Resultados da pesquisa por “Movimento” – Página: 6 – SINPROFAZ

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Veja o discurso do presidente do SINPROFAZ no ato de 3 de setembro

Em pronunciamento no Senado, presidente Heráclio Camargo defendeu que o fundamento direto para a aprovação da PEC 82/2007 é a própria Constituição Federal, que consagra a Advocacia Pública como Função Essencial à Justiça.


PEC 82: PFNs estão mobilizados na luta por autonomia

Procuradores da Fazenda lotados em Brasília e em outras unidades federativas somaram esforços na mobilização de advogados públicos no Senado Federal.


Repercussão do dia 3 de setembro na mídia

Levantamento preliminar da assessoria de imprensa aponta a repercussão em sites, blogs e outros veículos do lançamento oficial do Movimento Nacional pela Advocacia Pública.


Vitória: presidente da Câmara cria comissão especial da PEC 82

Deputado Henrique Alves foi anunciar a decisão aos cerca de 800 advogados públicos de todo o Brasil que estavam reunidos no Auditório Petrônio Portela do Senado Federal.


Procurador da Fazenda, compareça ao Senado nesta terça-feira, 3 de setembro!

É muito importante a presença da carreira no grande ato de lançamento do Movimento Nacional pela Advocacia Pública. Vamos lotar o Auditório Petrônio Portela, a partir das 13h.


Tropa de choque avança pleitos da Advocacia Pública no Congresso Nacional

Membros das Carreiras e dirigentes sindicais e associativos têm atuado unidos para angariar apoio dos parlamentares aos honorários na votação do CPC e ao grande ato do dia 3 de setembro no Senado Federal.


SINPROFAZ e Procuradores da Fazenda protestam contra PLP 205/12

Cerca de 300 membros das carreiras da Advocacia-Geral da União compareceram ontem (14) ao ato contra o projeto de lei orgânica da AGU na sede do Conselho Federal da OAB.


3 de setembro: Lideranças da Advocacia Pública formalizam convite a parlamentares

O presidente do SINPROFAZ, Heráclio Camargo, e outros representantes da Advocacia Pública compareceram ao Congresso nesta quarta (14) para divulgação do Movimento Nacional pela Advocacia Pública.


Advocacia pública: PECs 82 e 452 podem tramitar em conjunto

Antes mesmo do lançamento do Movimento Nacional pela Advocacia Pública, iniciativa já produz resultados no Poder Legislativo. Apensamento das PECs pode agilizar tramitação.


SINPROFAZ presente em ato da OAB Federal em prol da reforma política

Evento ocorreu nesta segunda (24) em Brasília. Na ocasião foi distribuído material do SINPROFAZ que demonstra os equívocos do PLP 205/12.


Deputado manifesta apoio à PEC 555/06

A proposta, que acaba com a contribuição previdenciária dos servidores aposentados e pensionistas, está pronta para votação no plenário da Câmara.


O fim da democracia brasileira?

A Constituição Federal de 1988 pretendeu não apenas regulamentar a estrutura do Estado brasileiro (art. 18, CF), nem buscou somente apresentar direitos e garantias individuais mínimos para os sujeitos de direito (arts. 5º e 6º, CF), a Charta que emergiu de um período de turbulências político-econômicas almejou, de fato, servir de instrumento para a transformação da nossa sociedade.

Tal transformação se daria não por meio da intervenção estatal na economia (art. 173, CF), como tinha ocorrido anteriormente, mas por meio de assegurar em todos os espaços da vida pública uma práxis que havia sido sufocado desde o AI-5 e que se apresentaria como um dos valores estruturais do Estado criado pela Charta de 1988: a democracia.

Uma leitura atenta da nossa constituição nos revela que esta Constituição pretendeu impregnar a nossa sociedade de democracia, em todos os espaços públicos.

Por espaços públicos entendam-se os locais em que o indivíduo atua como cidadão (art. 17, CF), consumidor (arts. 170 e 175, parágrafo único, II, CF), trabalhador (arts. 8º, 10 e 11, CF), administrado (art. 194, VII, CF), empresário (art. 173, §1º, IV, CF) etc.

Ou seja, a Constituição de 1988 decidiu que o princípio democrático deveria permear todas as relações públicas travadas entre os indivíduos. Pretendeu transformar em Ágora, na praça de debates de Atenas (a pólis grega), todos os espaços em que pudesse existir possibilidade de debates, de exposição de idéias políticas, de perspectivas sobre a realidade etc.

Esta impregnação de democracia nos espaços públicos deveria existir, sobretudo, para possibilitar que a liberdade de expressão fosse utilizada, inclusive, para o controle daqueles que estivessem no exercício de poderes (art. 220 e §§ 1º e 2º, CF), seria um instrumento para coibir abusos praticados por qualquer indivíduo que estivesse na gestão da res publica.

Poderia-se afirmar que a liberdade de expressão incluiria a liberdade de denunciar tais abusos a fim de poder controlar os detentores dos poderes constituídos.

Esta dimensão da liberdade de expressão fica bem clara nas palavras do Ministro Celso de Mello:

Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse coletivo e decorra da prática legítima, como sucede na espécie, de uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional (CF, art. 5º, IV, c/c o art. 220). Não se pode desconhecer que a liberdade de imprensa, enquanto projeção da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar. (AI 505.595, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 11-11-2009, DJE de 23-11-2009.)

A Constituição de 1988 pretendeu criar não apenas uma democracia formal, em que o indivíduo teria apenas o poder-dever de votar em seus representantes (art. 14, §1º, I, CF), em verdade, buscou construir uma sociedade em que a participação popular fosse um valor, já que nos espaços públicos seria possível a manifestação do pensamento.

Esta era a democracia idealizada pela Charta de 1988.

Entretanto, transcorridos mais de duas décadas após da sua promulgação, o que se vê é que ocorre um intenso movimento contrário às expectativas do Constituinte originário está em curso.

O poder público não criou espaços em que as opiniões possam ser proferidas, em suma, as decisões políticas tomadas pelos governantes são baseados em seus compromissos políticos, quaisquer que sejam eles.

Mesmo que existam espaços públicos, as manifestações proferidas nestes ambientes não são relevantes para a construção das decisões políticas já que os gestores da coisa pública utilizam tais espaços apenas para, por meio deste procedimento, legitimar uma tomada de decisão previamente construída.

Ou seja, em outras palavras, para que servem as audiências públicas (art. 32 da Lei nº 9.784/99) se a construção das opções decisórias já foram pré-estabelecidas e, muitas vezes, as decisões já estão tomadas?

Portanto, os representantes populares estão cada mais vez se distanciando da fonte de todo poder: o Povo (art. 1º, parágrafo único, CF).

Este fenômeno também gera nas Instituições republicanas uma estranha miopia, que as impede de ver com nitidez os interesses dos diversos grupos sociais e as necessidades mais prementes da nossa sociedade.

Esta moléstia que atinge as Instituições, ao mesmo tempo em que as leva a não observar as necessidades do Povo, também faz nascer nelas uma falsa impressão de o papel da população é irrelevante: como os detentores dos poderes constituídos não enxergam o Povo, eles começam acreditar que ele não existe, ou, se existe, apenas está aí para elegê-los.

Portanto, os detentores dos poderes constituídos na nossa democracia além de não enxergarem o Povo, devido a sua miopia, também não desejam que haja diálogo entre os “populares” para que não exista ruído, para que não exista efetivo controle pelos cidadãos (art. 5º, LXXIII, CF).

Um sintoma disto é que as assembléias de sindicatos, de associações e de cooperativas perderam espaço para mobilizações construídas em redes sociais, como o Facebook. As opiniões transmitidas por meio de blogs ganham importância porque, na ausência de real espaço público-político, a Internet permite um verdadeiro debate de opiniões e liberdade de expressão. Nestes ambientes, sente-se que se é escutado e que, portanto, vale à pena se manifestar.

Atenta a este fato a Justiça Eleitoral até já buscou cercear a manifestação política eleitoral na Internet (art. 20 da Instrução nº 131, Res. nº 23.191, do TSE). Parece que o que importa é calar o Povo em qualquer local em que sua voz possa ser realmente ouvida. Para os nossos governantes, para que o nosso Povo seja bom, é necessário que ele seja muito silencioso e que, se possível, seja também invisível.

Esta necessidade de silenciar a população, a nosso sentir, fica bem evidente na absoluta ineficácia e perda de sentido, por exemplo, em coisas simples, como a construção do orçamento municipal, pondo um fim a qualquer possibilidade de instituição de gestão participativa, apesar de existir dispositivos legais sobre o tema (art. 48, parágrafo único e art. 48-A, da Lei de Responsabilidade Fiscal).

A nosso sentir, o ato da Justiça Eleitoral de coibir a vedação de manifestação política coletiva no dia das eleições (art. 49, §1º, da Instrução nº 131, Res. nº 23.191, do TSE) é um sintoma que nada mais revela que a “festa da democracia” se transformou em um velório, expondo o que já está claro: a nossa democracia chegou ao fim.

O que se vê aí é apenas uma forma sem essência, um simulacro, uma grande farsa que encobre a realidade, nosso sistema político não enxerga mais o Povo brasileiro.


Autor

André Emmanuel Batista Barreto Campello

Procurador da Fazenda Nacional. Exerceu os cargos de Advogado da União, Procurador Federal e Analista Judiciário – Executante de Mandados/TRT 16ª Região e a função de Conciliador Federal – Seção Judiciária do Maranhão. Professor de Direito Tributário da Faculdade São Luís e ex-professor substituto de Direito da UFMA. Especialista em Docência e Pesquisa no Ensino Superior.

(NBR 6023:2002 ABNT): CAMPELLO, André Emmanuel Batista Barreto. O fim da democracia brasileira?. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2909, 19 jun. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19349>. Acesso em: 24 jun. 2013.


SINPROFAZ convoca participação em ato público na OAB

Nesta segunda, 24, a partir das 10 horas, será realizado ato público no plenário do Conselho Federal da OAB em defesa do Combate à Corrupção.


Maior demanda da Justiça Federal está nos JEFs

Por Simone Anacleto

No último dia 4 de abril, foi aprovada, em segundo turno, pelo Plenário da Câmara dos Deputados a PEC 544/2002, que cria 4 novos Tribunais Regionais Federais no Paraná, Minas Gerais, Amazonas e Bahia, além dos 5 já existentes (Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Pernambuco).

Para entrar em vigor, basta haver a promulgação pelo Congresso Nacional, mas, neste momento, conforme notícia veiculada pela Agência Brasil do último dia 17, o Senador Renan Calheiros suspendeu tal promulgação porque “a proposta está sob avaliação de técnicos do Poder Legislativo, uma vez que foi alegada a existência de ‘erro material’ na matéria. Calheiros não detalhou quais seriam esses erros e disse que caberá à Mesa Diretora do Congresso decidir sobre a questão…”

Na realidade, a aprovação da PEC 544 tem sido o cerne de várias polêmicas, sendo que seus defensores argumentam que os novos TRFs são necessários ante o aumento do número de processos a serem julgados e para aumentar a celeridade processual. Por outro lado, aqueles que têm tido a ousadia de discordar argumentam que os dados não comprovam esse suposto aumento do número de processos e que a criação dos novos TRFs não iria redundar em maior celeridade processual, sendo que o custo que acarretarão aos cofres públicos para serem efetivamente instalados — e sobre isso ninguém discute, embora haja dúvidas sobre o valor total desse custo — não trará efetivos benefícios para o país.

Ora, os números sobre a movimentação processual da Justiça Federal estão disponíveis no site www.cjf.jus.br, bastando examiná-los para se poder formular, com embasamento, uma opinião sobre a polêmica aqui retratada.

Em primeiro lugar, vale conferir a movimentação processual dos próprios TRFs. Chamo a atenção para o dado “processos distribuídos”, para destacar que a estatística evidencia que, de 1999 a 2012, anualmente, são distribuídos, entre todos os TRFs no país, em média, quase meio milhão de novos “processos” — na realidade, o mais exato seria referir novos “recursos”, que é o que, em sua maioria, são distribuídos perante os Tribunais, lembrando que, para cada processo efetivamente distribuído perante o 1º grau de jurisdição, pode haver vários recursos incidentais, como Agravos de Instrumentos, além do recurso oposto por qualquer das partes contra a sentença propriamente dita.

Certamente é um número alto. Mesmo assim, uma primeira constatação se impõe: ao contrário do que afirmam os defensores da criação dos novos TRFs, o número não vem crescendo. Pelo contrário, mesmo com o aumento da população brasileira, curiosamente, o número de processos ou recursos perante os TRFs tem se mantido estável nos últimos anos.

E por que será que isso está acontecendo?

Em primeiro lugar, parece-me importante destacar que a PEC 544 foi proposta ao Congresso Nacional no já longínquo ano de 2002. Ora, nesses 11 anos de tramitação, muitas coisas mudaram, e hoje já vivemos a era de uma nova Justiça Federal, a qual foi modificada por algumas alterações bem pontuais da legislação e que produziram resultados muito mais significativos do que os pretendidos pela PEC 544 (e praticamente sem dispêndio financeiro algum).

Refiro-me à criação dos Juizados Especiais Federais, à inovação dos processos eletrônicos e à introdução das súmulas vinculantes e das sistemáticas da Repercussão Geral e dos Recursos Repetitivos.

Em primeiro lugar, relembre-se que os Juizados Especiais Federais foram criados pela Lei 10.259/2001 e implantados paulatinamente nos anos subsequentes. Neles são julgadas as infrações criminais “de menor potencial ofensivo” e as causas cíveis de valor até sessenta salários mínimos (excluídos expressamente, porém, dentre outros, mandados de segurança e execuções fiscais, não importando o valor). Por outro lado, os recursos das decisões adotadas nos Juizados Especiais não vão para os Tribunais Regionais Federais, e, sim, para as chamadas Turmas Recursais, num sistema inovador, pois tais turmas são compostas por magistrados federais de 1º grau.

É evidente que isso, por si, já teve o efeito de “desafogar” os Tribunais Regionais Federais.

Tome-se, agora, consultando o mesmo site antes mencionado (www.cjf.jus.br), a movimentação processual por seção judiciária, onde se pode constatar que o total de processos distribuídos na Justiça Federal de 1º grau, em todo o país, nos últimos 10 anos, tem se mantido acima dos dois milhões de processos por ano — observando-se, contudo, uma discreta redução a partir de 2006, o que, adiante, será melhor desenvolvido.

De qualquer sorte, fundamental ressaltar que tal estatística, como frisado no próprio site, engloba os valores dos Juizados Especiais Federais.

Então, imprescindível cotejar-se o quadro da movimentação processual por Seção Judiciária com o quadro da movimentação processual dos Juizados Especiais Federais.

E, ao fazê-lo, constata-se que, todos os anos, a partir de 2004, o número de processos distribuídos nos Juizados Especiais Federais (dos quais, reprise-se, não se geram recursos para os TRFs), foi maior do que o número de processos distribuídos na Justiça Federal Comum. Comparem-se, exemplificativamente, os dados de 2004: 1.533.647 processos nos JEFs e 1.109.677 na Justiça Federal Comum. A única exceção foi o ano de 2011, mas, mesmo assim, com uma discreta diferença entre as Justiças: 1.182.501 processos nos JEFs e 1.196.996 na Justiça Federal Comum.

A meu sentir, tais dados, por si, já evidenciam que, se há algum setor da Justiça Federal que pode precisar de maiores investimentos e/ou atenção esse é o dos Juizados Especiais Federais. Lá é que está, atualmente, a maior demanda por justiça formulada pelo cidadão brasileiro.

Além disso, também merece destaque a Lei 11.419/2006, que admitiu a tramitação eletrônica dos processos judiciais. Na medida em que essa tramitação eletrônica seja implantada em todo o país (por ora, quem está mais adiantado nesse sentido é o TRF da 4ª Região, onde a grande maioria dos processos já é eletrônica), não há dúvidas sobre o aumento da celeridade processual, nem do aumento da democratização do próprio acesso a todas as instâncias do Judiciário, sendo possível que, de qualquer parte, pela Internet, os advogados peticionem, inclusive, aos TRFs, o que afasta o possível argumento de que a criação de novos TRFs em outras localidades aproximaria a Justiça dos cidadãos.

Mas, afora tudo isso, é preciso compreender que a introdução das súmulas vinculantes pela Emenda Constitucional 45/2004 (que inseriu o artigo 103-A na Constituição Federal), bem como a introdução das sistemáticas da Repercussão Geral (Lei 11.418/2006, que introduziu os artigos 543-A e 543-B no CPC) e dos Recursos Repetitivos (Lei 11.672/2008, que introduziu o artigo 543-C no CPC), acarretaram uma verdadeira mudança de paradigma no sistema processual brasileiro, que, talvez, ainda não tenha sido bem percebida nem pela sociedade, nem mesmo por muitos setores jurídicos.

Muito resumidamente, explico que, com os mecanismos das súmulas vinculantes, da repercussão geral e dos recursos repetitivos, todas as grandes questões de massa, sejam atinentes à constitucionalidade de uma lei, sejam atinentes à legalidade, são, ao fim e ao cabo, dirimidas pelo STF e pelo STJ, produzindo efeitos, de uma só vez, para todas as ações semelhantes em tramitação no país.

Até a introdução desses mecanismos, apenas no controle concentrado de constitucionalidade (por ações diretas de inconstitucionalidade, por exemplo), havia essa possibilidade de uma única decisão do STF produzir efeitos imediatamente para todas as ações similares em tramitação no país — o chamado efeito vinculante.

No mais, as questões, mesmo as de massa, usualmente eram decididas uma a uma, às vezes num sentido, noutras vezes em sentido diametralmente oposto, levando-se em geral muitos e muitos anos até consolidar-se a jurisprudência num sentido dominante.

Já hoje, na medida em que uma questão considerada de Repercussão Geral ou Repetitiva chegue a um tribunal, tal como qualquer dos TRFs, são selecionados apenas alguns processos com recursos ao STF e/ou ao STJ para encaminhamento. Todos os demais semelhantes ficam sobrestados até o julgamento definitivo pelo STF ou pelo STJ.[1]

Talvez, aliás, isso explique a ligeira tendência que se observa, ao examinar as estatísticas da movimentação processual, de um discreto decréscimo do número de ações distribuídas nos últimos anos perante a Justiça Federal de 1º grau, o que, sem dúvida, acabará repercutindo nos TRFs. É que várias questões objeto de Repercussão Geral ou de Recurso Repetitivo já foram decididas. Na medida em que isso vai ocorrendo, deixam de ser propostas novas ações sobre tais matérias, pois a solução é de antemão conhecida e as partes envolvidas passam a se ajustar nos termos da jurisprudência consolidada.

Por outro lado, de se observar que o ano de 2012 foi atípico pelo menos no âmbito do STF, onde os esforços foram concentrados no sentido de se julgar o processo do mensalão. A partir do presente ano, com a retomada do ritmo normal do STF, milhares de feitos que estão sobrestados em todo o país, aguardando o julgamento por força da sistemática da Repercussão Geral, devem ser decididos.

Considerando que a imensa maioria das ações que tramitam na Justiça Federal envolvem questões de constitucionalidade e/ou legalidade e são ações de massa, pode-se concluir que está havendo uma verdadeira revolução paradigmática. E, arrisco-me a dizer, é bem provável que, num futuro próximo, haja um decréscimo considerável do número de processos distribuídos e, em consequência, em tramitação na Justiça Federal.

