 1823:

Art. 1.º As Ordenações, Leis, Regimentos, Avaras, Decretos, e Resoluções promulgadas pelos Reis de Portugal, e pelas quaes o Brazil se governava até o dia 25 de Abril de 1821, em que Sua Magestade Fidelíssima, actual Rei de Portugal, e Algarves, se ausentou desta Corte; e todas as que foram promulgadas daquella data em diante pelo Senhor D. Pedro de Alcântara, como Regente do Brazil, em quanto reino, e como Imperador Constitucional delle, desde que se erigiu em Império, ficam em inteiro vigor na parte, em que não tiverem sido revogadas, para por ellas se regularem os negócios do interior deste Império, emquanto se não organizar um novo Código, ou não forem especialmente alteradas.

O Império do Brasil, no seu nascedouro, recepcionou a legislação portuguesa inclusive a legislação tributária da metrópole.


Por esta razão os mesmos defeitos que constavam no sistema de tributação da metrópole portuguesa, no que se refere a sua lei vigente no Brasil, também assolavam a estrutura tributária brasileira quando da ocorrência da independência do Brasil:

[…] a Independência não significava um rompimento com a estrutura patrimonialista, tendo em vista o interesse de determinados setores de manter o status quo. Desta forma, quanto aos tributos, herdou-se a frágil estrutura colonial, embora a mudança na excessiva carga tributária constasse como um dos objetivos do movimento patriótico. (BALTHAZAR, 2005, p.78)

D. Pedro I proclamou expressamente que uma das razões para independência era a necessidade de um novo regime de tributação, diferente do existente na metrópole, que não asfixiasse a vida econômica do Brasil:

[…] grande dose de verdade havia na afirmativa que o então príncipe regente constitucional fizera, dias antes do grito do Ipiranga, de que Portugal, em suas relações com a antiga colônia, queria “que os brasileiros pagassem até o ar que respiravam e a terra que pisavam. (ELLIS, 1995, p. 62)

O então Príncipe regente alardeava os seus desejos:

[…] os brasileiros teriam um sistema de impostos que respeitaria “os suores da agricultura, os trabalhos da indústria, os perigos da navegação e a liberdade do comércio”, sistema esse tão “claro e harmonioso” que facilitaria “o emprego e a circulação dos cabedais”, desvendando “o escuro labirinto das finanças”, que não permitia ao cidadão “lobrigar o rosto do emprego que se dava às rendas da Nação”. (ELLIS, 1995, p.62)

Evidente que tal promessa não foi cumprida, tendo em vista a impossibilidade de reforma profunda da legislação lusitana que havia sido recepcionada, pelos sucessivos déficits fiscais e pelos tratados internacionais que fixavam as alíquotas do imposto de importação em patamares insignificantes.

O brilhante Procurador da Fazenda Nacional Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, ao analisar a tributação no período joanino, expõe as razões dadas pelo príncipe regente (o futuro rei D. João VI) para a diminuição da alíquota do imposto de importação em face de mercadorias portuguesas (Decreto de 11 de junho de 1808):

Sendo conveniente ao bem público remover todos os embaraços que possam tolher o livre giro e a circulação do comércio: e tendo consideração ao estado de abatimento, em nome de que presente se acha o nacional, interrompido pelos conhecidos estorvos e atuais circunstâncias da Europa: desejando animá-lo e promovê-lo em benefício da causa pública, pelos proveitos, que lhe resultam de se aumentarem os cabedais da Nação por meio de um maior número de trocas e transações mercantis, e de se enriquecerem os meus fiéis vassalos que se dão a este ramo de prosperidade pública e que muito pretendo favorecer como uma das classes úteis ao Estado: e querendo outrossim aumentar a navegação que prospere a marinha mercantil, e com ela a de guerra, necessária para a defesa dos meus Estados e Domínios: sou servido ordenar que todas as fazendas e mercadorias que forem próprias dos meus vassalos, e por sua conta carregadas em embarcações nacionais, e entrarem nas Alfândegas do Brasil, pagarem por direito de entrada dezesseis por cento somente. (GODOY, 2008, p.31)

Tendo em vista este desequilíbrio estrutural na legislação fiscal, o Império do Brasil nasceu tendendo a não conseguir organizar seu orçamento, já que, além das inúmeras obrigações político-militares que teve de assumir, em face do rompimento com a metrópole lusitana, ainda recepcionou tratados internacionais que lhe impediam de tributar, de modo significativo, a importação de mercadorias, então a mais significativa atividade econômica do país.

1.3 A CONSTITUIÇÃO DE 1824: A CONSTRUÇÃO DE UM ESTADO UNITÁRIO

1.3.1 A DISSOLUÇÃO DA ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE DE 1823

Pelo Decreto de 12 de novembro de 1823, D. Pedro I dissolveu a Assembléia Geral Constituinte e Legislativa, que havia sido convocada, pelo próprio soberano, pelo Decreto de 03 de junho de 1822.

Segundo o nosso Imperador, tal fato se deu porque este órgão (fundante do próprio Estado brasileiro) teria perjurado o solene juramento de defender a integridade do Império, sua independência e a dinastia de D. Pedro I. Tal ato extremo, segundo o soberano, deu-se para a salvação do Império, como consta no referido instrumento normativo.

Observe-se que Frei Caneca, na edição natalina do periódico Typhis Pernambucano, de 25 de dezembro de 1823, demonstra que as decisões políticas cristalizadas no título 1º, arts. 1, 2 e 3, da abortada Constituição de 1823, não agrediam o juramento feito pelos constituintes de defender a integridade do Império, sua independência e a dinastia de D. Pedro I. (CANECA, 2001, p.309)

Pela Proclamação de 13 de novembro de 1823, S. Majestade Imperial comunicou ao povo brasileiro, que a Assembléia Constituinte de 1823 foi dissolvida e, em seguida, pelo Manifesto de 16 de novembro de 1823, explicitou as razões da prática de tal ato: o “fel da desconfiança”, que elaboravam planos ocultos para semear a discórdia no Brasil, ameaçando o futuro e a própria existência da Nação.

Em 17 de novembro do mesmo ano (de 1823), também por meio de Decreto, o Defensor Perpétuo do Brasil ratificou mandou proceder à realização de eleições para composição de nova Assembléia Geral Constituinte e Legislativa, que como se sabe, nunca promulgou nova Constituição.

Coube ao Conselho de Estado, sobretudo pelo trabalho de José Joaquim Carneiro de Campos (o futuro Marquês de Caravelas, integrante da futura regência trina provisória, constituída em 07 de abril de 1831), influenciado pelo pensamento de Benjamin Constant, preparar um anteprojeto de Constituição, sobre os escombros dos trabalhos da Assembléia Constituinte de 1823.

Este anteprojeto foi apresentado à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que, ao declarar que o seu texto era imelhorável, apresentou respectiva proposta de juramento (em 08 de janeiro de 1824), para coincidir com o Dia do Fico.

O Imperador rejeitou a proposta e fixou o juramento da Constituição para 25 de março daquele ano (1824). (MELLO, 2004, p.169)

Ao povo brasileiro, por meio da Carta de Lei de 25 de março de 1824, o Imperador do Brasil apresentou o teor da Constituição do Império do Brasil que deveria ser jurada por ele e pelos representantes das Câmaras (advindas de diversas províncias), em local e data já fixados: no dia 25.03.1824, na Câmara do Rio de Janeiro, como consta no Decreto de 13 de março de 1824.


É interessante observar que o Imperador buscou legitimidade para a outorga da sua carta política não em uma Assembléia Constituinte (ou Legislativa), mas nas Câmaras municipais, a começar, pela Câmara do Rio de Janeiro, o que era de se estranhar, já que tais órgãos não eram representantes do povo, mas do próprio Rei, tendo em vista a sua natureza jurídica oriunda da legislação metropolitana portuguesa:

No direito português, o poder das Câmaras, como o das antigas Cortes, não advinha da nação mas do Rei, pois uma e outras „não são representantes dos povos; representam sim pelos povos. A Câmara do Rio, […], tomava-se pelo Senado romano e decidia pelo Brasil, como havia feito em 1822 o Conselho de Procuradores, que tampouco tivera competência para aclamar d. Pedro fosse Defensor perpétuo, fosse Imperador. [grifos do autor] (MELLO, 2004, p.170)

Portanto, por ato do Defensor Perpétuo do Brasil, foi outorgada a Constituição de 1824.

1.3.2 O ESTADO UNITÁRIO

A natureza jurídica do Império do Brasil era a de um Estado Unitário (LOPES, 2002, p.313), resultante de uma proclamada: “associação Politica de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles formam uma Nação livre, e independente, que não admitte com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se opponha á sua Independencia. (art. 1, da Constituição de 1824)”.

As províncias eram órgãos administrativos decorrentes da desconcentração do órgão central, sendo, portanto, uma extensão deste, que tinham por atribuição a gestão das regiões do Império, na forma da Lei (arts. 165 e 166 da Constituição de 1824)

Tais Províncias, por serem órgãos responsáveis pela gestão de parcela do território da Nação, poderiam ser alteradas, isto é, a sua amplitude territorial poderia ser modificada sem consulta aos habitantes destas regiões: “art. 2. O seu territorio é dividido em Provincias na forma em que actualmente se acha, as quaes poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado.”.

Como exemplo, menciona-se o Decreto de 07 de julho de 1824, da lavra de Sua Majestade Imperial, que, após parecer do Conselho de Estado (art. 137 da Constituição de 1824), “desligou” da província de Pernambuco a comarca do Rio de São Francisco.

A Constituição que em cada Província seria assegurado aos cidadãos o direito de intervir nos seus negócios, tendo em vista os interesses peculiares destas regiões.

Tal direito deveria ser exercitado pelos Conselhos Gerais de cada Província (art. 71 e 72 da Constituição de 1824), cujas resoluções deveriam ser submetidas ao Poder Executivo (art. 77 da Constituição de 1824), não podendo estes órgãos deliberativos dispor sobre: assuntos de interesse geral; ajustes interprovinciais; criação de imposições (tributos); ou execução das leis (art. 83 da Constituição de 1824).

1.4 A REFORMA DA CONSTITUIÇÃO DE 1824: O ATO ADICIONAL DE 1834

1.4.1 O PROCEDIMENTO DE REFORMA DA CONSTITUIÇÃO DE 1824

A Constituição de 1824 estabelecia que durante determinado período (04 anos) ela seria imutável (MORAES, 2003, p.39), podendo a partir daí ser reformada (art. 174 da Constituição de 1824): “Se passados quatro annos, depois de jurada a Constituição do Brazil, se conhecer, que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por escripto, a qual deve ter origem na Camara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte delles”.

Apesar desta imutabilidade transitória, a Constituição de 1824 poderia ser classificada como uma constituição semi-rígida (ou semi-flexível): isto é, parte do seu texto poderia ser alterado pelo procedimento das leis ordinárias. (MORAES, 2003, p.39)

A Constituição declarava que existiam determinados temas contidos no seu corpo que eram materialmente constitucionais: “É só Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respectivas dos Poderes Politicos, e aos Direitos Politicos, e individuaes dos Cidadãos” (art. 178, 1ª parte, da Constituição de 1824).

Tais normas que dispunham sobre tais temas representavam o núcleo constitucional desta Charta e só poderiam ser alteradas sob o rito previsto nos seus arts. 175, 176 e 177.

Todas as demais matérias eram consideradas apenas formalmente constitucionais e, portanto, não se submetiam a este rito especial de reforma: “Tudo, o que não é Constitucional, póde ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinarias.” (art. 178, 2ª parte, da Constituição de 1824).

1.4.2 A ABDICAÇÃO DE D. PEDRO I

Por uma ironia do destino, o reinado do Defensor Perpétuo do Brasil D. Pedro I se encerrou com a sua abdicação, em favor de seu filho, às 10 horas, de 07 de abril de 1831, praticado no Senado brasileiro, onde se encontravam presentes 26 senadores e 30 deputados.

Além de ter ocorrido durante as férias parlamentares (art. 18 da Constituição de 1824) (VIANNA, 1967, p.104), a abdicação trazia um problema em si: não existia previsão de a Assembléia Geral eleger um Regente para esta situação (art. 15, II, da Constituição de 1824), pois a Charta política apenas elencava tal possibilidade em caso de falecimento do soberano, se não fosse possível a coroação

do seu sucessor (art. 47, IV c/c arts. 121 e 122, da Constituição de 1824).

Ou seja, a sucessão deveria se dar apenas na forma do art. 117 da Charta imperial, o que se apresentava como outro problema.

O Regente deveria ser o parente mais próximo do soberano com mais de 25 anos e, se não houvesse, deveria ser instituída uma Regência provisória composta por dois Ministros (Estado e Justiça) e dois dos mais antigos membros do Conselho de Estado, sob a presidência da Imperatriz viúva (e, na sua ausência, pelo mais antigo membro do Conselho de Estado). Esta Regência provisória se manteria até a escolha da Regência permanente pela Assembléia Geral, na forma do art. 123 da Constituição de 1824.

Entretanto, os fatos do turbulento dia de 07 de abril de 1831 atropelaram as disposições constitucionais, já que a Imperatriz havia falecido (em 11.12.1826), não existiam outros herdeiros maiores de 25 anos e o Imperador, que deveria ter sido o Defensor Perpétuo do Brasil, havia subitamente abdicado: “A regulamentação constitucional, como se vê, pressupunha situações normais, enquanto o que acontecera naquele tumultuado 7 de abril fora anormalíssimo, excepcional, reclamando, desta sorte, tratamento diferente”. (PORTO, 1981, p.10)

No mesmo ato de abdicação foi constituída provisoriamente uma Regência Trina, composta pelos seguintes membros: Brigadeiro Francisco de Lima e Silva, José Joaquim Carneiro de Campos (o Marques de Caravelas) e pelo Senador Nicolau Pereira do Santos Vergueiro.

Iniciava-se o período regencial no Brasil e com ele aguçaram-se os debates sobre a reforma constitucional.


1.4.3 O ADVENTO DO ATO ADICIONAL DE 1834

Com o advento da era regencial, a pressão por maior autonomia provincial se intensificou, culminando na edição de uma verdadeira tentativa de revolução constitucional: o Ato Adicional de 1834.

O Ato Adicional de 1834 que instituiu a Regência Una, foi o resultado de um processo de negociação que se iniciara em 1831 e que concedeu autonomia às Províncias, estabelecendo a existência nelas de dois centros de poder: a Assembléia Legislativa – que substituiu os Conselhos Gerais, e a presidência provincial. (DOLHNIKOFF, 2005, p. 93 e 97)

Nas palavras do Padre FEIJÓ, Regente do Brasil, vislumbrava-se os limites da autonomia político-legislativa concedida às províncias:

Somente os negócios gerais, quais os direitos e obrigações dos cidadãos, os códigos criminal e de processo, o emprego das forças e do dinheiro foram excluídos da ação das assembléias provinciais. Hoje as províncias têm em seu meio a potência necessária para promover todos os melhoramentos materiais e morais. A seus filhos está encarregada a espinhosa tarefas, mas honrosa, de fazer desenvolver os recursos necessários a seu bem ser. (apud DOLHNIKOFF, 2005, p. 100)

Ou seja, a Constituição do Império foi alterada de tal forma que já se nota o despontar do embrião da futura federação brasileira.

O Ato Adicional de 1834, a Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834, foi votado observando os ritos previstos para a reforma da Constituição (DOLHNIKOFF, 2005, p. 97), bem como ao disposto na Lei de 12 de outubro de 1832, que determina que os eleitores, ao elegerem os membros da Câmara dos Deputados, para legislatura seguinte, lhes concederiam poderes para a reforma de inúmeros dispositivos da Constituição Imperial.

Devido a problemas gerados pela aplicação de normas jurídicas contidas no Ato Adicional de 1834, foi editado uma Lei Interpretativa deste diploma, Lei nº 105, de 12 de maio de 1840, restringindo os excessos desta experiência semi-federalista ocorrida durante o período regencial (DOLHNIKOFF, 2005, p. 125), inclusive com a possibilidade revogação de leis provinciais, por ato praticado pelo Poder Legislativo Geral (art. 8º), se afrontarem as interpretações autênticas conferidas por este diploma legal; bem como a faculdade de o presidente da província negar sanção a projeto de lei local que venha contrariar a Constituição do Império (art. 7º da Lei Interpretativa combinado com o art. 16 do Ato Adicional de 1834). (VIANNA, 1967, p.111)

Evidente que a história legislativa imperial não se encerra neste momento, mas a partir daqui o leitor já possui subsídios para a compreensão dos temas que serão a seguir estudados.

Nos capítulos seguintes pretende-se adentrar no estudo do Direito Tributário no Império do Brasil.

2 A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

2.1 A CONSTITUIÇÃO E O PODER DE TRIBUTAR

A partir da ascensão da doutrina constitucionalista (MORAES, 2003, p.35), no século XVIII, o poder de tributar, assim como qualquer espécie de poder, tem a sua origem no Povo, que se apresenta como o seu titular.

O Povo, por meio de seus representantes, reunido em assembléia constituinte, poderá instituir um Estado, por meio de uma Constituição:

A Constituição é a ordem fundamental jurídica da coletividade. Ela determina os princípios diretivos, segundo os quais deve formar-se unidade política e tarefas estatais ser exercidas. Ela regula procedimentos de vencimento d conflitos no interior da coletividade. Ela ordena a organização e o procedimento da formação da unidade política e da atividade estatal. Ela cria as bases e normaliza traços fundamentais da ordem total jurídica. Em tudo, ela é “o plano estrutural fundamental, orientado por determinados princípios de sentido, para a configuração jurídica de uma coletividade.” (HESSE, 1998, p.37)

Pelo fenômeno do constitucionalismo, o Povo, por meio da Constituição por ele proclamada, edificaria o Estado, delegaria poderes às entidades políticas do Estado, repartiria atribuições entre os órgãos estatais, criaria limites e os respectivos instrumentos para assegurar as liberdades individuais.

Dentro da perspectiva da delegação de poderes e a sua repartição entre os órgãos estatais, pode-se vislumbrar um dos fundamentos do Direito Tributário: o exercício da competência tributária.

2.2 O PODER DE TRIBUTAR E A COMPETÊNCIA LEGISLATIVA NA CHARTA MAGNA DE 1824

O Direito Tributário, como nós conhecemos, também só pode ser compreendido a partir dos eventos das revoluções burguesas do século XVIII que ensejaram o surgimento do fenômeno do constitucionalismo.

Pode-se afirmar, sem muitos receios, que um dos marcos, do direito tributário, foi a revolta popular contra a Lei do Selo de 22 de março de 1765, que impunha a obrigatoriedade de obtenção de selo público em todos os contratos, jornais e cartazes, mediante pagamento de taxa nas colônias americanas da Inglaterra. A Declaração dos colonos, oferecida ao rei Jorge III, se inspirou na idéia de que o Parlamento inglês não poderia impor uma tributação à sociedade (da colônia), pelo simples fato de que neste órgão legislativo não existiam representantes populares das colônias americanas, as quais sofreriam a imposição fiscal: not tributation without representation. A lei foi revogada em 1766.

Mais adiante, como o Parlamento metropolitano inglês pretendia instituir tributação adicional sobre o chá que seria exportado desta colônia para a metrópole, a comunidade de Boston reputou por injusta e abusiva a incidência deste tributo, o qual prejudicaria o seu comércio, bem como a vida econômica daquela sociedade: estava armado o palco para a deflagração da revolta, que culminou com o Massacre de Boston, em 5 de maio de 1770. (KERNAL, 2008, p. 77-79).

O tributo passou a ser compreendido como uma exceção a dois direitos fundamentais, o de livre obrigar-se e o de propriedade: ninguém está obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo senão em virtude lei (art. 179, I, da Constituição de 1824) e é assegurado a todos o direito de possui patrimônio (art. 179, XXII, da Constituição de 1824).

Ou seja, o indivíduo só estaria obrigado a pagar algo, contra a sua vontade, transferindo parte do seu patrimônio, se a lei (em sentido formal) assim o declarasse.


A Charta Magna de 1824 incorporava estes princípios, ao estabelecer, em seu art. 36, I, que era da competência privativa da Câmara dos Deputados, cujos representantes eram eleitos (para mandato provisório) pelo voto dos cidadãos habilitados (art. 35 e 90 da Constituição de 1824), a instauração do processo legislativo sobre impostos:

Os impostos e o recrutamento são dois gravames que pesam muito sobre os povos, são dois graves sacrifícios do trabalho ou propriedade, do sangue e da liberdade, são dois assuntos em que a nação demanda toda a poupança, meditação e garantias.

[…]

Se a Câmara rejeita a medida, a rejeição é peremptória, pois que o Senado não pode propô-la; se adota, os termos da adoção vêm já acompanhados do juízo expressado, das circunstâncias dos debates, de uma influência moral ou predomínio importante, que gera impressão sobre a opinião pública e que deve ser bem considerado pelo Senado, que antes disso não é chamado a manifestar suas idéias. Acresce que , por uma conseqüência lógica e rigorosa, o senado não pode mesmo emendar tais projetos no fim de aumentar por forma alguma o sacrifício do imposto […], ou de substituir a contribuição por outra mais onerosa, pois que seria exercer uma iniciativa nessa parte. Seu direito limita-se a aprovar, rejeitar ou emendar somente no sentido de diminuir o peso ou duração desses gravames

[…]

Tal é o privilégio que a Câmara dos Comuns mais zela na Inglaterra; ela não tolera que nenhuma medida que tem relação direta ou estreita com money-bill possa ser iniciada na Câmara dos Lordes. (SÃO VICENTE, 2002, p. 172-173)

Este poder conferido à Câmara dos Deputados se justificava, em verdade, pela natureza da composição deste órgão, no qual se faziam presentes os mandatários que representavam o Povo, de modo mais imediato:

Os deputados são os mandatários, os representantes os mais imediatos e ligados com a nação, com os povos. Tema a missão sagrada de expressar as idéias e desejos destes, de defender suas liberdades,, poupar os seus sacrifícios, servir de barreira a mais forte contra os abusos e invasões do poder, em suma, de substituir na Assembléia Geral a presença dessas frações sociais e da nação inteira cumpre pois que sejam escolhidos e eleitos por aqueles que lhes cometem tão importante mandato, cumpre que dependam só e unicamente daqueles de cujas idéias, necessidades e interesses, de cujo bem ser e progresso têm o destino de ser órgãos imediatos e fiéis. (SÃO VICENTE, 2002, p. 112)

Portanto, apesar do silêncio (e concordância tácita) sobre a escravidão (art. 94, II), apesar da manutenção do padroado (art. 102, II e XIV) et cetera, a Constituição de 1824 estava (formalmente) em plena sintonia com os baluartes liberais do século XIX, como vangloria LIMA:

A monarquia no Brasil achava-se estreitamente ligada ao sistema parlamentar e foi, até, no século XIX, sem falar na Inglaterra, alma mater do regime representativo e não obstante defeitos procedentes das deficiências políticas do meio, uma das expressões mais legítimas e pode mesmo dizer-se mais felizes. (LIMA, 1962, p. 371)

A competência tributária, portanto, seria o poder delegado pela Constituição para que órgãos do Estado pudessem, mediante Lei, instituir tributos. O exercício de tal competência, em última análise, pressupõe que aquele órgão teria, também, atribuição legiferante, já que o tributo deveria ser instituído mediante Lei em sentido formal (AMARO, 2005, p. 93):

Após a Independência constitui-se, no Brasil, o estado fiscal. A principal característica deste estado consiste em um “novo perfil da receita pública, que passou a se fundar nos empréstimos, autorizados e garantidos pelo legislativo, e principalmente nos tributos” em vez de estar consubstanciada nos ingressos originários do patrimônio do príncipe. Além disso, o tributo deixa de ser cobrado transitoriamente, vinculado a uma determinada necessidade conjuntural (ainda que, às vezes, continuasse sendo cobrado mesmo quando não existia mais necessidade, como se verificou no caso de dotes nupciais), para ser cobrado permanentemente. (BALTHAZAR, 2005, p.79)

A Lei (em sentido formal) é espécie legislativa que, por meio de determinado processo realizado pelos representantes políticos (art. 52 usque art. 70 da Constituição de 1824), a vontade do Estado fica cristalizada. A Lei, portanto, seria um instrumento de inserção, no ordenamento jurídico, daquelas normas que o Estado entende por criar, após a observância de determinado procedimento.

Em outras palavras, a lei é fruto da vontade popular, que, por meio de determinado procedimento, e concretiza as decisões políticas tomadas pelos mandatários do povo (deputados, senadores etc.), inserindo novas normas no ordenamento jurídico, permitindo que o povo se governe.

2.3 A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA NO IMPÉRIO DO BRASIL

2.3.1 A CONCENTRAÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

Como exposto, a Constituição de 1824 instituiu um Estado Unitário, em que as províncias não gozavam de autonomia, não participavam do exercício do poder político, o qual estava concentrado no ente central, que representava a Nação.

Se não existia repartição deste poder, sendo as Províncias mera extensão do ente político central, é evidente que não faria sentido que o legislador constituinte as dotasse de parcela do poder de tributar.

De fato, os Conselhos Gerais, que eram órgãos colegiados de deliberação sobre assuntos provinciais (art. 71 da Constituição de 1824), foram expressamente proibidos de instituir tributos (ELLIS, 1995, p.64):

Art. 83. Não se podem propôr, nem deliberar nestes Conselhos Projectos.

