Fernanda Santiago é cofundadora do grupo PFNs de Todas as Cores e líder de projeto do Comitê de Igualdade Racial do Grupo Mulheres do Brasil. Em palestra durante evento do Mês PFN e Gênero: Sensibilização, Conscientização e Diálogos, a filiada ao SINPROFAZ, mestranda da USP na área dos direitos humanos, ressaltou que a violência não afeta as mulheres de modo igual, haja vista a interseccionalidade de preconceitos: a raça e a classe são marcadores que elevam os números da violência para outro patamar. “Além de suportar o preconceito de gênero e os estereótipos, a mulher preta também lida com o racismo, que é questão estrutural tão enraizada quanto o machismo. Se a mulher é preta e pobre, maior ainda será a violência que terá de sustentar.”
Ao iniciar a exposição, Fernanda Santiago citou a escritora Grada Kilomba, segundo a qual a mulher é “o outro do homem”, ao passo que a mulher negra é “o outro do outro”. De acordo com a palestrante, “fazer referência à mulher como ‘o outro’ é entender que ela está distante do parâmetro representado pelo homem, cujos desejos a sociedade é estruturada para atender”. Conforme a procuradora, entretanto, as questões de gênero nem sempre alcançam as mulheres negras, que não estão incluídas em todas as demandas das mulheres brancas. “No período da escravização, a mulher preta sofria violência sexual diariamente. O corpo dela não pertencia ao marido, como acontecia com a mulher branca, mas a todas as pessoas que estavam hierarquicamente acima dela.”
Seguindo com a abordagem histórica, Fernanda Santiago lembrou o fato de que, findo o período da escravidão, as mulheres negras passaram a trabalhar nas “casas de família”, onde seus corpos continuaram sendo violados. “Isso ainda hoje é tratado com muita naturalidade em novelas e filmes nos quais o jovem enxerga o corpo da mulher preta, serviçal, como o corpo com que ele pode iniciar a vida sexual”, ressaltou a palestrante, que abordou ainda a questão da hipersexualização da mulher negra, vítima do tráfico de pessoas para prostituição – crime invisível, segundo a procuradora. De acordo com a filiada, todos esses estereótipos compõem o racismo estrutural e refletem nos números relativos à violência: em 2018, 68% das vítimas de feminicídio eram negras.
Para a reversão do racismo, conforme Fernanda Santiago, costuma-se falar em mais representatividade – mas isso não é simples, afirmou a procuradora, pois existe uma violência política contra a mulher negra. “Quando ela tenta entrar no ambiente decisório, o sistema resiste de todas as formas. Os ataques virtuais contra as mulheres pretas eleitas em 2020 foram notórios. Perante as instituições, no entanto, os problemas enfrentados pela mulher preta são menos graves”, destacou, fazendo referência à “falta de empatia” do Judiciário apontada pelo próprio Conselho Nacional de Justiça. Para Fernanda Santiago, somente a partir da conscientização acerca do racismo estrutural e institucional, serão elaboradas políticas públicas voltadas à questão da discriminação.
Acesse o YouTube e assista à palestra completa: bit.ly/FernandaSantiago.