Isso significa que a própria Justiça Federal perderá sua importância?

Penso que não, pois sua importância está justamente na necessidade de especialização para bem resolver as questões de interesse da União, de suas autarquias, fundações e sociedades de economia mista.

Mas que a Justiça Federal, como um todo, está em franco processo de mutação, isso me parece evidente.

As grandes questões de constitucionalidade e/ou legalidade estão se sedimentando e à Justiça Federal restará analisar casos mais individualizados, tais como execuções fiscais, questões aduaneiras, crimes federais etc.[2]

E se se quer efetivamente celeridade processual, hoje, o que se tem de fazer é dar maiores e melhores condições aos Tribunais Superiores para que decidam as grandes questões já submetidas às sistemáticas da Repercussão Geral e dos Recursos Repetitivos — o que passa muito ao largo da criação de novos Tribunais Regionais Federais.

Claro que há problemas pontuais que requerem atenção. Em interessante artigo publicado pela Revista Consultor Jurídico, intitulado PEC dos novos TRFs é inconveniente e inconstitucional, Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti narra a briga verdadeiramente paroquial entre os estados da Bahia e de Pernambuco, que acabou redundando no fato de que a Seção Judiciária da Bahia ficasse vinculada ao TRF da 1ª Região, ao invés do TRF da 5ª Região, o que seria mais lógico.

E aponta: “Os três estados com situação mais crítica em relação à geração de processos para o 2º Grau são: Bahia e Minas, na 1ª Região; e São Paulo, na 3ª Região. Destacando-se a Bahia para a 5ª Região, com ampliação do quadro de Juízes naquele TRF, com custo reduzido e com a agregação de Minas Gerais à 2ª Região — RJ (ou a criação de um único TRF para esses dois estados), com ampliação de quadro e com ampliação do quadro do TRF-3, ter-se-ia resolvido o problema. Poder-se-ia então destinar um décimo desses recursos para solucionar o maior problema de congestionamento da Justiça Federal, que são as estruturas dos Juizados Especiais Federais, sobretudo das turmas recursais”.

De qualquer sorte, tudo isso leva a um questionamento paralelo que é o seguinte: nesta nova era, onde a celeridade depende apenas, em grande parte dos casos, das decisões dos Tribunais Superiores, o que também acaba acarretando maior segurança jurídica, como fica o campo de trabalho para os milhares de bacharéis que, todos os anos, são formados pelas faculdades de direito preparados para o litígio judicial e veem diminuir o número de ações a serem propostas?

Será que não está na hora de haver uma profunda reformulação do sistema de ensino jurídico, pensando-se, antes, em formar advogados mais preparados para a consultoria empresarial, quiçá com conhecimentos de Direito Internacional, a fim de inserir o Brasil num mundo de competição empresarial em bases globais?

Mas, sem dúvida, essas são considerações que mereceriam todo um estudo à parte.

Por outro lado, parece-me muito oportuno, a partir das observações de Armando Castelar Pinheiro[3], referir que, quando se fala em reformar o Judiciário com vistas a torná-lo mais eficiente, geralmente, o que surge, em primeiro lugar, são as propostas de aumentar a disponibilidade dos recursos disponíveis, p.ex., aumentando o número de cargos de juízes. Mas isso não é, apenas, fazer mais da mesma maneira?

Como acima amplamente demonstrado, na realidade, há alguns anos, os legisladores e administradores brasileiros têm adotado soluções não só criativas, como eficazes, tanto no sentido de democratizar o acesso à Justiça (Juizados Especiais Federais e processos eletrônicos), como em torná-la mais célere, ao mesmo tempo em que se aumentou a segurança jurídica (por meio de súmulas vinculantes e dos mecanismos de Repercussão Geral e Recursos Repetitivos).

Ou seja, não se tem simplesmente feito mais do mesmo.

Pena que, agora, na contramão de todo esse movimento, tenha sido aprovada a PEC 544.

Considerando que é falaciosa toda a argumentação fundada no aumento do número de processos ou, mesmo, de aumento da celeridade processual por meio da criação de novos TRFs, a pergunta que fica é a seguinte: a quem interessa a criação desses TRFs? Seria àqueles que pretendem ver aumentado o número de cargos de desembargador federal porque almejam ocupar algum deles?

Em pleno século XXI, não está mais do que na hora de deixarmos de lado o velho ranço luso-tupiniquim de pensar apenas no interesse próprio sem medir as consequências disso para toda a sociedade?

Embora haja divergências sobre qual o custo efetivo para a instalação de 4 novos TRFs, não há dúvidas de que será um custo alto.

E, por tudo o que foi explanado acima (em síntese, relembre-se: o maior número de demandas nos JEFs, que não ensejam recursos para os TRFs, os processos eletrônicos e a mudança do paradigma processual, com as súmulas vinculantes, Repercussão Geral e Recursos Repetitivos, o que leva à suposição razoável, inclusive, de que num futuro próximo irá diminuir o número total de novas ações perante toda a Justiça Federal), absolutamente não faz sentido para a nação brasileira a criação desses novos 4 TRFs.


Notas

[1] Não existe uma estatística mais precisa do número de processos que, atualmente, já se encontra sobrestado nos tribunais por força da repercussão geral e/ou dos recursos repetitivos. No site do STF existe um quadro parcial, relativo a alguns tribunais, que atenderam à sua solicitação, prestando algumas informações, mas de acordo com o qual já se pode aferir que, no momento, já estão em milhares as ações paralisadas nos tribunais só por força da repercussão geral.

[2] A propósito, outro dado interessante a ser analisado, a partir do site www.cjf.jus.br, é que, em 2012, continuavam em tramitação na Justiça Federal Comum (após subtraídos os processos em tramitação nos JEFs) 4.589.016 processos, dos quais 3.369.681 são execuções fiscais.

[3] Cfr. o pensamento do autor no artigo: “Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou confronto?”, in “Direito & economia”, org. Luciano Benetti Timm, 2.ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2008, p. 19-47.


Simone Anacleto é procuradora da Fazenda Nacional e professora no Curso de Especialização em Direito Tributário da UFRGS

Revista Consultor Jurídico, 25 de abril de 2013


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Direito Constitucional Tributário no Império do Brasil

André Emmanuel Batista Barreto Campello
Procurador da Fazenda Nacional. Exerceu os cargos de Advogado da União/PU/AGU, Procurador Federal/PFE/INCRA/PGF e Analista Judiciário – Executante de Mandados/TRT 16ª Região, tendo também exercido a função de Conciliador Federal (Seção Judiciária do Maranhão). É Professor de Direito Tributário da Faculdade São Luís e ex-professor substituto de Direito da UFMA. Especialista em Docência e Pesquisa no Ensino Superior. Membro do Conselho Superior da Advocacia-Geral da União.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O Nascimento do Império do Brasil; 2 A Competência Tributária; 3 Limites ao Poder de Tributar; 5 Conclusão.

RESUMO: Direito Tributário Constitucional no Império do Brasil. Trata-se de artigo que tem por finalidade estudar o sistema tributário brasileiro vigente durante o Império do Brasil, sobretudo durante o entre os anos de 1822 e 1840, que marca o período das grandes definições fiscais imperiais, relacionadas sobremaneira com a fixação das competências tributárias nacionais, sem deixar de analisar problemas jurídicos surgidos relacionados com estas escolhas políticas. Por se pretender analisar a repartição do poder de tributar, almejou-se estudar o direito constitucional tributário então vigente, bem como as limitações ao poder de tributar opostas ao Estado imperial brasileiro. Por meio de tal análise buscou-se também vislumbrar a construção do Império do Brasil e suas turbulências, nestas primeiras décadas, relacionadas, sobretudo, com o tipo de Estado adequado para atender aos conflitos entre as pretensões provinciais e a Monarquia centralizadora.

PALAVRAS-CHAVE: História. Direito. Tributário. Constitucional. Brasil império.

INTRODUÇÃO

O direito, em qualquer sociedade, não pode ser compreendido como um fenômeno isolado no tempo e no espaço. Não pode ser vislumbrado como um amontoado de normas que não estão relacionadas com os valores, as visões de mundo e as expectativas de um grupo social (que o cria e que por ele é governado), em determinado momento da sua história (FERREIRA, 1975, p.31).

A percepção deste fenômeno fica mais evidente quando se estuda o direito contemporâneo, pois, de certo modo, vive-se sob a égide destas normas e se consegue compreender os institutos e o alcance deles, sendo possível vislumbrar-se a alteração da interpretação do Direito, e como as normas se relacionam para construir um sistema jurídico.

Os indivíduos que integram a nossa sociedade, por exemplo, sejam ou não operadores do Direito, percebem as normas jurídicas, isto é, tem uma mínima compreensão dos principais limites impostos pelo ordenamento às suas condutas, inferindo também os direitos que lhe são assegurados.

Em outras palavras, por se viver sob o império do direito, é possível senti-lo; consegue-se perceber a sua dinâmica.

Para o operador do Direito, ao se ler as grandes obras jurídicas, ao conversar com os demais colegas, ao trocar informações na faculdade, ao se defrontar com a jurisprudência dos Tribunais ou ao se atualizar com as informações colhidas na internet, fica manifesta a vivacidade do ordenamento jurídico que está em vigor.

Entretanto, quanto mais se recua no tempo, ao se estudar o direito do passado, algo começa a desaparecer: a percepção de “vida” das normas começa a se esvair.

Não se detecta, com mais facilidade como estas normas se organizavam, de como era construído o sistema jurídico, qual era o alcance e a sua aplicação.

Por exemplo, por constar nos livros dos grandes autores clássicos, como Pontes de Miranda (MIRANDA, 1966, p. 25) ou Aníbal Bruno (BRUNO, 2003, p. 106), compreende-se como era aplicado e compreendido o Código Penal, quando dos primeiros anos da sua origem. Ainda se é possível perceber como era a sua essência e a sua conexão com o direito penal atual, pois, além deste diploma legal está em vigor (apesar da reforma da sua parte geral e de inúmeros dispositivos da parte especial), houve uma constante aplicação, sem rupturas, desde a sua criação, com a interpretação das suas normas, tomando por base as inúmeras constituições vigentes, em cada um dos períodos históricos (Constituições de 1937, de 1946, de 1967/69 e de 1988).

Em outras palavras, um leitor que viesse a desejar fazer a leitura do Código Penal, na sua redação original, não estranharia o seu conteúdo, pois se trata de diploma legal que ainda guarda pontos de contato com o pensamento jurídico contemporâneo e com a própria sociedade brasileira, em alguns de seu aspectos, apesar de tal Código ser datado da década de 40, no século XX, já possuindo algumas de suas partes, quase 70 anos.

No direito tributário, vive-se uma experiência um pouco mais complicada.

O Código Tributário Nacional (Lei nº. 5.172/66), decorrente da Emenda constitucional nº 18/66, foi um diploma revolucionário na história do Brasil, por ter conseguido, de forma sucinta, clara e precisa, apresentar alicerces para a construção de uma teoria do tributo e das novas bases para a relação entre Fisco e contribuinte (MARTINS, 2005, p. 29-31).

Toda a teoria contemporânea do direito tributário, por óbvio, foi edificada sobre os alicerces lógicos do nosso Código Tributário de 1966.

Em outras palavras, o operador do direito, quando busca estudar o Direito Tributário, irá sempre tentar visualizar as normas jurídicas sob as categorias lógicas fornecidas pelo nosso Código Tributário: competência tributária, capacidade tributária, limitações ao poder de tributar (princípios e imunidades), conceito de tributo, elementos da norma tributária, espécies tributárias, legislação tributária, obrigação tributária, crédito tributário etc.

Em outras palavras, a legislação fiscal brasileira pré-Código Tributário, para alguns, pode até se parecer com leis de civilizações desaparecidas, como se fora o Código de Hamurabi, da Babilônia, pelo seu exotismo e estranha forma de se apresentar, não guardando, aparentemente, nenhum contato com o nosso direito atual.

De fato, ao se estudar o direito tributário do Império do Brasil, o operador do direito se defronta com obstáculos que devem ser transpostos, sendo que o primeiro deles é que alguns dos parâmetros interpretativos contemporâneos não se conectam às estruturas fiscais do Brasil imperial, isto é, a doutrina jurídica não cria pontos de enlace entre o direito tributário brasileiro atual e o que vigia no século XIX.

O segundo empecilho reside no fato de que estudar o direito vigente no Império do Brasil é estudar normas jurídicas que foram criadas para reger uma sociedade que possui significativas diferenças econômicas (e culturais) em relação ao Brasil contemporâneo, logo, as bases para compreensão não podem se fundamentar em valores vigentes atualmente.

As categorias lógico-jurídicas que regiam o direito brasileiro no Império do Brasil são, em demasia, distintas das que vigoram atualmente, a começar pela inexistência de um Código Civil, pela manutenção do odioso instituto jurídico da escravidão como alicerce do trabalho produtivo (pelo menos até 1860), e pelo fato de que o Império era um Estado unitário sui generis, sobretudo após o Ato Adicional de 1834, que reformou a Constituição de 1824.


Adverte-se que, assim como no estudo do direito romano (ALVES, 1995, p. 67-74.), não se pode vislumbrar o Império do Brasil como um conjunto monolítico de normas, inalteradas no tempo.

As necessidades fiscais do reinado de D. Pedro I, sem dúvidas, não se assemelham às da Regência, muito menos às existentes durante o longo reinado em que D. Pedro II governou a nação, no qual o Brasil se envolveu muito na política interna dos seus vizinhos do cone sul, culminando no conflito armado no Paraguai. (BALTHAZAR, 2005, p.93)

Para saciar estas necessidades fiscais, o Império criou tributos (e as províncias também) sobre novos fatos geradores, instituiu alíquotas adicionais sobre tributos já existentes, abusou da bitributação, mas, sobretudo, buscou taxar as principais atividades econômicas da sociedade brasileira: a exportação, a importação e o consumo de bens não-duráveis.

Mas o Império, apesar do seu desequilíbrio fiscal, deixou de tributar a renda e a propriedade territorial rural, se abstendo de impor taxação sobre a acumulação de riqueza da elite brasileira.

Estudar o direito do Império do Brasil é assaz interessante pelo fato de que nos fornece as perspectivas da sociedade brasileira que estava, após a independência, tentando construir uma nação continental, já sendo possível perceber o nascer de algumas das estruturas do Brasil contemporâneo.

No estudo que será realizado, por óbvio, tenta-se sistematizar o conhecimento à luz de algumas das categorias lógicas do direito tributário contemporâneo, para que o leitor possa compreender o direito vigente naquele período tentando-se adentrar na essência das normas tributárias.

Assim como nas obras de direito romano (CRETELLA JUNIOR, 1995, p. 19-20), faz-se uma tentativa de, didaticamente, apresentar aos operadores do direito as facetas de como era a estrutura e a aplicação do direito em uma sociedade que existiu há quase dois séculos.

Evidente que não se busca cair no erro do anacronismo, mas apenas utilizar as ferramentas dadas pela moderna ciência do estudo do Direito Tributário para entender a realidade passada, a fim de compreender as normas então vigentes, segundo os valores da sociedade brasileira do século XIX.

Este passo é necessário, pois, por óbvio, não seria possível ao autor, simplesmente, estudar o direito do passado, com os olhos do homem daquele contexto histórico, já que tanto o leitor deste trabalho quanto o seu autor integram a sociedade brasileira do início do século XXI, ou seja, pertencem ao presente.

Por esta razão, ao longo desta pequena obra, buscou-se estudar o Direito imperial do Brasil à luz das interpretações do Marquês de São Vicente, que talvez possa ser considerado o grande Constitucionalista do período imperial. A visão e a compreensão deste autor acerca do ordenamento jurídico serviu de ponto de partida para nossas reflexões.

Não obstante esta forma de fazer a leitura da legislação, não nos furtamos a tentar adequar os institutos tributários com a tecnologia lingüística do direto contemporâneo, sobretudo a fim de decifrar as disposições legais estabelecidas. Deve-se frisar que o estudo da legislação tributária imperial, com a utilização de alguns dos arquétipos construídos pala doutrina de direito tributário contemporâneo, não é algo estranho ao estudo de temas relacionados com a história do direito

.

Este mesmo método é utilizado pelos autores quando se busca a compreensão do direito romano (CORREIA e SCIASCIA, 1996, p. 32): realiza-se a divisão da matéria em uma parte geral e especial, analisando os institutos civilísticos romanos, sob os parâmetros dados pela codificação do direito civil moderno, apesar de o direito romano clássico (aproximadamente, de 140 a.C, com a criação da Lei Aebutia, até o término do reinado de Diocleciano, em 305 d.C.) não ter construído nenhum código ou instrumento legal similar, já que, neste período, surgiram duas ordens distintas: o ius civile (direito aplicável apenas aos cidadãos romanos) e o ius honorarium (criado pela atuação dos pretores peregrinos, com o advento da Lei Aebutia, os quais eram magistrados que dirimiam os conflitos entre gentios, ou entre estes e os romanos). (ALVES, 1995, p. 69-70)

Feitas estas considerações iniciais, convida-se o leitor a vislumbrar o nascimento do Império do Brasil, com a outorga da Constituição de 1824.

1 O NASCIMENTO DO IMPÉRIO DO BRASIL

1.1 A INDEPENDÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DE UMA NAÇÃO

O Império do Brasil não nasceu pronto e acabado: trata-se de um projeto político das elites das províncias do sul ao qual se associou a figura do Imperador D. Pedro I.

A proclamação da independência por sua majestade imperial, um ato derivado, sem dúvidas, da sua impetuosidade (LUSTOSA, 2006, p.152-153) não foi suficiente, por si só, para promover a adesão das demais capitanias (e futuras províncias) do então restante Reino do Brasil, sobretudo no norte da América lusitana.

Não existia uma nação brasileira, não existia um Estado brasileiro.

Em verdade, ao longo da história colonial, a metrópole lusitana buscou fazer com que os principais portos e zonas econômicas tivessem laços imediatos apenas com Portugal e não entre si. Pode-se afirmar que os principais pólos econômicos da colônia brasileira estariam mais interligados ao contexto de exploração econômica do Atlântico sul (Luanda, Guiné etc.), devido ao intercâmbio escravista, do que de regiões interioranas do Brasil (ALENCASTRO, 2000, p.9).

Nas palavras de MELLO (2004, p.18): “Como observava Horace Say, ao tempo da Independência, o Brasil era apenas “a designação genérica das possessões portuguesas na América do Sul”, não existindo “por assim dizer unidade brasileira”.

A inexistência de uma nação brasileira, de um país denominado de Brasil, fica mais claro ainda quando se vislumbra o surgimento da Confederação do Equador (1824), quando as capitanias de Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte e do Ceará não compactuaram com o projeto político de criação do Império do Brasil, que faria com que estas passassem a se subordinar à Corte imperial, no Rio de Janeiro.

Entretanto, a Corte necessitava da Bahia, de Pernambuco e das demais capitanias do norte, tendo em vista que estas ricas regiões poderiam financiar tanto a independência da América portuguesa, quanto os projetos políticos de D. Pedro I e a guerra na província Cisplatina. (MELLO, 1999, p. 249-250)

1.2 A HERANÇA LEGISLATIVA COLONIAL

O Império do Brasil não herdou apenas a estrutura econômico-social vigente durante o seu período de vínculo para com Portugal colônia, mas também a legislação metropolitana portuguesa que foi recepcionada pela Lei de 20 de outubro de 1823:

Art. 1.º As Ordenações, Leis, Regimentos, Avaras, Decretos, e Resoluções promulgadas pelos Reis de Portugal, e pelas quaes o Brazil se governava até o dia 25 de Abril de 1821, em que Sua Magestade Fidelíssima, actual Rei de Portugal, e Algarves, se ausentou desta Corte; e todas as que foram promulgadas daquella data em diante pelo Senhor D. Pedro de Alcântara, como Regente do Brazil, em quanto reino, e como Imperador Constitucional delle, desde que se erigiu em Império, ficam em inteiro vigor na parte, em que não tiverem sido revogadas, para por ellas se regularem os negócios do interior deste Império, emquanto se não organizar um novo Código, ou não forem especialmente alteradas.