I. Sobre interesses geraes da Nação.

II. Sobre quaesquer ajustes de umas com outras Provincias.

III. Sobre imposições, cuja iniciativa é da competencia particular da Camara dos Deputados.

IV. Sobre execução de Leis, devendo porém dirigir a esse respeito representações motivadas á Assembléa Geral, e ao Poder Executivo conjunctamente.

Somente a Câmara dos Deputados detinha a atribuição privativa para iniciar os debates sobre a instituição de tributos, na forma do art. 36, I, da Charta imperial, logo, nenhum outro órgão estatal (central ou provincial) poderia iniciar o processo legislativo para a criação da lei tributária.


Note-se que a deliberação e a aprovação de uma lei (inclusive a tributária) era da atribuição da Assembléia Geral (arts. 13 e 15, VIII, da Constituição imperial), a qual era composta pela Câmara dos Deputados e pelo Senado (art. 14, da Constituição imperial).

Apesar de a atribuição para instituir a Lei tributária residir na Assembléia Geral, o exercício da iniciativa para apreciação de propostas de criação de lei tributária partia, necessariamente, da Câmara dos Deputados.

O Poder Legislativo, consoante a Charta Magna imperial, era delegado à Assembléia Geral, com a sanção do Imperador (art. 13 da Constituição imperial), isto é, o Imperador participava do exercício deste Poder, como se infere da interpretação dos arts. 64 a 70 da Constituição imperial. (SÃO VICENTE, 2002, p.111)

2.3.2 PROBLEMAS DECORRENTES DA CONCENTRAÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

Tendo em vista a concentração da competência tributária no Ente central, as Províncias ficaram na dependência de decisões políticas de repasses do tesouro público, algo que não ocorria com freqüência, tendo em vista o déficit fiscal crônico que assolava o governo imperial (LIMA, 1962, p.452) e que praticamente impedia a realização de significativas transferências.

Ademais, como exposto, o Império do Brasil recepcionou a legislação tributária lusitana e as Províncias, tendo em vista a penúria fiscal crônica, além de continuarem a cobrar tributos antigos, em flagrante agressão à Charta Magna, instituíram, dissimuladamente, novos tributos, inclusive sobre as mesmas hipóteses de incidência de tributos gerais (isto é, instituídos pelo ente central) (BALTHAZAR, 2005, p.82): “A Constituição de 1824 não resolveu o problema de competências tributárias. Alguns impostos eram cobrados várias vezes sobre o mesmo gênero.” (BALTHAZAR, 2005, p.81)

A situação se agravou a ponto que, em 1835, o Ministro da Fazenda Miguel Calmon du Pin e Almeida, por meio da Circular, de 17 de dezembro de 1827 (decisão nº 126), veio a exigir que as Juntas de arrecadação, nas províncias, elaborassem uma lista completa e circunstanciada de todos os “tributos e impostos”, com a indicação da denominação, da data da criação, do ato normativo que o instituiu, do valor arrecadado líquido (nos últimos três anos), bem como a indicação da despesa pública e do estado atual da dívida ativa da Nação, naquela Província.

Dois dias depois, por meio da Circular, de 19 de dezembro de 1827 (decisão nº 129), o mesmo Ministro da Fazenda exigiu que os presidentes das províncias informassem, minuciosamente os impostos “mais gravosos aos contribuintes e por isso mais nocivos ao desenvolvimento da riqueza pública”, de modo a ser possível determinar quais poderiam ser arrecadados diretamente pela Fazenda pública e quais poderiam ser arrematados por contratos. Requereu também informações sobre eventuais abusos quando da cobrança e fiscalização dos tributos e como corrigir estes excessos, tudo isto a fim de diminuir as despesas e aumentar as receitas.

Com o advento da primeira Lei orçamentária brasileira, a Lei de 14 de novembro de 1827, buscou-se organizar a precária relação entre despesas e receitas.

Apesar desta lei expressamente se referir ao Tesouro público da Corte e da Província do Rio de Janeiro, ela também conferia parâmetros para as demais províncias.

Note-se que as províncias deveriam concorrer para custear as despesas gerais, sendo que seus eventuais saldos existentes deveriam servir para o financiamento do governo central (art. 4º), tendo em vista o déficit público existente (art. 5º). Foram mantidos em vigor, para o exercício de 1828, todos os tributos que estavam sendo exigidos (art. 6º).

2.3.3 O ATO ADICIONAL DE 1834: O SURGIMENTO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA PROVINCIAL E A GUERRA FISCAL

2.3.3.1 O ATO ADICIONAL DE 1834.

O Ato Adicional de 1834, a Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834, transformou os Conselhos Gerais em Assembléias Legislativas (art. 1º) e delegou a estes órgãos diversas competências legislativas (art. 10), dentre elas as de fixar as “despesas municipais e provinciais e os impostos para elas necessários, contanto que não prejudiquem as imposições gerais do Estado”.

Recebendo esta competência legislativa, bastante genérica, o legislador, no art. 12, do mesmo Ato Adicional, também estabeleceu outro limite ao exercício do poder de tributar por aqueles órgãos legislativos provinciais: “As Assembléias Provinciais não poderão legislar sobre impostos de importação […]”.

Com o advento deste Ato Adicional ocorreu que as Províncias receberam poderes para instituir quaisquer tributos, desde que não prejudicassem as imposições gerais do Estado e que não se confundissem com os impostos de importação. (SÃO VICENTE, 2002, p.252)

2.3.3.2 INVASÕES DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA.

Evidente que estas vedações genéricas não bastavam para impedir os excessos dos legisladores provinciais, que reiteradamente invadiam a competência tributária do ente central:

É que as Assembléias Provinciais, contrariando proibição expressa da lei de 12 de agosto de 1834 (Ato Adicional), continuavam a legislar sobre importação e exportação, bem como sobre outras contribuições […] “A circulação dos produtos da indústria nacional é gravada em algumas Províncias com imposições quase proibitivas; em outras os próprios gêneros que já pagaram direitos de importação são novamente tributados, segundo a sua natureza e qualidade, com o intuito de proteger algumas fábricas estabelecidas nas ditas Províncias”. Impunha-se, assim, uma decisão sobre o assunto, pois, do contrário, não só seria perturbado o sistema fiscal, “como prejudicada profundamente a riqueza pública.” (SÃO VICENTE, 2002, p.252)

Em verdade, ao se dotar às províncias de competência tributária sem se estruturar um sistema tributário nacional, que de modo eficaz impedisse os conflitos no exercício deste poder de tributar, criou-se uma grande guerra fiscal no Império do Brasil, pois as províncias, em busca de novas fontes de receitas, instituíam muitas vezes adicionais aos impostos gerais ou então estabeleciam dissimuladamente impostos de importação ou de exportação (o que era vedado), ou tributavam o comércio interprovincial.

A razão para este fenômeno era, sem dúvidas, a escassez de fontes significativas de receitas provinciais:

Dois anos depois, Sales Tôrres Homem acentuava, também, e igualmente na posição de ministro da Fazenda, as distorções causadas pela exorbitância legislativa das Assembléias Provinciais, em matéria de impostos, com grave reflexo nas atividades do país. Mas esse era, sem dúvida, o resultado, que se agravava com o decorrer do tempo, do excessivo poder de tributar que detinha o governo central, em detrimento das províncias, as quais, na falta de recursos, exigidos pela evolução de sua própria economia, não viam outro meio para obtê-los senão desrespeitar os limites fiscais que lhes haviam sido traçados. (ELLIS, 1995, p.73)


2.3.3.3 CRISE FISCAL

Esta falta de recursos, justificada pela impossibilidade de criação de tributos, que pudessem incidir sobre relevantes fatos econômicos se agrava pelo fato que a sociedade brasileira do século XIX continuava a ter por principais atividades econômicas aquelas relacionadas com a monocultura agrícola, fundada no trabalho escravo, bem como, e a exportação destes produtos primários:

[…] podemos dizer que o Período Imperial se assemelhou ao Período Colonial em três aspectos: a economia do Brasil conservava-se monocultora, agro-exportadora e escravocrata. Outro ponto em comum residiu na importância dada ao imposto de importação, alterado conforme as necessidades e anseios protecionistas da Coroa. (BALTHAZAR, 2005, p.101)

As Províncias, portanto, eram praticamente compelidas a invadir a competência tributária do ente central, em busca de fontes de financiamento, tendo em vista que significativamente muito pouco restava para a incidência de eventuais tributos locais: “Na área provincial, como se viu, os governos locais, premidos pela falta de meios, eram levados a recorrer com freqüência, a impostos que conflitavam, ostensivamente, com sua reduzida competência tributária”. (BALTHAZAR, 2005, p.101).

Este conflito ficava mais evidente quando se tinha em conta que, antes mesmo do advento do Ato Adicional de 1834, por meio de leis ordinárias, o Império discriminou as competências tributárias do ente central e das Províncias, classificando-as em Receitas Gerais e Receitas Provinciais.

2.3.3.4 RECEITAS GERAIS E RECEITAS PROVINCIAIS: A REPARTIÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

O conceito de Receita Geral e de Receita Provincial foi inicialmente previsto na Lei nº 58, de 08 de outubro de 1833, que era a lei orçamentária para o exercício financeiro que foi de 1º de julho de 1834 a 30 de junho de 1835.

Inicialmente, como era de praxe nas leis orçamentárias imperiais, determinou-se que todos os impostos que haviam sido instituídos pela lei orçamentária de 24.10.1832 continuariam em vigor naquele exercício financeiro (art. 30, Lei nº 58, de 08 de outubro de 1833).

Por Rendas públicas integrantes da Receita geral (art. 36, da Lei nº 38, de 03 de outubro de 1834), enquanto lei geral não viesse a dispor especificamente sobre o tema, consideravam-se todos as receitas (inclusive os impostos) a que se referiam a Lei nº 58, de 08 de outubro de 1833, bem como os impostos provinciais da Corte e do Município do Rio de Janeiro.

Ou seja, a especificação das receitas gerais era discriminada de forma taxativa, numerus clausus, sendo que na Corte e no Município do Rio de Janeiro havia uma competência tributária cumulativa do ente central (art. 36, §1º, da Lei nº 38, de 03 de outubro de 1834) para cobrar os impostos provinciais, com exceção de alguns impostos que eram de competência da Câmara Municipal do Rio de Janeiro: os arrecadados pela Polícia e os foros anuais decorrentes de terreno de marinha, art. 37, §§1º e 2º, da Lei nº 38, de 03 de outubro de 1834.

As Rendas Provinciais (art. 39 da Lei nº 38, de 03 de outubro de 1834) eram as demais rendas que eram cobrados pelas Províncias e que não eram abarcadas pela competência tributária do ente central, passando a pertencer o produto da arrecadação à Receita Provincial, sendo possível a sua alteração pelas respectivas Assembléias Legislativas.

Ressalte-se que antes mesmos das alterações na competência tributária instituídas pelo Ato Adicional de 1834, a Lei orçamentária nº 58, de 08 de outubro de 1933 já fazia referência expressa ao poder de tributar das Províncias (art. 35), isto é, todos os impostos não inclusos dentro do conceito de Receita Geral, sendo permitido que os Conselhos Gerias (das províncias) fixassem o orçamento local.

A partir da Lei orçamentária nº 99, de 31 de outubro de 1835, que fixava as despesas e receitas para o exercício financeiro compreendido entre 1º de julho de 1936 e 30 de junho de 1937, ficou melhor delineado a amplitude das receitas gerais (art. 11). Por este diploma legislativo, as províncias recebiam uma espécie de competência tributária residual, que deveria ser exercida por sua Assembléia Legislativa (art. 12, da Lei nº 99, de 31 de outubro de 1835):

Ficam pertencendo à Receita Provincial todas as imposições não delineadas nos números do art. 11 antecedente; competindo ás Assembleas Provinciaes legislar sobre a sua arrecadação e altera-las, ou aboli-las, como julgarem conveniente.

O complicador na delimitação das competências tributárias residia no fato de que não existiam normas constitucionais dispondo sobre o tema, ficando ao arbítrio do legislador ordinário, ao elaborar as leis orçamentárias, definir a repartição do poder de tributar e também na existência de um efetivo sistema de controle de constitucionalidade das leis provinciais.

2.3.3.5 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA CHARTA MAGNA IMPERIAL E A GUERRA FISCAL

Ao contrário das Constituições republicanas que adotaram, na sua evolução, um misto do sistema americano-germânico para o Controle de Constitucionalidade das leis, a ser exercido pelo Judiciário, de forma difusa (por qualquer órgão jurisdicional, a partir de 1891) ou concentrada (pela nossa Corte Suprema, a partir de 1946), a Charta Magna imperial adotou o sistema britânico de controle, isto é, somente o Parlamento, órgão composto por representes populares, poderia realizar a fiscalização dos atos normativos à luz da nossa Constituição. (MENDES, 2007, p. 154 e 983)

Competia à Assembléia Geral velar pela guarda da Constituição, bem como interpretar, suspender ou revogar as Leis (art. 15, IX e X, da Constituição de 1824), pelo fato de que, pelos ensinamentos de SÃO VICENTE:

O art. 15, §9º da Constituição confirma uma atribuição que o direito de fazer as leis por certo importa; ele inclui necessariamente o direito de inspecionar, de examinar se elas são ou não fielmente observadas.

[…]

De todas as leis as que demandam maior inspeção, por isso mesmo que demandam o mais alto respeito, são as leis constitucionais, pois que são o fundamento de todas as outras e da nossa existência e sociedade política. São os títulos dos direitos dos poderes políticos, e não são só títulos de seus direitos, mas também de suas obrigações, não são só brasões de autoridades, são também garantias dos cidadãos; ligam o súdito e o poder; é por isso que a Constituição ordena que a Assembléia Geral que vele na guarda de seus preceitos. (SÃO VICENTE, 2002, p. 168)

Competia também à Assembléia Geral controlar os atos do Poder Executivo, limitando os seus poderes:

A principal vigilância que a Assembléia Geral deve exercer é que o poder executivo se encerre em sua órbita, que não invada o território constitucional dos outros poderes, é a primeira condição da pureza do sistema representativo e que decide das outras; que respeite as liberdades individuais.

A exata observância das leis ordinárias, das leis fiscais, cujos abusos são mui opressivos, das que promovem os melhoramentos vitais do país, como suas estradas e colonização, cuja omissão tanto pode afetar a sorte do povo, enfim de todas as normas da sociedade, muito interessada, ao seu desenvolvimento e bem-estar. (SÃO VICENTE, 2002, p. 168)


A Charta Magna de 1824 originariamente, por instituir um estado Unitário, sem delegar aos Conselhos Gerais provinciais competências legislativas, estabeleceu que as resoluções tomadas por estes órgãos deveriam ser remetidas ao Poder Moderador (o Imperador), por meio do Presidente da Província (art. 84, da Constituição imperial), o qual poderia mandar executar ou suspender a eficácia da resolução até ulterior deliberação da Assembléia Geral (arts. 86, 87, 88, e 101, IV, da Constituição imperial).

Se a Assembléia Geral estivesse reunida, deveria ser enviada diretamente para este órgão a resolução do Conselho geral provincial, nos termos do art. 85 (da Constituição imperial), para que fosse a proposta debatida como projeto de lei.

Em outras palavras, como os Conselhos Gerais tinham sua atribuição legislativa limitadíssimas, o risco de haver leis provinciais inconstitucionais também era (em tese) reduzido.

Com o advento do Ato Adicional de 1834 e a criação de Assembléias provinciais dotadas de competência legislativa, inclusive tributária, a situação se modificou, pois o risco de surgimento de leis inconstitucionais provinciais aumentou em muito (art. 10, da Lei nº 16, de 12, de agosto de 1834).

Este risco ficou tão evidente para SÃO VICENTE que ele analisa, de modo enérgico, a natureza de uma lei provincial inconstitucional:

§2º Das leis provinciais ofensiva das Constituição:

235. É evidente que qualquer lei provincial que ofender a constituição, ou porque verse sobre assunto a respeito de que a Assembléia Provincial não tenha faculdade de legislar, ou porque suas disposições por qualquer modo contrariem algum preceito fundamental, as atribuições de outro poder, os direitos ou liberdades individuais ou políticas dos brasileiros, é evidente, dizemos, que tal lei é nula, que não passa de um excesso ou abuso de autoridade.

Um ato tal é uma espécie de rebelião da autoridade provincial contra seu próprio título de poder. A própria A própria Assembléia Geral não tem direito para tanto, as Assembléias Provinciais não podem, pois, pretendê-lo. No caso de se dar tal abuso ele deve ser desde logo cassado. (SÃO VICENTE, 2002, p.251)

Como se daria esta cassação da lei provincial inconstitucional?

O art. 20, do Ato Adicional de 1834 (que reformou a Constituição imperial) atribuiu à Assembléia Geral poderes para revogar apenas as leis provinciais que ofendessem a Constituição, os impostos gerais, os direitos de outras províncias ou os tratados.

Entretanto, esta revogação não era automática, dependendo de expressa prática de ato pelo Poder legislativo (art. 8º da Lei nº 105, de 12 de maio de 1840 (Lei de Interpretação do Ato Adicional de 1834)).

A Lei nº 105, de 12 de maio de 1840 (Lei de Interpretação do Ato Adicional de 1834), estabelecia, no seu art. 10, §8º, a possibilidade de o Presidente provincial vetar (não sancionar) lei aprovada pela Assembléia Legislativa, por inconstitucionalidade (art. 7º). (SÃO VICENTE, 2002, p.258)

O problema envolvendo esta forma de controle de constitucionalidade era manifesta: a revogação (ou suspensão da eficácia) de uma Lei provincial, pela Assembléia Geral, necessitava de articulação política para que resultasse em deliberação no legislativo nacional, como ocorreu com o imposto de consumo (de giro) instituído pela Assembléia Legislativa pernambucana (1885), em manifesta afronta ao disposto no art. 10, §5º, do Ato Adicional de 1834. O Governo imperial preferiu manter-se inerte, não comprando esta briga, tendo em vista que a existência destas espécies de imposto provinciais era um “mal menor”: o Poder Executivo não desejava intervir para não gerar conflito com as Assembléias Provinciais. (MELLO, 1999, p.277-278)

Diante deste deficiente sistema de controle de constitucionalidade, o estudo dos limites ao poder de tributar ganha um realce maior.

3 LIMITES AO PODER DE TRIBUTAR

À luz do constitucionalismo, o poder de tributar, como qualquer outra forma de poder, tem como seu titular o próprio Povo, que o delega, pela Constituição a órgãos do Estado.

Evidente que o Povo não delega o poder de tributar de forma absoluta, ao contrário, limita o exercício destes poderes a fim de proteger os direitos fundamentais à liberdade e ao patrimônio.

Neste momento, busca-se estudar quais os limites ao poder de tributar que existiam no Direito do Império do Brasil.

3.1 LEGALIDADE

Não existia, no art. 179, da Constituição do Império, uma previsão explícita de que os tributos apenas poderiam ser instituídos por meio lei, em sentido formal.

Entretanto, facilmente se extrai este princípio da leitura da Constituição de 1824: estava assegurado, como direito fundamental dos cidadãos, que ninguém está obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo senão em virtude lei (art. 179, I, da Constituição de 1824) e é que seria assegurado, a todos, o direito de possuir patrimônio (art. 179, XXII, da Constituição de 1824).

Esta proclamação do império da Lei também se percebe quando se está diante da criação de tributos.

Nos termos da Constituição do Império, a atribuição privativa para se iniciar o processo legislativo para criação de tributos, nos termos do art. 36, I, era da Câmara dos Deputados, cujos representantes eram eleitos (para mandato provisório) pelo voto dos cidadãos habilitados (art. 35 e 90 da Constituição de 1824). Entretanto, a criação da Lei deveria se dar após procedimento que previa debate e deliberação em ambas as Casas do Poder Legislativo (arts. 55 e 60, da Constituição de 1824), com posterior sanção do Imperador, no exercício do Poder Moderador (art. 101, III, da Constituição de 1824).

Portanto, para a criação de tributos, nos termos da Constituição de 1824, exigia-se Lei, em sentido formal.

3.1.1 LEIS ORÇAMENTÁRIAS

Uma prática muito comum, durante o Império do Brasil, a partir da Lei orçamentária nº 58, de 08 de outubro de 1833, era a descrição e a possibilidade de instituição de tributos por meio das leis orçamentárias que iriam vigorar no exercício fiscal seguinte.

Nas próprias leis orçamentárias vinha a descrição dos tributos existentes e, em alguns casos, a instituição de outros ou a alteração das alíquotas dos tributos existentes.


3.1.2 TRATADOS INTERNACIONAIS

Os tratados internacionais podem ser considerados como o calcanhar de Aquiles do 1º Reinado e merecem um estudo mais detalhado.

Nos termos do art. 102, VII e VIII, da Constituição de 1824, competia ao Poder Executivo entabular negociações co


O poder simbólico do direito: uma introdução ao estudo do direito pela obra de Pierre Bourdieu

André Emmanuel Batista Barreto Campello1

Resumo

O presente texto buscou analisar e tecer reflexões acerca do fenômeno jurídico, dentro da perspectiva do poder simbólico traçada por PIERRE BOURDIEU, vislumbrando-se o Direito como uma forma de manifestação do poder simbólico, ao se constatar que as limitações às diversas formas de interpretação jurídica, representam, por si só, forma de controle social.

Palavras chave: Direito. Introdução. Crítica. Poder Simbólico. Pierre Bourdieu.

1 INTRODUÇÃO

Neste ensaio pretende-se iniciar a caminhada na construção de uma introdução ao problema do fenômeno jurídico, à luz da perspectiva dada por PIERRE BOURDIEU, vislumbrando o direito como uma forma de manifestação do poder simbólico, ao se constatar que as limitações às diversas formas de interpretação jurídica, representam, por si só, forma de controle social.

Em um primeiro momento analisa-se o direito como uma forma de controle social, verificando a sua natureza e como este se realiza por meio do poder simbólico.

Portanto, neste capítulo será estudado o Direito enquanto fenômeno social que tem por escopo o controle comportamental de uma coletividade com o escopo da manutenção do status quo.

A seguir, no capítulo seguinte pretendeu-se, à luz dos ensinamentos de Pierre Bourdieu, tecer reflexões acerca do monopólio do Estado da jurisdição e, portanto, da interpretação definitiva do direito, apontando suas razões e consequ?ências.

Ao final, na conclusão, busca-se consolidar o tema, sem esgotá-lo apresentando as perspectivas para novos caminhos.

2 O DIREITO COMO FORMA DE CONTROLE SOCIAL

2.1 O Direito é um fenômeno social

Não se pode conceber um Direito sem sociedade, ou mesmo uma sociedade sem normatização que venha a se valer de regras (ou princípios) para controlar/limitar a condutas dos indivíduos e grupos que lhes integram.

Seria possível até afirmar que, para que exista sociedade, faz-se necessário a existência de Direito, sendo este, portanto, uma necessidade daquela:

A sociedade sem o Direito não resistiria, seria anárquica, teria o seu fim. O Direito é a grande coluna que sustenta a sociedade. Criado pelo homem, para corrigir a sua imperfeição, o direito representa um grande esforço, para adaptar o mundo exterior às suas necessidades da vida.2

Evidente que não se fala aqui de que qualquer sociedade, para existir, terá necessariamente possuir uma codificação (fenômeno tipicamente ocidental) para reger a sua vida social, mas tal coletividade deverá estar regida por conjunto de normas que lhe conceda estabilidade e que permita o desenvolvimento de atividades econômicas e relativa segurança para os indivíduos e para as relações surgidas entre estes, a fim de evitar que a força (individual), por si só, seja o único elemento que defina o resultado das querelas da sociedade.

Neste sentido, algumas palavras de IHERING: “[…] Dessa forma, a preponderância do poder inclina-se paras o lado do direito, e a sociedade pode ser designada, por consequ?ência, como o mecanismo de auto-regulação da força conforme o direito.”3

Presume-se que os indivíduos, de uma dada sociedade, ao edificarem o Direito que irá reger as suas relações sociais e limitar a satisfação das suas necessidades, aceitam como legítimo tanto o poder que cria as normas, quanto válidas (e também) aceitáveis o conteúdos destas, pois, do contrário existiria, no mínimo, um contexto de subversão política, já que, estaria, em questionamento, a própria obediência ao estatuto social criado pelo poder político constituído.

Neste ponto, adequa-se, perfeitamente, a percepção de BOURDIEU acerca do poder simbólico e a noção de que ele pressupõe que os dominados se submetem espontaneamente ao controle porque possuem alguma crença neste comando:

[…] como o poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. Isto significa que o poder simbólico não reside nos “sistemas simbólicos” em forma de uma “illocutionary force” mas que se define numa relação determinada – e por meio desta – entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença. O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da competência das palavras.4

Pelo que foi apresentado, para a continuação deste ensaio, necessária a formulação de questões acerca de alguns aspectos:

(1) Se o Direito é um fenômeno social, como poderia este controlar a própria sociedade que o engedrou?

(2) Qual o fundamento de legitimidade para que o Direito possa se impor sobre uma determinada sociedade?

(3) Como o Estado consegue impor um Direito sobre uma sociedade?

Em verdade, uma introdução ao estudo do Direito deve partir precisamente daquilo que o Direito é: um instrumento de controle do comportamento dos indivíduos de uma sociedade a fim de manutenção de uma determinada estrutura social e rede de relações entre indivíduos, analisando-se a ciência do Direito e os significados deste fenômeno social.

2.2 O primeiro ponto de análise deve ser a compreensão da construção da “Ciência do Direito”

Ora, a construção de uma ciência jurídica, teria, por óbvio, uma faceta simbólica manifesta: a de apresentar ao espectador uma aparência de lógica, de autonomia, de sistema fechado, que serviria para isolar (para fins de estudo?) o fenômeno jurídico dos demais eventos sociais, ou das demais disciplinas, de modo que se pudesse construir e compreender o Direito, pelos seus próprios princípios, nos seus próprios termos. Bourdieu assim enfrenta o tema:

A ciência jurídica tal como concebem os juristas e, sobretudo, os historiadores do direito, que identificam a história do direito com a história do desenvolvimento interno dos seus conceitos e dos seus métodos, apreende o direito como um sistema fechado e autônomo, cujo desenvolvimento só pode ser compreendido segundo a sua dinâmica interna.5

Portanto, construir uma teoria pura, para o fenômeno jurídico, seria algo “natural”, dentro desta lógica da absoluta autonomia da ciência jurídica, tendo em vista que, se o direito constitui um sistema que se auto-explica, deveria conter categorias lógicas próprias. Bourdieu tece interessante crítica sobre a construção de uma teoria pura para o Direito:


A reivindicação da autonomia absoluta do pensamento e da acção jurídicos afirma-se na constituição em teoria de um modo de pensamento específico, totalmente liberto do peso social, e a tentativa de Kelsen para criar uma “teoria pura do direito” não passa do limite ultra-consequente do esforço de todo o corpo dos juristas para construir um corpo de doutrinas e de regras completamente independentes dos constrangimentos e das pressões sociais, tendo nele mesmo o seu próprio fundamento.6

A respeito do tema, deve ser lida também uma interessante crítica de Maman à construção kelseniana:

Muito mais para explicar, do que para compreender o fenômeno jurídico, constroem-se modelos teóricos que são pura ficção científica. Veja-se Kelsen e sua pretensa neutralidade axiológica e epistemológica. A neutralidade axiológica já não era colocada bem mesmo no Círculo de Viena. E a compreensão da realidade jurídica em termos de força material organizada está no neokantismo. A norma fundamental como pressuposto jurídico leva ao positivismo, que não é senão o represamento da decisão. Assim, toda a construção de Kelsen é uma construção dogmática que deve ser interpretada silogisticamente, segundo uma lógica superada […]. Kelsen lisonjeia o comodismo dos aplicadores do direito, com a lei, numa interpretação racional, abstrata, pré-moldada, podemos resolver todos os problemas. Abre caminho para a cibernética e a solução do computador.7

Esta concepção do direito como um fenômeno social isolado da própria sociedade que o cria, trabalhando-se com o mundo das normas positivadas, separando tais normas dos valores e contextos sociais que atribuem significado ao próprio ordenamento, repercutiu no ensino jurídico, que almeja apenas treinar/instruir “técnicos jurídicos”.

Ao buscar apenas formar quadros técnicos, o ensino jurídico estritamente dogmático retira do futuro operador do Direito a percepção de que este fenômeno social é alimentado, retro-alimentado e construído pelos mesmos atores sociais que estariam submetidos àquelas normas.

Bourdieu explica que esta construção de um discurso homogêneo para a “ciência jurídica” advém inclusive de formação jurídica também homogênea que os operadores do direito adquirem: uma tecnologia que lhes permitirá, pela vias do direito, trabalhar com os conflitos sociais:

A proximidade dos interesses e, sobretudo, a afinidade dos habitus, ligada a formações familiares e escolares semelhantes, favorecem o parentesco das visões de mundo. Segue-se daqui que as escolhas que o corpo deve fazer, em cada momento, entre interesses, valores e visões do mundo diferentes ou antagonistas têm poucas probabilidades de desfavorecer os dominantes, de tal modo o etos dos agentes jurídicos que está na sua origem e a lógica imanente dos textos jurídicos que são invocados tanto para justificar como para os inspirar estão adequados aos interesses, aos valores e à visão do mundo dos dominantes.8

As normas jurídicas não são entes independentes dos agentes sociais, são reflexos dos movimentos destes agentes sociais. Ao isolar as normas, busca-se construir uma impressão de que elas poderão existir para sempre, independente da pressão social: esta é a ideologia que prega a manutenção do status quo.

Portanto, o direito procura construir uma simbologia própria, para pela utilização delas por operadores do direito “aptos” e “treinados” para tanto, ou seja, controlar e manter dentro das expectativas do aceitável, os potenciais conflitos sociais que possam emergir das diversas interações entre os agentes socais.

O direito cria um discurso, baseado na forma, a fim limitar não apenas a atuação de agentes sociais, mas a própria interpretação das normas jurídicas, mas para tanto, para conseguir manter a eficácia destas regras (ou princípios), faz-se necessária a adesão daqueles que irão suportar o seu peso, e isto se concretiza pela perda do discernimento (dos destinatários das normas) que estão sob prescrições arbitrárias e que não estão aptos a questioná-las ou delas discordar:

É próprio da eficácia simbólica, como se sabe, não poder exercer-se senão com a cumplicidade – tanto mais cerca quanto mais inconsciente, e até mesmo mais subtilmente extorquida – daqueles que a suportam. Forma por excelência do discurso legítimo, o direito só pode exercer a sua eficácia específica na medida em que obtém o reconhecimento, quer dizer, na medida em que permanece desconhecida a parte maior ou menor de arbitrário que está na origem do seu funcionamento.9

2.3 Pelo distanciamento dos seus destinatários o Direito busca exercer o controle social

Como se daria este distanciamento? De modo brilhante, eis a percepção de Bourdieu:

A maior parte dos processos lingu?ísticos característicos da linguagem jurídica concorrem com efeito para produzir dois efeitos maiores. O efeito da neutralização é obtido por um conjunto de características sintáticas tais como o predomínio das construções passivas e das frases impessoais, próprias para marcar a impessoalidade do enunciado normativo e para constituir o enunciador em um sujeito universal, ao mesmo tempo imparcial e objetivo. O efeito da universalização é obtido por meio de vários processos convergentes: o recurso sistemático ao indicativo para enunciar normas, o emprego próprio da retórica da atestação oficial e do auto, de verbos atestativos na terceira pessoa do singular do presente ou do passado composto que exprimem o aspecto realizado [são] próprios para exprimirem a generalidade e atemporalidade da regra do direito: a referência a valores transubjectivos que pressupõem a existência de um consenso ético […]10

Ou seja, na construção das normas jurídicas, pretende-se apresentar aos seus destinatários um aspecto de impessoalidade e abstração, que, em verdade, apenas existiriam na edificação do discurso cristalizado na lei e que serviriam para, diante do leito/súdito da norma transmitir-lhe a crença de que a sua natureza (ou a sua finalidade) coincidiriam com a forma como foi redigida.

Neste sentido, Ferraz Jr.:

[…] o jurista da era moderna, ao construir os sistemas normativos, passa a servir aos seguintes propósitos, que são também seus princípios: a teoria instaura-se para o estabelecimento da paz, a paz do bem-estar social, a qual consiste não apenas na manutenção da vida, mas da vida mais agradável possível. Por meio de leis, fundamentam-se e regulam-se ordens jurídicas que devem ser sancionadas, o que dá ao direito um sentido instrumental, que deve ser captada como tal. As leis têm um caráter formal e genérico, que garante a liberdade dos cidadãos no sentido de disponibilidade. Nesses termos, a teoria jurídica estabelece uma oposição entre os sistemas formais do direito e a própria bordem vital, possibilitando um espaço juridicamente neutro para a perseguição legítimas da utilidade privada. Sobretudo, esboça-se uma teoria da regulação genérica e abstrata do comportamento por normas gerais que fundam a possibilidade da convivência dos cidadãos.11

A melhor forma de observar este distanciamento, pela forma como se redige as disposições normativas, é vislumbrar que o próprio ordenamento, pelo art. 11 da lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, prescreve a forma da redação legislativa:


Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas:

I – Para a obtenção de clareza:

  1. usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo quando a norma versar sobre assunto técnico, hipótese em que se empregará a nomenclatura própria da área em que se esteja legislando;
  2. usar frases curtas e concisas;
  3. construir as orações na ordem direta, evitando preciosismo, neologismo e adjetivações dispensáveis;
  4. buscar a uniformidade do tempo verbal em todo o texto das normas legais, dando preferência ao tempo presente ou ao futuro simples do presente;
  5. usar os recursos de pontuação de forma judiciosa, evitando os abusos de caráter estilístico;

II – Para a obtenção de precisão:

  1. articular a linguagem, técnica ou comum, de modo a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretende dar à norma;
  2. expressar a idéia, quando repetida no texto, por meio das mesmas palavras, evitando o emprego de sinonímia com propósito meramente estilístico;
  3. evitar o emprego de expressão ou palavra que confira duplo sentido ao texto;
  4. escolher termos que tenham o mesmo sentido e significado na maior parte do território nacional, evitando o uso de expressões locais ou regionais;
  5. usar apenas siglas consagradas pelo uso, observado o princípio de que a primeira referência no texto seja acompanhada de explicitação de seu significado;
  6. grafar por extenso quaisquer referências a números e percentuais, exceto data, número de lei e nos casos em que houver prejuízo para a compreensão do texto;
  7. indicar, expressamente o dispositivo objeto de remissão, em vez de usar as expressões ‘anterior’, ‘seguinte’ ou equivalentes;

III – Para a obtenção de ordem lógica:

  1. reunir sob as categorias de agregação – subseção, seção, capítulo, título e livro – apenas as disposições relacionadas com o objeto da lei;
  2. restringir o conteúdo de cada artigo da lei a um único assunto ou princípio;
  3. expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida;
  4. promover as discriminações e enumerações por meio dos incisos, alíneas e itens

Pelo discurso, pretende-se construir um mise-en-scène, desviando a atenção do leitor/súdito da norma para o verdadeiro desiderato do comando, gerando neste a crença na impessoalidade e neutralidade da norma jurídica:

Esta retórica da autonomia, da neutralidade e da universalidade, que pode ser o princípio de uma autonomia real dos pensamentos e das práticas, está longe de ser uma simples máscara ideológica. Ela é a própria expressão de todo o funcionamento do campo jurídico e, em especial, do trabalho de racionalização […] que o sistema das normas jurídicas está continuamente sujeito, e isto há séculos.12

Logo, para exercer o controle da sociedade, não basta apenas deter o monopólio da produção do direito, necessário também que haja uma limitação ao ato de interpretar as normas jurídicas.

Se o discurso cristalizado no direito positivo busca o controle da sociedade, necessário analisar-se, a seguir, quem detém o monopólio sobre a atuação de dizer o Direito, de dar a última palavra acerca da relação entre os fatos e as normas: o atuar do Estado-Juiz.

3 OS LIMITES PARA A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

3.1 O direito positivado, cristalizado em normas escritas, que estão corporificadas nas espécies legislativas, podem, sem dúvidas, subverter o próprio sistema.

Como poderia isto acontecer?

A construção do direito passa necessariamente da atuação ativa daqueles que interpretam e se adaptam às normas jurídicas, pois estes irão adequar as suas condutas àquilo que entendem, que podem extrair, de um determinado enunciado cristalizado na legislação.

Por óbvio, resta evidente que existirá em uma sociedade multicultural como a nossa a possibilidade de infindáveis possibilidades de interpretação destas normas jurídicas, tendo em vista a pluralidade de valores, visões de mundo, de contextos sociais que alimentarão a leitura/interpretação realizada pelos destinatários das normas jurídicas.

Evidentemente que existe um risco (decorrente de insegurança) se o conteúdo das normas jurídicas forem criados livremente pelos seus próprios intérpretes.

Reside aí a insegurança jurídica, que não pode ser tolerada, sob pena de que, pela ausência de um dos pilares que justificam a sua existência, venha o Direito perder a sua legitimidade em face dos seus súditos.

Por esta razão, para limitar a pluralidade de interpretações, o Direito limita: (a) o espaço em que este debate se realizará; (b) os atores legitimados para validamente realizar a interpretação das normas; e (c) a sua duração, concedendo ao Estado-Juiz a última palavra sobre o tema debatido.

3.2 BOURDIEU, de forma brilhante, percebe que este debate jurídico realizado sobre a válida interpretação das normas jurídicas deve ocorrer em um campo próprio:

O campo judicial é o espaço social organizado no qual e pelo qual se opera a transmutação de um conflicto directo entre partes directamente interessadas no debate juridicamente regulado entre profissionais que actuam por procuração e que têm de comum o conhecer e o reconhecer da regra do jogo jurídico, quer dizer, as lei escritas e não escritas do campo- mesmo quando se trata daquelas que é preciso conhecer para vencer a letra da lei […].13

E mais:


A constituição do campo jurídico é um princípio de constituição da realidade […]. Entrar no jogo, conformar-se com o direito para resolver o conflito, é aceitar tacitamente a adopção de um modo de expressão e de discussão que implica a renúncia violência física e às formas elementares de violência simbólica.14

3.3 Ao adentrar neste campo jurídico, os litigantes renunciam à possibilidade de solução própria individual do litígio, conferindo o poder de encontrar a interpretação adequada, ao caso concreto, para o Estado-Juiz, aceitando, portanto, as “regras do jogo”, para que possam ter acesso, de forma legítima, ao bem da vida que está sob disputa, mas, em regra, deverão as partes atuarem por meio de profissionais habilitados para tanto:

O campo jurídico reduz aqueles que, ao aceitarem entrar nele (pelo recurso da força ou a um árbitro não oficial ou pela procura direta de uma solução amigável), ao estado de clientes de profissionais; ele constitui os interesses pré-jurídicos dos agentes em causas judiciais e transforma em capital a competência que garante o domínio dos meios vê recursos jurídicos exigidos pela lógica do campo.15

3.4 O Direito não admite a eternização do debate e da disputa jurídica acerca dos bens da vida, pelo fato que, se assim ocorresse, a insegurança iria permear as relações humanas, tendo em vista que os conflitos não encontrariam fim, já que seria possível, aos litigantes, sempre reiterar (ou renovar) seus pontos de vista.

Para tanto, ao Estado-Juiz, é concedido o poder de pôr termo às disputas, apresentando a interpretação definitiva do fato, à luz do Direito:

Confrontação de pontos de vista singulares, ao mesmo tempo cognitivos e avaliativos, que é resolvida pelo veredicto solenemente enunciado de uma “autoridade” socialmente mandatada, o pliro representa uma encenação paradigmática da luta simbólica que tem lugar no mundo social: nesta luta em que se defrontam visões do mundo diferentes, e até mesmo antagonistas, que, à medida da sua autoridade, pretendem impor-se ao reconhecimento e, deste modo realizar-se, está em jogo o monopólio do poder de impor o princípio universalmente reconhecido de conhecimento do mundo social, o nomos como princípio universal de visão e de divisão […], portanto, de distribuição legítima.16

Ou seja, o monopólio da jurisdictio, de interpretar o mundo, está contido nas mãos do Estado, que em regra não delega a particulares os seus atos de jurisdição, como fica bem evidente no tipo “Exercício ilegal das próprias razões” (art. 350, do Código Penal), em que a parte, julga e age, em busca da concretização do direito que entende ser seu.

Note-se que nesta figura, o bem jurídico a ser tutelado por esta norma é a “administração da justiça”:

Tutela-se a administração da justiça. As figuras típicas constantes do artigo 350 ofendem o normal desenvolvimento da atividade judiciária, comprometendo a eficiência e o respeito devido às suas funções.17

No momento em que um particular acusa outro, em um jornal, por exemplo, de este cometer uma conduta criminosa, ele, ao externar sua interpretação dos fatos, está, em tese, praticando o crime de calúnia (art. 138, do Código Penal); se o Estado-Juiz, ao publicar uma sentença condenatória criminal no Diário Oficial (art. 393, do Código de Processo Penal), afirmando que determinado indivíduo praticou um crime, estará decidindo e, pela sua prestação jurisdicional, aplicando uma sanção ao criminoso.

Neste sentido Bourdieu aprofunda o tema:

O veredicto do juiz, que resolve os conflitos ou as negociações a respeito de coisas ou de pessoas ao proclamar publicamente o que elas são na verdade, em última instância, pertence à classe dos actos de nomeação ou de instituição, diferindo assim do insulto lançado por um simples particular que, enquanto discurso privado – idios logos – , que só compromete o seu autor, não tem qualquer eficácia simbólica; ele representa a forma por excelência da palavraautorizada, palavra pública, oficial, enunciada em nome de todos e perante todos: estes enunciados performativos, enquanto juízos de atribuição formulados publicamente por agentes que actuam como mandatários autorizados de uma colectividade e constituídos assim em modelos de todos os actos de categorização […], são actos mágicos que são bem sucedidos porque estão à altura de se fazerem reconhecer universalmente, portanto, de conseguir que ninguém possa recusar ou ignorar o ponto de vista, a visão, que eles impõem.18

E conclui que o Direito seria o poder simbólico por excelência, já que ele diz o que são as coisas, controlando a sociedade, moldando os rumos da história:

O direito é, sem dúvida, a forma por excelência do poder simbólico de nomeação que cria as coisas nomeadas e, em particular, os grupos; ele confere a estas realidades surgidas das suas operações de classificação toda a permanência, a das coisas, que uma instituição histórica é capaz de conferir a instituições históricas. O direito é a forma por excelência do discurso atuante, capaz, por sua própria força, de produzir efeitos. Não é demais dizer que ele faz o mundo social, mas com a condição de se não esquecer que ele é feito por este.19

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente ensaio tem por meta a construção de uma visão introdutória ao direito que vislumbre que o controle social realizado pelo direito tem como alicerce o poder simbólico deste instrumento de comando das condutas humanas. Inicialmente, buscou-se esmiuçar como este poder simbólico se constrói, partido da edificação de uma ciência do Direito, alijada de discursos não-jurídicos, passando pela criação de um quadro técnico apto a lidar com esta tecnologia jurídica e refletindo sobre a forma como é construído a sintática dos comandos legais, a fim de apresentar uma aparente neutralidade/abstração, com o escopo de impor ao leitor/destinatário das normas jurídicas uma falsa percepção sobre os seus desideratos.

Em um segundo momento pretendeu-se tecer uma reflexão de como os conteúdos do Direito são controlados pelo próprio estado, ao limitar o campo de debates, os atores deste debate e a duração do debate, com a apresentação, de uma “certeza” pelo Estado-Juiz.


De fato, como diz Bourdieu, o Direito é o poder simbólico por excelência, pelo fato de que as normas jurídicas são símbolos que controlam a conduta humana e que os membros de uma coletividade, seus súditos, a ele se submetem espontaneamente, cumprindo suas obrigações, seus deveres (e respeitando os direitos subjetivos alheios), sem questionamentos, sem subversão.

A adesão se baseia na crença, quase mítica (ou religiosa), sobre a natureza do conteúdo da norma, que é “verdadeira”, ou que “está correta”. Note-se que não há um debate com a Lei, pois esta não se apresenta para explicar, mas para mandar, comandar o seu leitor/destinatário.

Se existe algum debate, ele ocorre durante a aplicação da norma, sobretudo em uma relação processual, perante o Estado-Juiz, momento em que as partes, (em regra) representadas, deverão deduzir suas pretensões perante o magistrado, para este apresentar a interpretação definitiva do fato, perante o direito.

Note-se que em todos estes eventos, o destinatário da norma é alijado do debate, pois suas percepções pré-jurídicas (ou, até, não-jurídicas) não são ouvidas, seus valores, suas crenças pessoais, seu sentimento de “justiça”, são olimpicamente ignorados, posto que irrelevantes para o Direito.

Portanto, neste ensaio, pretendeu-se construir uma introdução ao direito partindo do pressuposto de que os símbolos jurídicos, e suas análises, são imprescindíveis para adequada compreensão do fenômeno jurídico e das relações humanas dele decorrentes.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz, 10. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.

FERRAZ JR.. Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

IHERING, Rudolf von. A finalidade do direito. Vol. 1. Tradução de José Antônio Faria Correa. Rio de Janeiro: Rio, 1979.

MAMAN, Jeannette Antonios. Fenomenologia existencial do direito: crítica do pensamento jurídico brasileiro. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2003.

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

PRADO, Luís Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.


Notas

1 Procurador da Fazenda Nacional. Ocupou os cargos de Advogado da União/PU/AGU. Procurador Federal/PFE/INCRA/PGF e Analista Judiciário – Executante de Mandados/TRT 16ª Região. Conciliador Federal – Seção Judiciária do Maranhão. Professor de Direito Tributário da Faculdade São Luís. Ex-professor substituto de Direito da UFMA.

2 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 9. ed., Rio de Janeiro. Forense, 1994, p.298.

3 IHERING, Rudolf von. A finalidade do direito. V. 1, tradução de José Antônio Faria Correa, Rio de Janeiro. Ed. Rio, 1979, p.160.

4 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz, 10. ed, Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2007, p.14-15.

5 BOURDIEU, Op.cit., p.209

6 Ibidem.

7 MAMAN, Jeannette Antonios. Fenomenologia existencial do direito: crítica do pensamento jurídico brasileiro. 2. ed. São Paulo. Quartier Latin, 2003. p. 45.

8 BOURDIEU, Op. cit., p.242.

9 BOURDIEU, Op.cit., p.243.

10 BOURDIEU, Op.cit., p.215-216.

11 FERRAZ JR.. Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo. Atlas, 2008. p. 44-45.

12 BOURDIEU, Op.cit., p.216.

13 BOURDIEU, Op.cit., p.229.

14 Ibidem.

15 BOURDIEU, Op.cit., p. 233.

16 BOURDIEU, Op.cit., p.236.

17 PRADO, Luís Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol. 4: parte especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 734.

18 BOURDIEU, Op.cit., p. 236-237.

19 BOURDIEU, Op.cit., p. 237.




A Prisão da Hermenêutica no Ensino do Direito Tributário: Em busca de novas possibilidades para o seu ensino e sua aplicação

André Emmanuel Batista Barreto Campello
Procurador da Fazenda Nacional, já exerceu os cargos de Advogado da União/PU/AGU, Procurador Federal/PFE/INCRA/PGF e Analista Judiciário – Executante de Mandados/TRT 16ª Região, bem como a função de Conciliador Federal – Seção Judiciária do Maranhão. É professor de Direito Tributário da Faculdade São Luís e ex-professor substituto de Direito da UFMA.
Especialista em Docência e Pesquisa no Ensino Superior.

RESUMO: Trata-se de artigo que tem por finalidade questionar as limitações interpretativas e integrativas do Direito Tributário, previstas nos arts. 107 a 112 do Código Tributário Nacional, demonstrando como a interferência destas normas cerceia, de modo injustificado, a aplicação e as possibilidades deste ramo do Direito, interferindo, inclusive, no ensino do Direito Tributário.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Tributário. Hermenêutica. Limites. Ensino. Crítica

SUMÁRIO: Introdução; 1 Erro e ilusão no Direito; 2 O Direito como forma de controle social; 3 Os limites para a interpretação do Direito; 4 O Problema da Criação do Conhecimento no Ensino do Direito; 5 A Prisão da Hermenêutica no Direito Tributário e o seu Ensino; 6 Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O fenômeno jurídico é uma instigante manifestação da experiência humana, não apenas porque serve de repositório dos valores da sociedade que o edifica, mas também porque, ao ser erigido, ganha uma autonomia que o torna uma entidade distinta, quase que como o seu fiscal.

Desta forma, o Direito carrega consigo uma força simbólica tão intensa que faz com que se permita até se auto-explicar, a servir de própria referência interpretativa.

O presente texto é uma crítica a esta construção tautológica do fenômeno jurídico: uma crítica específica aos limites interpretativos do Código Tributário Nacional.

A Lei nº 5.172/66, o nosso Código Tributário Nacional, criou um micro-sistema interpretativo-integrativo das normas tributárias, por força do art. 107 do CTN, cerceando a liberdade do operador do Direito, impedindo que outros métodos (ou perspectivas) interpretativos, pudessem arejar o abafado (e quase hermético) universo deste ramo do direito.

Neste texto, sobretudo, buscou-se tratar das possibilidades, ou seja, romper um paradigma que há mais de 40 anos impede que o direito tributário brasileiro possa vir a caminhar para outras rotas, em busca de outros fundamentos, que possam inspirar o aplicador do Direito quando vier a manejar as normas tributárias. Pretendeu-se vislumbrar possibilidades quando da aplicação do Direito, sobretudo quanto às possibilidades no ensino jurídico, quando a criatividade e as alternativas surgidas em sala de aula, poderão gerar frutos nos discentes, no momento que estiverem atuando como operadores do Direito.

Inicia-se o texto tratando do erro e da ilusão no estudo do Direito, sob a perspectiva de Edgar Morin, a fim de se deduzir, ao final, que não se pode aceitar uma racionalização cega quando da explicação dos fenômenos jurídicos.

A seguir passa-se a estudar a natureza simbólica do Direito: analisa-se o direito como uma forma de controle social, verificando a sua natureza e como este se realiza por meio do poder simbólico, vislumbrando o Direito enquanto fenômeno social que tem por escopo o controle comportamental de uma coletividade em busca da manutenção do status quo.

E, à luz dos ensinamentos de Bourdieu, faz-se reflexões acerca do monopólio do Estado da jurisdição e, portanto, da interpretação definitiva do direito, apontando suas razões e consequ?ências.

Em seguida, será apresentada a crítica à teoria do conhecimento científico dominante, na perspectiva de Santos, com a finalidade de, a partir dos elementos desta crítica, demonstrar que não é possível em sala de aula se construir um válido conhecimento científico sem que haja uma atuação ativa do discente.