O Império do Brasil, no seu nascedouro, recepcionou a legislação portuguesa inclusive a legislação tributária da metrópole.


Por esta razão os mesmos defeitos que constavam no sistema de tributação da metrópole portuguesa, no que se refere a sua lei vigente no Brasil, também assolavam a estrutura tributária brasileira quando da ocorrência da independência do Brasil:

[…] a Independência não significava um rompimento com a estrutura patrimonialista, tendo em vista o interesse de determinados setores de manter o status quo. Desta forma, quanto aos tributos, herdou-se a frágil estrutura colonial, embora a mudança na excessiva carga tributária constasse como um dos objetivos do movimento patriótico. (BALTHAZAR, 2005, p.78)

D. Pedro I proclamou expressamente que uma das razões para independência era a necessidade de um novo regime de tributação, diferente do existente na metrópole, que não asfixiasse a vida econômica do Brasil:

[…] grande dose de verdade havia na afirmativa que o então príncipe regente constitucional fizera, dias antes do grito do Ipiranga, de que Portugal, em suas relações com a antiga colônia, queria “que os brasileiros pagassem até o ar que respiravam e a terra que pisavam. (ELLIS, 1995, p. 62)

O então Príncipe regente alardeava os seus desejos:

[…] os brasileiros teriam um sistema de impostos que respeitaria “os suores da agricultura, os trabalhos da indústria, os perigos da navegação e a liberdade do comércio”, sistema esse tão “claro e harmonioso” que facilitaria “o emprego e a circulação dos cabedais”, desvendando “o escuro labirinto das finanças”, que não permitia ao cidadão “lobrigar o rosto do emprego que se dava às rendas da Nação”. (ELLIS, 1995, p.62)

Evidente que tal promessa não foi cumprida, tendo em vista a impossibilidade de reforma profunda da legislação lusitana que havia sido recepcionada, pelos sucessivos déficits fiscais e pelos tratados internacionais que fixavam as alíquotas do imposto de importação em patamares insignificantes.

O brilhante Procurador da Fazenda Nacional Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, ao analisar a tributação no período joanino, expõe as razões dadas pelo príncipe regente (o futuro rei D. João VI) para a diminuição da alíquota do imposto de importação em face de mercadorias portuguesas (Decreto de 11 de junho de 1808):

Sendo conveniente ao bem público remover todos os embaraços que possam tolher o livre giro e a circulação do comércio: e tendo consideração ao estado de abatimento, em nome de que presente se acha o nacional, interrompido pelos conhecidos estorvos e atuais circunstâncias da Europa: desejando animá-lo e promovê-lo em benefício da causa pública, pelos proveitos, que lhe resultam de se aumentarem os cabedais da Nação por meio de um maior número de trocas e transações mercantis, e de se enriquecerem os meus fiéis vassalos que se dão a este ramo de prosperidade pública e que muito pretendo favorecer como uma das classes úteis ao Estado: e querendo outrossim aumentar a navegação que prospere a marinha mercantil, e com ela a de guerra, necessária para a defesa dos meus Estados e Domínios: sou servido ordenar que todas as fazendas e mercadorias que forem próprias dos meus vassalos, e por sua conta carregadas em embarcações nacionais, e entrarem nas Alfândegas do Brasil, pagarem por direito de entrada dezesseis por cento somente. (GODOY, 2008, p.31)

Tendo em vista este desequilíbrio estrutural na legislação fiscal, o Império do Brasil nasceu tendendo a não conseguir organizar seu orçamento, já que, além das inúmeras obrigações político-militares que teve de assumir, em face do rompimento com a metrópole lusitana, ainda recepcionou tratados internacionais que lhe impediam de tributar, de modo significativo, a importação de mercadorias, então a mais significativa atividade econômica do país.

1.3 A CONSTITUIÇÃO DE 1824: A CONSTRUÇÃO DE UM ESTADO UNITÁRIO

1.3.1 A DISSOLUÇÃO DA ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE DE 1823

Pelo Decreto de 12 de novembro de 1823, D. Pedro I dissolveu a Assembléia Geral Constituinte e Legislativa, que havia sido convocada, pelo próprio soberano, pelo Decreto de 03 de junho de 1822.

Segundo o nosso Imperador, tal fato se deu porque este órgão (fundante do próprio Estado brasileiro) teria perjurado o solene juramento de defender a integridade do Império, sua independência e a dinastia de D. Pedro I. Tal ato extremo, segundo o soberano, deu-se para a salvação do Império, como consta no referido instrumento normativo.

Observe-se que Frei Caneca, na edição natalina do periódico Typhis Pernambucano, de 25 de dezembro de 1823, demonstra que as decisões políticas cristalizadas no título 1º, arts. 1, 2 e 3, da abortada Constituição de 1823, não agrediam o juramento feito pelos constituintes de defender a integridade do Império, sua independência e a dinastia de D. Pedro I. (CANECA, 2001, p.309)

Pela Proclamação de 13 de novembro de 1823, S. Majestade Imperial comunicou ao povo brasileiro, que a Assembléia Constituinte de 1823 foi dissolvida e, em seguida, pelo Manifesto de 16 de novembro de 1823, explicitou as razões da prática de tal ato: o “fel da desconfiança”, que elaboravam planos ocultos para semear a discórdia no Brasil, ameaçando o futuro e a própria existência da Nação.

Em 17 de novembro do mesmo ano (de 1823), também por meio de Decreto, o Defensor Perpétuo do Brasil ratificou mandou proceder à realização de eleições para composição de nova Assembléia Geral Constituinte e Legislativa, que como se sabe, nunca promulgou nova Constituição.

Coube ao Conselho de Estado, sobretudo pelo trabalho de José Joaquim Carneiro de Campos (o futuro Marquês de Caravelas, integrante da futura regência trina provisória, constituída em 07 de abril de 1831), influenciado pelo pensamento de Benjamin Constant, preparar um anteprojeto de Constituição, sobre os escombros dos trabalhos da Assembléia Constituinte de 1823.

Este anteprojeto foi apresentado à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que, ao declarar que o seu texto era imelhorável, apresentou respectiva proposta de juramento (em 08 de janeiro de 1824), para coincidir com o Dia do Fico.

O Imperador rejeitou a proposta e fixou o juramento da Constituição para 25 de março daquele ano (1824). (MELLO, 2004, p.169)

Ao povo brasileiro, por meio da Carta de Lei de 25 de março de 1824, o Imperador do Brasil apresentou o teor da Constituição do Império do Brasil que deveria ser jurada por ele e pelos representantes das Câmaras (advindas de diversas províncias), em local e data já fixados: no dia 25.03.1824, na Câmara do Rio de Janeiro, como consta no Decreto de 13 de março de 1824.


É interessante observar que o Imperador buscou legitimidade para a outorga da sua carta política não em uma Assembléia Constituinte (ou Legislativa), mas nas Câmaras municipais, a começar, pela Câmara do Rio de Janeiro, o que era de se estranhar, já que tais órgãos não eram representantes do povo, mas do próprio Rei, tendo em vista a sua natureza jurídica oriunda da legislação metropolitana portuguesa:

No direito português, o poder das Câmaras, como o das antigas Cortes, não advinha da nação mas do Rei, pois uma e outras „não são representantes dos povos; representam sim pelos povos. A Câmara do Rio, […], tomava-se pelo Senado romano e decidia pelo Brasil, como havia feito em 1822 o Conselho de Procuradores, que tampouco tivera competência para aclamar d. Pedro fosse Defensor perpétuo, fosse Imperador. [grifos do autor] (MELLO, 2004, p.170)

Portanto, por ato do Defensor Perpétuo do Brasil, foi outorgada a Constituição de 1824.

1.3.2 O ESTADO UNITÁRIO

A natureza jurídica do Império do Brasil era a de um Estado Unitário (LOPES, 2002, p.313), resultante de uma proclamada: “associação Politica de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles formam uma Nação livre, e independente, que não admitte com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se opponha á sua Independencia. (art. 1, da Constituição de 1824)”.

As províncias eram órgãos administrativos decorrentes da desconcentração do órgão central, sendo, portanto, uma extensão deste, que tinham por atribuição a gestão das regiões do Império, na forma da Lei (arts. 165 e 166 da Constituição de 1824)

Tais Províncias, por serem órgãos responsáveis pela gestão de parcela do território da Nação, poderiam ser alteradas, isto é, a sua amplitude territorial poderia ser modificada sem consulta aos habitantes destas regiões: “art. 2. O seu territorio é dividido em Provincias na forma em que actualmente se acha, as quaes poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado.”.

Como exemplo, menciona-se o Decreto de 07 de julho de 1824, da lavra de Sua Majestade Imperial, que, após parecer do Conselho de Estado (art. 137 da Constituição de 1824), “desligou” da província de Pernambuco a comarca do Rio de São Francisco.

A Constituição que em cada Província seria assegurado aos cidadãos o direito de intervir nos seus negócios, tendo em vista os interesses peculiares destas regiões.

Tal direito deveria ser exercitado pelos Conselhos Gerais de cada Província (art. 71 e 72 da Constituição de 1824), cujas resoluções deveriam ser submetidas ao Poder Executivo (art. 77 da Constituição de 1824), não podendo estes órgãos deliberativos dispor sobre: assuntos de interesse geral; ajustes interprovinciais; criação de imposições (tributos); ou execução das leis (art. 83 da Constituição de 1824).

1.4 A REFORMA DA CONSTITUIÇÃO DE 1824: O ATO ADICIONAL DE 1834

1.4.1 O PROCEDIMENTO DE REFORMA DA CONSTITUIÇÃO DE 1824

A Constituição de 1824 estabelecia que durante determinado período (04 anos) ela seria imutável (MORAES, 2003, p.39), podendo a partir daí ser reformada (art. 174 da Constituição de 1824): “Se passados quatro annos, depois de jurada a Constituição do Brazil, se conhecer, que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por escripto, a qual deve ter origem na Camara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte delles”.

Apesar desta imutabilidade transitória, a Constituição de 1824 poderia ser classificada como uma constituição semi-rígida (ou semi-flexível): isto é, parte do seu texto poderia ser alterado pelo procedimento das leis ordinárias. (MORAES, 2003, p.39)

A Constituição declarava que existiam determinados temas contidos no seu corpo que eram materialmente constitucionais: “É só Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respectivas dos Poderes Politicos, e aos Direitos Politicos, e individuaes dos Cidadãos” (art. 178, 1ª parte, da Constituição de 1824).

Tais normas que dispunham sobre tais temas representavam o núcleo constitucional desta Charta e só poderiam ser alteradas sob o rito previsto nos seus arts. 175, 176 e 177.

Todas as demais matérias eram consideradas apenas formalmente constitucionais e, portanto, não se submetiam a este rito especial de reforma: “Tudo, o que não é Constitucional, póde ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinarias.” (art. 178, 2ª parte, da Constituição de 1824).

1.4.2 A ABDICAÇÃO DE D. PEDRO I

Por uma ironia do destino, o reinado do Defensor Perpétuo do Brasil D. Pedro I se encerrou com a sua abdicação, em favor de seu filho, às 10 horas, de 07 de abril de 1831, praticado no Senado brasileiro, onde se encontravam presentes 26 senadores e 30 deputados.

Além de ter ocorrido durante as férias parlamentares (art. 18 da Constituição de 1824) (VIANNA, 1967, p.104), a abdicação trazia um problema em si: não existia previsão de a Assembléia Geral eleger um Regente para esta situação (art. 15, II, da Constituição de 1824), pois a Charta política apenas elencava tal possibilidade em caso de falecimento do soberano, se não fosse possível a coroação

do seu sucessor (art. 47, IV c/c arts. 121 e 122, da Constituição de 1824).

Ou seja, a sucessão deveria se dar apenas na forma do art. 117 da Charta imperial, o que se apresentava como outro problema.

O Regente deveria ser o parente mais próximo do soberano com mais de 25 anos e, se não houvesse, deveria ser instituída uma Regência provisória composta por dois Ministros (Estado e Justiça) e dois dos mais antigos membros do Conselho de Estado, sob a presidência da Imperatriz viúva (e, na sua ausência, pelo mais antigo membro do Conselho de Estado). Esta Regência provisória se manteria até a escolha da Regência permanente pela Assembléia Geral, na forma do art. 123 da Constituição de 1824.

Entretanto, os fatos do turbulento dia de 07 de abril de 1831 atropelaram as disposições constitucionais, já que a Imperatriz havia falecido (em 11.12.1826), não existiam outros herdeiros maiores de 25 anos e o Imperador, que deveria ter sido o Defensor Perpétuo do Brasil, havia subitamente abdicado: “A regulamentação constitucional, como se vê, pressupunha situações normais, enquanto o que acontecera naquele tumultuado 7 de abril fora anormalíssimo, excepcional, reclamando, desta sorte, tratamento diferente”. (PORTO, 1981, p.10)

No mesmo ato de abdicação foi constituída provisoriamente uma Regência Trina, composta pelos seguintes membros: Brigadeiro Francisco de Lima e Silva, José Joaquim Carneiro de Campos (o Marques de Caravelas) e pelo Senador Nicolau Pereira do Santos Vergueiro.

Iniciava-se o período regencial no Brasil e com ele aguçaram-se os debates sobre a reforma constitucional.


1.4.3 O ADVENTO DO ATO ADICIONAL DE 1834

Com o advento da era regencial, a pressão por maior autonomia provincial se intensificou, culminando na edição de uma verdadeira tentativa de revolução constitucional: o Ato Adicional de 1834.

O Ato Adicional de 1834 que instituiu a Regência Una, foi o resultado de um processo de negociação que se iniciara em 1831 e que concedeu autonomia às Províncias, estabelecendo a existência nelas de dois centros de poder: a Assembléia Legislativa – que substituiu os Conselhos Gerais, e a presidência provincial. (DOLHNIKOFF, 2005, p. 93 e 97)

Nas palavras do Padre FEIJÓ, Regente do Brasil, vislumbrava-se os limites da autonomia político-legislativa concedida às províncias:

Somente os negócios gerais, quais os direitos e obrigações dos cidadãos, os códigos criminal e de processo, o emprego das forças e do dinheiro foram excluídos da ação das assembléias provinciais. Hoje as províncias têm em seu meio a potência necessária para promover todos os melhoramentos materiais e morais. A seus filhos está encarregada a espinhosa tarefas, mas honrosa, de fazer desenvolver os recursos necessários a seu bem ser. (apud DOLHNIKOFF, 2005, p. 100)

Ou seja, a Constituição do Império foi alterada de tal forma que já se nota o despontar do embrião da futura federação brasileira.

O Ato Adicional de 1834, a Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834, foi votado observando os ritos previstos para a reforma da Constituição (DOLHNIKOFF, 2005, p. 97), bem como ao disposto na Lei de 12 de outubro de 1832, que determina que os eleitores, ao elegerem os membros da Câmara dos Deputados, para legislatura seguinte, lhes concederiam poderes para a reforma de inúmeros dispositivos da Constituição Imperial.

Devido a problemas gerados pela aplicação de normas jurídicas contidas no Ato Adicional de 1834, foi editado uma Lei Interpretativa deste diploma, Lei nº 105, de 12 de maio de 1840, restringindo os excessos desta experiência semi-federalista ocorrida durante o período regencial (DOLHNIKOFF, 2005, p. 125), inclusive com a possibilidade revogação de leis provinciais, por ato praticado pelo Poder Legislativo Geral (art. 8º), se afrontarem as interpretações autênticas conferidas por este diploma legal; bem como a faculdade de o presidente da província negar sanção a projeto de lei local que venha contrariar a Constituição do Império (art. 7º da Lei Interpretativa combinado com o art. 16 do Ato Adicional de 1834). (VIANNA, 1967, p.111)

Evidente que a história legislativa imperial não se encerra neste momento, mas a partir daqui o leitor já possui subsídios para a compreensão dos temas que serão a seguir estudados.

Nos capítulos seguintes pretende-se adentrar no estudo do Direito Tributário no Império do Brasil.

2 A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

2.1 A CONSTITUIÇÃO E O PODER DE TRIBUTAR

A partir da ascensão da doutrina constitucionalista (MORAES, 2003, p.35), no século XVIII, o poder de tributar, assim como qualquer espécie de poder, tem a sua origem no Povo, que se apresenta como o seu titular.

O Povo, por meio de seus representantes, reunido em assembléia constituinte, poderá instituir um Estado, por meio de uma Constituição:

A Constituição é a ordem fundamental jurídica da coletividade. Ela determina os princípios diretivos, segundo os quais deve formar-se unidade política e tarefas estatais ser exercidas. Ela regula procedimentos de vencimento d conflitos no interior da coletividade. Ela ordena a organização e o procedimento da formação da unidade política e da atividade estatal. Ela cria as bases e normaliza traços fundamentais da ordem total jurídica. Em tudo, ela é “o plano estrutural fundamental, orientado por determinados princípios de sentido, para a configuração jurídica de uma coletividade.” (HESSE, 1998, p.37)

Pelo fenômeno do constitucionalismo, o Povo, por meio da Constituição por ele proclamada, edificaria o Estado, delegaria poderes às entidades políticas do Estado, repartiria atribuições entre os órgãos estatais, criaria limites e os respectivos instrumentos para assegurar as liberdades individuais.

Dentro da perspectiva da delegação de poderes e a sua repartição entre os órgãos estatais, pode-se vislumbrar um dos fundamentos do Direito Tributário: o exercício da competência tributária.

2.2 O PODER DE TRIBUTAR E A COMPETÊNCIA LEGISLATIVA NA CHARTA MAGNA DE 1824

O Direito Tributário, como nós conhecemos, também só pode ser compreendido a partir dos eventos das revoluções burguesas do século XVIII que ensejaram o surgimento do fenômeno do constitucionalismo.

Pode-se afirmar, sem muitos receios, que um dos marcos, do direito tributário, foi a revolta popular contra a Lei do Selo de 22 de março de 1765, que impunha a obrigatoriedade de obtenção de selo público em todos os contratos, jornais e cartazes, mediante pagamento de taxa nas colônias americanas da Inglaterra. A Declaração dos colonos, oferecida ao rei Jorge III, se inspirou na idéia de que o Parlamento inglês não poderia impor uma tributação à sociedade (da colônia), pelo simples fato de que neste órgão legislativo não existiam representantes populares das colônias americanas, as quais sofreriam a imposição fiscal: not tributation without representation. A lei foi revogada em 1766.

Mais adiante, como o Parlamento metropolitano inglês pretendia instituir tributação adicional sobre o chá que seria exportado desta colônia para a metrópole, a comunidade de Boston reputou por injusta e abusiva a incidência deste tributo, o qual prejudicaria o seu comércio, bem como a vida econômica daquela sociedade: estava armado o palco para a deflagração da revolta, que culminou com o Massacre de Boston, em 5 de maio de 1770. (KERNAL, 2008, p. 77-79).

O tributo passou a ser compreendido como uma exceção a dois direitos fundamentais, o de livre obrigar-se e o de propriedade: ninguém está obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo senão em virtude lei (art. 179, I, da Constituição de 1824) e é assegurado a todos o direito de possui patrimônio (art. 179, XXII, da Constituição de 1824).

Ou seja, o indivíduo só estaria obrigado a pagar algo, contra a sua vontade, transferindo parte do seu patrimônio, se a lei (em sentido formal) assim o declarasse.


A Charta Magna de 1824 incorporava estes princípios, ao estabelecer, em seu art. 36, I, que era da competência privativa da Câmara dos Deputados, cujos representantes eram eleitos (para mandato provisório) pelo voto dos cidadãos habilitados (art. 35 e 90 da Constituição de 1824), a instauração do processo legislativo sobre impostos:

Os impostos e o recrutamento são dois gravames que pesam muito sobre os povos, são dois graves sacrifícios do trabalho ou propriedade, do sangue e da liberdade, são dois assuntos em que a nação demanda toda a poupança, meditação e garantias.

[…]

Se a Câmara rejeita a medida, a rejeição é peremptória, pois que o Senado não pode propô-la; se adota, os termos da adoção vêm já acompanhados do juízo expressado, das circunstâncias dos debates, de uma influência moral ou predomínio importante, que gera impressão sobre a opinião pública e que deve ser bem considerado pelo Senado, que antes disso não é chamado a manifestar suas idéias. Acresce que , por uma conseqüência lógica e rigorosa, o senado não pode mesmo emendar tais projetos no fim de aumentar por forma alguma o sacrifício do imposto […], ou de substituir a contribuição por outra mais onerosa, pois que seria exercer uma iniciativa nessa parte. Seu direito limita-se a aprovar, rejeitar ou emendar somente no sentido de diminuir o peso ou duração desses gravames

[…]

Tal é o privilégio que a Câmara dos Comuns mais zela na Inglaterra; ela não tolera que nenhuma medida que tem relação direta ou estreita com money-bill possa ser iniciada na Câmara dos Lordes. (SÃO VICENTE, 2002, p. 172-173)

Este poder conferido à Câmara dos Deputados se justificava, em verdade, pela natureza da composição deste órgão, no qual se faziam presentes os mandatários que representavam o Povo, de modo mais imediato:

Os deputados são os mandatários, os representantes os mais imediatos e ligados com a nação, com os povos. Tema a missão sagrada de expressar as idéias e desejos destes, de defender suas liberdades,, poupar os seus sacrifícios, servir de barreira a mais forte contra os abusos e invasões do poder, em suma, de substituir na Assembléia Geral a presença dessas frações sociais e da nação inteira cumpre pois que sejam escolhidos e eleitos por aqueles que lhes cometem tão importante mandato, cumpre que dependam só e unicamente daqueles de cujas idéias, necessidades e interesses, de cujo bem ser e progresso têm o destino de ser órgãos imediatos e fiéis. (SÃO VICENTE, 2002, p. 112)

Portanto, apesar do silêncio (e concordância tácita) sobre a escravidão (art. 94, II), apesar da manutenção do padroado (art. 102, II e XIV) et cetera, a Constituição de 1824 estava (formalmente) em plena sintonia com os baluartes liberais do século XIX, como vangloria LIMA:

A monarquia no Brasil achava-se estreitamente ligada ao sistema parlamentar e foi, até, no século XIX, sem falar na Inglaterra, alma mater do regime representativo e não obstante defeitos procedentes das deficiências políticas do meio, uma das expressões mais legítimas e pode mesmo dizer-se mais felizes. (LIMA, 1962, p. 371)

A competência tributária, portanto, seria o poder delegado pela Constituição para que órgãos do Estado pudessem, mediante Lei, instituir tributos. O exercício de tal competência, em última análise, pressupõe que aquele órgão teria, também, atribuição legiferante, já que o tributo deveria ser instituído mediante Lei em sentido formal (AMARO, 2005, p. 93):

Após a Independência constitui-se, no Brasil, o estado fiscal. A principal característica deste estado consiste em um “novo perfil da receita pública, que passou a se fundar nos empréstimos, autorizados e garantidos pelo legislativo, e principalmente nos tributos” em vez de estar consubstanciada nos ingressos originários do patrimônio do príncipe. Além disso, o tributo deixa de ser cobrado transitoriamente, vinculado a uma determinada necessidade conjuntural (ainda que, às vezes, continuasse sendo cobrado mesmo quando não existia mais necessidade, como se verificou no caso de dotes nupciais), para ser cobrado permanentemente. (BALTHAZAR, 2005, p.79)

A Lei (em sentido formal) é espécie legislativa que, por meio de determinado processo realizado pelos representantes políticos (art. 52 usque art. 70 da Constituição de 1824), a vontade do Estado fica cristalizada. A Lei, portanto, seria um instrumento de inserção, no ordenamento jurídico, daquelas normas que o Estado entende por criar, após a observância de determinado procedimento.

Em outras palavras, a lei é fruto da vontade popular, que, por meio de determinado procedimento, e concretiza as decisões políticas tomadas pelos mandatários do povo (deputados, senadores etc.), inserindo novas normas no ordenamento jurídico, permitindo que o povo se governe.

2.3 A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA NO IMPÉRIO DO BRASIL

2.3.1 A CONCENTRAÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

Como exposto, a Constituição de 1824 instituiu um Estado Unitário, em que as províncias não gozavam de autonomia, não participavam do exercício do poder político, o qual estava concentrado no ente central, que representava a Nação.

Se não existia repartição deste poder, sendo as Províncias mera extensão do ente político central, é evidente que não faria sentido que o legislador constituinte as dotasse de parcela do poder de tributar.

De fato, os Conselhos Gerais, que eram órgãos colegiados de deliberação sobre assuntos provinciais (art. 71 da Constituição de 1824), foram expressamente proibidos de instituir tributos (ELLIS, 1995, p.64):

Art. 83. Não se podem propôr, nem deliberar nestes Conselhos Projectos.

I. Sobre interesses geraes da Nação.

II. Sobre quaesquer ajustes de umas com outras Provincias.

III. Sobre imposições, cuja iniciativa é da competencia particular da Camara dos Deputados.

IV. Sobre execução de Leis, devendo porém dirigir a esse respeito representações motivadas á Assembléa Geral, e ao Poder Executivo conjunctamente.

Somente a Câmara dos Deputados detinha a atribuição privativa para iniciar os debates sobre a instituição de tributos, na forma do art. 36, I, da Charta imperial, logo, nenhum outro órgão estatal (central ou provincial) poderia iniciar o processo legislativo para a criação da lei tributária.


Note-se que a deliberação e a aprovação de uma lei (inclusive a tributária) era da atribuição da Assembléia Geral (arts. 13 e 15, VIII, da Constituição imperial), a qual era composta pela Câmara dos Deputados e pelo Senado (art. 14, da Constituição imperial).

Apesar de a atribuição para instituir a Lei tributária residir na Assembléia Geral, o exercício da iniciativa para apreciação de propostas de criação de lei tributária partia, necessariamente, da Câmara dos Deputados.

O Poder Legislativo, consoante a Charta Magna imperial, era delegado à Assembléia Geral, com a sanção do Imperador (art. 13 da Constituição imperial), isto é, o Imperador participava do exercício deste Poder, como se infere da interpretação dos arts. 64 a 70 da Constituição imperial. (SÃO VICENTE, 2002, p.111)

2.3.2 PROBLEMAS DECORRENTES DA CONCENTRAÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

Tendo em vista a concentração da competência tributária no Ente central, as Províncias ficaram na dependência de decisões políticas de repasses do tesouro público, algo que não ocorria com freqüência, tendo em vista o déficit fiscal crônico que assolava o governo imperial (LIMA, 1962, p.452) e que praticamente impedia a realização de significativas transferências.

Ademais, como exposto, o Império do Brasil recepcionou a legislação tributária lusitana e as Províncias, tendo em vista a penúria fiscal crônica, além de continuarem a cobrar tributos antigos, em flagrante agressão à Charta Magna, instituíram, dissimuladamente, novos tributos, inclusive sobre as mesmas hipóteses de incidência de tributos gerais (isto é, instituídos pelo ente central) (BALTHAZAR, 2005, p.82): “A Constituição de 1824 não resolveu o problema de competências tributárias. Alguns impostos eram cobrados várias vezes sobre o mesmo gênero.” (BALTHAZAR, 2005, p.81)

A situação se agravou a ponto que, em 1835, o Ministro da Fazenda Miguel Calmon du Pin e Almeida, por meio da Circular, de 17 de dezembro de 1827 (decisão nº 126), veio a exigir que as Juntas de arrecadação, nas províncias, elaborassem uma lista completa e circunstanciada de todos os “tributos e impostos”, com a indicação da denominação, da data da criação, do ato normativo que o instituiu, do valor arrecadado líquido (nos últimos três anos), bem como a indicação da despesa pública e do estado atual da dívida ativa da Nação, naquela Província.

Dois dias depois, por meio da Circular, de 19 de dezembro de 1827 (decisão nº 129), o mesmo Ministro da Fazenda exigiu que os presidentes das províncias informassem, minuciosamente os impostos “mais gravosos aos contribuintes e por isso mais nocivos ao desenvolvimento da riqueza pública”, de modo a ser possível determinar quais poderiam ser arrecadados diretamente pela Fazenda pública e quais poderiam ser arrematados por contratos. Requereu também informações sobre eventuais abusos quando da cobrança e fiscalização dos tributos e como corrigir estes excessos, tudo isto a fim de diminuir as despesas e aumentar as receitas.

Com o advento da primeira Lei orçamentária brasileira, a Lei de 14 de novembro de 1827, buscou-se organizar a precária relação entre despesas e receitas.

Apesar desta lei expressamente se referir ao Tesouro público da Corte e da Província do Rio de Janeiro, ela também conferia parâmetros para as demais províncias.

Note-se que as províncias deveriam concorrer para custear as despesas gerais, sendo que seus eventuais saldos existentes deveriam servir para o financiamento do governo central (art. 4º), tendo em vista o déficit público existente (art. 5º). Foram mantidos em vigor, para o exercício de 1828, todos os tributos que estavam sendo exigidos (art. 6º).

2.3.3 O ATO ADICIONAL DE 1834: O SURGIMENTO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA PROVINCIAL E A GUERRA FISCAL

2.3.3.1 O ATO ADICIONAL DE 1834.

O Ato Adicional de 1834, a Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834, transformou os Conselhos Gerais em Assembléias Legislativas (art. 1º) e delegou a estes órgãos diversas competências legislativas (art. 10), dentre elas as de fixar as “despesas municipais e provinciais e os impostos para elas necessários, contanto que não prejudiquem as imposições gerais do Estado”.

Recebendo esta competência legislativa, bastante genérica, o legislador, no art. 12, do mesmo Ato Adicional, também estabeleceu outro limite ao exercício do poder de tributar por aqueles órgãos legislativos provinciais: “As Assembléias Provinciais não poderão legislar sobre impostos de importação […]”.

Com o advento deste Ato Adicional ocorreu que as Províncias receberam poderes para instituir quaisquer tributos, desde que não prejudicassem as imposições gerais do Estado e que não se confundissem com os impostos de importação. (SÃO VICENTE, 2002, p.252)

2.3.3.2 INVASÕES DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA.

Evidente que estas vedações genéricas não bastavam para impedir os excessos dos legisladores provinciais, que reiteradamente invadiam a competência tributária do ente central:

É que as Assembléias Provinciais, contrariando proibição expressa da lei de 12 de agosto de 1834 (Ato Adicional), continuavam a legislar sobre importação e exportação, bem como sobre outras contribuições […] “A circulação dos produtos da indústria nacional é gravada em algumas Províncias com imposições quase proibitivas; em outras os próprios gêneros que já pagaram direitos de importação são novamente tributados, segundo a sua natureza e qualidade, com o intuito de proteger algumas fábricas estabelecidas nas ditas Províncias”. Impunha-se, assim, uma decisão sobre o assunto, pois, do contrário, não só seria perturbado o sistema fiscal, “como prejudicada profundamente a riqueza pública.” (SÃO VICENTE, 2002, p.252)

Em verdade, ao se dotar às províncias de competência tributária sem se estruturar um sistema tributário nacional, que de modo eficaz impedisse os conflitos no exercício deste poder de tributar, criou-se uma grande guerra fiscal no Império do Brasil, pois as províncias, em busca de novas fontes de receitas, instituíam muitas vezes adicionais aos impostos gerais ou então estabeleciam dissimuladamente impostos de importação ou de exportação (o que era vedado), ou tributavam o comércio interprovincial.

A razão para este fenômeno era, sem dúvidas, a escassez de fontes significativas de receitas provinciais:

Dois anos depois, Sales Tôrres Homem acentuava, também, e igualmente na posição de ministro da Fazenda, as distorções causadas pela exorbitância legislativa das Assembléias Provinciais, em matéria de impostos, com grave reflexo nas atividades do país. Mas esse era, sem dúvida, o resultado, que se agravava com o decorrer do tempo, do excessivo poder de tributar que detinha o governo central, em detrimento das províncias, as quais, na falta de recursos, exigidos pela evolução de sua própria economia, não viam outro meio para obtê-los senão desrespeitar os limites fiscais que lhes haviam sido traçados. (ELLIS, 1995, p.73)


2.3.3.3 CRISE FISCAL

Esta falta de recursos, justificada pela impossibilidade de criação de tributos, que pudessem incidir sobre relevantes fatos econômicos se agrava pelo fato que a sociedade brasileira do século XIX continuava a ter por principais atividades econômicas aquelas relacionadas com a monocultura agrícola, fundada no trabalho escravo, bem como, e a exportação destes produtos primários:

[…] podemos dizer que o Período Imperial se assemelhou ao Período Colonial em três aspectos: a economia do Brasil conservava-se monocultora, agro-exportadora e escravocrata. Outro ponto em comum residiu na importância dada ao imposto de importação, alterado conforme as necessidades e anseios protecionistas da Coroa. (BALTHAZAR, 2005, p.101)

As Províncias, portanto, eram praticamente compelidas a invadir a competência tributária do ente central, em busca de fontes de financiamento, tendo em vista que significativamente muito pouco restava para a incidência de eventuais tributos locais: “Na área provincial, como se viu, os governos locais, premidos pela falta de meios, eram levados a recorrer com freqüência, a impostos que conflitavam, ostensivamente, com sua reduzida competência tributária”. (BALTHAZAR, 2005, p.101).

Este conflito ficava mais evidente quando se tinha em conta que, antes mesmo do advento do Ato Adicional de 1834, por meio de leis ordinárias, o Império discriminou as competências tributárias do ente central e das Províncias, classificando-as em Receitas Gerais e Receitas Provinciais.

2.3.3.4 RECEITAS GERAIS E RECEITAS PROVINCIAIS: A REPARTIÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

O conceito de Receita Geral e de Receita Provincial foi inicialmente previsto na Lei nº 58, de 08 de outubro de 1833, que era a lei orçamentária para o exercício financeiro que foi de 1º de julho de 1834 a 30 de junho de 1835.

Inicialmente, como era de praxe nas leis orçamentárias imperiais, determinou-se que todos os impostos que haviam sido instituídos pela lei orçamentária de 24.10.1832 continuariam em vigor naquele exercício financeiro (art. 30, Lei nº 58, de 08 de outubro de 1833).

Por Rendas públicas integrantes da Receita geral (art. 36, da Lei nº 38, de 03 de outubro de 1834), enquanto lei geral não viesse a dispor especificamente sobre o tema, consideravam-se todos as receitas (inclusive os impostos) a que se referiam a Lei nº 58, de 08 de outubro de 1833, bem como os impostos provinciais da Corte e do Município do Rio de Janeiro.

Ou seja, a especificação das receitas gerais era discriminada de forma taxativa, numerus clausus, sendo que na Corte e no Município do Rio de Janeiro havia uma competência tributária cumulativa do ente central (art. 36, §1º, da Lei nº 38, de 03 de outubro de 1834) para cobrar os impostos provinciais, com exceção de alguns impostos que eram de competência da Câmara Municipal do Rio de Janeiro: os arrecadados pela Polícia e os foros anuais decorrentes de terreno de marinha, art. 37, §§1º e 2º, da Lei nº 38, de 03 de outubro de 1834.

As Rendas Provinciais (art. 39 da Lei nº 38, de 03 de outubro de 1834) eram as demais rendas que eram cobrados pelas Províncias e que não eram abarcadas pela competência tributária do ente central, passando a pertencer o produto da arrecadação à Receita Provincial, sendo possível a sua alteração pelas respectivas Assembléias Legislativas.

Ressalte-se que antes mesmos das alterações na competência tributária instituídas pelo Ato Adicional de 1834, a Lei orçamentária nº 58, de 08 de outubro de 1933 já fazia referência expressa ao poder de tributar das Províncias (art. 35), isto é, todos os impostos não inclusos dentro do conceito de Receita Geral, sendo permitido que os Conselhos Gerias (das províncias) fixassem o orçamento local.

A partir da Lei orçamentária nº 99, de 31 de outubro de 1835, que fixava as despesas e receitas para o exercício financeiro compreendido entre 1º de julho de 1936 e 30 de junho de 1937, ficou melhor delineado a amplitude das receitas gerais (art. 11). Por este diploma legislativo, as províncias recebiam uma espécie de competência tributária residual, que deveria ser exercida por sua Assembléia Legislativa (art. 12, da Lei nº 99, de 31 de outubro de 1835):

Ficam pertencendo à Receita Provincial todas as imposições não delineadas nos números do art. 11 antecedente; competindo ás Assembleas Provinciaes legislar sobre a sua arrecadação e altera-las, ou aboli-las, como julgarem conveniente.

O complicador na delimitação das competências tributárias residia no fato de que não existiam normas constitucionais dispondo sobre o tema, ficando ao arbítrio do legislador ordinário, ao elaborar as leis orçamentárias, definir a repartição do poder de tributar e também na existência de um efetivo sistema de controle de constitucionalidade das leis provinciais.

2.3.3.5 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA CHARTA MAGNA IMPERIAL E A GUERRA FISCAL

Ao contrário das Constituições republicanas que adotaram, na sua evolução, um misto do sistema americano-germânico para o Controle de Constitucionalidade das leis, a ser exercido pelo Judiciário, de forma difusa (por qualquer órgão jurisdicional, a partir de 1891) ou concentrada (pela nossa Corte Suprema, a partir de 1946), a Charta Magna imperial adotou o sistema britânico de controle, isto é, somente o Parlamento, órgão composto por representes populares, poderia realizar a fiscalização dos atos normativos à luz da nossa Constituição. (MENDES, 2007, p. 154 e 983)

Competia à Assembléia Geral velar pela guarda da Constituição, bem como interpretar, suspender ou revogar as Leis (art. 15, IX e X, da Constituição de 1824), pelo fato de que, pelos ensinamentos de SÃO VICENTE:

O art. 15, §9º da Constituição confirma uma atribuição que o direito de fazer as leis por certo importa; ele inclui necessariamente o direito de inspecionar, de examinar se elas são ou não fielmente observadas.