Por fim, pretende-se revelar que a tautológica construção do Código Tributário Nacional nada mais representa que uma simbólica forma de cercear a liberdade hermenêutica, edificada em um outro contexto histórico, para finalidades que se perderam no tempo e que, sob égide da Charta Magna de 1998, não seria mais possível se tolerar esta restrição, então decorreria a possibilidade de que, tanto o operador do Direito, quanto o professor, possa vir a superar estas limitações apresentadas pelo CTN.

1 ERRO E ILUSÃO NO DIREITO

Estudar o fenômeno jurídico é uma atividade que exige, daquele que pretende realizá-la, não apenas o conhecimento do direito-que-aí-está, mas a possibilidade de compreender o Direito além dos seus próprios limites.

No campo das aparências, o Direito, por diversas vezes, busca se apresentar como um universo fechado, com sua tecnologia lingu?istica própria e que contém os elementos necessários (e suficientes) para fornecer sua própria compreensão. Isto é, tratar-se-ia de um espaço do conhecimento humano em que suas conclusões e “verdades” seriam retiradas das relações lógica entre os seus próprios elementos: uma estranha tautologia científica.

Para ilustrar tal situação, poderia-se imaginar uma hipotética sala de aula em que um aluno, chamado Sócrates, iria formular uma pergunta a um professor que estaria ministrando aula de, por exemplo, Direito Tributário: – O que seria uma “lei”?

Em uma resposta bastante direta, o professor poderia afirmar que se trata de uma espécie legislativa prevista no art. 59 da Constituição Federal, podendo se apresentar como lei ordinária ou lei complementar (art. 68 da Constituição), mas que, em ambos os casos, introduziriam normas no nosso ordenamento que obrigariam as condutas dos sujeitos de direito (art. 5º, II, da Constituição).

Tal resposta, evidentemente, parte de um pressuposto, a de que o conceito de “lei” pode ser extraído apenas da Constituição Federal. Verifica-se que se trata de uma resposta dogmática, que se fundaria apenas na lógica lingu?ística, semântica, isto é, na tecnologia do próprio Direito.

Note-se que a primeira resposta apresentada não é uma verdade absoluta, mas um discurso retórico, no sentido que se pretende, pelos argumentos apresentados, convencer o discente Sócrates que as conclusões são verdadeiras, à luz do direito-que-aí-está.

Importante atentar para as palavras de Santos (1989, p.96-97) sobre a verdade científica, cuja natureza não coincide com a idéia de revelação, mas com persuasão:

[…] a verdade é a retórica da verdade. Se a verdade é o resultado, provisório e momentâneo, da negociação de sentido que tem lugar na comunidade científica, a verdade é intersubjetiva e, uma vez que essa intersubjetividade é discursiva, o discurso retórico é o campo privilegiado da negociação de sentido. A verdade é, pois, o efeito de convencimento dos vários discursos de verdade em presença. A verdade de um discurso de verdade não é algo que lhe pertença inerentemente, acontece-lhe no decurso do discurso em luta com outros discursos num auditório de participantes competentes e razoáveis […]

Retornado à hipotética sala de aula: apresentada tal explicação pelo professor, poderia o aluno Sócrates solicitar a palavra e a permissão para formular novas perguntas. Verificando o professor que haveria tempo e que ele não estaria “atrasado” com o “conteúdo da disciplina”, a permissão seria concedida.


Tal aluno, empolgado, então se “liberta” e indaga: “então “lei” é só o que a Constituição afirma que é “lei”? Pode existir outra espécie legislativa que tenha a mesma força de “lei”, mas que não seja “lei”? Medida Provisória (art. 62 CF) tem “força de lei”, mas não é “lei”, como isto é possível? “Lei” obriga, mas “decreto” não obriga? Qual a essência da distinção entre “lei” e “decreto”? O que é que a “lei” tem, em sua essência, que permite a esta espécie legislativa criar obrigações para os indivíduos? Existe alguma essência no conceito de “lei” que não seja jurídico? A coerção e imperatividade da “lei” advém do Direito ou do Poder? O Poder interfere no Direito ou o comanda?”

Perplexidade: tais reflexões, que são todas pertinentes com o tema, inicialmente, são uma mera decorrência da busca de concatenação entre os conceitos jurídico-constitucionais, mas, a seguir, evoluem para questionamentos que transcendem o próprio Direito.

Sob uma visão dogmática, algumas destas perguntas não possuem resposta no campo do Direito, já que apresentam problemas que buscam respostas em outros ramos do conhecimento. As respostas que poderiam ser oferecidas ao aluno Sócrates seriam aquelas que apenas poderiam ser obtidas pela utilização lógica da tecnologia jurídica.

Evidentemente que tal perspectiva não é aceitável, pois o fenômeno jurídico não pode ser resumido ao direito-que-aí-está. O Direito não é suficiente para se auto-explicar, pois não seria possível construir uma Ciência do Direito fundada, tão-somente, nos elementos dados pela própria tecnologia jurídica, sob pena de nada desvendar, nada responder.

Poder-se-ia, portanto, concluir que aplicar a racionalidade ao estudo do fenômeno jurídico nos levaria a admitir, necessariamente, que as respostas aos questionamentos jurídicos não poderiam se adstringir apenas à tecnologia lingu?ística do Direito, ou seja, não pode se admitir que o estudo jurídico seja hermético, fechado sobre si próprio.

Com perspicácia, Morin (2000, p.23) analisa este problema e dele extrai o princípio da incerteza racional, ao fazer uma distinção entre racionalidade construtiva e a racionalização:

A racionalidade é a melhor proteção contra o erro e a ilusão. Por uma lado existe a racionalidade construtiva que elabora teorias coerentes, verificando o caráter lógico da organização teórica, a compatibilidade entre as idéias que compõem a teoria, a concordância entre suas asserções e os dados empíricos aos quais se aplica: tal racionalidade deve permanecer aberta ao que contesta para evitar que se feche em doutrina e se converta em racionalização [que, por sua vez] se crê racional porque constitui um sistema lógico perfeito, fundamentado na dedução ou na indução, mas fundamenta-se em bases mutiladas ou falsas e nega-se à contestação de argumentos e à verificação empírica. A racionalização é fechada, a racionalidade é aberta.

Por esta razão, não poderia o conhecimento científico arvorar-se como um reflexo puro e simples da realidade. O método científico moderno não se basta para produzir a explicação da realidade: “A ciência moderna não é a única explicação possível da realidade e não há sequer qualquer razão científica para a considerar melhor que as explicações alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou da poesia.” (SANTOS, 1989, p.83)

A incerteza, deve ser considerada como algo intrínseco ao conhecimento humano e, portanto, à própria ciência. Note-se que tal incerteza é intrínseca ao fenômeno jurídico, tendo em vista que este é edificado sobre a linguagem, sobre o ato comunicativo, e que, essencialmente, não se pode construir para a Ciência do Direito um método de estudo do seu objeto que o admita como inalterável, imutável, estático.

Inegavelmente, o Direito somente conteria esta incerteza, porque na verdade ele poderia ser compreendido como símbolo, sobre o qual seria admitida a aplicação da hermenêutica, tema que será objeto de estudo no próximo capítulo.

2 O DIREITO COMO FORMA DE CONTROLE SOCIAL

2.1 O direito é um fenômeno social: não se pode conceber um Direito sem sociedade, ou uma sociedade sem normatização, que venha a se valer de regras (ou princípios) para controlar/limitar a condutas dos indivíduos e dos grupos que lhes integram. Seria possível até afirmar que, para que exista sociedade, faz-se necessário a existência do Direito, sendo este, portanto, uma necessidade daquela:

A sociedade sem o Direito não resistiria, seria anárquica, teria o seu fim. O Direito é a grande coluna que sustenta a sociedade. Criado pelo homem, para corrigir a sua imperfeição, o direito representa um grande esforço, para adaptar o mundo exterior às suas necessidades da vida.(NADER, 1994, p.298)

Evidente que não se fala aqui de que qualquer sociedade, para existir, terá necessariamente que possuir uma codificação (fenômeno tipicamente ocidental) para reger a sua vida social, mas tal coletividade deverá estar regida por um conjunto de normas que lhe conceda estabilidade e que permita o desenvolvimento de atividades econômicas e relativa segurança tanto aos indivíduos, quanto às relações surgidas entre estes, a fim de evitar que a força (individual), por si só, seja o único elemento que possa definir o resultado das querelas da sociedade.

Presume-se que os indivíduos, de uma dada sociedade, ao edificarem o Direito que irá reger as suas relações sociais e limitar a satisfação das suas necessidades, aceitam como legítimo tanto o poder que cria as normas, quanto válidas (e também aceitáveis) os conteúdos destas, pois, do contrário existiria, no mínimo, um contexto de subversão política, já que, estaria, em questionamento, a própria obediência ao estatuto social criado pelo poder político constituído.

De certa forma, o Direito estrutura-se segundo a forma como uma sociedade se enxerga, trazendo consigo uma forte característica simbólica, em outras palavras, a forma como a sociedade edifica seu direito, cristalizando normas e positivando princípios, que, na verdade fazem com que este espelho seja um reflexo daquilo que ela é, ou daquilo que ela busca esconder de si mesma:

[…] Ou seja, as sociedades são a imagem que têm de si vistas nos espelhos que constroem para reproduzir as identificações dominantes num dado momento histórico. São os espelhos que, ao criar sistemas e práticas de semelhança, correspondência e identidade, asseguram as rotinas que sustentam a vida em sociedade. Uma sociedade sem espelhos é uma sociedade aterrorizada pelo seu próprio terror. […] A ciência, o direito, a educação, a informação, a religião e a tradição estão entre os mais importantes espelhos das sociedades contemporâneas. O que eles reflectem é o que as sociedades são, Por detrás ou para além deles, não há nada. (SANTOS, 2000, p. 45-46)

Pelo que foi apresentado, para a continuação deste ensaio, se faz necessária a formulação de questões acerca de alguns aspectos: a) Se o Direito é um fenômeno social, como poderia este controlar a própria sociedade que o engedrou? b) Qual o fundamento de legitimidade para que o Direito possa se impor sobre uma determinada sociedade? c) Como o Estado consegue impor um Direito sobre uma sociedade?


2.2 O primeiro ponto de análise deve ser a compreensão da construção da “Ciência do Direito”

Ora, a construção de uma ciência jurídica, teria, por óbvio, uma faceta simbólica manifesta: a de apresentar ao espectador uma aparência de lógica, de autonomia, de sistema fechado, que serviria para isolar (para fins de estudo?) o fenômeno jurídico dos demais eventos sociais, ou das demais disciplinas, de modo que se pudesse construir e compreender o Direito, pelos seus próprios princípios, nos seus próprios termos. Bourdieu (2007, p.209) assim enfrenta o tema:

A ciência jurídica tal como concebem os juristas e, sobretudo, os historiadores do direito, que identificam a história do direito com a história do desenvolvimento interno dos seus conceitos e dos seus métodos, apreende o direito como um sistema fechado e autônomo, cujo desenvolvimento só pode ser compreendido segundo a sua dinâmica interna.

Portanto, construir uma teoria pura, para o fenômeno jurídico, seria algo “natural”, dentro desta lógica da absoluta autonomia da ciência jurídica, tendo em vista que, se o direito constitui um sistema que se auto-explica, deveria conter categorias lógicas próprias. Bourdieu (2007, p. 209) tece interessante crítica sobre a construção de uma teoria pura para o Direito:

A reivindicação da autonomia absoluta do pensamento e da acção jurídicos afirma-se na constituição em teoria de um modo de pensamento específico, totalmente liberto do peso social, e a tentativa de Kelsen para criar uma “teoria pura do direito” não passa do limite ultra-consequente do esforço de todo o corpo dos juristas para construir um corpo de doutrinas e de regras completamente independentes dos constrangimentos e das pressões sociais, tendo nele mesmo o seu próprio fundamento.

A respeito do tema, deve ser lida também uma interessante crítica de Maman (2003, p.45) a esta construção kelseniana:

Muito mais para explicar, do que para compreender o fenômeno jurídico, constroem-se modelos teóricos que são pura ficção científica. Veja-se Kelsen e sua pretensa neutralidade axiológica e epistemológica. A neutralidade axiológica já não era colocada bem mesmo no Círculo de Viena. E a compreensão da realidade jurídica em termos de força material organizada está no neokantismo. A norma fundamental como pressuposto jurídico leva ao positivismo, que não é senão o represamento da decisão. Assim, toda a construção de Kelsen é uma construção dogmática que deve ser interpretada silogisticamente, segundo uma lógica superada […].

Kelsen lisonjeia o comodismo dos aplicadores do direito, com a lei, numa interpretação racional, abstrata, pré-moldada, podemos resolver todos os problemas. Abre caminho para a cibernética e a solução do computador.

Esta concepção do direito como um fenômeno social isolado da própria sociedade que o cria, trabalhando com o mundo das normas positivadas, separando tais normas dos valores e contextos sociais que atribuem significado ao próprio ordenamento, repercutiu no ensino jurídico, que almeja apenas treinar/instruir “técnicos jurídicos”.

Ao buscar apenas formar quadros técnicos, o ensino jurídico estritamente dogmático retira do futuro operador do Direito a percepção de que este fenômeno social é alimentado, retro-alimentado e construído pelos mesmos atores sociais que estariam submetidos àquelas normas.

Bourdieu (2007, p.242) explica que esta construção de um discurso homogêneo para a “ciência jurídica” advém inclusive de formação jurídica também homogênea que os operadores do direito adquirem: uma tecnologia que lhes permitirá, pela vias do direito, trabalhar com os conflitos sociais:

A proximidade dos interesses e, sobretudo, a afinidade dos habitus, ligada a formações familiares e escolares semelhantes, favorecem o parentesco das visões de mundo. Segue-se daqui que as escolhas que o corpo deve fazer, em cada momento, entre interesses, valores e visões do mundo diferentes ou antagonistas têm poucas probabilidades de desfavorecer os dominantes, de tal modo o etos dos agentes jurídicos que está na sua origem e a lógica imanente dos textos jurídicos que são invocados tanto para justificar como para os inspirar estão adequados aos interesses, aos valores e à visão do mundo dos dominantes.

As normas jurídicas não são entes independentes dos agentes sociais, são reflexos dos seus movimentos. Ao isolar as normas, busca-se construir uma impressão de que elas poderão existir para sempre, independente da pressão social: esta é a ideologia que prega a manutenção do status quo.

2.3 Portanto, o Direito procura construir uma simbologia própria para, pela sua utilização por operadores do direito “aptos” e “treinados”, que seja possível controlar e manter, dentro das expectativas do aceitável, os potenciais conflitos sociais que possam emergir das diversas interações entre os agentes sociais.

O Direito cria um discurso, baseado na forma, a fim limitar não apenas a atuação de agentes sociais, mas a própria interpretação das normas jurídicas, mas para tanto, para conseguir manter a eficácia destas regras (ou princípios), faz-se necessária a adesão daqueles que irão suportar o seu peso, e isto se concretiza pela perda do discernimento (dos destinatários das normas), do seu potencial para a questioná-las ou delas discordar, por não estarem “tecnicamente aptos”:

É próprio da eficácia simbólica, como se sabe, não poder exercer-se senão com a cumplicidade – tanto mais cerca quanto mais inconsciente, e até mesmo mais subtilmente extorquida – daqueles que a suportam. Forma por excelência do discurso legítimo, o direito só pode exercer a sua eficácia específica na medida em que obtém o reconhecimento, quer dizer, na medida em que permanece desconhecida a parte maior ou menor de arbitrário que está na origem do seu funcionamento.(BOURDIEU, 2007, p.243)

SANTOS, de forma brilhante, cria uma imagem, uma metáfora, muito forte para demonstrar as consequ?ências este distanciamento entre o Direito e a sociedade que o engedrou: o Direito seria uma espelho da sociedade, refletindo suas estruturas, seus valores, seus ideais, entretanto, tal espelho ganha “vida”, ou seja, a imagem passa a ser uma estátua viva, autônoma em face da coletividade que ela representa. Seria como se o Davi, de Michelangelo, ou a sua Pietá, passassem a exigir que a beleza humana fosse aferida pelos seus parâmetros, pela sua irreal estética:

[…] os espelhos sociais, porque são eles próprios processos sociais, têm vida própria e as contingências dessa vida podem alterar profundamente a sua funcionalidade enquanto espelhos. […] Quanto maior é o uso de um dado espelho e quanto mais importante é esse uso, maior é probabilidade de que ele adquira vida própria. Quando isto acontece, em vez de a sociedade se ver reflectida no espelho, é o espelho a pretender que a sociedade a reflicta. De objecto do olhar, passa a ser, ele próprio, olhar. Um olhar imperial e imperscrutável, porque se, por uma lado, a sociedade deixa de ser reconhecer nele, por outro não entende sequer o que o espelho pretende reconhecer nela. É como se o espelho passasse de objetcto trivial a enigmático super-sujeito, de espelho passasse a estátua. Perante a estátua, a sociedade pode, quando muito, imaginar-se como foi ou, pelo contrário, como nunca foi. Deixa, no entanto, de ver nela uma imagem credível do que imagina ser quando olha. A actualidade do olhar deixa de corresponder à actualidade da imagem.

Quando isto acontece, a sociedade entra numa crise que podemos designar crise da consciência especular: de um lado, o olhar da sociedade à beira do terror de ver refletida nenhuma imagem que reconheça como sua; do outro lado, o olhar monumental, tão fixo quanto opaco, do espelho tornado estátua que parece atrair o olhar da sociedade, não para que este veja, mas para que seja vigiado.. Entre os muitos espelhos das sociedades modernas, dois deles, pela importância que adquiriram, parecem ter passado de espelhos a estátuas: a ciência e o direito.(SANTOS, 2000, p. 45-46)


2.4 Pelo distanciamento dos seus destinatários o Direito busca exercer o controle social. Como se daria este distanciamento? De modo brilhante, eis a percepção de Bourdieu (2007, p. 215-216):

[…] A maior parte dos processos lingu?ísticos característicos da linguagem jurídica concorrem com efeito para produzir dois efeitos maiores. O efeito da neutralização é obtido por um conjunto de características sintáticas tais como o predomínio das construções passivas e das frases impessoais, próprias para marcar a impessoalidade do enunciado normativo e para constituir o enunciador em um sujeito universal, ao mesmo tempo imparcial e objetivo. O efeito da universalização é obtido por meio de vários processos convergentes: o recurso sistemático ao indicativo para enunciar normas, o emprego próprio da retórica da atestação oficial e do auto, de verbos atestativos na terceira pessoa do singular do presente ou do passado composto que exprimem o aspecto realizado [são] próprios para exprimirem a generalidade e atemporalidade da regra do direito: a referência a valores transubjectivos que pressupõem a existência de um consenso ético […]

Ou seja, na construção das normas jurídicas, pretende-se apresentar aos seus destinatários um aspecto de impessoalidade e abstração, que, em verdade, apenas existiriam na edificação do discurso cristalizado na lei e que serviriam para, diante do leitor/súdito da norma, transmitir-lhe a crença de que a sua natureza (ou a sua finalidade) coincidiria com a forma como foi redigida. Neste sentido, FERRAZ JR. (2008, p. 45-46):

[…] o jurista da era moderna, ao construir os sistemas normativos, passa a servir aos seguintes propósitos, que são também seus princípios: a teoria instaura-se para o estabelecimento da paz, a paz do bem-estar social, a qual consiste não apenas na manutenção da vida, mas da vida mais agradável possível. Por meio de leis, fundamentam-se e regulam-se ordens jurídicas que devem ser sancionadas, o que dá ao direito um sentido instrumental, que deve ser captada como tal. As lei tem um caráter formal e genérico, que garante a liberdade dos cidadãos no sentido de disponibilidade. Nesses termos, a teoria jurídica estabelece uma oposição entre os sistemas formais do direito e a própria bordem vital, possibilitando um espaço juridicamente neutro para a perseguição legítimas da utilidade privada. Sobretudo, esboça-se uma teoria da regulação genérica e abstrata do comportamento por normas gerais que fundam a possibilidade da convivência dos cidadãos.

Pelo discurso, pretende-se construir um mise en scène, desviando a atenção do leitor/súdito da norma do verdadeiro desiderato do comando, gerando neste a crença na impessoalidade e neutralidade da norma jurídica:

Esta retórica da autonomia, da neutralidade e da universalidade, que pode ser o princípio de uma autonomia real dos pensamentos e das práticas, está longe de ser uma simples máscara ideológica. Ela é a própria expressão de todo o funcionamento do campo jurídico e, em especial, do trabalho de racionalização […] que o sistema das normas jurídicas está continuamente sujeito, e isto há séculos. (BOURDIEU, 2007, p.216)

Logo, para exercer o controle da sociedade, não basta apenas deter o monopólio da produção do direito, sendo necessário também que haja uma limitação ao ato de interpretar as normas jurídicas.

Se o discurso cristalizado no direito positivo busca o controle da sociedade, necessário analisar, a seguir, quem detém o monopólio sobre a atuação de dizer o Direito, de dar a última palavra acerca da relação entre os fatos e as normas: o atuar do Estado-Juiz.

3 OS LIMITES PARA A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

3.1 O direito positivado, cristalizado em normas escritas, que estão corporificadas nas espécies legislativas, podem, sem dúvidas, subverter o próprio sistema. Como poderia isto acontecer?

A construção do direito passa necessariamente da atuação ativa daqueles que interpretam e se adaptam às normas jurídicas, pois estes irão adequar as suas condutas àquilo que entendem, que podem extrair, de um determinado enunciado cristalizado na legislação.

Por óbvio, resta evidente que existirá em uma sociedade multicultural como a nossa a possibilidade de infindáveis possibilidades de interpretação destas normas jurídicas, tendo em vista a pluralidade de valores, visões de mundo, de contextos sociais que alimentarão a leitura/interpretação realizada pelos destinatários das normas jurídicas.

Evidentemente que existe um risco (decorrente de insegurança) se o conteúdo das normas jurídicas forem criados livremente pelos seus próprios intérpretes. Aí reside a insegurança jurídica, que não pode ser tolerada, sob pena de que, pela ausência de um dos pilares que justificam a sua existência, venha o Direito perder a sua legitimidade em face dos seus súditos.

Por esta razão, para limitar a pluralidade de interpretações, o Direito limita: (a) o espaço em que este debate se realizará; (b) os atores legitimados para validamente realizar a interpretação das normas; e (c) a sua duração, concedendo ao Estado-Juiz a última palavra sobre o tema debatido.

3.2 Bourdieu (2007, p. 229), de forma brilhante, percebe que este debate jurídico realizado sobre a válida interpretação das normas jurídicas deve ocorrer em um campo próprio:

O campo judicial é o espaço social organizado no qual e pelo qual se opera a transmutação de um conflicto directo entre partes directamente interessadas no debate juridicamente regulado entre profissionais que actuam por procuração e que têm de comum o conhecer e o reconhecer da regra do jogo jurídico, quer dizer, as lei escritas e não escritas do campo- mesmo quando se trata daquelas que é preciso conhecer para vencer a letra da lei […].

E mais:

A constituição do campo jurídico é um princípio de constituição da realidade […]. Entrar no jogo, conformar-se com o direito para resolver o conflito, é aceitar tacitamente a adopção de um modo de expressão e de discussão que implica a renúncia violência física e às formas elementares de violência simbólica. (BOURDIEU, 2007, p. 233)

3.3 Ao adentrar neste campo jurídico, os litigantes renunciam à possibilidade de solução própria individual do litígio, conferindo o poder de encontrar a interpretação adequada, ao caso concreto, para o Estado-Juiz, aceitando, portanto, as “regras do jogo”, para que possam ter acesso, de forma legítima, ao bem da vida que está sob disputa, mas, em regra, deverão as partes atuar por meio de profissionais habilitados para tanto:


O campo jurídico reduz aqueles que, ao aceitarem entrar nele (pelo recurso da força ou a um árbitro não oficial ou pela procura directa de uma solução amigável), ao estado de clientes de profissionais; ele constitui os interesses pré-jurídicos dos agentes em causas judiciais e transforma em capital a competência que garante o domínio dos meios vê recursos jurídicos exigidos pela lógica do campo. (BOURDIEU, 2007, p. 233)

3.4 O Direito não admite a eternização do debate e da disputa jurídica acerca dos bens da vida, pelo fato que, se assim ocorresse, a insegurança permearia as relações humanas, tendo em vista que os conflitos não encontrariam fim, já que seria possível, aos litigantes, sempre reiterar (ou renovar) seus pontos de vista. Para tanto, ao Estado-Juiz, é concedido o poder de pôr termo às disputas, apresentando a interpretação definitiva do fato, à luz do Direito:

Confrontação de pontos de vista singulares, ao mesmo tempo cognitivos e avaliativos, que é resolvida pelo veredicto solenemente enunciado de uma “autoridade” socialmente mandatada, o pliro representa uma encenação paradigmática da luta simbólica que tem lugar no mundo social: nesta luta em que se defrontam visões do mundo diferentes, e até mesmo antagonistas, que, à medida da sua autoridade, pretendem impor-se ao reconhecimento e, deste modo realizar-se, está em jogo o monopólio do poder de impor o princípio universalmente reconhecido de conhecimento do mundo social, o nomos como princípio universal de visão e de divisão […], portanto, de distribuição legítima. (BOURDIEU, 2007, p. 236)

Ou seja, o monopólio da jurisdictio, de interpretar o mundo, está contido nas mãos do Estado, que em regra não delega a particulares os seus atos de jurisdição, como fica bem evidente no tipo “Exercício ilegal das próprias razões” (art. 350, do Código Penal), em que a parte, julga e age, em busca da concretização do direito que entende ser seu. Neste sentido Bourdieu (207, p. 236-237) aprofunda o tema:

O veredicto do juiz, que resolve os conflitos ou as negociações a respeito de coisas ou de pessoas ao proclamar publicamente o que elas são na verdade, em última instância, pertence à classe dos actos de nomeação ou de instituição, diferindo assim do insulto lançado por um simples particular que, enquanto discurso privado – idios logos – , que só compromete o seu autor, não tem qualquer eficácia simbólica; ele representa a forma por excelência da palavra autorizada, palavra pública, oficial, enunciada em nome de todos e perante todos: estes enunciados performativos, enquanto juízos de atribuição formulados publicamente por agentes que actuam como mandatários autorizados de uma colectividade e constituídos assim em modelos de todos os actos de categorização […], são actos mágicos que são bem sucedidos porque estão à altura de se fazerem reconhecer universalmente, portanto, de conseguir que ninguém possa recusar ou ignorar o ponto de vista, a visão, que eles impõem.