[…]

De todas as leis as que demandam maior inspeção, por isso mesmo que demandam o mais alto respeito, são as leis constitucionais, pois que são o fundamento de todas as outras e da nossa existência e sociedade política. São os títulos dos direitos dos poderes políticos, e não são só títulos de seus direitos, mas também de suas obrigações, não são só brasões de autoridades, são também garantias dos cidadãos; ligam o súdito e o poder; é por isso que a Constituição ordena que a Assembléia Geral que vele na guarda de seus preceitos. (SÃO VICENTE, 2002, p. 168)

Competia também à Assembléia Geral controlar os atos do Poder Executivo, limitando os seus poderes:

A principal vigilância que a Assembléia Geral deve exercer é que o poder executivo se encerre em sua órbita, que não invada o território constitucional dos outros poderes, é a primeira condição da pureza do sistema representativo e que decide das outras; que respeite as liberdades individuais.

A exata observância das leis ordinárias, das leis fiscais, cujos abusos são mui opressivos, das que promovem os melhoramentos vitais do país, como suas estradas e colonização, cuja omissão tanto pode afetar a sorte do povo, enfim de todas as normas da sociedade, muito interessada, ao seu desenvolvimento e bem-estar. (SÃO VICENTE, 2002, p. 168)


A Charta Magna de 1824 originariamente, por instituir um estado Unitário, sem delegar aos Conselhos Gerais provinciais competências legislativas, estabeleceu que as resoluções tomadas por estes órgãos deveriam ser remetidas ao Poder Moderador (o Imperador), por meio do Presidente da Província (art. 84, da Constituição imperial), o qual poderia mandar executar ou suspender a eficácia da resolução até ulterior deliberação da Assembléia Geral (arts. 86, 87, 88, e 101, IV, da Constituição imperial).

Se a Assembléia Geral estivesse reunida, deveria ser enviada diretamente para este órgão a resolução do Conselho geral provincial, nos termos do art. 85 (da Constituição imperial), para que fosse a proposta debatida como projeto de lei.

Em outras palavras, como os Conselhos Gerais tinham sua atribuição legislativa limitadíssimas, o risco de haver leis provinciais inconstitucionais também era (em tese) reduzido.

Com o advento do Ato Adicional de 1834 e a criação de Assembléias provinciais dotadas de competência legislativa, inclusive tributária, a situação se modificou, pois o risco de surgimento de leis inconstitucionais provinciais aumentou em muito (art. 10, da Lei nº 16, de 12, de agosto de 1834).

Este risco ficou tão evidente para SÃO VICENTE que ele analisa, de modo enérgico, a natureza de uma lei provincial inconstitucional:

§2º Das leis provinciais ofensiva das Constituição:

235. É evidente que qualquer lei provincial que ofender a constituição, ou porque verse sobre assunto a respeito de que a Assembléia Provincial não tenha faculdade de legislar, ou porque suas disposições por qualquer modo contrariem algum preceito fundamental, as atribuições de outro poder, os direitos ou liberdades individuais ou políticas dos brasileiros, é evidente, dizemos, que tal lei é nula, que não passa de um excesso ou abuso de autoridade.

Um ato tal é uma espécie de rebelião da autoridade provincial contra seu próprio título de poder. A própria A própria Assembléia Geral não tem direito para tanto, as Assembléias Provinciais não podem, pois, pretendê-lo. No caso de se dar tal abuso ele deve ser desde logo cassado. (SÃO VICENTE, 2002, p.251)

Como se daria esta cassação da lei provincial inconstitucional?

O art. 20, do Ato Adicional de 1834 (que reformou a Constituição imperial) atribuiu à Assembléia Geral poderes para revogar apenas as leis provinciais que ofendessem a Constituição, os impostos gerais, os direitos de outras províncias ou os tratados.

Entretanto, esta revogação não era automática, dependendo de expressa prática de ato pelo Poder legislativo (art. 8º da Lei nº 105, de 12 de maio de 1840 (Lei de Interpretação do Ato Adicional de 1834)).

A Lei nº 105, de 12 de maio de 1840 (Lei de Interpretação do Ato Adicional de 1834), estabelecia, no seu art. 10, §8º, a possibilidade de o Presidente provincial vetar (não sancionar) lei aprovada pela Assembléia Legislativa, por inconstitucionalidade (art. 7º). (SÃO VICENTE, 2002, p.258)

O problema envolvendo esta forma de controle de constitucionalidade era manifesta: a revogação (ou suspensão da eficácia) de uma Lei provincial, pela Assembléia Geral, necessitava de articulação política para que resultasse em deliberação no legislativo nacional, como ocorreu com o imposto de consumo (de giro) instituído pela Assembléia Legislativa pernambucana (1885), em manifesta afronta ao disposto no art. 10, §5º, do Ato Adicional de 1834. O Governo imperial preferiu manter-se inerte, não comprando esta briga, tendo em vista que a existência destas espécies de imposto provinciais era um “mal menor”: o Poder Executivo não desejava intervir para não gerar conflito com as Assembléias Provinciais. (MELLO, 1999, p.277-278)

Diante deste deficiente sistema de controle de constitucionalidade, o estudo dos limites ao poder de tributar ganha um realce maior.

3 LIMITES AO PODER DE TRIBUTAR

À luz do constitucionalismo, o poder de tributar, como qualquer outra forma de poder, tem como seu titular o próprio Povo, que o delega, pela Constituição a órgãos do Estado.

Evidente que o Povo não delega o poder de tributar de forma absoluta, ao contrário, limita o exercício destes poderes a fim de proteger os direitos fundamentais à liberdade e ao patrimônio.

Neste momento, busca-se estudar quais os limites ao poder de tributar que existiam no Direito do Império do Brasil.

3.1 LEGALIDADE

Não existia, no art. 179, da Constituição do Império, uma previsão explícita de que os tributos apenas poderiam ser instituídos por meio lei, em sentido formal.

Entretanto, facilmente se extrai este princípio da leitura da Constituição de 1824: estava assegurado, como direito fundamental dos cidadãos, que ninguém está obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo senão em virtude lei (art. 179, I, da Constituição de 1824) e é que seria assegurado, a todos, o direito de possuir patrimônio (art. 179, XXII, da Constituição de 1824).

Esta proclamação do império da Lei também se percebe quando se está diante da criação de tributos.

Nos termos da Constituição do Império, a atribuição privativa para se iniciar o processo legislativo para criação de tributos, nos termos do art. 36, I, era da Câmara dos Deputados, cujos representantes eram eleitos (para mandato provisório) pelo voto dos cidadãos habilitados (art. 35 e 90 da Constituição de 1824). Entretanto, a criação da Lei deveria se dar após procedimento que previa debate e deliberação em ambas as Casas do Poder Legislativo (arts. 55 e 60, da Constituição de 1824), com posterior sanção do Imperador, no exercício do Poder Moderador (art. 101, III, da Constituição de 1824).

Portanto, para a criação de tributos, nos termos da Constituição de 1824, exigia-se Lei, em sentido formal.

3.1.1 LEIS ORÇAMENTÁRIAS

Uma prática muito comum, durante o Império do Brasil, a partir da Lei orçamentária nº 58, de 08 de outubro de 1833, era a descrição e a possibilidade de instituição de tributos por meio das leis orçamentárias que iriam vigorar no exercício fiscal seguinte.

Nas próprias leis orçamentárias vinha a descrição dos tributos existentes e, em alguns casos, a instituição de outros ou a alteração das alíquotas dos tributos existentes.


3.1.2 TRATADOS INTERNACIONAIS

Os tratados internacionais podem ser considerados como o calcanhar de Aquiles do 1º Reinado e merecem um estudo mais detalhado.

Nos termos do art. 102, VII e VIII, da Constituição de 1824, competia ao Poder Executivo entabular negociações co


Quem nasceu cara-pintada não foge à luta

Quando o SINPROFAZ nasceu, no dia 11 de janeiro de 1990, o Brasil se preparava para assistir à posse do primeiro presidente eleito diretamente pelo povo, após 26 anos de dolorosa ansiedade.


O poder simbólico do direito: uma introdução ao estudo do direito pela obra de Pierre Bourdieu

André Emmanuel Batista Barreto Campello1

Resumo

O presente texto buscou analisar e tecer reflexões acerca do fenômeno jurídico, dentro da perspectiva do poder simbólico traçada por PIERRE BOURDIEU, vislumbrando-se o Direito como uma forma de manifestação do poder simbólico, ao se constatar que as limitações às diversas formas de interpretação jurídica, representam, por si só, forma de controle social.

Palavras chave: Direito. Introdução. Crítica. Poder Simbólico. Pierre Bourdieu.

1 INTRODUÇÃO

Neste ensaio pretende-se iniciar a caminhada na construção de uma introdução ao problema do fenômeno jurídico, à luz da perspectiva dada por PIERRE BOURDIEU, vislumbrando o direito como uma forma de manifestação do poder simbólico, ao se constatar que as limitações às diversas formas de interpretação jurídica, representam, por si só, forma de controle social.

Em um primeiro momento analisa-se o direito como uma forma de controle social, verificando a sua natureza e como este se realiza por meio do poder simbólico.

Portanto, neste capítulo será estudado o Direito enquanto fenômeno social que tem por escopo o controle comportamental de uma coletividade com o escopo da manutenção do status quo.

A seguir, no capítulo seguinte pretendeu-se, à luz dos ensinamentos de Pierre Bourdieu, tecer reflexões acerca do monopólio do Estado da jurisdição e, portanto, da interpretação definitiva do direito, apontando suas razões e consequ?ências.

Ao final, na conclusão, busca-se consolidar o tema, sem esgotá-lo apresentando as perspectivas para novos caminhos.

2 O DIREITO COMO FORMA DE CONTROLE SOCIAL

2.1 O Direito é um fenômeno social

Não se pode conceber um Direito sem sociedade, ou mesmo uma sociedade sem normatização que venha a se valer de regras (ou princípios) para controlar/limitar a condutas dos indivíduos e grupos que lhes integram.

Seria possível até afirmar que, para que exista sociedade, faz-se necessário a existência de Direito, sendo este, portanto, uma necessidade daquela:

A sociedade sem o Direito não resistiria, seria anárquica, teria o seu fim. O Direito é a grande coluna que sustenta a sociedade. Criado pelo homem, para corrigir a sua imperfeição, o direito representa um grande esforço, para adaptar o mundo exterior às suas necessidades da vida.2

Evidente que não se fala aqui de que qualquer sociedade, para existir, terá necessariamente possuir uma codificação (fenômeno tipicamente ocidental) para reger a sua vida social, mas tal coletividade deverá estar regida por conjunto de normas que lhe conceda estabilidade e que permita o desenvolvimento de atividades econômicas e relativa segurança para os indivíduos e para as relações surgidas entre estes, a fim de evitar que a força (individual), por si só, seja o único elemento que defina o resultado das querelas da sociedade.

Neste sentido, algumas palavras de IHERING: “[…] Dessa forma, a preponderância do poder inclina-se paras o lado do direito, e a sociedade pode ser designada, por consequ?ência, como o mecanismo de auto-regulação da força conforme o direito.”3

Presume-se que os indivíduos, de uma dada sociedade, ao edificarem o Direito que irá reger as suas relações sociais e limitar a satisfação das suas necessidades, aceitam como legítimo tanto o poder que cria as normas, quanto válidas (e também) aceitáveis o conteúdos destas, pois, do contrário existiria, no mínimo, um contexto de subversão política, já que, estaria, em questionamento, a própria obediência ao estatuto social criado pelo poder político constituído.

Neste ponto, adequa-se, perfeitamente, a percepção de BOURDIEU acerca do poder simbólico e a noção de que ele pressupõe que os dominados se submetem espontaneamente ao controle porque possuem alguma crença neste comando:

[…] como o poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. Isto significa que o poder simbólico não reside nos “sistemas simbólicos” em forma de uma “illocutionary force” mas que se define numa relação determinada – e por meio desta – entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença. O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da competência das palavras.4

Pelo que foi apresentado, para a continuação deste ensaio, necessária a formulação de questões acerca de alguns aspectos:

(1) Se o Direito é um fenômeno social, como poderia este controlar a própria sociedade que o engedrou?

(2) Qual o fundamento de legitimidade para que o Direito possa se impor sobre uma determinada sociedade?

(3) Como o Estado consegue impor um Direito sobre uma sociedade?

Em verdade, uma introdução ao estudo do Direito deve partir precisamente daquilo que o Direito é: um instrumento de controle do comportamento dos indivíduos de uma sociedade a fim de manutenção de uma determinada estrutura social e rede de relações entre indivíduos, analisando-se a ciência do Direito e os significados deste fenômeno social.

2.2 O primeiro ponto de análise deve ser a compreensão da construção da “Ciência do Direito”

Ora, a construção de uma ciência jurídica, teria, por óbvio, uma faceta simbólica manifesta: a de apresentar ao espectador uma aparência de lógica, de autonomia, de sistema fechado, que serviria para isolar (para fins de estudo?) o fenômeno jurídico dos demais eventos sociais, ou das demais disciplinas, de modo que se pudesse construir e compreender o Direito, pelos seus próprios princípios, nos seus próprios termos. Bourdieu assim enfrenta o tema:

A ciência jurídica tal como concebem os juristas e, sobretudo, os historiadores do direito, que identificam a história do direito com a história do desenvolvimento interno dos seus conceitos e dos seus métodos, apreende o direito como um sistema fechado e autônomo, cujo desenvolvimento só pode ser compreendido segundo a sua dinâmica interna.5

Portanto, construir uma teoria pura, para o fenômeno jurídico, seria algo “natural”, dentro desta lógica da absoluta autonomia da ciência jurídica, tendo em vista que, se o direito constitui um sistema que se auto-explica, deveria conter categorias lógicas próprias. Bourdieu tece interessante crítica sobre a construção de uma teoria pura para o Direito:


A reivindicação da autonomia absoluta do pensamento e da acção jurídicos afirma-se na constituição em teoria de um modo de pensamento específico, totalmente liberto do peso social, e a tentativa de Kelsen para criar uma “teoria pura do direito” não passa do limite ultra-consequente do esforço de todo o corpo dos juristas para construir um corpo de doutrinas e de regras completamente independentes dos constrangimentos e das pressões sociais, tendo nele mesmo o seu próprio fundamento.6

A respeito do tema, deve ser lida também uma interessante crítica de Maman à construção kelseniana:

Muito mais para explicar, do que para compreender o fenômeno jurídico, constroem-se modelos teóricos que são pura ficção científica. Veja-se Kelsen e sua pretensa neutralidade axiológica e epistemológica. A neutralidade axiológica já não era colocada bem mesmo no Círculo de Viena. E a compreensão da realidade jurídica em termos de força material organizada está no neokantismo. A norma fundamental como pressuposto jurídico leva ao positivismo, que não é senão o represamento da decisão. Assim, toda a construção de Kelsen é uma construção dogmática que deve ser interpretada silogisticamente, segundo uma lógica superada […]. Kelsen lisonjeia o comodismo dos aplicadores do direito, com a lei, numa interpretação racional, abstrata, pré-moldada, podemos resolver todos os problemas. Abre caminho para a cibernética e a solução do computador.7

Esta concepção do direito como um fenômeno social isolado da própria sociedade que o cria, trabalhando-se com o mundo das normas positivadas, separando tais normas dos valores e contextos sociais que atribuem significado ao próprio ordenamento, repercutiu no ensino jurídico, que almeja apenas treinar/instruir “técnicos jurídicos”.

Ao buscar apenas formar quadros técnicos, o ensino jurídico estritamente dogmático retira do futuro operador do Direito a percepção de que este fenômeno social é alimentado, retro-alimentado e construído pelos mesmos atores sociais que estariam submetidos àquelas normas.

Bourdieu explica que esta construção de um discurso homogêneo para a “ciência jurídica” advém inclusive de formação jurídica também homogênea que os operadores do direito adquirem: uma tecnologia que lhes permitirá, pela vias do direito, trabalhar com os conflitos sociais:

A proximidade dos interesses e, sobretudo, a afinidade dos habitus, ligada a formações familiares e escolares semelhantes, favorecem o parentesco das visões de mundo. Segue-se daqui que as escolhas que o corpo deve fazer, em cada momento, entre interesses, valores e visões do mundo diferentes ou antagonistas têm poucas probabilidades de desfavorecer os dominantes, de tal modo o etos dos agentes jurídicos que está na sua origem e a lógica imanente dos textos jurídicos que são invocados tanto para justificar como para os inspirar estão adequados aos interesses, aos valores e à visão do mundo dos dominantes.8

As normas jurídicas não são entes independentes dos agentes sociais, são reflexos dos movimentos destes agentes sociais. Ao isolar as normas, busca-se construir uma impressão de que elas poderão existir para sempre, independente da pressão social: esta é a ideologia que prega a manutenção do status quo.

Portanto, o direito procura construir uma simbologia própria, para pela utilização delas por operadores do direito “aptos” e “treinados” para tanto, ou seja, controlar e manter dentro das expectativas do aceitável, os potenciais conflitos sociais que possam emergir das diversas interações entre os agentes socais.

O direito cria um discurso, baseado na forma, a fim limitar não apenas a atuação de agentes sociais, mas a própria interpretação das normas jurídicas, mas para tanto, para conseguir manter a eficácia destas regras (ou princípios), faz-se necessária a adesão daqueles que irão suportar o seu peso, e isto se concretiza pela perda do discernimento (dos destinatários das normas) que estão sob prescrições arbitrárias e que não estão aptos a questioná-las ou delas discordar:

É próprio da eficácia simbólica, como se sabe, não poder exercer-se senão com a cumplicidade – tanto mais cerca quanto mais inconsciente, e até mesmo mais subtilmente extorquida – daqueles que a suportam. Forma por excelência do discurso legítimo, o direito só pode exercer a sua eficácia específica na medida em que obtém o reconhecimento, quer dizer, na medida em que permanece desconhecida a parte maior ou menor de arbitrário que está na origem do seu funcionamento.9

2.3 Pelo distanciamento dos seus destinatários o Direito busca exercer o controle social

Como se daria este distanciamento? De modo brilhante, eis a percepção de Bourdieu:

A maior parte dos processos lingu?ísticos característicos da linguagem jurídica concorrem com efeito para produzir dois efeitos maiores. O efeito da neutralização é obtido por um conjunto de características sintáticas tais como o predomínio das construções passivas e das frases impessoais, próprias para marcar a impessoalidade do enunciado normativo e para constituir o enunciador em um sujeito universal, ao mesmo tempo imparcial e objetivo. O efeito da universalização é obtido por meio de vários processos convergentes: o recurso sistemático ao indicativo para enunciar normas, o emprego próprio da retórica da atestação oficial e do auto, de verbos atestativos na terceira pessoa do singular do presente ou do passado composto que exprimem o aspecto realizado [são] próprios para exprimirem a generalidade e atemporalidade da regra do direito: a referência a valores transubjectivos que pressupõem a existência de um consenso ético […]10

Ou seja, na construção das normas jurídicas, pretende-se apresentar aos seus destinatários um aspecto de impessoalidade e abstração, que, em verdade, apenas existiriam na edificação do discurso cristalizado na lei e que serviriam para, diante do leito/súdito da norma transmitir-lhe a crença de que a sua natureza (ou a sua finalidade) coincidiriam com a forma como foi redigida.