E conclui afirmando que o Direito seria o poder simbólico por excelência (LYRA FILHO, 2006, p.8), já que controla a sociedade, moldando os rumos da história:

O direito é, sem dúvida, a forma por excelência do poder simbólico de nomeação que cria as coisas nomeadas e, em particular, os grupos; ele confere a estas realidades surgidas das suas operações de classificação toda a permanência, a das coisas, que uma instituição histórica é capaz de conferir a instituições históricas.

O direito é a forma por excelência do discurso actuante, capaz, por sua própria força, de produzir efeitos. Não é demais dizer que ele faz o mundo social, mas com a condição de se não esquecer que ele é feito por este. (BOURDIEU, 2007, p.237)

Se o direito busca criar os próprios limites para o exercício da limitação da interpretação do fenômeno jurídico, a fim de controlar a insegurança que poderia surgir no próprio sistema, reprimindo a atuação dos particulares, delegando a palavra final para o Estado-Juiz, estas características ficam mais evidentes quando a própria lei limita o próprio intérprete, como ocorre com o art. 111 do CTN:

Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

I – suspensão ou exclusão do crédito tributário;

II – outorga de isenção;

III – dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.

Por este dispositivo, quando da aplicação de determinados tipos de normas tributárias, o operador do Direito estaria adstrito, tão-somente, a um único e específico tipo de interpretação. Entretanto, em verdade, tal norma jurídica, que como se nota, não estabelece nenhuma sanção, atuaria como um símbolo que contaminaria todo o Direito Tributário, cerceando a liberdade interpretativa e cristalizando este ramo do Direito, inclusive no que se refere ao ensino jurídico.

4 O PROBLEMA DA CRIAÇÃO DO CONHECIMENTO NO ENSINO DO DIREITO

4.1 Desde o século XVI, após o Renascimento, a civilização ocidental viveu à sombra de um paradigma que alcançou seu auge no Iluminismo e no século XIX, mas, no nosso atual contexto histórico, as suas construções científicas nada mais são que “uma pré-história longínqua”, pois chegamos à pós-modernidade, que traz consigo a idéia de superação de um modelo cognoscitivo.

Nas palavras de SANTOS (2005, p.21-22):

Os modelos de racionalidade que preside à ciência moderna constituiu-se a partir da revolução científica do século XVI e foi desenvolvido nos séculos seguintes basicamente no domínio das ciências naturais. […] Sendo um modelo global, a nova racionalidade científica é também um modelo totalitário, na medida em que nega o carácter racional a todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas.

Daí se conclui que, no paradigma científico dominante, o que não é mensurável não seria (cientificamente) relevante, tendo em vista que, para se conhecer a realidade, faz-se necessário reduzir a complexidade a modelos simples, a fim de detectar os elementos essenciais de cada objeto, definindo as suas principais características, com o espeque de dividi-los e classificá-los.


4.2 Ora, edificado este paradigma pela ciência moderna, Santos identifica e demonstra que o mesmo está em crise, vislumbrando-se a ascensão de um novo paradigma científico: “A crise do paradigma [científico] dominante é o resultado interactivo de uma pluralidade de condições [dentre elas] o aprofundamento do conhecimento que permitiu ver a fragilidade dos pilares em que se funda [a própria ciência].” (SANTOS, 2005, p.41)

Em verdade, vive-se uma “perda de confiança epistemológica”, isto é, duvida-se se a ciência clássica, seus métodos e a própria capacidade de explicar a realidade, como foram edificadas, desde o século XVI, ainda fornecem respostas válidas para trazer explicações para o mundo em que se vivia.

O conhecimento científico buscou, pelo seu discurso e pela sua construção teórica, arvorar-se como espelho da realidade, isto é, a própria ciência nada mais seria que um reflexo da realidade, já que a descreveria e a explicaria, por meio da sua linguagem.

4.3 Se o Direito não é uma realidade objetiva, não se pode conceber que a transmissão do conhecimento jurídico, dentro de um ambiente de sala de aula se dê por meios que suprimam a criatividade interpretativa do aluno.

Ao contrário, na sala de aula, em um ambiente em que se pretenda transmitir o conhecimento jurídico, não basta apenas expor o direito positivo (direito-que-aí-está), deve-se construir o Direito, deve-se edificar o seu conteúdo.

Portanto, a aquisição do conhecimento jurídico é uma atividade realizada pelo sujeito, logo a sua subjetividade e a qualidade das relações existentes em um ambiente de sala de aula são dados relevantes para tanto.

A construção do direito passa necessariamente pela atuação ativa daqueles que interpretam e se adaptam às normas jurídicas, pois estes irão adequar as suas condutas àquilo que entendem, que podem extrair, de um determinado enunciado cristalizado na legislação.

Por óbvio, resta evidente que existirá em uma sociedade multicultural (como a nossa) a possibilidade de infindáveis possibilidades de interpretação destas normas jurídicas, tendo em vista a pluralidade de valores, visões de mundo, de contextos sociais que alimentarão a leitura/interpretação realizada pelos destinatários das normas jurídicas.

Surgem então os extremos da dogmática jurídica, que desembocam na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, que pode ser considerada como uma das grandes obras que influenciou o pensamento jurídico do século XX, pela qual se pretendia construir uma teoria do direito que não pode ser “contaminada” por elementos que não fossem jurídicos:

O esforço notável de Hans Kelsen de constituir uma ciência do direito livre de toda ideologia, de toda intervenção de considerações extra-jurídicas, e que se concretizou pela elaboração de sua teoria pura do direito (Reine Rechtslehre), foi talvez o fato que suscitou mais controvérsias entre os teóricos do direito do último meio século. As teses apresentadas por esse mestre inconteste do pensamento jurídico, com a clareza e a força de convencimento que caracterizam todos os seus escritos, colocaram em questão tantas idéias comumente admitidas, atingiram tantas consequ?ências paradoxais — das quais a mais escandalosa diz respeito à concepção tradicional da interpretação jurídica, bem como ao papel do juiz na aplicação do direito –, que nenhum teórico do direito poderia nem as ignorar nem abster-se de posicionar-se a seu respeito.

A ciência do direito, como conhecimento de um sistema de normas jurídicas, não pode constituir-se, segundo nosso autor, senão excluindo tudo o que é estranho ao direito propriamente dito. O direito, sendo um sistema de normas coercitivas válido em um Estado determinado, pode ser distinguido nitidamente, por um lado, das ciências que estudam os fatos de toda espécie, o que é e não o que deve ser (o Sein oposto ao Sollen), e, por outro, de todo sistema de normas diverso — de moral ou de direito natural — com o qual gostaríamos de confundi-lo ou ao qual gostaríamos de subordiná-lo. Uma ciência do direito não é possível, segundo Hans Kelsen, a não ser que seu objeto seja fixado sem interferências estranhas ao direito positivo. Eis porque a teoria pura do direito se apresenta como a “teoria do positivismo jurídico”.(PERELMAN, 2008)

Tal concepção do direito como um fenômeno social isolado da própria sociedade que o cria, trabalhando-se com o mundo das normas positivadas, separando tais normas dos valores e contextos sociais que atribuem significado ao próprio ordenamento, repercutiu no ensino jurídico, que busca apenas formar “técnicos jurídicos”, como já exposto.

Ao buscar apenas formar quadros técnicos, o ensino jurídico estritamente dogmático retira do futuro operador do Direito a percepção de que este fenômeno social é alimentado, retro-alimentado e construído pelos mesmos atores sociais que estariam sendo submetidos às normas. Ora, as normas jurídicas não são entes independentes dos agentes sociais, são reflexos dos movimentos destes agentes sociais.

Ao pretender isolar as normas, busca-se construir uma impressão de que elas poderão existir, para sempre, independente da pressão social: esta é a ideologia que prega a manutenção do status quo. A essência desta separação entre direito e agente social se encontra na concepção de que o estado seria algo abstrato, distante da sociedade: “O conceito de Estado, enquanto entidade abstracta, separada quer do governante quer do governado, é o resultado de um longo percurso conceptual que remonta à recepção do direito romano nos séculos XII e XIII.”(SANTOS, 2000, p.162)

Ora, se o Estado, fonte “única” e “central” da produção normativa, de criação do Direito, encontra-se isolado da sociedade que por ele é submetida, por óbvio, as normas jurídicas que dele provêm também estariam distantes desta sociedade e seriam suficientes para reger a vida civil do civites, do cidadão. Esta é a perspectiva dogmática. Seria ela válida? Óbvio que não. Eis um exemplo manifesto:

O Código Civil (Lei nº 10.406/2002) tem por pretensão reger as relações civis no âmbito do território brasileiro. Pelo nosso código, apesar de vigorar o princípio da socialidade, nele ainda se encontra a idéia de que o condomínio é uma exceção a regra de que a propriedade não pode ser compartilhada, logo, o caminho natural, de qualquer condomínio, seria a sua dissolução (art. 1320 e 1321 do Código Civil/2002).

Tal lógica possui substrato na concepção capitalista de propriedade, mas, talvez, não possua sentido em uma sociedade quilombola, ou em uma sociedade indígena, em que as normas jurídicas dominicais do nosso Código Civil não possam ser aplicadas pelo fato de que não encontrariam o devido substrato social para sua incidência, sob pena de destruição da própria vida comunitária e da própria autonomia cultural dos agentes sociais.

Fica evidente que, para a construção de um conhecimento jurídico válido para a realidade em que vivemos, é necessário que o discente seja agente do processo educacional, porque ele também é agente na construção do fenômeno jurídico.

Neste mesmo sentido, Freire (1996, p.47):

Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para sua própria produção ou para a sua construção. Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não a de transferir conhecimento


Portanto, o papel para construção de um novo ensino jurídico seria a pesquisa (em substituição à aula), já que, nas palavras de Demo (2006, p.6), ela seria “a base da educação escolar”, pois ela possibilitaria interpretações próprias, com a utilização da vivência do aluno, com a reconstrução do conhecimento, que é um processo complexo, a partir do senso comum, com a real compreensão do que se vislumbra.

Pela pesquisa, seria possível fornecer ao discente técnicas para reconstruir o conhecimento jurídico, possibilitando que o aluno passe a ser agente na construção do próprio fenômeno, ou seja, operador do direito e não apenas um mero técnico, que conhece as normas, mas não constrói os seus conteúdos.

5 A PRISÃO DA HERMENÊUTICA NO DIREITO TRIBUTÁRIO E O SEU ENSINO

5.1 O Código Tributário Nacional (CTN), inegavelmente, é o melhor diploma legislativo fiscal que o Brasil já possuiu. A Lei nº 5.172/66, criada para regulamentar os dispositivos inseridos pela Emenda constitucional nº 18/65, à Constituição de 1946, deu precisos contornos ao Sistema Tributário Nacional.

Fundado na idéia de que o tributo seria uma relação obrigacional pecuniária, instituída por lei, que vincularia o indivíduo e o Estado, o CTN buscou assegurar deveres e direitos recíprocos para as partes, afastando do sujeito passivo tributário a absoluta sujeição patrimonial, já que este teria direitos que poderiam ser opostos perante o detentor do poder de tributar.

Entretanto, desde a criação do CTN, já se vão mais de 40 anos. É natural que ocorra o fenômeno do ancilosamento normativo, isto é, as normas jurídicas começam a caducar, tendo em vista a transformação do substrato social que ampara tais normas, surgindo lacunas ontológicas no sistema. De fato, desde a década de 1960, o Brasil transformou-se muito.

O CTN, criado pelo governo militar de Castello Branco (1964-1967), sob a Constituição de 1946, pretendia apresentar conceitos nucleares para as relações tributárias, em um país ainda eminentemente agrário, em que as relações empresariais eram regidas pelos atos de comércio do Código Comercial de 1850 e pelas relações civis, pelo liberal Código de 1916.

O Brasil de 2009 quase que não consegue imaginar a década de 1960, pois além de ter sofrido uma profunda alteração social, a partir da década de 1970, com o fenômeno da urbanização massiva, as relações empresariais e civis também evoluíram, com a tecnologia das comunicações (a partir da década de 1980), permitindo a consumação de milhões de contratos, pelo uso da informática.

Sem dúvidas, a principal mudança introduzida pelo CTN foi a de possibilitar que surgisse uma espécie de arquétipo tributário, isto é, que os tributos possuíssem uma uniformidade em todo território nacional, sendo regidos por institutos que seriam sempre similares por todo o país.

A fim de robustecer esta identidade, esta padronização, para todos os entes federativos, o CTN criou o que poderia se denominado de micro-sistema hermenêutico para as normas tributárias (arts. 107 a 112 do CTN) fazendo com que estas somente pudessem vir a serem interpretadas à luz do que o próprio Código estabelecesse.

5.2 Como já exposto, o Código Tributário Nacional (CTN), Lei nº 5.172, de 1966, inseriu, no ordenamento jurídico brasileiro, uma norma que buscava limitar a atuação dos operadores do direito no momento em que estavam a analisar o alcance das normas previstas na legislação tributária: o art. 111 do CTN.

Tal dispositivo legal busca restringir a atividade interpretativa do operador do direito, sobretudo em temas que envolvam causas de suspensão (moratória, depósitos do montante integral etc, como previsto no art. 151 do CTN) e exclusão do crédito tributário (isenção e anistia, nos termos do art. 175 do CTN).

Havia uma justificativa para criação desta norma, já que o Código Tributário Nacional (CTN), no seu nascedouro, teve por meta atuar como uma meta-lei, transcendendo às legislações estaduais e municipais, conferindo um padrão geral (um standard) para criação dos tributos (e da legislação tributária em geral).

O art. 111 do CTN, portanto, dentro deste contexto, buscava impedir que os órgãos administrativos e judiciários, por meio de normas interpretativas, viessem a quebrar este padrão, instituindo, por meio de meras interpretações, benefícios fiscais que não estavam expressamente previstos em lei. Em suma, buscava-se limitar a liberdade interpretativa do operador do Direito, seja o Estado-Juiz, seja a autoridade tributária, com a finalidade, sobretudo, de se evitar possível lesão aos cofres públicos (pela perda de recitas), bem como agressão à isonomia (com a concessão de benefícios fiscais particulares).

Entretanto, o que deveria ser uma limitação pontual, pela própria natureza simbólica do direito, tornou-se quase que uma proibição genérica que passou a cercear a liberdade interpretativa no âmbito de todo Direito Tributário, engessando, por mais de quatro décadas, a liberdade do Estado-Juiz de dizer o direito no caso concreto, inclusive construindo regra jurídica mais equânime para cada situação.

Agravando-se tal situação, esta limitação interpretativa, associada à limitação de integração da legislação tributária, prevista no art. 108 do CTN, fez com que, no ensino do direito tributário, fossem criadas amarras que impedem uma evolução interpretativa da legislação, reproduzindo-se, portanto, a mesma forma de se estudar e de se compreender o Direito Tributário, desde a década de 1960.

É nesse contexto, que surge a crítica à manutenção desta ilusória e simbólica limitação, que serve, mais do que tudo, para a reprodução de um status quo fiscal baseado, portanto, em apenas uma interpretação literal da lei tributária.

Pode-se afirmar que o art. 111 do CTN se apresenta para a estrutura do Direito tributário quase como o Código de Napoleão de 1804, que impedia a livre interpretação dos seus dispositivos, a fim de evitar uma destruição do sentido original da própria lei.

Em verdade, tal dispositivo, sem dúvidas, se apresenta como um símbolo que enclausurou todo o direito tributário, seja quando da interpretação do CTN e da legislação infraconstitucional, seja porque tais regras interpretativas afastam, no campo da aplicação das normas constitucionais (princípios e regras) do Sistema Tributário Nacional, os demais princípios norteadores da nossa Cartha Magna.

Em verdade, pode-se afirmar que este micro-sistema hermenêutico tributário aprisionou inclusive o próprio estudo e ensino do Direito tributário: se a interpretação e a integração do direito tributário somente podem ser realizadas sob a égide dos dispositivos presentes entre os arts. 107 e 112 do CTN, porque permitir novos olhares sobre este ramo do Direito?

Muito interessante seria se, por exemplo, o CTN pudesse ser interpretado à luz da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) que representa o alicerce sobre o qual se ampara toda a República Federativa do Brasil.

Como poderiam ser as conclusões que surgiriam deste tipo de interpretação? Em um exercício de imaginação, admissível concluir que seria possível: a) a dispensa do pagamento de tributo, pela aplicação da equ?idade, quando tal cobrança acarretasse em impossibilidade de se assegurar vida digna ao indivíduo (estaria, portanto, revogado o §2º, do art. 108, do CTN); b) ao Estado-Juiz pudesse ampliar a extensão das normas referentes à causa de exclusão do crédito tributário (isenção e anistia), por meio de aplicação de regras interpretativas, ou, até mesmo, por equ?idade, quando viessem conferir vida digna ao indivíduo, obtida por meio da valorização do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV, da CF); e c) ao Estado-Juiz se libertar das amarras hermenêuticas que o prendem, em face da livre convicção motivada das suas decisões (art. 93, X, CF), sendo possível que, por exemplo, pudessem vir a ser construídos, caso a caso, meios de transação do crédito tributário, por conciliação judicial, para colocar fim aos litígios existentes, sempre que, nesta conciliação, estivesse presente a necessidade se assegurar a possibilidade de o indivíduo explorar de modo lícito sua atividade econômica, retirando sustento para a sua vida (e da sua família). Em outras palavras, as possibilidades são tantas, tão vastas, que não seria possível elencar todas, mas, seguramente, o Direito tributário que iria emergir seria algo absolutamente diferente, vivo, adaptado à realidade brasileira do Século XXI, no qual o Estado-Juiz poderia construir uma novo tipo de relação entre o ente tributante e o sujeito passivo da relação tributária.


6 CONCLUSÃO

O ato de educar, inegavelmente, é um processo lingu?ístico, no qual, a construção do conhecimento é uma atividade coletiva, já que nesta relação humana finalística faz-se necessário que haja uma interação e que nesta, tanto o docente, quanto o discente atuem como protagonistas.

O atuar como protagonista pressupõe que o discente terá de efetivamente interferir e, sobretudo, participar na construção do conhecimento que, em sala de aula, pretendeu ser transmitido.

Fica evidente que a experiência do discente, mesmo que fundada apenas em (um difuso) senso comum, deverá ser fonte da criação/transformação do conhecimento que, em sala de aula, é apresentado. Se se admitir que a experiência do aluno, mesmo que fundada apenas no senso comum, serve de ponto de partida para que o discente possa edificar novos conhecimentos, deve-se considerar que esta experiência deve servir, inclusive, como fonte autorizada para a realização da hermenêutica do próprio conhecimento científico.

Ora, se a interpretação é da essência do Direito, já que o direito é símbolo, construída sob formas lingu?ísticas, como demonstrado, não é possível que se admita limites à interpretação, mesmo que derivados de vedação legal, logo, nem o operador do Direito, nem o estudante estão tolhidos de enxergar o ordenamento jurídico pátrio se valendo da regra matriz do ordenamento jurídico brasileiro, a proteção da dignidade humana (art. 1º, III, da CF).

Portanto, não se pode tolerar, durante o processo educativo, da validade ou da aplicabilidade das normas de interpretação e integração da legislação tributária, previstas nos arts. 107 a 112 do CTN, sob pena de transformar o Direito Tributário em um estéril campo de atuação dos alunos (e futuros juristas), com a reprodução de uma ideologia de um outro contexto histórico da sociedade brasileira.

Necessária a transformação dos critérios de interpretação e de integração da legislação tributária (arts. 111 e 108, CTN), para permitir que o Estado-Juiz, quando da aplicação do Direito ao caso concreto, tenha a liberdade para moldar a estrutura tributária aos fundamentos da República, sobretudo o da dignidade humana e da valorização social do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, CF).

Se, como exposto, o Direito é um espelho da sociedade, cuja imagem tende a se transformar em estátua, quando este corpo social não detecta pontos de contato entre a sua realidade e as normas deste ordenamento, manter esta vedação à livre interpretação e integração do CTN representaria transformar o melhor diploma fiscal do Brasil em um imenso Colosso de Rodes, à espera de um terremoto que viesse a espalhar deus destroços: seria impelir o CTN a caducar, a perder contato com a realidade brasileira que necessita dele.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.

DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. Campinas: Autores Associados, 2003.

FERRAZ JÚNIOR. Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2008.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

LYRA FILHO, Robert. O que é direito. São Paulo: Brasiliense, 2006.

MAMAN, Jeannette Antonios. Fenomenologia existencial do direito: crítica do pensamento jurídico brasileiro. Sâo Paulo: Quartier Latin, 2003.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya, revisão técnica de Edgard de Assis Carvalho, São Paulo: Cortez, UNESCO, 2000.

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

PERELMAN, Chaim. A teoria pura do direito e a argumentação. Disponível em: <http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito/pet_jur/c1perelm.html>. Acesso em: 18 dez.2008.

PRADO, Luís Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, v.4.

SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989.

_______. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. Porto: Afrontamento, 2000, v.1.

________. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2005.


A Escravidão no Império do Brasil: perspectivas jurídicas

André Emmanuel Batista Barreto Campello1

“[…] fique o estado de liberdade sem o seu correlativo odioso.
As leis concernentes à escravidão (que não são muitas)
serão pois classificadas à parte, e formarão nosso Código Negro.”.

Augusto Teixeira de Freitas, na sua Consolidação das Leis Civis, de 1858.

RESUMO:

Trata-se de estudo que busca realizar uma análise da escravidão enquanto fenômeno jurídico durante o Império do Brasil, analisando-se o ordenamento jurídico brasileiro do referido período, em busca do regime jurídico do escravo e dos fundamentos legais da escravidão.

Palavras-chave: Escravidão. História do Direito. Brasil Império. Direito Constitucional. Direito Civil. Direito Penal.

1 INTRODUÇÃO

O fascínio de se realizar um estudo sobre história do direito reside no fato de que ao se adentrar na legislação de um ordenamento jurídico que não mais vigora, em verdade, se depara com a alma de uma sociedade que não mais existe.

Seria como reanimar, com um sopro, um ser que não mais vive, vendo como ele se move, quais são seus objetivos, seus valores, seus traumas, em suma, tentando enxergar o cotidiano do reanimado, pois, com o estudo das formas jurídicas, é possível compreender como uma sociedade tutela seus principais valores e como pretende defender e efetivar os direitos assegurados, que estão cristalizados nas normas jurídicas.

Sem dúvidas este ato de reconstrução da dinâmica jurídica é uma atividade artificial, já que os integrantes daquela sociedade, sobre a qual incidiam aquele ordenamento jurídico estudado, não se encontram presentes, logo, para o estudo do direito deve-se buscar a doutrina, a opinio iuris, de contemporâneos que pudessem nos explicar a dinâmica daquele Direito.

Portanto, ao se realizar um estudo sobre o direito que regia uma outra sociedade, que não mais existe, deve-se buscar interpretar a legislação, não com os nossos olhares, mas pelos padrões de compreensão daqueles que viveram sob aquele ordenamento.

Neste presente artigo pretende-se vislumbrar os marcos jurídicos do instituto da escravidão vigentes durante o Império do Brasil.

É manifesto que os aspectos sociológicos e econômicos da escravidão são em demasia abordados na farta bibliografia nacional sobre o tema, entretanto, por mais estranho que possa parecer, não é usual encontrar artigos que venham a trazer análise do ordenamento jurídico brasileiro vigente no século XIX, que amparava tal instituto.

A escravidão, muitas vezes, é enxergada apenas como um fenômeno fático, percebido sob nuances sociológicas ou econômicas, que simplesmente existia no Brasil do século XIX e que foi extinto por meio da Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888.

Entretanto, a questão não é tão simples assim: a escravidão era amparada por uma legislação, que, inclusive a constitucionalizava, apesar de não se referir a ela diretamente (MORAES, 1966, p.372).

Neste artigo pretende-se apresentar ao leitor os marcos jurídicos e a sua dinâmica, a fim de ser possível conhecer o regime jurídico da escravidão, bem como analisar como a natureza jurídica do escravo, tanto no âmbito civil, quanto no âmbito penal.

O primeiro passo, sem dúvida é desvendar o mistério de como a Constituição de 1824 conseguiu conciliar a contradição existente na manutenção da escravidão e a sua natureza liberal, que inclusive trazia um grande rol de direitos fundamentais.

2 A ESCRAVIDÃO COMO INSTITUTO DO DIREITO VIGENTE NO IMPÉRIO DO BRASIL

2.1 A Escravidão: fundamentos constitucionais do instituto.

O fenômeno constitucionalista brasileiro não adveio de uma revolução, pois a Independência não significou uma ruptura com o passado brasileiro.