Neste sentido, Ferraz Jr.:

[…] o jurista da era moderna, ao construir os sistemas normativos, passa a servir aos seguintes propósitos, que são também seus princípios: a teoria instaura-se para o estabelecimento da paz, a paz do bem-estar social, a qual consiste não apenas na manutenção da vida, mas da vida mais agradável possível. Por meio de leis, fundamentam-se e regulam-se ordens jurídicas que devem ser sancionadas, o que dá ao direito um sentido instrumental, que deve ser captada como tal. As leis têm um caráter formal e genérico, que garante a liberdade dos cidadãos no sentido de disponibilidade. Nesses termos, a teoria jurídica estabelece uma oposição entre os sistemas formais do direito e a própria bordem vital, possibilitando um espaço juridicamente neutro para a perseguição legítimas da utilidade privada. Sobretudo, esboça-se uma teoria da regulação genérica e abstrata do comportamento por normas gerais que fundam a possibilidade da convivência dos cidadãos.11

A melhor forma de observar este distanciamento, pela forma como se redige as disposições normativas, é vislumbrar que o próprio ordenamento, pelo art. 11 da lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, prescreve a forma da redação legislativa:


Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas:

I – Para a obtenção de clareza:

  1. usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo quando a norma versar sobre assunto técnico, hipótese em que se empregará a nomenclatura própria da área em que se esteja legislando;
  2. usar frases curtas e concisas;
  3. construir as orações na ordem direta, evitando preciosismo, neologismo e adjetivações dispensáveis;
  4. buscar a uniformidade do tempo verbal em todo o texto das normas legais, dando preferência ao tempo presente ou ao futuro simples do presente;
  5. usar os recursos de pontuação de forma judiciosa, evitando os abusos de caráter estilístico;

II – Para a obtenção de precisão:

  1. articular a linguagem, técnica ou comum, de modo a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretende dar à norma;
  2. expressar a idéia, quando repetida no texto, por meio das mesmas palavras, evitando o emprego de sinonímia com propósito meramente estilístico;
  3. evitar o emprego de expressão ou palavra que confira duplo sentido ao texto;
  4. escolher termos que tenham o mesmo sentido e significado na maior parte do território nacional, evitando o uso de expressões locais ou regionais;
  5. usar apenas siglas consagradas pelo uso, observado o princípio de que a primeira referência no texto seja acompanhada de explicitação de seu significado;
  6. grafar por extenso quaisquer referências a números e percentuais, exceto data, número de lei e nos casos em que houver prejuízo para a compreensão do texto;
  7. indicar, expressamente o dispositivo objeto de remissão, em vez de usar as expressões ‘anterior’, ‘seguinte’ ou equivalentes;

III – Para a obtenção de ordem lógica:

  1. reunir sob as categorias de agregação – subseção, seção, capítulo, título e livro – apenas as disposições relacionadas com o objeto da lei;
  2. restringir o conteúdo de cada artigo da lei a um único assunto ou princípio;
  3. expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida;
  4. promover as discriminações e enumerações por meio dos incisos, alíneas e itens

Pelo discurso, pretende-se construir um mise-en-scène, desviando a atenção do leitor/súdito da norma para o verdadeiro desiderato do comando, gerando neste a crença na impessoalidade e neutralidade da norma jurídica:

Esta retórica da autonomia, da neutralidade e da universalidade, que pode ser o princípio de uma autonomia real dos pensamentos e das práticas, está longe de ser uma simples máscara ideológica. Ela é a própria expressão de todo o funcionamento do campo jurídico e, em especial, do trabalho de racionalização […] que o sistema das normas jurídicas está continuamente sujeito, e isto há séculos.12

Logo, para exercer o controle da sociedade, não basta apenas deter o monopólio da produção do direito, necessário também que haja uma limitação ao ato de interpretar as normas jurídicas.

Se o discurso cristalizado no direito positivo busca o controle da sociedade, necessário analisar-se, a seguir, quem detém o monopólio sobre a atuação de dizer o Direito, de dar a última palavra acerca da relação entre os fatos e as normas: o atuar do Estado-Juiz.

3 OS LIMITES PARA A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

3.1 O direito positivado, cristalizado em normas escritas, que estão corporificadas nas espécies legislativas, podem, sem dúvidas, subverter o próprio sistema.

Como poderia isto acontecer?

A construção do direito passa necessariamente da atuação ativa daqueles que interpretam e se adaptam às normas jurídicas, pois estes irão adequar as suas condutas àquilo que entendem, que podem extrair, de um determinado enunciado cristalizado na legislação.

Por óbvio, resta evidente que existirá em uma sociedade multicultural como a nossa a possibilidade de infindáveis possibilidades de interpretação destas normas jurídicas, tendo em vista a pluralidade de valores, visões de mundo, de contextos sociais que alimentarão a leitura/interpretação realizada pelos destinatários das normas jurídicas.

Evidentemente que existe um risco (decorrente de insegurança) se o conteúdo das normas jurídicas forem criados livremente pelos seus próprios intérpretes.

Reside aí a insegurança jurídica, que não pode ser tolerada, sob pena de que, pela ausência de um dos pilares que justificam a sua existência, venha o Direito perder a sua legitimidade em face dos seus súditos.

Por esta razão, para limitar a pluralidade de interpretações, o Direito limita: (a) o espaço em que este debate se realizará; (b) os atores legitimados para validamente realizar a interpretação das normas; e (c) a sua duração, concedendo ao Estado-Juiz a última palavra sobre o tema debatido.

3.2 BOURDIEU, de forma brilhante, percebe que este debate jurídico realizado sobre a válida interpretação das normas jurídicas deve ocorrer em um campo próprio:

O campo judicial é o espaço social organizado no qual e pelo qual se opera a transmutação de um conflicto directo entre partes directamente interessadas no debate juridicamente regulado entre profissionais que actuam por procuração e que têm de comum o conhecer e o reconhecer da regra do jogo jurídico, quer dizer, as lei escritas e não escritas do campo- mesmo quando se trata daquelas que é preciso conhecer para vencer a letra da lei […].13

E mais:


A constituição do campo jurídico é um princípio de constituição da realidade […]. Entrar no jogo, conformar-se com o direito para resolver o conflito, é aceitar tacitamente a adopção de um modo de expressão e de discussão que implica a renúncia violência física e às formas elementares de violência simbólica.14

3.3 Ao adentrar neste campo jurídico, os litigantes renunciam à possibilidade de solução própria individual do litígio, conferindo o poder de encontrar a interpretação adequada, ao caso concreto, para o Estado-Juiz, aceitando, portanto, as “regras do jogo”, para que possam ter acesso, de forma legítima, ao bem da vida que está sob disputa, mas, em regra, deverão as partes atuarem por meio de profissionais habilitados para tanto:

O campo jurídico reduz aqueles que, ao aceitarem entrar nele (pelo recurso da força ou a um árbitro não oficial ou pela procura direta de uma solução amigável), ao estado de clientes de profissionais; ele constitui os interesses pré-jurídicos dos agentes em causas judiciais e transforma em capital a competência que garante o domínio dos meios vê recursos jurídicos exigidos pela lógica do campo.15

3.4 O Direito não admite a eternização do debate e da disputa jurídica acerca dos bens da vida, pelo fato que, se assim ocorresse, a insegurança iria permear as relações humanas, tendo em vista que os conflitos não encontrariam fim, já que seria possível, aos litigantes, sempre reiterar (ou renovar) seus pontos de vista.

Para tanto, ao Estado-Juiz, é concedido o poder de pôr termo às disputas, apresentando a interpretação definitiva do fato, à luz do Direito:

Confrontação de pontos de vista singulares, ao mesmo tempo cognitivos e avaliativos, que é resolvida pelo veredicto solenemente enunciado de uma “autoridade” socialmente mandatada, o pliro representa uma encenação paradigmática da luta simbólica que tem lugar no mundo social: nesta luta em que se defrontam visões do mundo diferentes, e até mesmo antagonistas, que, à medida da sua autoridade, pretendem impor-se ao reconhecimento e, deste modo realizar-se, está em jogo o monopólio do poder de impor o princípio universalmente reconhecido de conhecimento do mundo social, o nomos como princípio universal de visão e de divisão […], portanto, de distribuição legítima.16

Ou seja, o monopólio da jurisdictio, de interpretar o mundo, está contido nas mãos do Estado, que em regra não delega a particulares os seus atos de jurisdição, como fica bem evidente no tipo “Exercício ilegal das próprias razões” (art. 350, do Código Penal), em que a parte, julga e age, em busca da concretização do direito que entende ser seu.

Note-se que nesta figura, o bem jurídico a ser tutelado por esta norma é a “administração da justiça”:

Tutela-se a administração da justiça. As figuras típicas constantes do artigo 350 ofendem o normal desenvolvimento da atividade judiciária, comprometendo a eficiência e o respeito devido às suas funções.17

No momento em que um particular acusa outro, em um jornal, por exemplo, de este cometer uma conduta criminosa, ele, ao externar sua interpretação dos fatos, está, em tese, praticando o crime de calúnia (art. 138, do Código Penal); se o Estado-Juiz, ao publicar uma sentença condenatória criminal no Diário Oficial (art. 393, do Código de Processo Penal), afirmando que determinado indivíduo praticou um crime, estará decidindo e, pela sua prestação jurisdicional, aplicando uma sanção ao criminoso.

Neste sentido Bourdieu aprofunda o tema:

O veredicto do juiz, que resolve os conflitos ou as negociações a respeito de coisas ou de pessoas ao proclamar publicamente o que elas são na verdade, em última instância, pertence à classe dos actos de nomeação ou de instituição, diferindo assim do insulto lançado por um simples particular que, enquanto discurso privado – idios logos – , que só compromete o seu autor, não tem qualquer eficácia simbólica; ele representa a forma por excelência da palavraautorizada, palavra pública, oficial, enunciada em nome de todos e perante todos: estes enunciados performativos, enquanto juízos de atribuição formulados publicamente por agentes que actuam como mandatários autorizados de uma colectividade e constituídos assim em modelos de todos os actos de categorização […], são actos mágicos que são bem sucedidos porque estão à altura de se fazerem reconhecer universalmente, portanto, de conseguir que ninguém possa recusar ou ignorar o ponto de vista, a visão, que eles impõem.18

E conclui que o Direito seria o poder simbólico por excelência, já que ele diz o que são as coisas, controlando a sociedade, moldando os rumos da história:

O direito é, sem dúvida, a forma por excelência do poder simbólico de nomeação que cria as coisas nomeadas e, em particular, os grupos; ele confere a estas realidades surgidas das suas operações de classificação toda a permanência, a das coisas, que uma instituição histórica é capaz de conferir a instituições históricas. O direito é a forma por excelência do discurso atuante, capaz, por sua própria força, de produzir efeitos. Não é demais dizer que ele faz o mundo social, mas com a condição de se não esquecer que ele é feito por este.19

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente ensaio tem por meta a construção de uma visão introdutória ao direito que vislumbre que o controle social realizado pelo direito tem como alicerce o poder simbólico deste instrumento de comando das condutas humanas. Inicialmente, buscou-se esmiuçar como este poder simbólico se constrói, partido da edificação de uma ciência do Direito, alijada de discursos não-jurídicos, passando pela criação de um quadro técnico apto a lidar com esta tecnologia jurídica e refletindo sobre a forma como é construído a sintática dos comandos legais, a fim de apresentar uma aparente neutralidade/abstração, com o escopo de impor ao leitor/destinatário das normas jurídicas uma falsa percepção sobre os seus desideratos.

Em um segundo momento pretendeu-se tecer uma reflexão de como os conteúdos do Direito são controlados pelo próprio estado, ao limitar o campo de debates, os atores deste debate e a duração do debate, com a apresentação, de uma “certeza” pelo Estado-Juiz.


De fato, como diz Bourdieu, o Direito é o poder simbólico por excelência, pelo fato de que as normas jurídicas são símbolos que controlam a conduta humana e que os membros de uma coletividade, seus súditos, a ele se submetem espontaneamente, cumprindo suas obrigações, seus deveres (e respeitando os direitos subjetivos alheios), sem questionamentos, sem subversão.

A adesão se baseia na crença, quase mítica (ou religiosa), sobre a natureza do conteúdo da norma, que é “verdadeira”, ou que “está correta”. Note-se que não há um debate com a Lei, pois esta não se apresenta para explicar, mas para mandar, comandar o seu leitor/destinatário.

Se existe algum debate, ele ocorre durante a aplicação da norma, sobretudo em uma relação processual, perante o Estado-Juiz, momento em que as partes, (em regra) representadas, deverão deduzir suas pretensões perante o magistrado, para este apresentar a interpretação definitiva do fato, perante o direito.

Note-se que em todos estes eventos, o destinatário da norma é alijado do debate, pois suas percepções pré-jurídicas (ou, até, não-jurídicas) não são ouvidas, seus valores, suas crenças pessoais, seu sentimento de “justiça”, são olimpicamente ignorados, posto que irrelevantes para o Direito.

Portanto, neste ensaio, pretendeu-se construir uma introdução ao direito partindo do pressuposto de que os símbolos jurídicos, e suas análises, são imprescindíveis para adequada compreensão do fenômeno jurídico e das relações humanas dele decorrentes.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz, 10. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.

FERRAZ JR.. Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

IHERING, Rudolf von. A finalidade do direito. Vol. 1. Tradução de José Antônio Faria Correa. Rio de Janeiro: Rio, 1979.

MAMAN, Jeannette Antonios. Fenomenologia existencial do direito: crítica do pensamento jurídico brasileiro. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2003.

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

PRADO, Luís Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.


Notas

1 Procurador da Fazenda Nacional. Ocupou os cargos de Advogado da União/PU/AGU. Procurador Federal/PFE/INCRA/PGF e Analista Judiciário – Executante de Mandados/TRT 16ª Região. Conciliador Federal – Seção Judiciária do Maranhão. Professor de Direito Tributário da Faculdade São Luís. Ex-professor substituto de Direito da UFMA.

2 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 9. ed., Rio de Janeiro. Forense, 1994, p.298.

3 IHERING, Rudolf von. A finalidade do direito. V. 1, tradução de José Antônio Faria Correa, Rio de Janeiro. Ed. Rio, 1979, p.160.

4 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz, 10. ed, Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2007, p.14-15.

5 BOURDIEU, Op.cit., p.209

6 Ibidem.

7 MAMAN, Jeannette Antonios. Fenomenologia existencial do direito: crítica do pensamento jurídico brasileiro. 2. ed. São Paulo. Quartier Latin, 2003. p. 45.

8 BOURDIEU, Op. cit., p.242.

9 BOURDIEU, Op.cit., p.243.

10 BOURDIEU, Op.cit., p.215-216.

11 FERRAZ JR.. Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo. Atlas, 2008. p. 44-45.

12 BOURDIEU, Op.cit., p.216.

13 BOURDIEU, Op.cit., p.229.

14 Ibidem.

15 BOURDIEU, Op.cit., p. 233.

16 BOURDIEU, Op.cit., p.236.

17 PRADO, Luís Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol. 4: parte especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 734.

18 BOURDIEU, Op.cit., p. 236-237.

19 BOURDIEU, Op.cit., p. 237.




A Prisão da Hermenêutica no Ensino do Direito Tributário: Em busca de novas possibilidades para o seu ensino e sua aplicação

André Emmanuel Batista Barreto Campello
Procurador da Fazenda Nacional, já exerceu os cargos de Advogado da União/PU/AGU, Procurador Federal/PFE/INCRA/PGF e Analista Judiciário – Executante de Mandados/TRT 16ª Região, bem como a função de Conciliador Federal – Seção Judiciária do Maranhão. É professor de Direito Tributário da Faculdade São Luís e ex-professor substituto de Direito da UFMA.
Especialista em Docência e Pesquisa no Ensino Superior.

RESUMO: Trata-se de artigo que tem por finalidade questionar as limitações interpretativas e integrativas do Direito Tributário, previstas nos arts. 107 a 112 do Código Tributário Nacional, demonstrando como a interferência destas normas cerceia, de modo injustificado, a aplicação e as possibilidades deste ramo do Direito, interferindo, inclusive, no ensino do Direito Tributário.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Tributário. Hermenêutica. Limites. Ensino. Crítica

SUMÁRIO: Introdução; 1 Erro e ilusão no Direito; 2 O Direito como forma de controle social; 3 Os limites para a interpretação do Direito; 4 O Problema da Criação do Conhecimento no Ensino do Direito; 5 A Prisão da Hermenêutica no Direito Tributário e o seu Ensino; 6 Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O fenômeno jurídico é uma instigante manifestação da experiência humana, não apenas porque serve de repositório dos valores da sociedade que o edifica, mas também porque, ao ser erigido, ganha uma autonomia que o torna uma entidade distinta, quase que como o seu fiscal.

Desta forma, o Direito carrega consigo uma força simbólica tão intensa que faz com que se permita até se auto-explicar, a servir de própria referência interpretativa.

O presente texto é uma crítica a esta construção tautológica do fenômeno jurídico: uma crítica específica aos limites interpretativos do Código Tributário Nacional.

A Lei nº 5.172/66, o nosso Código Tributário Nacional, criou um micro-sistema interpretativo-integrativo das normas tributárias, por força do art. 107 do CTN, cerceando a liberdade do operador do Direito, impedindo que outros métodos (ou perspectivas) interpretativos, pudessem arejar o abafado (e quase hermético) universo deste ramo do direito.

Neste texto, sobretudo, buscou-se tratar das possibilidades, ou seja, romper um paradigma que há mais de 40 anos impede que o direito tributário brasileiro possa vir a caminhar para outras rotas, em busca de outros fundamentos, que possam inspirar o aplicador do Direito quando vier a manejar as normas tributárias. Pretendeu-se vislumbrar possibilidades quando da aplicação do Direito, sobretudo quanto às possibilidades no ensino jurídico, quando a criatividade e as alternativas surgidas em sala de aula, poderão gerar frutos nos discentes, no momento que estiverem atuando como operadores do Direito.

Inicia-se o texto tratando do erro e da ilusão no estudo do Direito, sob a perspectiva de Edgar Morin, a fim de se deduzir, ao final, que não se pode aceitar uma racionalização cega quando da explicação dos fenômenos jurídicos.

A seguir passa-se a estudar a natureza simbólica do Direito: analisa-se o direito como uma forma de controle social, verificando a sua natureza e como este se realiza por meio do poder simbólico, vislumbrando o Direito enquanto fenômeno social que tem por escopo o controle comportamental de uma coletividade em busca da manutenção do status quo.

E, à luz dos ensinamentos de Bourdieu, faz-se reflexões acerca do monopólio do Estado da jurisdição e, portanto, da interpretação definitiva do direito, apontando suas razões e consequ?ências.

Em seguida, será apresentada a crítica à teoria do conhecimento científico dominante, na perspectiva de Santos, com a finalidade de, a partir dos elementos desta crítica, demonstrar que não é possível em sala de aula se construir um válido conhecimento científico sem que haja uma atuação ativa do discente.

Por fim, pretende-se revelar que a tautológica construção do Código Tributário Nacional nada mais representa que uma simbólica forma de cercear a liberdade hermenêutica, edificada em um outro contexto histórico, para finalidades que se perderam no tempo e que, sob égide da Charta Magna de 1998, não seria mais possível se tolerar esta restrição, então decorreria a possibilidade de que, tanto o operador do Direito, quanto o professor, possa vir a superar estas limitações apresentadas pelo CTN.

1 ERRO E ILUSÃO NO DIREITO

Estudar o fenômeno jurídico é uma atividade que exige, daquele que pretende realizá-la, não apenas o conhecimento do direito-que-aí-está, mas a possibilidade de compreender o Direito além dos seus próprios limites.

No campo das aparências, o Direito, por diversas vezes, busca se apresentar como um universo fechado, com sua tecnologia lingu?istica própria e que contém os elementos necessários (e suficientes) para fornecer sua própria compreensão. Isto é, tratar-se-ia de um espaço do conhecimento humano em que suas conclusões e “verdades” seriam retiradas das relações lógica entre os seus próprios elementos: uma estranha tautologia científica.

Para ilustrar tal situação, poderia-se imaginar uma hipotética sala de aula em que um aluno, chamado Sócrates, iria formular uma pergunta a um professor que estaria ministrando aula de, por exemplo, Direito Tributário: – O que seria uma “lei”?

Em uma resposta bastante direta, o professor poderia afirmar que se trata de uma espécie legislativa prevista no art. 59 da Constituição Federal, podendo se apresentar como lei ordinária ou lei complementar (art. 68 da Constituição), mas que, em ambos os casos, introduziriam normas no nosso ordenamento que obrigariam as condutas dos sujeitos de direito (art. 5º, II, da Constituição).

Tal resposta, evidentemente, parte de um pressuposto, a de que o conceito de “lei” pode ser extraído apenas da Constituição Federal. Verifica-se que se trata de uma resposta dogmática, que se fundaria apenas na lógica lingu?ística, semântica, isto é, na tecnologia do próprio Direito.

Note-se que a primeira resposta apresentada não é uma verdade absoluta, mas um discurso retórico, no sentido que se pretende, pelos argumentos apresentados, convencer o discente Sócrates que as conclusões são verdadeiras, à luz do direito-que-aí-está.

Importante atentar para as palavras de Santos (1989, p.96-97) sobre a verdade científica, cuja natureza não coincide com a idéia de revelação, mas com persuasão:

[…] a verdade é a retórica da verdade. Se a verdade é o resultado, provisório e momentâneo, da negociação de sentido que tem lugar na comunidade científica, a verdade é intersubjetiva e, uma vez que essa intersubjetividade é discursiva, o discurso retórico é o campo privilegiado da negociação de sentido. A verdade é, pois, o efeito de convencimento dos vários discursos de verdade em presença. A verdade de um discurso de verdade não é algo que lhe pertença inerentemente, acontece-lhe no decurso do discurso em luta com outros discursos num auditório de participantes competentes e razoáveis […]

Retornado à hipotética sala de aula: apresentada tal explicação pelo professor, poderia o aluno Sócrates solicitar a palavra e a permissão para formular novas perguntas. Verificando o professor que haveria tempo e que ele não estaria “atrasado” com o “conteúdo da disciplina”, a permissão seria concedida.


Tal aluno, empolgado, então se “liberta” e indaga: “então “lei” é só o que a Constituição afirma que é “lei”? Pode existir outra espécie legislativa que tenha a mesma força de “lei”, mas que não seja “lei”? Medida Provisória (art. 62 CF) tem “força de lei”, mas não é “lei”, como isto é possível? “Lei” obriga, mas “decreto” não obriga? Qual a essência da distinção entre “lei” e “decreto”? O que é que a “lei” tem, em sua essência, que permite a esta espécie legislativa criar obrigações para os indivíduos? Existe alguma essência no conceito de “lei” que não seja jurídico? A coerção e imperatividade da “lei” advém do Direito ou do Poder? O Poder interfere no Direito ou o comanda?”

Perplexidade: tais reflexões, que são todas pertinentes com o tema, inicialmente, são uma mera decorrência da busca de concatenação entre os conceitos jurídico-constitucionais, mas, a seguir, evoluem para questionamentos que transcendem o próprio Direito.

Sob uma visão dogmática, algumas destas perguntas não possuem resposta no campo do Direito, já que apresentam problemas que buscam respostas em outros ramos do conhecimento. As respostas que poderiam ser oferecidas ao aluno Sócrates seriam aquelas que apenas poderiam ser obtidas pela utilização lógica da tecnologia jurídica.

Evidentemente que tal perspectiva não é aceitável, pois o fenômeno jurídico não pode ser resumido ao direito-que-aí-está. O Direito não é suficiente para se auto-explicar, pois não seria possível construir uma Ciência do Direito fundada, tão-somente, nos elementos dados pela própria tecnologia jurídica, sob pena de nada desvendar, nada responder.

Poder-se-ia, portanto, concluir que aplicar a racionalidade ao estudo do fenômeno jurídico nos levaria a admitir, necessariamente, que as respostas aos questionamentos jurídicos não poderiam se adstringir apenas à tecnologia lingu?ística do Direito, ou seja, não pode se admitir que o estudo jurídico seja hermético, fechado sobre si próprio.

Com perspicácia, Morin (2000, p.23) analisa este problema e dele extrai o princípio da incerteza racional, ao fazer uma distinção entre racionalidade construtiva e a racionalização:

A racionalidade é a melhor proteção contra o erro e a ilusão. Por uma lado existe a racionalidade construtiva que elabora teorias coerentes, verificando o caráter lógico da organização teórica, a compatibilidade entre as idéias que compõem a teoria, a concordância entre suas asserções e os dados empíricos aos quais se aplica: tal racionalidade deve permanecer aberta ao que contesta para evitar que se feche em doutrina e se converta em racionalização [que, por sua vez] se crê racional porque constitui um sistema lógico perfeito, fundamentado na dedução ou na indução, mas fundamenta-se em bases mutiladas ou falsas e nega-se à contestação de argumentos e à verificação empírica. A racionalização é fechada, a racionalidade é aberta.

Por esta razão, não poderia o conhecimento científico arvorar-se como um reflexo puro e simples da realidade. O método científico moderno não se basta para produzir a explicação da realidade: “A ciência moderna não é a única explicação possível da realidade e não há sequer qualquer razão científica para a considerar melhor que as explicações alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou da poesia.” (SANTOS, 1989, p.83)

A incerteza, deve ser considerada como algo intrínseco ao conhecimento humano e, portanto, à própria ciência. Note-se que tal incerteza é intrínseca ao fenômeno jurídico, tendo em vista que este é edificado sobre a linguagem, sobre o ato comunicativo, e que, essencialmente, não se pode construir para a Ciência do Direito um método de estudo do seu objeto que o admita como inalterável, imutável, estático.

Inegavelmente, o Direito somente conteria esta incerteza, porque na verdade ele poderia ser compreendido como símbolo, sobre o qual seria admitida a aplicação da hermenêutica, tema que será objeto de estudo no próximo capítulo.

2 O DIREITO COMO FORMA DE CONTROLE SOCIAL

2.1 O direito é um fenômeno social: não se pode conceber um Direito sem sociedade, ou uma sociedade sem normatização, que venha a se valer de regras (ou princípios) para controlar/limitar a condutas dos indivíduos e dos grupos que lhes integram. Seria possível até afirmar que, para que exista sociedade, faz-se necessário a existência do Direito, sendo este, portanto, uma necessidade daquela:

A sociedade sem o Direito não resistiria, seria anárquica, teria o seu fim. O Direito é a grande coluna que sustenta a sociedade. Criado pelo homem, para corrigir a sua imperfeição, o direito representa um grande esforço, para adaptar o mundo exterior às suas necessidades da vida.(NADER, 1994, p.298)

Evidente que não se fala aqui de que qualquer sociedade, para existir, terá necessariamente que possuir uma codificação (fenômeno tipicamente ocidental) para reger a sua vida social, mas tal coletividade deverá estar regida por um conjunto de normas que lhe conceda estabilidade e que permita o desenvolvimento de atividades econômicas e relativa segurança tanto aos indivíduos, quanto às relações surgidas entre estes, a fim de evitar que a força (individual), por si só, seja o único elemento que possa definir o resultado das querelas da sociedade.

Presume-se que os indivíduos, de uma dada sociedade, ao edificarem o Direito que irá reger as suas relações sociais e limitar a satisfação das suas necessidades, aceitam como legítimo tanto o poder que cria as normas, quanto válidas (e também aceitáveis) os conteúdos destas, pois, do contrário existiria, no mínimo, um contexto de subversão política, já que, estaria, em questionamento, a própria obediência ao estatuto social criado pelo poder político constituído.

De certa forma, o Direito estrutura-se segundo a forma como uma sociedade se enxerga, trazendo consigo uma forte característica simbólica, em outras palavras, a forma como a sociedade edifica seu direito, cristalizando normas e positivando princípios, que, na verdade fazem com que este espelho seja um reflexo daquilo que ela é, ou daquilo que ela busca esconder de si mesma:

[…] Ou seja, as sociedades são a imagem que têm de si vistas nos espelhos que constroem para reproduzir as identificações dominantes num dado momento histórico. São os espelhos que, ao criar sistemas e práticas de semelhança, correspondência e identidade, asseguram as rotinas que sustentam a vida em sociedade. Uma sociedade sem espelhos é uma sociedade aterrorizada pelo seu próprio terror. […] A ciência, o direito, a educação, a informação, a religião e a tradição estão entre os mais importantes espelhos das sociedades contemporâneas. O que eles reflectem é o que as sociedades são, Por detrás ou para além deles, não há nada. (SANTOS, 2000, p. 45-46)

Pelo que foi apresentado, para a continuação deste ensaio, se faz necessária a formulação de questões acerca de alguns aspectos: a) Se o Direito é um fenômeno social, como poderia este controlar a própria sociedade que o engedrou? b) Qual o fundamento de legitimidade para que o Direito possa se impor sobre uma determinada sociedade? c) Como o Estado consegue impor um Direito sobre uma sociedade?


2.2 O primeiro ponto de análise deve ser a compreensão da construção da “Ciência do Direito”

Ora, a construção de uma ciência jurídica, teria, por óbvio, uma faceta simbólica manifesta: a de apresentar ao espectador uma aparência de lógica, de autonomia, de sistema fechado, que serviria para isolar (para fins de estudo?) o fenômeno jurídico dos demais eventos sociais, ou das demais disciplinas, de modo que se pudesse construir e compreender o Direito, pelos seus próprios princípios, nos seus próprios termos. Bourdieu (2007, p.209) assim enfrenta o tema:

A ciência jurídica tal como concebem os juristas e, sobretudo, os historiadores do direito, que identificam a história do direito com a história do desenvolvimento interno dos seus conceitos e dos seus métodos, apreende o direito como um sistema fechado e autônomo, cujo desenvolvimento só pode ser compreendido segundo a sua dinâmica interna.

Portanto, construir uma teoria pura, para o fenômeno jurídico, seria algo “natural”, dentro desta lógica da absoluta autonomia da ciência jurídica, tendo em vista que, se o direito constitui um sistema que se auto-explica, deveria conter categorias lógicas próprias. Bourdieu (2007, p. 209) tece interessante crítica sobre a construção de uma teoria pura para o Direito:

A reivindicação da autonomia absoluta do pensamento e da acção jurídicos afirma-se na constituição em teoria de um modo de pensamento específico, totalmente liberto do peso social, e a tentativa de Kelsen para criar uma “teoria pura do direito” não passa do limite ultra-consequente do esforço de todo o corpo dos juristas para construir um corpo de doutrinas e de regras completamente independentes dos constrangimentos e das pressões sociais, tendo nele mesmo o seu próprio fundamento.

A respeito do tema, deve ser lida também uma interessante crítica de Maman (2003, p.45) a esta construção kelseniana:

Muito mais para explicar, do que para compreender o fenômeno jurídico, constroem-se modelos teóricos que são pura ficção científica. Veja-se Kelsen e sua pretensa neutralidade axiológica e epistemológica. A neutralidade axiológica já não era colocada bem mesmo no Círculo de Viena. E a compreensão da realidade jurídica em termos de força material organizada está no neokantismo. A norma fundamental como pressuposto jurídico leva ao positivismo, que não é senão o represamento da decisão. Assim, toda a construção de Kelsen é uma construção dogmática que deve ser interpretada silogisticamente, segundo uma lógica superada […].

Kelsen lisonjeia o comodismo dos aplicadores do direito, com a lei, numa interpretação racional, abstrata, pré-moldada, podemos resolver todos os problemas. Abre caminho para a cibernética e a solução do computador.

Esta concepção do direito como um fenômeno social isolado da própria sociedade que o cria, trabalhando com o mundo das normas positivadas, separando tais normas dos valores e contextos sociais que atribuem significado ao próprio ordenamento, repercutiu no ensino jurídico, que almeja apenas treinar/instruir “técnicos jurídicos”.

Ao buscar apenas formar quadros técnicos, o ensino jurídico estritamente dogmático retira do futuro operador do Direito a percepção de que este fenômeno social é alimentado, retro-alimentado e construído pelos mesmos atores sociais que estariam submetidos àquelas normas.

Bourdieu (2007, p.242) explica que esta construção de um discurso homogêneo para a “ciência jurídica” advém inclusive de formação jurídica também homogênea que os operadores do direito adquirem: uma tecnologia que lhes permitirá, pela vias do direito, trabalhar com os conflitos sociais:

A proximidade dos interesses e, sobretudo, a afinidade dos habitus, ligada a formações familiares e escolares semelhantes, favorecem o parentesco das visões de mundo. Segue-se daqui que as escolhas que o corpo deve fazer, em cada momento, entre interesses, valores e visões do mundo diferentes ou antagonistas têm poucas probabilidades de desfavorecer os dominantes, de tal modo o etos dos agentes jurídicos que está na sua origem e a lógica imanente dos textos jurídicos que são invocados tanto para justificar como para os inspirar estão adequados aos interesses, aos valores e à visão do mundo dos dominantes.

As normas jurídicas não são entes independentes dos agentes sociais, são reflexos dos seus movimentos. Ao isolar as normas, busca-se construir uma impressão de que elas poderão existir para sempre, independente da pressão social: esta é a ideologia que prega a manutenção do status quo.

2.3 Portanto, o Direito procura construir uma simbologia própria para, pela sua utilização por operadores do direito “aptos” e “treinados”, que seja possível controlar e manter, dentro das expectativas do aceitável, os potenciais conflitos sociais que possam emergir das diversas interações entre os agentes sociais.

O Direito cria um discurso, baseado na forma, a fim limitar não apenas a atuação de agentes sociais, mas a própria interpretação das normas jurídicas, mas para tanto, para conseguir manter a eficácia destas regras (ou princípios), faz-se necessária a adesão daqueles que irão suportar o seu peso, e isto se concretiza pela perda do discernimento (dos destinatários das normas), do seu potencial para a questioná-las ou delas discordar, por não estarem “tecnicamente aptos”:

É próprio da eficácia simbólica, como se sabe, não poder exercer-se senão com a cumplicidade – tanto mais cerca quanto mais inconsciente, e até mesmo mais subtilmente extorquida – daqueles que a suportam. Forma por excelência do discurso legítimo, o direito só pode exercer a sua eficácia específica na medida em que obtém o reconhecimento, quer dizer, na medida em que permanece desconhecida a parte maior ou menor de arbitrário que está na origem do seu funcionamento.(BOURDIEU, 2007, p.243)

SANTOS, de forma brilhante, cria uma imagem, uma metáfora, muito forte para demonstrar as consequ?ências este distanciamento entre o Direito e a sociedade que o engedrou: o Direito seria uma espelho da sociedade, refletindo suas estruturas, seus valores, seus ideais, entretanto, tal espelho ganha “vida”, ou seja, a imagem passa a ser uma estátua viva, autônoma em face da coletividade que ela representa. Seria como se o Davi, de Michelangelo, ou a sua Pietá, passassem a exigir que a beleza humana fosse aferida pelos seus parâmetros, pela sua irreal estética:

[…] os espelhos sociais, porque são eles próprios processos sociais, têm vida própria e as contingências dessa vida podem alterar profundamente a sua funcionalidade enquanto espelhos. […] Quanto maior é o uso de um dado espelho e quanto mais importante é esse uso, maior é probabilidade de que ele adquira vida própria. Quando isto acontece, em vez de a sociedade se ver reflectida no espelho, é o espelho a pretender que a sociedade a reflicta. De objecto do olhar, passa a ser, ele próprio, olhar. Um olhar imperial e imperscrutável, porque se, por uma lado, a sociedade deixa de ser reconhecer nele, por outro não entende sequer o que o espelho pretende reconhecer nela. É como se o espelho passasse de objetcto trivial a enigmático super-sujeito, de espelho passasse a estátua. Perante a estátua, a sociedade pode, quando muito, imaginar-se como foi ou, pelo contrário, como nunca foi. Deixa, no entanto, de ver nela uma imagem credível do que imagina ser quando olha. A actualidade do olhar deixa de corresponder à actualidade da imagem.

Quando isto acontece, a sociedade entra numa crise que podemos designar crise da consciência especular: de um lado, o olhar da sociedade à beira do terror de ver refletida nenhuma imagem que reconheça como sua; do outro lado, o olhar monumental, tão fixo quanto opaco, do espelho tornado estátua que parece atrair o olhar da sociedade, não para que este veja, mas para que seja vigiado.. Entre os muitos espelhos das sociedades modernas, dois deles, pela importância que adquiriram, parecem ter passado de espelhos a estátuas: a ciência e o direito.(SANTOS, 2000, p. 45-46)


2.4 Pelo distanciamento dos seus destinatários o Direito busca exercer o controle social. Como se daria este distanciamento? De modo brilhante, eis a percepção de Bourdieu (2007, p. 215-216):

[…] A maior parte dos processos lingu?ísticos característicos da linguagem jurídica concorrem com efeito para produzir dois efeitos maiores. O efeito da neutralização é obtido por um conjunto de características sintáticas tais como o predomínio das construções passivas e das frases impessoais, próprias para marcar a impessoalidade do enunciado normativo e para constituir o enunciador em um sujeito universal, ao mesmo tempo imparcial e objetivo. O efeito da universalização é obtido por meio de vários processos convergentes: o recurso sistemático ao indicativo para enunciar normas, o emprego próprio da retórica da atestação oficial e do auto, de verbos atestativos na terceira pessoa do singular do presente ou do passado composto que exprimem o aspecto realizado [são] próprios para exprimirem a generalidade e atemporalidade da regra do direito: a referência a valores transubjectivos que pressupõem a existência de um consenso ético […]

Ou seja, na construção das normas jurídicas, pretende-se apresentar aos seus destinatários um aspecto de impessoalidade e abstração, que, em verdade, apenas existiriam na edificação do discurso cristalizado na lei e que serviriam para, diante do leitor/súdito da norma, transmitir-lhe a crença de que a sua natureza (ou a sua finalidade) coincidiria com a forma como foi redigida. Neste sentido, FERRAZ JR. (2008, p. 45-46):

[…] o jurista da era moderna, ao construir os sistemas normativos, passa a servir aos seguintes propósitos, que são também seus princípios: a teoria instaura-se para o estabelecimento da paz, a paz do bem-estar social, a qual consiste não apenas na manutenção da vida, mas da vida mais agradável possível. Por meio de leis, fundamentam-se e regulam-se ordens jurídicas que devem ser sancionadas, o que dá ao direito um sentido instrumental, que deve ser captada como tal. As lei tem um caráter formal e genérico, que garante a liberdade dos cidadãos no sentido de disponibilidade. Nesses termos, a teoria jurídica estabelece uma oposição entre os sistemas formais do direito e a própria bordem vital, possibilitando um espaço juridicamente neutro para a perseguição legítimas da utilidade privada. Sobretudo, esboça-se uma teoria da regulação genérica e abstrata do comportamento por normas gerais que fundam a possibilidade da convivência dos cidadãos.