A independência do Reino do Brasil Unido a Portugal e Algarves (desde a chegada da família real portuguesa e da transferência da Corte para o Rio de Janeiro) não significou um rompimento das estruturas sociais e econômicas vigentes no período histórico anterior, mas uma manutenção destas, conferindo-se poderes políticos à aristocracia rural brasileira.

Pela sua perspectiva de manutenção do status quo, não haveria como a futura constituição do Império do Brasil eliminar subitamente o instituto jurídico da escravidão que servia de fundamento jurídico do sistema produtivo brasileiro.

Apesar disto, na Assembléia Constituinte de 1823 foi apresentada, por José Bonifácio, representação contra a escravatura, nos seguintes termos:

[…] sem a abolição total do infame tráfico da escravatura africana, e sem a emancipação sucessiva dos atuais cativos, nunca o Brasil firmará a sua independência nacional, e segurará e defenderá a sua liberal Constituição; nunca aperfeiçoará as raças existentes, e nunca formará, como imperiosamente o deve, um exército brioso, e uma marinha florescente. Sem liberdade individual não pode haver civilização nem sólida riqueza; não pode haver moralidade, e justiça; e sem estas filhas do céu, não há nem pode haver brio, força, e poder entre as nações. (DOLHNIKOFF, 2005, p.51)

A escravidão não estava prevista, expressamente, em nenhum dos dispositivos da Constituição Imperial, de 1824, o que não poderia ser diferente, já que, pela sua inspiração liberal, não poderia tal Charta Magna, explicitamente trair a sua própria finalidade, como preconizado pela teoria constitucionalista, o resguardo das liberdades individuais.

Dispor sobre a escravidão em uma Constituição liberal seria uma contraditio in terminis, entretanto, o legislador constituinte encontrou uma saída: implicitamente, fez referência aos cidadãos brasileiros libertos, ou seja, que emergiram da capitis diminutio maxima, passando a gozar de seu status libertatis, mas sem alcançar o mesmo status civitatis dos cidadãos brasileiros ingênuos.

Tal conclusão pode ser ratificada pela leitura do art. 6º, §1º, da Constituição de 1824, que classificava os cidadãos brasileiros em duas categorias, os ingênuos e os libertos:

Art. 6. São Cidadãos Brazileiros
I. Os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingenuos, ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação.


Para perfeitamente definir estes termos jurídicos contidos na Charta imperial, importantíssima a leitura das lições do Conselheiro Joaquim Ribas (1982, p. 280):

Em relação ao direito de liberdade, dividem-se os homens em – livres e escravos, e aquelles se subdividem em – ingênuos e libertos. Chama-se ingênuo o que nasce livre; liberto o que tendo nascido escravo, veio a conseguir a liberdade.

Pode-se concluir que, se a própria Charta Magna imperial atribuía a condição de cidadãos apenas àqueles indivíduos que se apresentavam como ingênuos ou libertos era porque este diploma admitia, ao menos tacitamente, a existência de, no território do Império (art. 2º), haver a possibilidade de existência de outros indivíduos que não poderiam ser cidadãos, por não possuírem este status libertatis, ou seja, porque eram escravos.

A Constituição imperial não declarou a existência da escravidão, mas dela poderia se inferir a existência e a legitimidade deste instituto, pelo ordenamento jurídico brasileiro.

2.2 O estatuto constitucional do liberto

O art. 94, §2º, da Charta imperial reduz o liberto à condição de cidadão de segunda classe: apesar de os libertos serem cidadãos e, portanto, gozarem de liberdade, não poderiam ser eleitores (em um contexto do voto censitário), portanto, também estaria vedado o seu acesso a cargos públicos cujo requisito fosse a condição de eleitor:

Art. 94. Podem ser Eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e Membros dos Conselhos de Provincia todos, os que podem votar na Assembléia Parochial. Exceptuam-se.
I. Os que não tiverem de renda liquida annual duzentos mil réis por bens de raiz, industria, commercio, ou emprego.
II. Os Libertos.

Deve-se frisar que há uma aparente antinomia entre o dispositivo em comento e o art. 179, XIV, da Charta imperial, já que se o liberto era um cidadão brasileiro, não poderia haver vedação dos cidadãos ao cargos públicos, nem criação de restrições, senão com fundamento nos talentos e virtudes de cada um: “XIV. Todo o cidadão pode ser admittido aos Cargos Publicos Civis, Politicos, ou Militares, sem outra differença, que não seja dos seus talentos, e virtudes.”.

Evidente que, à luz da Charta imperial, talentos e virtudes não seriam suficientes para suprir a perda do status libertatis (em algum momento da sua existência), que impossibilitaria que ex-escravos viessem a ocupar cargos públicos.

O Conselheiro Joaquim Ribas assim comenta o status do liberto, demonstrando que ele poderia retornar ao estado de escravo (RIBAS, 1982, p. 280):

Entre os Romanos esta distinção [entre ingênuos e libertos] influía poderosamente na condição do liberto para tornal-a inferior à do ingênuo. Entre nós esta influencia hoje só se entende à esphera do direito político; pois a possibilidade de ser o liberto reconduzido ao estado de escravidão, por ingratidão, nos casos definidos pela Ord. L. 4, Tit. 63 §7 e seguintes, cessou pela disposição do art. 4 §9 da lei n. 2040 de 28 de setembro de 1871.

Observe-se que o liberto, em verdade, no ordenamento jurídico brasileiro, vivia sob um estado de constante insegurança jurídica, já que existia uma real possibilidade jurídica de perda do seu status libertatis em face da possibilidade de se invocar a ingratidão por supostos atos praticados pelo alforriado em detrimento do seu antigo dominus.

Esta possibilidade de revogação do status libertatis é objeto do raciocínio do Conselheiro Joaquim Ribas, que a justificava aplicando-lhe o regime jurídico da doação, com fundamento no disposto no § 7º, Título 63, do Livro IV, das Ordenações Filipinas:

Se alguém forrar seu escravo, livrando-o de toda a servidão, e depois que for forro, commetter contra quem o forrou, alguma ingratidão pessoal em sua presença, ou em sua absencia, quer seja verbal, quer de feito e real, poderá este patrono revogar a liberdade, que deu a este liberto, e reduzil-o à servidão, em que antes estava. E bem si por cada huma das outras causas de ingratidão, porque o doador pôde revogar a doação feita ao donatário, como dissemos acima.

As consequ?ências práticas deste odioso dispositivo podem ser assim compreendidas:

A prática da alforria permitia a um indivíduo constituir uma clientela de homens obrigatoriamente dedicados. Mercê da alforria, o político escravista podia aumentar o número de votos que controlava nas eleições primárias ou paroquiais. Nisto reside a explicação da circunstância, repetidamente lamentada por Joaquim Nabuco, de que nas eleições os libertos votavam nos candidatos antiabolicionistas. Por medo de serem acusados de ingratos, os libertos denunciavam as conspirações escravas. O liberto se vinculava ao patrono até mesmo pelo sobrenome. Escravos, como se sabe, não tinham sobrenome, e por isto ao se alforriarem adotavam o do patrono. A Lei Rio-Branco (Lei n.º 2.040), de 1871, ao revogar o dispositivo das Ordenações que facultava a revogação da alforria, conferiu a todos os libertos a mais completa independência jurídica, mas nem por isso suprimiu a restrição aos seus direitos políticos. (FREITAS, 1988, p. 55-56)

Como exposto, a previsão legal de reversão da alforria concedida foi revogada, expressamente, pelo §9º, art. 4.º, da Lei n.º 2.040, de 28 de setembro de 1871, a denominada “lei do ventre livre”, que derrogava os dispositivos das ordenações Filipinas que admitiam esta possibilidade: “§9.º Fica derrogada a Ord.. liv. 4.º, tit.63, na parte que revoga as alforrias por ingratidão.”

É importante frisar que este odioso dispositivo, que permitia a reversão no status do liberto, somente foi revogado aproximadamente transcorrido meio século após a outorga da Charta imperial, pela Lei n.º 2.040, de 28 de setembro de 1871.

2.3 A herança legislativa portuguesa e a compra e venda de escravos

Quando se busca investigar as estruturas legislativas do ordenamento jurídico brasileiro, vigentes no Império do Brasil, não se pode deixar de falar que o país não herdou apenas a estrutura econômico-social vigente durante a colônia, mas também a legislação metropolitana portuguesa, recepcionada pela Lei de 20 de outubro de 1823:

Art. 1.º As Ordenações, Leis, Regimentos, Avaras, Decretos, e Resoluções promulgadas pelos Reis de Portugal, e pelas quaes o Brazil se governava até o dia 25 de Abril de 1821, em que Sua Magestade Fidelíssima, actual Rei de Portugal, e Algarves, se ausentou desta Corte; e todas as que foram promulgadas daquella data em diante pelo Senhor D. Pedro de Alcântara, como Regente do Brazil, em quanto reino, e como Imperador Constitucional delle, desde que se erigiu em Império, ficam em inteiro vigor na parte, em que não tiverem sido revogadas, para por ellas se regularem os negócios do interior deste Império, emquanto se não organizar um novo Código, ou não forem especialmente alteradas.

Na falta de um Código, os atos da vida civil deveriam ser regidos pelo Livro IV, das Ordenações Filipinas, que tratava especificamente deste tema, mas que não possuía ponto de contato com a sociedade brasileira do século XIX, já que este diploma legislativo havia sido criado antes da União Ibérica, isto é, já datando mais de 200 quando da independência do Brasil.


O Conselheiro Joaquim Ribas assim comenta e critica a aplicação das Ordenações Filipinas à sociedade brasileira (RIBAS, 1982, p. 76):

O ultimo [trabalho legislativo português], que ainda até hoje se acha em vigor, foi começado no reinado de Fellippe II de Hespanha e I de Portugal, e concluída no seguinte, sendo sancionado e publicado pelo Alv. De 11 de Janeiro de 1603. Em consequ?ência, porém, da elevação da casa de Bragança ao throno de Portugal, entende-se necessário revalidar estas Ordenações, e para este fim expediu D. João IV a lei de 29 de Janeiro de 1643, que revogou todas as legislações anteriores a ella, [salvo algumas exceções] (…). Dos cinco livros das Ordenações Philipinas quase que só o 4º é destinado à theoria do direito civil. Mas os seus preceitos, além de nimiamente [sic.] deficientes, e formulados sem ordem, não estão ao par das necessidades da sociedade actual e dos progressos da sciencia jurídica.

Não obstante estas críticas, os negócios jurídicos civis em geral, bem como os contratos, deveriam ser regulados por este diploma legislativo que apresentava inclusive as regras para regência do contrato de compra e venda de escravos, nos termos do Título XVII, Livro IV, das Ordenações Filipinas:

Qualquer pessoa, que comprar algum scravo doente de tal enfermidade, que lhe tolha servir-se delle, o poderá engeitar a quem lho vendeu, provando que já era doente em seu poder de tal enfermidade, com tanto que cite ao vendedor dentro de seis meses o dia, que o escravo lhe for entregue.

É de se ressaltar que, nos parágrafos do Título XVII, Livro IV, das Ordenações Filipinas, havia a regulamentação, bem como de eventuais vícios redibitórios, além de outros que pudessem contaminar o referido negócio jurídico:

Se o scravo tiver commettido algum delicto, pelo qual, sendo-lhe provado, mereça pena de morte, e ainda não for livre por sentença, e o vendedor ao tempo da venda e não declarar, poderá o comprador engeital-o dentro de seis meses, contados da maneira, que acima dissemos. E o mesmo será, se o scravo tivesse tentado matar-se por si mesmo com aborrecimento da vida, e sabendo-o o vendedor, o não declarasse.

Em suma, no próprio negócio jurídico de compra e venda, já se pode constatar que, aos escravos, poderiam ser aplicadas sanções, tendo em vista o peculiar regime jurídico dos cativos, distinto daquele relacionado aos homens livres. Esta diversidade de regimes sancionatórios será analisada mais adiante.

3 DEBATES ACERCA DA LEGALIDADE DA ESCRAVIDÃO

3.1 Questionamentos sobre a legitimidade da escravidão

Evaristo de Moraes, em brilhante obra, questiona a legalidade da própria manutenção da escravidão e de escravos, à luz nas normas vigentes durante o Império do Brasil.

O mencionado autor, para espanto, cita um trecho da fala do senador Ribeiro da Luz, em discurso proferido no dia 07 de julho de 1883, tecendo reflexões sobre a validade e eficácia da Lei de 07 de novembro de 1831 (mais adiante analisada):

Não sei qual foi a lei que autorizou a escravidão. O que nos diz a história pátria é que, havendo índios escravos entre nós, para libertá-los, foram introduzidos os africanos, que passaram a substituí-los no cativeiro. Conheço muitas leis, que fazem referência à escravidão, e estabelecem, disposições especiais a respeito do escravo; mas não sei de nenhuma que autorize expressamente a escravidão no Brasil. Foi o tempo e depois as lei, que se referiam à escravidão, que a legalizaram. (MORAES, 1966, p. 156-157)

A regra é a liberdade, já que a escravidão não se presume:

Sendo a escravidão, como fato anormal contrário à lei natural, somente tolerada pela lei civil, por força de razões puramente econômicas, nunca e e em caso algum se presume, mas deve pelo contrário, se provada sempre: Inst. Just. pr. de libert. 1.º e 5.º; Ord. I, 4º tit 42; alv. 30 de junho de 1609. (MARQUES apud MOARES, 1966, p. 165)

Esta conclusão decorre de um exercício de lógica: se a Constituição política, que deveria servir de fundamento para a defesa de direitos fundamentais, não declara (ao menos expressamente) a existência da escravidão, não tolerando a violação do direito à liberdade (art. 179, I e VII, da Charta de 1824, por exemplo), não haveria razão para, de forma tácita, inferir que este abominável instituto civil viesse a prosperar no nosso solo. Evidente que não era desta forma que se interpretava a Charta imperial.

Prova disto é que o Supremo Tribunal de Justiça (cuja existência e competências se encontravam previstas no art. 163 da Carta imperial), julgou em sentido contrário a este preceito clássico de direito romano e canônico, entendendo que a liberdade não pode se presumir se houver agressão ao direito de propriedade do dominus sobre o escravo. Tal decisão é assim comentada pelo jurista Cândido Mendes de Almeida:

As causas de liberdade pelo nosso antigo Direito sempre forão reputadas causas pias (…), e por conseguinte gozando de todo o favor. Entretanto uma decisão do Supremo Tribunal de 5 de Julho de 1832 publicada no Diário do Rio de Janeiro de 23 de Agosto do mesmo ano declarou, que não se podia conceder nestes casos liberdade aos escravos em prejuízo dos direitos de propriedade, i. e., contra o princípio aqui firmado. Em vista do que diz o §4º [do título 11, do Livro 4, das Ordenações Filipinas] em se principio toda a legislação Romana e Canônica em pró da liberdade dos captivos deve ser aceita e executada; nem seria possível que em uma epocha de liberdade a legislação outr’ora executada com tanto favor em pró dos escravos, se tornasse sem nenhum motivo ou lei de repugnante dureza. (MENDES, 1870, p.790)

Ressalte-se que o direito romano e o canônico eram considerados como fontes do direito civil brasileiro, consoante aplicação das Ordenações Filipinas (RIBAS, 1982, p.107), com aplicação subsidiária, nos termos do título LXIX, do Livro III, das Ordenações e sob as limitações conferidas pela lei da boa razão, a Lei de 18 de agosto de 1769. (RIBAS, 1982, p.110)

Entretanto, no Império do Brasil, os fundamentos da sua economia justificavam a existência da situação fática da escravidão (SENTO-SÉ, 2000, p.37-39), pois, pelos diplomas legais existentes, a vigência das normas referentes a sua manutenção passaram a ser, cada vez com mais intensidade, questionadas pela sociedade. Uma situação fática irreformável legitimava a vigência de diplomas não recepcionados.

3.2 A tese da ilegalidade da escravidão

Não obstante este debate acerca da legitimidade da escravidão, uma forte tese começou a surgir no Brasil imperial: a escravidão era uma conduta ilegal e que, em verdade, os senhores dos escravos estavam realizado dupla conduta típica, contrabando (art. 177 do Código Criminal) e reduzir pessoa livre à escravidão (art. 179 do Código Criminal).


A idéia era simples, o Império do Brasil firmou com o Reino da Inglaterra tratado internacional, em 26 de novembro de 1826, por este instrumento: “[…] o Brasil proibia o tráfico dentro de três anos improrrogáveis. Seriam então punidos como piratas quantos neles se envolvessem. Conferiu-se à Inglaterra o tão cobiçado direito de visita e busca.” (TAUNAY, 1941, p. 264)

Este tratado foi ratificado em 13 de março de 1827, devendo passar a viger a partir de 1830.(VIANNA, 1967, p. 148)

Pela Portaria de 21 de maio de 1831, expedida pelo Ministro da Justiça Manoel José de Souza Franco, durante a Regência, ficou expressamente vedado o contrabando de escravos:

Constando ao Governo de S. M. Imperial que alguns negociantes, assim nacionais como estrangeiros, especulam com desonra da humanidade o vergonhoso contrabando de introduzir escravos da Costa da África nos portos do Brasil, em despeito da extinção de semelhante comércio, manda a Regência Provisória, em nome do Imperador, pela Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, que a Câmara Municipal desta cidade faça expedir uma circular a todos os juízes de paz das freguesias do seu território, recomendando-lhes toda a vigilâncias policial ao dito respeito; e que no caso de serem introduzidos por contrabando alguns escravos novos no território de cada uma das ditas freguesias, procedam imediatamente ao respectivo corpo de delito e constando por este que tal ou tal escravo boçal foi introduzido aí por contrabando, façam dele sequ?estro, e o remetam com o mesmo corpo de delito ao juiz criminal do território para ele proceder nos termos de direito, em ordem a lhe ser restituída a sua liberdade, e punidos os usurpadores dela, segundo o art. 179 do Código, dando de tudo conta imediatamente à mesma Secretaria.(MORAES, 1966, p. 366)

Tal portaria teve muito pouca repercussão, além, de baixíssima efetividade. Cumpre ressaltar que as portarias eram consideradas fontes do direito que buscavam regular os casos nela tratados, sem prejudicar terceiros, nem revogar ou alterar a legislação vigente (RIBAS, 1982, p.83 e MORAES, 1966, p.154), por esta razão adveio a Lei de 07 de novembro de 1831.

O Art. 1º de tal diploma estabelecia: “Todos os escravos que entrarem no território ou portos do Brasil vindos de fora ficam livres.”.

De duas alternativas, uma das teses deve prevalecer:
Primo, se for considerado o argumento de que eventual ato de traficar escravos da Costa da África é importação de mercadoria – compreendendo o escravo como mercadoria, tendo em vista a sua possível natureza de res –, vislumbra-se que a importação destes é proibida desde 13 de março de 1827, portanto, o importador comete o crime público de contrabando:

Art. 177. Importar, ou exportar gêneros, ou mercadorias prohibidas; ou não pagar os direitos dos que são permittidos, na sua importação, ou exportação.
Penas – perda das mercadorias ou gêneros, e de multa igual à metade do valor delles.

No caso concreto o senhor que viesse a importar tais escravos poderia figurar, no mínimo, como cúmplices, na forma do art. 6º, 1.º, do Código Criminal do Império:

Os que receberem, occultarem ou comprarem cousas obtidas por meios criminosos, sabendo que o foram, ou devenddo sabel-o em razão da qualidade, ou condição das pessoas, de quem receberam, ou compraram. (fls. 143)

Secundo, entretanto, é manifesto que o legislador, pela Lei de 07 de novembro de 1831, em verdade, assegurou que escravos introduzidos após a vigência deste dispositivo seriam considerados como homens livres.

Em tese, não poderia mais existir escravos que tivessem sido importados para o Brasil, a partir da publicação deste diploma legal. Esta é a única conclusão que se pode chegar.

Qualquer indivíduo que reduzisse estes homens à condição de escravo estaria cometendo o crime particular, contra a liberdade individual, de reduzir à escravidão pessoa livre, (como previsto no art. 4º desta mencionada lei):

Art. 179. Reduzir à escravidão pessoa livre, que se achar em posse da sua liberdade.
Pena – de prisão por três a nove annos, e de multa correspondente à terça parte do tempo; nunca porém o tempo de prisão será menor, que o do captiveiro injusto, e mais uma terça parte.

Comentando o tema, o brilhante deputado pernambucano Joaquim Nabuco:

Com efeito, a grande maioria desses homens, sobretudo no Sul, ou são africanos, importados depois de 1831, ou descendentes destes. Ora, em 1831 a lei de 7 de novembro declarou no seu artigo 1.º: “Todos os escravos que entrarem no território ou portos do Brasil vindos de fora ficam livres.”. Como se sabe, essa lei nunca foi posta em execução, porque o Governo brasileiro não podia lutar com os traficantes; mas nem por isso deixa ela de ser a carta de liberdade de todos os importados de pois de sua data. Que antes de 1831, pela facilidade de aquisição de africanos, a mortalidade dos nossos escravos, ou da Costa ou crioulos, era enorme, é um fato notório. “É sabido dizia Eusébio de Queirós em 1852 na Câmara dos Deputados, que a maior parte desses infelizes [os escravos importados] são ceifados logo nos primeiros anos, pelo estado desgraçado que os reduzem os maus tratos da viagem, pela mudança de clima, de alimentos e todos os hábitos que constituem a vida”. Desses africanos, porém, – quase todos eram capturados na mocidade – introduzidos antes de 1831, bem poucos restarão hoje, isto é, depois de cinqu?enta anos de escravidão na América a juntar aos anos que vieram da África; e, mesmo sem a terrível mortalidade, de que deu testemunho Eusébio entre os recém-chegados, pode-se afirmar que quase todos os africanos vivos foram introduzidos criminosamente no país (NABUCO, 1977, p. 115-116, grifo nosso).

Nas palavras do advogado Busch Varela (apud MORAES, 1966, p. 159-160), em discurso proferido no dia 09 de março de 1884, em conferência realizada no Rio de Janeiro:

Como já observei, a lei de 1831 não criva uma disposição transitória; não se limitava a abolir o tráfico; foi além – declarou livres todos os escravos, importados de então em diante. Tal disposição é, de sua natureza, irrevogável; a liberdade, uma vez adquirida, nunca mais se pode perder. Os importados depois de 1831 adquiriram-na, por disposição expressa de lei, nunca foram escravos no Brasil; foram vítimas de atroz e condenada pirataria; ninguém dirá que o roubo é meio de adquirir propriedade e de transmiti-la legitimamente.

A conclusão que chega Evaristo de Moraes é peremptória:


Uma e única: muitos senhores de escravos, orgulhosos latifundiários brasileiros, se não eram ladrões, eram, pelo menos, receptadores de grande número de liberdades humanas; boa porção das suas fortunas tinha raízes na prática do crime previsto no art. 179 do Código Criminal do Império, pois resultava da escravidão direta dos africanos contrabandeados e da indireta dos africanos livres, misturados no eito com os outros (MORAES, 1966, p. 165).

Ora, se a partir de 1831, qualquer escravo que, após o advento desta lei fosse importado e viesse a ser desembarcado no Brasil seria considerado como homem livre, logo, pode-se concluir que somente poderiam ser considerados cativos, em território brasileiro, os filhos de mãe e pais escravos que já houvesse chegado ao território nacional, anteriormente a este diploma legislativo.

4 A NATUREZA JURÍDICA DO ESCRAVO

Pode-se afirmar, que falar da natureza jurídica de algo é inserir o objeto estudado dentro das categorias lógicas do direito vigente naquele contexto histórico, isto é, é afirmar que aquilo que está sendo estudado tem características que tornam possível, para fins de classificação, afirmar que ele se encontra dentro de um específico conjunto com propriedades similares.

O debate sobre a natureza jurídica do escravo versa necessariamente sobre a controvérsia se aquele ser humano, à luz do direito, deveria ser regido pelo regime jurídico das coisas ou das pessoas.

4.1 O status do escravo na legislação brasileira: persona e res

Para o Conselheiro Joaquim Ribas, o escravo não era tão-somente uma res, era considerado também como personae, ou seja, os direitos do senhor sobre seu escravo (dominica potestas) não eram apenas exercidos a título de dominus, mas também como potestas:

A dominica potestas dos Romanos, constando de dous elementos – o dominium e a potestas, impunha ao escravo duplo subjeição ao senhor, e o considerava ao mesmo tempo como cousa e como pessoa. Esta instituição não despessoalizava, pois, inteiramente o escravo, nem poderia elle sel-o, pois que a sua incapacidade era subjeita a restrições. À proporção, porém, que o direito estricto se foi aproximando do racional, foi-se restrigindo a dominica potestas, e parallellamente alargando a capacidade dos escravos, esta instituição reconhecida como opposta á natureza,e a liberdade como faculdade natural. Entre nós também os direitos do senhor sobre o escravo constituem domínio e poder, em relação ao domínio o escravo é cousa, em relação ao poder é pessoa (RIBAS, 1982, p. 281-282).

Tal raciocínio pode ser explicado pela compreensão dos institutos de direito romano que eram aplicados subsidiariamente para sistematizar a escravidão brasileira: o escravo era res e personae ao mesmo tempo, desde que se compreenda este último termo não como sujeito de direito, mas como ser humano:

No direito romano o termo personae era usado como equivalente a homo e não como titular de direito. Por isso os escravos eram considerados ao mesmo tempo personae, e res. Isto não significa que o escravo pudesse ser titular de direito, pois Ulpiano esclarece muito bem a sua posição perante o direito civil – “Quod attinet ad IUS CIVILE SERVI pro nullis habentur.” O escravo não era sujeito de direito, pois era considerado uma coisa, ou melhor, um animal humano. O dominus exercia sobre o servus o direito de propriedade e para sancionar esse direito fazia uso da reivindicatio, isto é, da mesma ação de que se servia em se tratando de um objeto móvel. (NÓBREGA, 1955, p. 120 e p. 130)

Para exemplificar, pode-se analisar um caso concreto, descrito no Parecer nº. 05, de 20 de março de 1858, da lavra do Conselho de Estado do Império, que discutia as questões apontadas, analisando a extensão do direito de propriedade do dominus sobre o servus.

A questão levada ao Conselho de Estado iniciava-se com o fato de que Porfírio Fernandes Siqueira, residente na província do Rio Grande do Sul, hipotecou três escravos seus a Francisco Manuel dos Passos.

A hipoteca, assim como hoje, era considerada direito real, nos termos das Ordenações Filipinas, Livro II , f. 52, §5º e livro 4º, f. 3º. O art. 13, do regulamento de 14 de novembro de 1846 previa os efeitos legais da hipoteca: “[…] são efeitos legais o registro das hipotecas, tornar nula a favor do credor hipotecário, qualquer alienação dos bens hipotecados por título, quer gratuito, quer oneroso.”

Posteriormente, com a finalidade de retirar o gravame que incidia sobre seus escravos, com manifesta má-fé, Porfírio Fernandes Siqueira levou-os à República Oriental do Uruguai, cuja legislação considerava livre os escravos que ali se encontrassem.

Francisco Manuel dos Passos, diante deste prejuízo, com a perda da garantia real do seu crédito, formulou requerimento ao Presidente da Província requerendo que este, junto a legação imperial em Montevidéu, reclamasse a extradição dos escravos brasileiros hipotecados, com fundamento no art. 6º do tratado de extradição firmado entre a República Oriental do Uruguai e o Império do Brasil, que possuía o seguinte conteúdo:

O governo da República Oriental do Uruguai reconhece o princípio da devolução dos escravos pertencentes a súditos brasileiros que, contra a vontade dos seus senhores, forem, por qualquer maneira, para o território da dita república e aí se acharem.

Na fundamentação da decisão ao requerimento formulado por Francisco Manuel dos Passos (de 15 de dezembro de 1857, da lavra do Presidente da Província do Rio Grande do Sul), encontra-se a perfeita descrição do status do servus perante a legislação brasileira:

O governo [da República] oriental, concedendo a devolução, como exceção da lei que aboliu a escravatura em todo o território da república, limitou-a aos casos em que os escravos passarem a esse território contra a vontade de seus senhores. O Governo Imperial, aceitando essa limitação, garantiu a liberdade aos que se acharem no caso contrário. Por isso, em toda questão de devolução, é mister ter em vista não somente os direitos do governo oriental e do senhor do escravo, mas também a posição deste para com aquele. O escravo ignora as transações de que é objeto, não entra, nem pode entrar, no exame delas: obedece a seu senhor. Se este o traz para o Estado Oriental, quaisquer que sejam as obrigações contraídas, haja ou não hipotecas, por aquele simples fato, o escravo adquire a sua liberdade, é livre nesta república, é liberto no Brasil. Ambos os governos estão obrigados a manter-lhe o direito que lhe concederam, nem um pode reclamar a sua devolução, nem o outro pode concedê-la. […]. Finalmente, devem ser considerados libertos os escravos, que estando como contratados, ou em serviço autorizado por seus senhores no território indicado – voltarem à província do Rio Grande do Sul, porquanto, pelo princípio geral acima exposto, o fato de permanecer ou ter permanecido, por consentimento do seu senhor, em um país onde está abolida a escravidão, dá imediatamente ao escravo a condição de liberto […] (O Conselho de Estado, 2005, p. 32-33).

Tais conclusões foram remetidas ao Conselho de Estado do Império, que as ratificou e acrescentou:

Se esses escravos voltassem ao Império, então poderia o reclamante fazer valer seus direitos hipotecários contra uma liberdade conferida com fraude manifesta e, ainda assim, o êxito seria duvidoso. (O Conselho de Estado, 2005, p. 34)

O Imperador aprovou o parecer em 29 de março de 1859.

4.2 Capacidade jurídica minorada e responsabilidade

Portanto, manifesto que o escravo possuía, ao lado da sua condição de personae, a natureza de coisa, tendo em vista que sobre ele, inclusive poderiam recair inclusive direitos reais de garantia. Nas palavras de COSTA: “Nas formas jurídicas do século XIX, o escravo é tido como ser ausente. É ausente por não ser sujeito ou ser quase-sujeito” (COSTA, 2009, p. 204).

O ordenamento jurídico brasileiro, como exposto, também considerava o escravo como pessoa, mas diferindo destas perspectivas clássicas, o servus poderia ser paciente ou agente de condutas que desencadeariam o surgimento de consequ?ências jurídicas (ou seja, não haveria atribuição das consequ?ências jurídicas para o dominus).

As consequ?ências jurídicas oriundas da prática de atos jurídicos incidiriam tão-somente sobre a sua pessoa (escravo), que poderia vir a integrar um dos pólos de uma relação jurídica.

Cumpre ressaltar que, apesar da aparente ilogicidade desta argumentação, está a se tentar explicar um determinado fenômeno jurídico valendo-se da teoria do fato jurídico contemporânea.

Para o direito brasileiro do século XIX era possível que o escravo fosse res e personae2, pelo simples fato de que, pela aplicação subsidiária do direito romano, não haveria óbices para que o escravo pudesse vir a ser objeto de sanção penal, pois desde a antiguidade o mesmo respondia por eventuais condutas criminosas por ele perpetradas, tendo o dominus direito de vida e de morte sobre o servus. (NÓBREGA, 1955, p. 138)

É de se observar que, para o Estado Imperial, qualquer aplicação da sanção capital deveria restar submetida ao devido processo legal (art. 179, XI, da Charta da 1824).

Inclusive o escravo deveria figurar como parte, como preceitua o art. 332 do Código de Processo Criminal do Império, de 1932 (que atribui ao Júri a competência para “imposição da pena de morte”). Ou seja, pela legislação imperial, o servus poderia inserir-se em relação processual.

Entretanto, não poderia figurar como testemunha no processo criminal, consoante a Lei de 29 de novembro de 1832, o Código de Processo Criminal do Império:

Art. 89. Não podem ser testemunhas o ascendente, descendente, marido, ou mulher, parente até o segundo gráo, o escravo, e o menor de quatorze annos; mas o Juiz poderá informar-se delles sobre o objecto da queixa, ou denuncia, e reduzir a termo a informação, que será assignada pelos informantes, a quem se não deferirá juramento. Esta informação terá o credito, que o Juiz entender que lhe deve dar, em attenção ás circumstancias.

Para o direito romano clássico, o servus não poderia integrar validamente relação processual:

Nas Novelas de Teodósio encontramos um texto segundo o qual a incapacidade do escravo para participar de um processo se explicava pelo fato de não ser ele persona. O Escravo, esclarece Sohm, é um homem, que não é pessoa jurídica, mas uma coisa; não podia participar de qualquer relação jurídica; não tinha bens ativos (propriedade) nem passivos (contrair dívidas); não participava de qualquer relação de direito de família. Um processo contra um escravo seria completamente inócuo (NÓBREGA, 1955, p. 138).

Portanto, pelo exposto acima, pode-se concluir que: (a) para o direito imperial, o servus, apesar de não ser cidadão brasileiro, poderia se inserir em algumas relações jurídicas. Conclui-se que, para a legislação brasileira, o escravo era um sujeito de direito cuja capacidade jurídica estava minorada, pois se inexistisse esta capacidade e o direito brasileiro adotasse plenamente a doutrina romanística, não poderia o escravo integrar validamente nenhuma relação processual; e(b) para o direito brasileiro, os atos praticados pelo escravo não necessariamente repercutem sobre o seu dominus. Ou seja, o senhor não se torna responsável pelos fatos praticados pelo escravo (inaplicabilidade da teoria pelo fato da coisa), nem a título de culpa, até porque a pena não pode passar da pessoa do condenado (art. 179, XX, da Charta imperial). Ou seja, como o escravo poderia ser sujeito ativo de crime, sofrendo as consequ?ências de condenação criminal, a pena não poderia repercutir sobre a pessoa do dominus, que não concorreu para o resultado delituoso.

A conclusão não poderia ser diferente, para o direto imperial, o escravo poderia ser sujeito de relação jurídica penal, sobretudo na condição de agente.


4.3 A capacidade do escravo para figurar nas relações jurídicas civis

O escravo, paulatinamente, ao longo do século XIX, foi adquirindo legitimação para a prática de atos da vida civil:

A ab-rogação da penalidade consistente em açoites – penalidade excepcional e de extensão arbitrária – não teve, somente, o efeito que lhe atribuíram alguns escravistas, entre os quais Lourenço da Albuquerque e Ratisbona, não influiu, apenas, por haver suprimido o receio de atrozes sofrimentos físicos. Mais importante foi o reflexo moral da lei n.º 3.310, de 15 de outubro de 1886. Ela acresceu a série de atos legislativos que, desde 1871, vinham conferindo personalidade ao escravo; aumentou o grau da sua elevação na escala para a cidadania; colocou-o, quanto à repressão penal, quase na mesma plana das pessoas livres; numa palavra, forrou o escravo do opróbio, sempre, e por toda parte, ligado aos castigos corporais.” (MORAES, 1966, p. 244)

Pela Lei n.º 2.040, de 28 de setembro de 1871, pelo seu art. 4.º, o escravo estava autorizado a constituir um pecúlio com finalidade de obter sua alforria:

Art. 4.º É permittido ao escravo a formação de um pecúlio com o que lhe provier de doações, legados e heranças, e com o que, por consentimento do senhor, obtiver do seu trabalho e economias. O Governo providenciará nos regulamentos sobre a collocação e segurança do mesmo pecúlio.

Observe-se que até efeitos sucessórios eram descritos, bem como o reconhecimento de relação conjugal, no §1.º, deste mesmo art. 4.º:

§ 1.º Por morte do escravo, metade do seu pecúlio pertencerá ao cônjuge sobrevivente, se o houver, e a outra metade se transmittirá aos seus herdeiros, na fôrma da lei civil. Na falta de herdeiros, o pecúlio será adjudicado ao fundo de emancipação de que trata o art. 3.º.

Na lúcida visão do Conselheiro Joaquim Ribas (RIBAS, 1982, p. 282):

À proporção, porém, que o direito estricto se foi approximando do racional, foi-se restrigindo a dominica potestas, e parallellamente alargando a capacidade dos escravos, esta instituição reconhecida como opposta á natureza, e a liberdade como faculdade natural.

O escravo, inclusive estava autorizado ao contratar, em prol da sua liberdade, nos termos do art. 4.º, §1.º, da Lei n.º 2.040, de 28 de setembro de 1871 (Lei do Ventre Livre). Tal diploma legal foi exaustivamente criticado, por contemporâneos, pela sua limitada e lenta efetivação:

Em matéria de emancipação, temos uma lei falha e manca, triste e arrastadamente executada, e mais nada. Nas arcas do Tesouro existem 4.000 contos do fundo de emancipação por qualquer pretexto fiscal. Quatro mil homens ainda escravos por qualquer relaxação administrativa. Até hoje, três anos depois da lei, nem a mínima, providência sobre a educação dos ingênuos e dos emancipados (REBOUÇAS apud MORAES, 1966, p. 24).

Estudada a capacidade civil do escravo, deve-se vislumbrar como o ordenamento jurídico brasileiro do século XIX dispunha sobre a responsabilidade penal dos escravos.

5 O DIREITO PENAL MATERIAL E PROCESSUAL E O ESCRAVO

5.1 A responsabilidade penal do escravo

O Código Criminal do Império do Brasil, a Lei de 16 de dezembro de 1830, estabelecia o conceito de criminoso, nos seus arts. 3º e 4º:

Art. 3.º Não haverá criminoso, ou delinqu?ente, sem má fé, isto é, sem conhecimento do mal, e intenção de o praticar.
Art. 4.º São criminosos, como autores, os que commetterem, constragerem, ou mandarem alguém commetter crimes.

Os escravos não se enquadram em nenhum dos casos de inimputabilidade previsto no art. 10 do referido Código Criminal:

Art. 10. Também não se julgarão criminosos: 1.º Os menores de quatorze annos.
2.º Os loucos de todo o gênero, salvo se tiverem lúcidos intervallos, e nelles commtterem o crime.
3.º Os que commetterem crimes violentados por força, ou por medo irresistíveis.
4.º Os que commetterem crimes casualmente no exercício, ou pratica de qualquer acto licito, feito com a tenção ordinária.

Portanto, por óbvio, os escravos, apesar sua capitis dimininutio maxima, estavam submetidos ao Código Penal, podendo figurar como “criminosos” das condutas previstas neste diploma legal: “Em geral, o Direito penal considera o escravo como pessoa, quando julga apto para servir de agente ou paciente de qualquer delicto” (RIBAS, 1982, p. 282).

Uma outra questão que merece análise é a da possibilidade de o escravo vir a ser vítima do crime homicídio praticado pelo seu senhor: juridicamente falando, o dominus que perpetrasse conduta que viesse a resultar na morte do escravo poderia ser processado pelo delito previsto no arts. 192 ou 193 do Código Criminal do Império ou estaria ele no exercício de uma faculdade sua, derivada do seu poder de propriedade sobre o seu servus?

Para responder tal questionamento, deve-se vislumbrar que o art. 14, item 6º do Código Criminal do Império admitia a possibilidade de o dominus praticar conduta lesiva que viesse a resultar dano a seu escravo, desde que de forma moderada, sob a forma de castigo, salvo se agredisse as leis em vigor no Império: tratava-se de uma hipótese de “crime justificável”, segundo a legislação penal da época, mas não seriam admitidas denúncias do escravo contra o senhor, nos termos do art. 75, § 2º, do Código de Processo Criminal do Império de 1932, já que “a vontade do cativo não pode colidir com a vontade do seu proprietário” (COSTA, 2009, p. 205).

Note-se que, segundo o Código Criminal do Império, o senhor não poderia matar o escravo, como sanção privada pelos atos cometidos por este. Como castigo moderado não se inclui a morte do servus. (RIBAS, 1982, p.282)

Cometendo este ilícito, o Estado estaria autorizado a realizar a persecução penal em face do senhor que houvesse provocado o resultado morte no seu escravo, pelos castigos aplicados.


Neste sentido, a denúncia oferecida pelo promotor adjunto (art. 74 do Código de Processo Criminal do Império: Lei de 29 de novembro de 1832), perante o Juiz Substituto do 3º Distrito Criminal da Comarca de São Luís do Maranhão, em face de D. Anna Rosa Vianna Ribeiro, Baronesa de Grajaú (esposa do presidente da Província do Maranhão Dr. Carlos Fernando Ribeiro, em 1884), pelo homicídio do seu escravo Inocêncio, em face de castigos imoderados por ela perpetrados:

Desta sorte indigitada a denunciada, como autora das sevícias e maus tratos encontrados e reconhecidos no cadáver do seu escravo Inocêncio, visto que este durante o tempo em que foi possuído por ela, jamais esteve em outro poder e debaixo de outras vistas, torna-se a mesma denunciada, D. Anna Rosa Vianna Ribeiro criminosa; e, por isso, e em cumprimento da lei, dá o abaixo assinado a presente denúncia, para o fim de ser ela punida com as penas decretadas no art. 193 do Código Criminal, oferecendo por testemunhas aos adiante nomeados, os quais serão citados para deporem no dia e hora que V. S.ª designar, e bem assim a denunciada para se ver processar, sob pena de revelia, fazendo-se as requisições necessárias (ALMEIDA, 2005, P. 65-70).

Ressalte-se que a pena de galés, ou seja, prestação de trabalhos públicos forçados, com os pés acorrentados era inaplicável às mulheres, nos termos do art. 45, 1º, do Código Criminal do Império, devendo ocorrer a sua conversão em prisão, com a realização de serviços compatíveis com o sexo feminino, pelo mesmo período de tempo fixado na sentença.

No caso em comento, foi proferida sentença de impronúncia (em 23.01.1877), nos termos do art. 145 do Código de Processo Criminal do Império, a qual, sendo objeto de recurso, foi reformada (no dia 13.12.1877), determinando o juízo ad quem (Tribunal da Relação) a pronúncia da ré, que foi levada a júri popular, sendo absolvida em 22.02.1877.

Após apelação (art. 301 do Código de Processo Criminal do Império), foi julgado improcedente o recurso (em 22.05.1877), e, não havendo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art. 305 do Código de Processo Criminal do Império), o feito transitou em julgado.

5.2 As penas aplicadas aos escravos

Os regimes das penas aplicadas aos escravos, manifestamente, diferiam das sanções aplicadas aos homens livres.

5.2.1 A pena de açoitação

A priori, é de se ressaltar que a Charta imperial, no seu art. 179, XIX, abolia as penas cruéis:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.
[…]
XIX. Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas crueis.

Entretanto, o art. 60 do Código Criminal do Império do Brasil, estabelecia:

Art. 60. Se o réo for escravo, e incorrer em pena, que não seja a capital, ou de galés, será conmdemnado na de açoute, e depois de os soffrer, será entregue a seu senhor, que se obrigará a trazel-o com um ferro, pelo tempo, e maneira que o Juiz designar. O número de açoutes será fixado por sentença; e o escravo não poder´pa levar por di mais de cincoenta.

Ademais, nas Ordenações Filipinas, Livro V, título LX, §2º, recepcionadas, verifica-se a previsão da pena de açoitação para o delito de furto, aplicável tanto a homens livres quanto a escravos.

Aos escravos, segundo o disposto nas Ordenações, seriam aplicadas a penas açoitação nos seguintes termos: “Porém, se for escravo, quer seja Christão, quer infiel, e furtar valia de quatrocentos reis para baixo, será açoutado publicamente com baraço e pregão.”.

Para solucionar tal antinomia, a doutrina jurídica do período realizava a harmonização destes dispositivos alegando que o art. 179 da Constituição imperial assegurava direitos fundamentais e liberdades públicas tão-somente aos “Cidadãos Brazileiros”, ora, se o escravo perdeu seus status libertatis (ocorrendo a capitis diminutio maxima), não poderia ser um Cidadão, portanto, inaplicável tal proteção a estes indivíduos. (MORAES, 1966, p. 175).

Portanto, revogada estava à pena de açoitação, prevista nas Ordenações Filipinas, somente para os cidadãos e não para os escravos.

Tal pena era assim executada, nas palavras do Conselheiro Otoni:

Era castigo crudelíssimo: – atava-se o paciente solidamente a um esteio (poste vertical de madeira) e, despidas as nádegas, eram flageladas até ao sangue, às vezes até à destruição de uma parte do músculo. Se não havia o esteio, era o infeliz deitado de bruços e amarrado em uma escada de mão; aí tinha lugar o suplício (apud MORAES, 1966, p. 177).

Cumpre esclarecer que o regime de pena de açoitação, poderia ser judicial ou doméstico. O regime judicial, como referido no art. 60 do Código Criminal, possuía seus limites no arbítrio do órgão jurisdicional (art. 60 do Código Criminal): “o legislador penal da monarquia não limitava o número total dos açoites; deixava ao arbítrio do julgador. Apenas limitava a dose diária” (MORAES, 1966, p. 176).

No que se refere à pena de açoitação, os fundamentos para o exercício deste poder punitivo no âmbito doméstico podem ser encontrados no art. 14, § 6º, do Código Criminal do Império, que estabelecia, dentre as causas de “crimes justificáveis”, a aplicação de castigo moderado que os senhores venham a aplicar a seus escravos. Quando o dominus exercia este seu poder, o critério para fixação do quantum desta sanção decorria do seu livre arbítrio, mas “a maneira material da execução do suplício era, em uma e outra hipótese, os mesmos.” (MORAES, 1966, p. 177).

Tal pena aplicada aos escravos foi revogada pela Lei nº. 3.310, de 15 de outubro de 1886.

5.2.2 A pena de morte

5.2.2.1 A pena de morte e o direito penal imperial

Antes do advento do Código Criminal do Império, vigorava no Brasil, como fonte do direito penal, o Livro V, das Ordenações Filipinas, que previa a existência da pena capital.

Apesar de inúmeros debates, de manifestações inclusive contrárias, Bernardo Pereira de Vasconcelos, autor do anteprojeto do Código Criminal de 1932, manteve a pena de morte tanto para crimes comuns, quanto para crimes políticos, sob o fundamento de que, tal sanção subsistiria para poucos delitos e que o anseio de segurança pública deveria prosperar, já que a inocência, em verdade, era sempre a vítima do crime (RIBEIRO, 2005, p. 27).


Ademais, consoante argumentos do relator, a Constituição Imperial admitia implicitamente a possibilidade de existência da pena capital, como se depreende da leitura do art. 27 desta Charta Magna:

Art. 27. Nenhum Senador, ou Deputado, durante a sua deputação, póde ser preso por Autoridade alguma, salvo por ordem da sua respectiva Camara, menos em flagrante delicto de pena capital.

Como exposto, o Código Criminal do Império trazia, dentre as espécies de pena, a de morte (art. 38), a qual era executada na forca, após o trânsito em julgado do feito, no dia seguinte após a intimação, mas nunca antes de domingo, dia santo ou de festa nacional (art. 39).

Para o cumprimento da pena capital, o réu era conduzido pelas “ruas mais públicas” até a forca, acompanhado pelo Juiz Criminal, pelo escrivão e pela força policial necessária (art. 40).

A presidência dos atos de execução desta pena era feita pelo juiz Criminal, com a lavratura de certidão de todos os atos pelo Escrivão, a qual será juntada aos autos do processo (art. 41).

O corpo do réu poderia ser entregue à família (ou amigos), se requisitado ao juiz, mas não haveria enterro com pompa, sob pena de prisão daqueles que descumprissem este comando (art. 42).

Mulheres grávidas não poderiam ser enforcadas, nem julgadas enquanto perdurasse este estado, somente após transcurso 40 dias do parto (art. 43).

Nos processo criminais em que fosse determinada a condenação nesta pena, poderia haver o perdão pelo exercício do Poder Moderador (art. 66 do Código Criminal c/c art. 101, §8º, da Constituição Imperial), ou, no caso de “crimes particulares” (“sem accusação por parte da Justiça” – art. 67). A pretensão executiva era imprescritível (art. 65).

5.2.2.2 A pena de morte e a Lei n.º 04, de 10 de junho de 1855

Em relação às penas de morte aplicadas aos escravos, necessário o estudo da execrada, desde sua época, Lei n.º 04, de 10 de junho de 1855. Tratava-se de lex specialis que previa tipificação especial e pena capital para algumas condutas delituosas dos escravos, além de rito processual específico para julgar estes crimes, quando figurassem como réus tais agentes.

Anteriormente à Lei nº. 04, de 10 de junho de 1835, foi instituído o Decreto de 11 de abril de 1829 (anterior, portanto ao Código Criminal do Império, de 1830), pelo qual “todo réu escravo, condenado à pena máxima por assassínio do seu senhor devia ser executado, imediatamente, sem direito ao recurso de graça, interposto ao Poder Moderador.”.

Inicialmente, deve-se frisar que tal Decreto, além de agredir ao disposto no art. 101, §8º, da Constituição do Império, por ofensa explícita às competências constitucionais do Poder Moderador imperial, criava-se uma inconstitucional exceção à Lei de 06 de setembro de 1826, que atribuía ao próprio Imperador (no exercício das suas atribuições) ressalvas ao seu poder de moderar ou perdoar as penas aplicadas.

O Decreto de 11 de abril de 1829, sem dúvidas é o embrião da cruel Lei nº. 04, de 10 de junho de 1835, tendo em vista a manifesta ratio legis, isto é, acirrar o terror, pela célere aplicação da sanção capital para réus escravos.

Iniciando o estudo da Lei nº 04, de 10 de junho de 1835, seu art. 1º estabelecia:

Serão punidos com pena de morte os escravos ou escravas que matarem por qualquer maneira que seja, que propinarem veneno, ferirem gravemente ou fizerem outra qualquer grave ofensa física a seu senhor, a sua mulher, a descendência ou ascendentes, que em, sua companhia morarem, a administrador, feitor e as suas mulheres que com elês viverem. Se o ferimento, ou ofensa física forem leves, a pena será de açoites a proporção das circunstâncias mais ou menos agravantes.

Observe-se que, por este dispositivo, buscava-se criar uma norma protetiva do status quo escravista, não apenas para a proteção do senhor e da sua família, mas também dos indivíduos (e respectivo grupo familiar) incumbidos do gerenciamento desta mão-de-obra escrava.

Pela leitura de um trecho de Parecer da Seção de Justiça do Conselho de Estado, de 09 de setembro de 1854, cujo relator fora o Visconde do Uruguai, consegue-se captar a ratio legis do referido diploma: “[…] É uma lei inteiramente excepcional, ad terrorem, feita para produzir terror, que, ao menos agora, não produz.”, na verdade, a Lei n.º 4, de 10 de junho de 1835, foi uma consequ?ência da revolta dos negros Malés na cidade de Salvador:

Em 24 de janeiro de 1835 irrompia em Salvador, uma insurreição armada, que passaria à história como Revolta dos Malês ou a Grande Insurreição. Esta revolta faz parte de um grande ciclo de rebeliões ocorridas na Bahia desde o início do século XIX, e que se estenderia até o ano de 1844. […].
Os primeiros tiros partiram da casa de Manuel Calafate, onde os revoltosos atacados, revidaram e passaram à ofensiva dirigindo-se então para a Rua da Ajuda “onde tentaram arrombar a cadeia a fim de libertar Pacífico Licutan”, não conseguindo lograr êxito. O grupo marcha para o Largo do Teatro, onde trava combate com a polícia derrotando-a pela segunda vez. Essa vitória tinha aberto “caminho para atingirem o Forte de São Pedro. No entanto, com as forças que dispunham era impossível tomar o Forte de artilharia”. Buscam, então, outras alternativas. “Os escravos vindos do Largo do Teatro tentaram estabelecer junção com outra coluna que vinha da Vitória, sob o comando dos dirigentes do Clube da Barra. Esses, por sua vez, já haviam conseguido unir-se ao grupo do Convento das Mercês. Os escravos da Vitória operaram a junção planejada, abriram caminho para a Mouraria onde travaram combate com a polícia, sendo que neste combate perderam dois homens. Rumam, então, para a Ajuda; daí estabelecem uma mudança de rumo na sua marcha: desceram para a Baixa dos Sapateiros, seguindo pelos Coqueiros.3

Até então, os crimes praticados pelos escravos eram processados de acordo com o legislação procedimental comum (a Lei de 29 de novembro de 1832, isto é, o Código de Processo Criminal), mas com o surto de pânico que assolou a sociedade escravista brasileira, em face de tal revolta, inclusive, com reflexos na Corte e na Província do Rio de Janeiro (FREITAS; SOUZA, 1988, p. 63-65), surgiu uma legislação que de modo sumário e extremamente agressivo, cominava penas capitais, quando da prática de insurreições escravas, a fim de responder aos anseios de manutenção da paz e do status quo.

Tal afirmação pode ser corroborada com o fato de que o art. 2º, da Lei n.º 04, de 10 de junho de 1835, também aplicava os seus rigores quando ocorresse o crime de insurreição, restando revogadas as penas cominadas, no Código Criminal, para este delito (art. 5º, da Lei de 10 de junho de 1835):

Art. 2º. Acontecendo algum dos delictos mencionados no art. 1.º, o de insurreição, e qualquer outro commettido por pessoas escravas, em que caiba a pena de morte, haverá reunião extraordinária do Jury do Termo (caso não esteja em exercíciio) convocada pelo Juiz de Direito, a quem taes acontecimentos serão immediatamente communicados (grifos nossos).


Como exposto, fica manifesto que a intenção do legislador é a proteção ao bem jurídico “sistema de produção escravista”, com a previsão que a pena capital será aplicada aos escravos que cometerem o delito de insurreição (art. 113 do Código Criminal):

Art. 113 Julgar-se-ha commettido este crime, reunindo-se vinte ou mais escravos para haverem a liberdade por meio da fôrça. Penas – aos cabeças – de morte no grão Maximo; de galés perpétuas no médio; e por quinze annos no minimo; – aos mais – açoutes.

Observe-se que o delito de Insurreição (que era um crime público, contra a segurança interna do Império, e publica tranqu?ilidade) poderia contar com a participação de homens livres (arts. 114 e 115 do Código Criminal), mas, a tais agentes, não se estendia a pena prevista no art. 1º da Lei nº 04, de 10 de junho de 1835, em face de que estes detinham seu status libertatis pleno.

Ratificando o que foi exposto, faze-se necessário ler-se os dispositivos deste diploma legislativo, que prescrevem procedimento penal específico (e absurdo) para estas condutas delituosas:

Art. 2º. Acontecendo algum dos delictos mencionados no art. 1.º, o de insurreição, e qualquer outro commettido por pessoas escravas, em que caiba a pena de morte, haverá reunião extraordinária do Jury do Termo (caso não esteja em exercíciio) convocada pelo Juiz de Direito, a quem taes acontecimentos serão immediatamente communicados.
Art. 3.º Os Juizes de Paz terão jurisdicção cumulativa em todo o Município para processarem taes delictos até a pronuncia com as diligencias legaes posteriores, e prisão dos delinqu?entes, e concluído seja o processo, o enviarão ao Juiz de Direito para este apresenta-lo no Jury, logo que esteja reunido e seguir-se os mais termos.
Art. 4.º Em taes delictos a imposição da pena de morte será vencida por dous terços do número de votos; e para as outras pela maioria; e a sentença, se for condemnatoria, se executará sem recurso algum.

Por tal procedimento, cria-se um rito sumaríssimo para julgar os delitos praticados pelos escravos, presos preventivamente, sendo a imposição da pena de morte uma consequ?ência automática, que somente não ocorrerá se vencida por 2/3 (dois terços) dos votos dos membros do Júri.

Observe-se que se a sentença for condenatória ela será irrecorrível, ou seja, a contrariu sensu, somente se favorável ao réu (isto é, se absolutória), é que será admitida a interposição de recurso.

Entretanto, esta previsão legal de sentença capital irrecorrível, contrariava, o disposto no art. 101, §8º, da Constituição do Império (que foi regulamentado pelo art. 1º da Lei de 11 de setembro de 1826): “nenhuma sentença de pena capital podia ser, então, executada, sem que, previamente, fosse presente ao imperador, para, se assim o entendesse, perdoar ou minorar, a pena”.

Como exposto, das sentenças condenatórias, com fundamento nos dispositivos da Lei n.º 04, de 10 de junho de 1835, não caberia recurso algum.

Entretan


AGU deve ser vista como órgão de defesa do Estado

Em artigo publicado hoje, 7/12, no Conjur, presidente do SINPROFAZ reitera as missões institucionais da AGU e da PGFN, temas em pauta no 12º Encontro Nacional da Carreira de PFN.


O PIS e a COFINS das instituições financeiras: perspectivas e expectativas do julgamento dos Recursos Extraordinários nºs 400.479 e 609.096

A inconstitucionalidade da ampliação da base de cálculo do PIS/COFINS já está pacificada no STF, mas a discussão quanto ao alcance da incidência do PIS/COFINS sobre as receitas financeiras das instituições financeiras e companhias seguradoras não está sepultada.

Em homenagem aos professores Sacha Calmon e Misabel Derzi, ícones do direito tributário brasileiro.


Certo, nos autos do referido Recurso Extraordinário n. 609.096[1], sob a relatoria do ministro Ricardo Lewandowski[2], o STF reconheceu a repercussão geral da discussão sobre a incidência do PIS e da COFINS sobre as receitas financeiras das instituições financeiras.[3]

Cuide-se que o Tribunal, em sessão plenária de 19.8.2009, iniciou o julgamento do mencionado Recurso Extraordinário n. 400.479[4], sob a relatoria do ministro Cezar Peluso – recentemente aposentado -, no qual se discute a incidência da COFINS sobre as receitas financeiras operacionais das companhias seguradoras.

Nesse referido RE 400.479, após o extenso voto do relator ministro Cezar Peluso, o ministro Marco Aurélio, em antecipação aos votos dos demais ministros, pediu vista dos autos para melhor exame. Em 4.5.2012, Sua Excelência – o ministro Marco Aurélio – devolveu os citados autos para julgamento. Está-se no aguardo de sua reinclusão na pauta do Plenário da Suprema Corte.

Esses aludidos julgamentos são a continuação das discussões acerca da validade constitucional do alargamento da base de cálculo da COFINS instituída pelo § 1º do artigo 3º da Lei 9.718/98.

Com efeito, o STF iniciou a apreciação desse tema (COFINS BASE DE CÁLCULO) em 12.12.2002, nos autos do Recurso Extraordinário n. 346.084, sob a relatoria originária do ministro Ilmar Galvão, mas que teve como redator do acórdão o ministro Marco Aurélio.

Nesse RE 346.084[5], a Corte decidiu que não poderia o legislador autorizar a incidência do PIS/COFINS sobre “a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvidas e da classificação contábil adotada”.

No citado julgamento que decretou a inconstitucionalidade da ampliação da base de cálculo da COFINS, estabelecida no referido § 1º do artigo 3º da Lei 9.718/98, o redator do acórdão ministro Marco Aurélio[6] entendeu que somente poderia incidir a mencionada contribuição, àquela época, antes do advento da Emenda Constitucional n. 20/98, sobre a receita bruta ou faturamento:

o que decorra quer da venda de mercadorias, quer da venda de serviços ou de mercadorias e serviços, não se considerando receita diversa.

Sucede, no entanto, que o ministro Cezar Peluso[7], conquanto acompanhasse o redator na decretação de inconstitucionalidade, entendeu que o faturamento é a receita decorrente das atividades empresariais típicas da pessoa jurídica.

No referido julgamento desse recordado RE 346.084 houve um pequeno debate entre os ministros Cezar Peluso e Marco Aurélio sobre a eventual incidência da COFINS sobre as receitas financeiras de instituições que prestam serviços financeiros.[8]

Nesse mencionado debate deixou-se aberta a porta para a discussão acerca da incidência do PIS/COFINS sobre as receitas financeiras das instituições financeiras e das companhias seguradoras.

Pois bem, se o tema da inconstitucionalidade da ampliação da base de cálculo do PIS/COFINS já restou pacificado no seio do Tribunal, a discussão quanto ao alcance da incidência do PIS/COFINS sobre as receitas financeiras das instituições financeiras e companhias seguradoras não está sepultada, tendo em vista as mudanças de composição da Corte e o fato de que as variações de composição têm significado variações de jurisprudência.[9]

Esse dado necessita de reflexões: a mudança de composição da Corte deve implicar na mudança de orientação jurisprudencial? A jurisprudência é do Tribunal ou é da maioria dominante naquele período? E na hipótese de súmula vinculante, se houver uma mudança de composição que não autorize o seu cancelamento? E se a maioria dominante não pretender se subordinar à súmula vinculante?

À luz do texto constitucional, a jurisprudência é da Corte e não da composição momentânea, por isso que as súmulas vinculantes necessitam de pelo menos 2/3 dos ministros aderindo a sua aprovação, depois de reiteradas decisões sobre o tema. Ou seja, a súmula vinculante deve nascer madura e ponderada e deve ter a chancela de pelo menos 8 ministros da Corte (Art. 103-A, CF).

Nada obstante, o Regimento Interno do STF permite que um único julgamento de um RE com repercussão geral viabilize a edição de uma súmula vinculante (art. 354-E, RISTF). O que deve prevalecer a Constituição Federal ou o Regimento Interno do STF?

Por esse ângulo, na hipótese de mudança de composição e que eventualmente 7 ministros discordem da vigência e aplicabilidade de alguma súmula vinculante, em homenagem à segurança e à confiabilidade do Tribunal, esses 7 ministros deverão se curvar ao mandamento dominante da súmula. Com isso, pretendeu o constituinte criar condições de estabilidade institucional na jurisprudência do STF.

Mas e se os 7 ministros se mantiverem rebeldes à súmula vinculante? Qual a saída institucional? Nos termos do art. 52, II, CF, o Senado Federal deverá processar e julgar os ministros do STF por crime de responsabilidade.

Com efeito, nos termos da Lei n. 1.079, de 10.4.1950, art. 39, itens 4 e 5, são crimes de responsabilidade dos ministros do STF, além de outros, ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo e proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções.

Ora, se os ministros não respeitarem a súmula do próprio Tribunal estarão incorrendo nos aludidos crimes de responsabilidade.

Mas se o Tribunal, via mandado de segurança ou qualquer outro expediente, trancar ou infirmar o processo e o julgamento do Senado Federal em face de crime de responsabilidade de algum de seus membros?

Nessa hipótese, a saída institucional é dramática: Forças Armadas para garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem (art. 142, CF).


Pessoalmente, tenho plena convicção de que os ministros que têm assento nas cátedras do STF são pessoas responsáveis e absolutamente conscientes das graves responsabilidades que o cargo lhes impõe, de modo que essas alusões são meras especulações acadêmicas. Nada disso que cogitamos se tornará realidade. Espero.

Com efeito, a história brasileira tem revelado que os ministros do STF têm demonstrado um agudo faro de sobrevivência institucional, de modo que não é da tradição da Corte agredir frontalmente os demais poderes nem extrapolar das suas atribuições constitucionais.[10]

Retorno ao tema do PIS/COFINS das instituições financeiras.

Nessa perspectiva, a discussão sobre a incidência do PIS/COFINS sobre as receitas financeiras das instituições financeiras, ante as variações de composição do Tribunal, pode revelar surpresas.

Mas quais são os principais fundamentos normativos e argumentos jurídicos levantados pelos contribuintes? Quais são os da Fazenda Nacional?

Os contribuintes alegam, em síntese, que as receitas financeiras não são sujeitas à incidência do PIS e da COFINS, por não serem receitas de serviços, pelo fato de que não decorrem da venda de mercadorias ou da prestação de serviços que sejam remuneradas por um “preço”, pois este – o preço decorrente de uma venda – viabiliza o faturamento ou a receita bruta.[11]

A Fazenda Nacional defende posição diametralmente contrária: as receitas financeiras das instituições financeiras são as suas receitas operacionais típicas e sobre elas devem incidir o PIS e a COFINS.[12]

Tenha-se que o acórdão recorrido nos autos do multicitado RE 609.096, oriundo do egrégio Tribunal Federal da 4ª Região, sob a lavra do eminente juiz federal convocado Leandro Paulsen, acolheu a pretensão do contribuinte e decidiu que as receitas financeiras não se enquadram no conceito de faturamento.[13]

No voto que o juiz Leandro Paulsen prolatou por ocasião desse citado julgamento, há a seguinte passagem favorável às pretensões dos contribuintes:

Também esclarecedor é o art. 2º da mesma LC 116 ao dispor no sentido de que o imposto sobre serviços não incide sobre o ‘valor intermediado no mercado de títulos e valores mobiliários, o valor dos depósitos bancários, o principal, juros e acréscimos moratórios relativos a operações de crédito realizadas por instituições financeiras’.

É que, embora sob a denominação de não-incidência, não se trata de prestação de serviços, de modo que não pode ser tributado a título de ISS, tampouco a receita correspondente poderia ser considerada como receita de prestação de serviços.

Esse será o tema central da controvérsia: se a intermediação financeira é prestação de serviços e se as receitas decorrentes dessa intermediação financeira são as operacionais das instituições financeiras, sujeitas, portanto, à incidência do PIS e da COFINS. [14]

Malgrado o brilhantismo daqueles que entendem que as receitas financeiras das instituições financeiras e das companhias seguradoras não devem sofrer a incidência do PIS e da COFINS, entendo que razão não lhes assiste.

Com efeito, o que o STF decidiu, quando decretou a inconstitucionalidade da ampliação da base de cálculo da COFINS (art. 3º, § 1º, Lei 9.718/98), foi que as receitas não-operacionais estariam fora da incidência desse aludido tributo. Logo, em sentido contrário, as receitas operacionais sofreriam a incidência normativa dessa contribuição social.

Também não colhe o argumento de que as intermediações financeiras prestadas pelas instituições financeiras não seriam prestações de serviços, pelo fato de que estariam excluídas da incidência do ISSQN.

Ora a exclusão reforça o caráter de serviço dessa atividade das instituições financeiras, pois somente se exclui o que se estava dentro. Do contrário, ante a imunidade tributária dos templos religiosos diremos que eles não são prédios? Ou que a imunidade dos livros lhes afasta o caráter de mercadorias?

Em suma, com esteio nos precedentes do STF e estribado no texto constitucional, podemos defender que todas as receitas operacionais das atividades empresariais típicas, regulares e habituais da pessoa jurídica se sujeitam ao recolhimento do PIS/COFINS, especialmente as instituições financeiras possuidoras de indiscutível poderio econômico e patrimonial superior ao de vários outros contribuintes.

De modo que, sem embargo dos judiciosos argumentos contrários, acredito que o STF decidirá pela incidência desses mencionados tributos sobre as receitas operacionais das instituições financeiras e das companhias seguradoras. Aguardemos.


Notas

[1] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 609.096. Plenário. Relator ministro Ricardo Lewandowski. Recorrentes: Ministério Público Federal e União Federal (Fazenda Nacional). Recorrido: Banco Santander do Brasil S/A.

[2] LEWANDOWSKI, Ricardo. Recurso Extraordinário n. 609.096. Voto. Acórdão. Folhas 131 e 132. Supremo Tribunal Federal: Brasília, 2011: “Com efeito, o tema apresenta relevância do ponto de vista jurídico, uma vez que a definição sobre o enquadramento das receitas financeiras das instituições financeiras no conceito de faturamento para fins de incidência da COFINS e da contribuição para o PIS norteará o julgamento de inúmeros processos similares, que tramitam neste e nos demais tribunais brasileiros. Ademais, a discussão também apresenta repercussão econômica porquanto a solução da questão em exame poderá ensejar relevante impacto financeiro no orçamento das referidas instituições, bem como no da Seguridade Social e no do PIS. Além disso, a matéria em debate guarda similitude com a questão tratada no RE 400.479-AgR-ED/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, submetido ao julgamento do Plenário desta Corte em 18/8/2009, mas suspenso, na mesma data, em razão do pedido de vista do Min. Marco Aurélio.”

[3] Recurso Extraordinário n. 609.096. Preliminar de repercussão geral. Julgado em 3.3.2011. Acórdão publicado em 2.5.2011. Ementa: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. COFINS E CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS. INCIDÊNCIA. RECEITAS FINANCEIRAS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. CONCEITO DE FATURAMENTO. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

[4] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 400.479. Plenário. Relator ministro Cezar Peluso. Recorrente: Axa Seguros Brasil S/A. Recorrida: União Federal (Fazenda Nacional).


[5] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 346.084. Plenário. Redator ministro Marco Aurélio. Recorrente: Divesa Distribuidora Curitibana de Veículos S/A. Recorrida: União Federal (Fazenda Nacional). Julgamento em 9.11.2005. Acórdão publicado em 1º.9.2006. EMENTA: CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE – ARTIGO 3º, § 1º, DA LEI Nº 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998 – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1998. O sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente. TRIBUTÁRIO – INSTITUTOS – EXPRESSÕES E VOCÁBULOS – SENTIDO. A norma pedagógica do artigo 110 do Código Tributário Nacional ressalta a impossibilidade de a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de consagrados institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados expressa ou implicitamente. Sobrepõe-se ao aspecto formal o princípio da realidade, considerados os elementos tributários. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – PIS – RECEITA BRUTA – NOÇÃO – INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada.

[6] AURÉLIO, Marco. Recurso Extraordinário n. 346.084. Voto. Acórdão. Folhas 1.266 e 1.267. Supremo Tribunal Federal: Brasília, 2006.

[7] PELUSO, Cezar. Recurso Extraordinário n. 346.084. Voto. Acórdão. Folhas 1.210 e 1.255. Supremo Tribunal Federal: Brasília, 2006.

[8] Recurso Extraordinário n. 346.084. Debate entre os ministros Cezar Peluso e Marco Aurélio. Acórdão. Folhas 1.254 e 1.255. Supremo Tribunal Federal: Brasília, 2006. O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – “Sr. Presidente, gostaria de enfatizar meu ponto de vista, para que não fique nenhuma dúvida ao propósito. Quando me referi ao conceito construído no RE 150.755, sob a expressão ‘receita bruta de venda e mercadorias e prestação de serviço’, quis significar que tal conceito está ligado à ideia de produto do exercício de atividades empresariais típicas, ou seja, que nessa expressão se inclui todo incremento patrimonial resultante do exercício de atividades empresariais típicas. Se determinadas instituições prestam tipo de serviço cuja remuneração entra na classe das receitas chamadas financeiras, isso não desnatura a remuneração de atividade própria do campo empresarial, de modo que tal produto entra no conceito de ‘receita bruta igual a faturamento’.” O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – “Mas, ministro, seria interessante, em primeiro lugar, esperar a chegada de um conflito de interesses, envolvendo uma dúvida quanto ao conceito que, por ora, não passa pela nossa cabeça.” O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – “Mas passa pela cabeça de outros. Já não temos poucas causas, Sr. Ministro, para julgar. Quanto mais claro seja o pensamento da Corte, melhor para a Corte e para a sociedade”. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – “Não pretendo, neste julgamento, resolver todos os problemas que possam surgir, mesmo porque a atividade do homem é muito grande sobre a base de incidência desses tributos. E, de qualquer forma, estamos julgando um processo subjetivo e não objetivo e a única controvérsia é está: o alcance do vocábulo ‘faturamento’. E, a respeito desse alcance, temos já, na Corte, reiterados pronunciamentos”. O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – “É o que estou fazendo: esclarecendo meu pensamento sobre o alcance desse conceito”. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – “Senão, em vez de julgarmos as demandas que estão em Mesa, provocaremos até o surgimento de outras demandas, cogitando de situações diversas”.

[9] Quando houve o início do julgamento do citado RE 346.084, em 12.12.2002, o Tribunal estava sob a presidência do ministro Marco Aurélio e tinha em sua composição os seguintes ministros: Moreira Alves, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Quando o julgamento do RE 346.084 se encerrou, em 9.11.2005, a Corte era presidida pelo ministro Nelson Jobim e tinha em sua composição os seguintes ministos: Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Ayres Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. No início do julgamento do RE 400.479, em 19.8.2009, o Tribunal era presidido pelo ministro Gilmar Mendes e tinha a seguinte composição: Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Até o final deste de 2012 ocorrerá a aposentadoria do ministro presidente Ayres Britto e segundo notícias veiculadas nos órgãos de imprensa também solicitará aposentadoria o ministro decano Celso de Mello. Atualmente, além desses dois ministros citados, a Corte é composta pelos ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa (futuro presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux e Rosa Weber. Nessa toada, o Tribunal, em 2012, terminará o ano desfalcado de 3 ministros, em face da aposentadoria do ministro Peluso e da iminente aposentadoria do ministro Ayres Britto e da cogitada aposentadoria do ministro Celso de Mello. Para a vaga decorrente da aposentadoria do ministro Peluso a escolha do ministro Teori Albino Zavascki homenageou a Constituição. Aguardemos as próximas nomeações para o STF. Espera-se que a Presidenta da República mantenha essa linha de escolha: jurista, com pelo menos 35 anos de experiência profissional (e não apenas de vida, pois o STF não é lugar de “menino” ou de “principiantes”), de notável saber jurídico e de reputação ilibada. Há brasileiros com essas qualidades. Que Sua Excelência mantenha-se iluminada pela razão e pelo bom senso na hora de indicar o homem ou a mulher para a cátedra suprema da magistratura brasileira. O Supremo é o coroamento de uma carreira brilhante, de quem tem grandes e inquestionáveis contribuições jurídicas. Magistratura é coisa séria e deve ser apenas para pessoas honradas e altamente preparadas.

[10] Confira-se: ALVES JR., Luís Carlos Martins. Memória Jurisprudencial – Ministro Evandro Lins. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2009 (www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoinstitucionalmemoria).

[11] Constam nos autos dos citados RREE 400.479 e 609.096 pareceres confeccionados, em defesa dos interesses dos contribuintes, por juristas excepcionais e admiráveis: José Souto Maior Borges, Paulo de Barros Carvalho, Celso Antonio Bandeira de Mello, Alcides Jorge Costa, Marco Aurélio Greco, Tércio Sampaio Ferraz Jr., José Arthur Lima Gonçalves e Humberto Ávila.

[12] ALVES JR., Luís Carlos Martins. Direito Constitucional Fazendário. Brasília: Escola da AGU, 2011 (www.agu.gov.br/publicações/livroseletronicos).

[13] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação em Mandado de Segurança n. 2005.71.00.019507-0/RS. 2ª Turma. Relator Juiz convocado Leandro Paulsen. Julgamento em 7.8.2007. EMENTA: “TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. Apenas durante a vigência temporária do art. 72 do ADCT é que se viabilizou a cobrança de PIS das instituições financeiras sobre a receita operacional bruta. De janeiro de 2000 em diante, não há mais tal suporte constitucional específico a admitir outra tributação que não a comum. O STF declarou a inconstitucionalidade do art. 3º, § 1º, da L. 9.718/98, por entender que a ampliação da base de cálculo da COFINS por lei ordinária violou a redação original do art. 195, I, da Constituição Federal, ainda vigente ao ser editada a mencionada norma legal. Tomado o faturamento como produto da venda de mercadorias ou da prestação de serviços, tem-se que os bancos, por certo, auferem valores que se enquadram em tal conceito, porquanto são, também, prestadores de serviços. É ilustrativa a referência, feita em apelação, à posição n. 15 da lista anexa à LC 116, em que arrolados diversos serviços bancários, como a administração de fundos, abertura de contas, fornecimento ou emissão de atestados, acesso, movimentação, atendimento e consulta a contas em geral etc. Mas as receitas financeiras não se enquadram no conceito de faturamento.”

[14] Tenha-se que a 2ª Turma do STF, no julgamento dos RREE 346.983 e 525.874, que versava acerca da contribuição ao PIS das instituições financeiras, decidiu pela validade jurídica da Medida Provisória n. 517/94. Eis as ementas dos acórdãos dos referidos feitos: TRIBUTO. Contribuição para o PIS. Medida Provisória nº 517/94. Fundo Social de Emergência. Matéria estranha à MP. Receita bruta. Conceito Inalterado. Constitucionalidade reconhecida. Recurso provido. A Medida Provisória nº 517/94 não dispõe sobre Fundo Social de Emergência, mas sobre exclusões e deduções na base de cálculo do PIS. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recursos Extraordinários ns. 346.983 e 525.874. 2ª Turma. Relator ministro Cezar Peluso. Julgados em 16.3.2010. Acórdãos publicados em 14.5.2010).


Campanha de doação de sangue mobiliza carreiras

PFNs participam nesta terça, 28/08, em todo o Brasil, de grande coleta de sangue em hospitais ou hemocentros em mais um ato de protesto contra o descaso do Governo.