Pelo discurso, pretende-se construir um mise en scène, desviando a atenção do leitor/súdito da norma do verdadeiro desiderato do comando, gerando neste a crença na impessoalidade e neutralidade da norma jurídica:

Esta retórica da autonomia, da neutralidade e da universalidade, que pode ser o princípio de uma autonomia real dos pensamentos e das práticas, está longe de ser uma simples máscara ideológica. Ela é a própria expressão de todo o funcionamento do campo jurídico e, em especial, do trabalho de racionalização […] que o sistema das normas jurídicas está continuamente sujeito, e isto há séculos. (BOURDIEU, 2007, p.216)

Logo, para exercer o controle da sociedade, não basta apenas deter o monopólio da produção do direito, sendo necessário também que haja uma limitação ao ato de interpretar as normas jurídicas.

Se o discurso cristalizado no direito positivo busca o controle da sociedade, necessário analisar, a seguir, quem detém o monopólio sobre a atuação de dizer o Direito, de dar a última palavra acerca da relação entre os fatos e as normas: o atuar do Estado-Juiz.

3 OS LIMITES PARA A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

3.1 O direito positivado, cristalizado em normas escritas, que estão corporificadas nas espécies legislativas, podem, sem dúvidas, subverter o próprio sistema. Como poderia isto acontecer?

A construção do direito passa necessariamente da atuação ativa daqueles que interpretam e se adaptam às normas jurídicas, pois estes irão adequar as suas condutas àquilo que entendem, que podem extrair, de um determinado enunciado cristalizado na legislação.

Por óbvio, resta evidente que existirá em uma sociedade multicultural como a nossa a possibilidade de infindáveis possibilidades de interpretação destas normas jurídicas, tendo em vista a pluralidade de valores, visões de mundo, de contextos sociais que alimentarão a leitura/interpretação realizada pelos destinatários das normas jurídicas.

Evidentemente que existe um risco (decorrente de insegurança) se o conteúdo das normas jurídicas forem criados livremente pelos seus próprios intérpretes. Aí reside a insegurança jurídica, que não pode ser tolerada, sob pena de que, pela ausência de um dos pilares que justificam a sua existência, venha o Direito perder a sua legitimidade em face dos seus súditos.

Por esta razão, para limitar a pluralidade de interpretações, o Direito limita: (a) o espaço em que este debate se realizará; (b) os atores legitimados para validamente realizar a interpretação das normas; e (c) a sua duração, concedendo ao Estado-Juiz a última palavra sobre o tema debatido.

3.2 Bourdieu (2007, p. 229), de forma brilhante, percebe que este debate jurídico realizado sobre a válida interpretação das normas jurídicas deve ocorrer em um campo próprio:

O campo judicial é o espaço social organizado no qual e pelo qual se opera a transmutação de um conflicto directo entre partes directamente interessadas no debate juridicamente regulado entre profissionais que actuam por procuração e que têm de comum o conhecer e o reconhecer da regra do jogo jurídico, quer dizer, as lei escritas e não escritas do campo- mesmo quando se trata daquelas que é preciso conhecer para vencer a letra da lei […].

E mais:

A constituição do campo jurídico é um princípio de constituição da realidade […]. Entrar no jogo, conformar-se com o direito para resolver o conflito, é aceitar tacitamente a adopção de um modo de expressão e de discussão que implica a renúncia violência física e às formas elementares de violência simbólica. (BOURDIEU, 2007, p. 233)

3.3 Ao adentrar neste campo jurídico, os litigantes renunciam à possibilidade de solução própria individual do litígio, conferindo o poder de encontrar a interpretação adequada, ao caso concreto, para o Estado-Juiz, aceitando, portanto, as “regras do jogo”, para que possam ter acesso, de forma legítima, ao bem da vida que está sob disputa, mas, em regra, deverão as partes atuar por meio de profissionais habilitados para tanto:


O campo jurídico reduz aqueles que, ao aceitarem entrar nele (pelo recurso da força ou a um árbitro não oficial ou pela procura directa de uma solução amigável), ao estado de clientes de profissionais; ele constitui os interesses pré-jurídicos dos agentes em causas judiciais e transforma em capital a competência que garante o domínio dos meios vê recursos jurídicos exigidos pela lógica do campo. (BOURDIEU, 2007, p. 233)

3.4 O Direito não admite a eternização do debate e da disputa jurídica acerca dos bens da vida, pelo fato que, se assim ocorresse, a insegurança permearia as relações humanas, tendo em vista que os conflitos não encontrariam fim, já que seria possível, aos litigantes, sempre reiterar (ou renovar) seus pontos de vista. Para tanto, ao Estado-Juiz, é concedido o poder de pôr termo às disputas, apresentando a interpretação definitiva do fato, à luz do Direito:

Confrontação de pontos de vista singulares, ao mesmo tempo cognitivos e avaliativos, que é resolvida pelo veredicto solenemente enunciado de uma “autoridade” socialmente mandatada, o pliro representa uma encenação paradigmática da luta simbólica que tem lugar no mundo social: nesta luta em que se defrontam visões do mundo diferentes, e até mesmo antagonistas, que, à medida da sua autoridade, pretendem impor-se ao reconhecimento e, deste modo realizar-se, está em jogo o monopólio do poder de impor o princípio universalmente reconhecido de conhecimento do mundo social, o nomos como princípio universal de visão e de divisão […], portanto, de distribuição legítima. (BOURDIEU, 2007, p. 236)

Ou seja, o monopólio da jurisdictio, de interpretar o mundo, está contido nas mãos do Estado, que em regra não delega a particulares os seus atos de jurisdição, como fica bem evidente no tipo “Exercício ilegal das próprias razões” (art. 350, do Código Penal), em que a parte, julga e age, em busca da concretização do direito que entende ser seu. Neste sentido Bourdieu (207, p. 236-237) aprofunda o tema:

O veredicto do juiz, que resolve os conflitos ou as negociações a respeito de coisas ou de pessoas ao proclamar publicamente o que elas são na verdade, em última instância, pertence à classe dos actos de nomeação ou de instituição, diferindo assim do insulto lançado por um simples particular que, enquanto discurso privado – idios logos – , que só compromete o seu autor, não tem qualquer eficácia simbólica; ele representa a forma por excelência da palavra autorizada, palavra pública, oficial, enunciada em nome de todos e perante todos: estes enunciados performativos, enquanto juízos de atribuição formulados publicamente por agentes que actuam como mandatários autorizados de uma colectividade e constituídos assim em modelos de todos os actos de categorização […], são actos mágicos que são bem sucedidos porque estão à altura de se fazerem reconhecer universalmente, portanto, de conseguir que ninguém possa recusar ou ignorar o ponto de vista, a visão, que eles impõem.

E conclui afirmando que o Direito seria o poder simbólico por excelência (LYRA FILHO, 2006, p.8), já que controla a sociedade, moldando os rumos da história:

O direito é, sem dúvida, a forma por excelência do poder simbólico de nomeação que cria as coisas nomeadas e, em particular, os grupos; ele confere a estas realidades surgidas das suas operações de classificação toda a permanência, a das coisas, que uma instituição histórica é capaz de conferir a instituições históricas.

O direito é a forma por excelência do discurso actuante, capaz, por sua própria força, de produzir efeitos. Não é demais dizer que ele faz o mundo social, mas com a condição de se não esquecer que ele é feito por este. (BOURDIEU, 2007, p.237)

Se o direito busca criar os próprios limites para o exercício da limitação da interpretação do fenômeno jurídico, a fim de controlar a insegurança que poderia surgir no próprio sistema, reprimindo a atuação dos particulares, delegando a palavra final para o Estado-Juiz, estas características ficam mais evidentes quando a própria lei limita o próprio intérprete, como ocorre com o art. 111 do CTN:

Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

I – suspensão ou exclusão do crédito tributário;

II – outorga de isenção;

III – dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.

Por este dispositivo, quando da aplicação de determinados tipos de normas tributárias, o operador do Direito estaria adstrito, tão-somente, a um único e específico tipo de interpretação. Entretanto, em verdade, tal norma jurídica, que como se nota, não estabelece nenhuma sanção, atuaria como um símbolo que contaminaria todo o Direito Tributário, cerceando a liberdade interpretativa e cristalizando este ramo do Direito, inclusive no que se refere ao ensino jurídico.

4 O PROBLEMA DA CRIAÇÃO DO CONHECIMENTO NO ENSINO DO DIREITO

4.1 Desde o século XVI, após o Renascimento, a civilização ocidental viveu à sombra de um paradigma que alcançou seu auge no Iluminismo e no século XIX, mas, no nosso atual contexto histórico, as suas construções científicas nada mais são que “uma pré-história longínqua”, pois chegamos à pós-modernidade, que traz consigo a idéia de superação de um modelo cognoscitivo.

Nas palavras de SANTOS (2005, p.21-22):

Os modelos de racionalidade que preside à ciência moderna constituiu-se a partir da revolução científica do século XVI e foi desenvolvido nos séculos seguintes basicamente no domínio das ciências naturais. […] Sendo um modelo global, a nova racionalidade científica é também um modelo totalitário, na medida em que nega o carácter racional a todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas.

Daí se conclui que, no paradigma científico dominante, o que não é mensurável não seria (cientificamente) relevante, tendo em vista que, para se conhecer a realidade, faz-se necessário reduzir a complexidade a modelos simples, a fim de detectar os elementos essenciais de cada objeto, definindo as suas principais características, com o espeque de dividi-los e classificá-los.


4.2 Ora, edificado este paradigma pela ciência moderna, Santos identifica e demonstra que o mesmo está em crise, vislumbrando-se a ascensão de um novo paradigma científico: “A crise do paradigma [científico] dominante é o resultado interactivo de uma pluralidade de condições [dentre elas] o aprofundamento do conhecimento que permitiu ver a fragilidade dos pilares em que se funda [a própria ciência].” (SANTOS, 2005, p.41)

Em verdade, vive-se uma “perda de confiança epistemológica”, isto é, duvida-se se a ciência clássica, seus métodos e a própria capacidade de explicar a realidade, como foram edificadas, desde o século XVI, ainda fornecem respostas válidas para trazer explicações para o mundo em que se vivia.

O conhecimento científico buscou, pelo seu discurso e pela sua construção teórica, arvorar-se como espelho da realidade, isto é, a própria ciência nada mais seria que um reflexo da realidade, já que a descreveria e a explicaria, por meio da sua linguagem.

4.3 Se o Direito não é uma realidade objetiva, não se pode conceber que a transmissão do conhecimento jurídico, dentro de um ambiente de sala de aula se dê por meios que suprimam a criatividade interpretativa do aluno.

Ao contrário, na sala de aula, em um ambiente em que se pretenda transmitir o conhecimento jurídico, não basta apenas expor o direito positivo (direito-que-aí-está), deve-se construir o Direito, deve-se edificar o seu conteúdo.

Portanto, a aquisição do conhecimento jurídico é uma atividade realizada pelo sujeito, logo a sua subjetividade e a qualidade das relações existentes em um ambiente de sala de aula são dados relevantes para tanto.

A construção do direito passa necessariamente pela atuação ativa daqueles que interpretam e se adaptam às normas jurídicas, pois estes irão adequar as suas condutas àquilo que entendem, que podem extrair, de um determinado enunciado cristalizado na legislação.

Por óbvio, resta evidente que existirá em uma sociedade multicultural (como a nossa) a possibilidade de infindáveis possibilidades de interpretação destas normas jurídicas, tendo em vista a pluralidade de valores, visões de mundo, de contextos sociais que alimentarão a leitura/interpretação realizada pelos destinatários das normas jurídicas.

Surgem então os extremos da dogmática jurídica, que desembocam na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, que pode ser considerada como uma das grandes obras que influenciou o pensamento jurídico do século XX, pela qual se pretendia construir uma teoria do direito que não pode ser “contaminada” por elementos que não fossem jurídicos:

O esforço notável de Hans Kelsen de constituir uma ciência do direito livre de toda ideologia, de toda intervenção de considerações extra-jurídicas, e que se concretizou pela elaboração de sua teoria pura do direito (Reine Rechtslehre), foi talvez o fato que suscitou mais controvérsias entre os teóricos do direito do último meio século. As teses apresentadas por esse mestre inconteste do pensamento jurídico, com a clareza e a força de convencimento que caracterizam todos os seus escritos, colocaram em questão tantas idéias comumente admitidas, atingiram tantas consequ?ências paradoxais — das quais a mais escandalosa diz respeito à concepção tradicional da interpretação jurídica, bem como ao papel do juiz na aplicação do direito –, que nenhum teórico do direito poderia nem as ignorar nem abster-se de posicionar-se a seu respeito.

A ciência do direito, como conhecimento de um sistema de normas jurídicas, não pode constituir-se, segundo nosso autor, senão excluindo tudo o que é estranho ao direito propriamente dito. O direito, sendo um sistema de normas coercitivas válido em um Estado determinado, pode ser distinguido nitidamente, por um lado, das ciências que estudam os fatos de toda espécie, o que é e não o que deve ser (o Sein oposto ao Sollen), e, por outro, de todo sistema de normas diverso — de moral ou de direito natural — com o qual gostaríamos de confundi-lo ou ao qual gostaríamos de subordiná-lo. Uma ciência do direito não é possível, segundo Hans Kelsen, a não ser que seu objeto seja fixado sem interferências estranhas ao direito positivo. Eis porque a teoria pura do direito se apresenta como a “teoria do positivismo jurídico”.(PERELMAN, 2008)

Tal concepção do direito como um fenômeno social isolado da própria sociedade que o cria, trabalhando-se com o mundo das normas positivadas, separando tais normas dos valores e contextos sociais que atribuem significado ao próprio ordenamento, repercutiu no ensino jurídico, que busca apenas formar “técnicos jurídicos”, como já exposto.

Ao buscar apenas formar quadros técnicos, o ensino jurídico estritamente dogmático retira do futuro operador do Direito a percepção de que este fenômeno social é alimentado, retro-alimentado e construído pelos mesmos atores sociais que estariam sendo submetidos às normas. Ora, as normas jurídicas não são entes independentes dos agentes sociais, são reflexos dos movimentos destes agentes sociais.

Ao pretender isolar as normas, busca-se construir uma impressão de que elas poderão existir, para sempre, independente da pressão social: esta é a ideologia que prega a manutenção do status quo. A essência desta separação entre direito e agente social se encontra na concepção de que o estado seria algo abstrato, distante da sociedade: “O conceito de Estado, enquanto entidade abstracta, separada quer do governante quer do governado, é o resultado de um longo percurso conceptual que remonta à recepção do direito romano nos séculos XII e XIII.”(SANTOS, 2000, p.162)

Ora, se o Estado, fonte “única” e “central” da produção normativa, de criação do Direito, encontra-se isolado da sociedade que por ele é submetida, por óbvio, as normas jurídicas que dele provêm também estariam distantes desta sociedade e seriam suficientes para reger a vida civil do civites, do cidadão. Esta é a perspectiva dogmática. Seria ela válida? Óbvio que não. Eis um exemplo manifesto:

O Código Civil (Lei nº 10.406/2002) tem por pretensão reger as relações civis no âmbito do território brasileiro. Pelo nosso código, apesar de vigorar o princípio da socialidade, nele ainda se encontra a idéia de que o condomínio é uma exceção a regra de que a propriedade não pode ser compartilhada, logo, o caminho natural, de qualquer condomínio, seria a sua dissolução (art. 1320 e 1321 do Código Civil/2002).

Tal lógica possui substrato na concepção capitalista de propriedade, mas, talvez, não possua sentido em uma sociedade quilombola, ou em uma sociedade indígena, em que as normas jurídicas dominicais do nosso Código Civil não possam ser aplicadas pelo fato de que não encontrariam o devido substrato social para sua incidência, sob pena de destruição da própria vida comunitária e da própria autonomia cultural dos agentes sociais.

Fica evidente que, para a construção de um conhecimento jurídico válido para a realidade em que vivemos, é necessário que o discente seja agente do processo educacional, porque ele também é agente na construção do fenômeno jurídico.

Neste mesmo sentido, Freire (1996, p.47):

Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para sua própria produção ou para a sua construção. Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não a de transferir conhecimento


Portanto, o papel para construção de um novo ensino jurídico seria a pesquisa (em substituição à aula), já que, nas palavras de Demo (2006, p.6), ela seria “a base da educação escolar”, pois ela possibilitaria interpretações próprias, com a utilização da vivência do aluno, com a reconstrução do conhecimento, que é um processo complexo, a partir do senso comum, com a real compreensão do que se vislumbra.

Pela pesquisa, seria possível fornecer ao discente técnicas para reconstruir o conhecimento jurídico, possibilitando que o aluno passe a ser agente na construção do próprio fenômeno, ou seja, operador do direito e não apenas um mero técnico, que conhece as normas, mas não constrói os seus conteúdos.

5 A PRISÃO DA HERMENÊUTICA NO DIREITO TRIBUTÁRIO E O SEU ENSINO

5.1 O Código Tributário Nacional (CTN), inegavelmente, é o melhor diploma legislativo fiscal que o Brasil já possuiu. A Lei nº 5.172/66, criada para regulamentar os dispositivos inseridos pela Emenda constitucional nº 18/65, à Constituição de 1946, deu precisos contornos ao Sistema Tributário Nacional.

Fundado na idéia de que o tributo seria uma relação obrigacional pecuniária, instituída por lei, que vincularia o indivíduo e o Estado, o CTN buscou assegurar deveres e direitos recíprocos para as partes, afastando do sujeito passivo tributário a absoluta sujeição patrimonial, já que este teria direitos que poderiam ser opostos perante o detentor do poder de tributar.

Entretanto, desde a criação do CTN, já se vão mais de 40 anos. É natural que ocorra o fenômeno do ancilosamento normativo, isto é, as normas jurídicas começam a caducar, tendo em vista a transformação do substrato social que ampara tais normas, surgindo lacunas ontológicas no sistema. De fato, desde a década de 1960, o Brasil transformou-se muito.

O CTN, criado pelo governo militar de Castello Branco (1964-1967), sob a Constituição de 1946, pretendia apresentar conceitos nucleares para as relações tributárias, em um país ainda eminentemente agrário, em que as relações empresariais eram regidas pelos atos de comércio do Código Comercial de 1850 e pelas relações civis, pelo liberal Código de 1916.

O Brasil de 2009 quase que não consegue imaginar a década de 1960, pois além de ter sofrido uma profunda alteração social, a partir da década de 1970, com o fenômeno da urbanização massiva, as relações empresariais e civis também evoluíram, com a tecnologia das comunicações (a partir da década de 1980), permitindo a consumação de milhões de contratos, pelo uso da informática.

Sem dúvidas, a principal mudança introduzida pelo CTN foi a de possibilitar que surgisse uma espécie de arquétipo tributário, isto é, que os tributos possuíssem uma uniformidade em todo território nacional, sendo regidos por institutos que seriam sempre similares por todo o país.

A fim de robustecer esta identidade, esta padronização, para todos os entes federativos, o CTN criou o que poderia se denominado de micro-sistema hermenêutico para as normas tributárias (arts. 107 a 112 do CTN) fazendo com que estas somente pudessem vir a serem interpretadas à luz do que o próprio Código estabelecesse.

5.2 Como já exposto, o Código Tributário Nacional (CTN), Lei nº 5.172, de 1966, inseriu, no ordenamento jurídico brasileiro, uma norma que buscava limitar a atuação dos operadores do direito no momento em que estavam a analisar o alcance das normas previstas na legislação tributária: o art. 111 do CTN.

Tal dispositivo legal busca restringir a atividade interpretativa do operador do direito, sobretudo em temas que envolvam causas de suspensão (moratória, depósitos do montante integral etc, como previsto no art. 151 do CTN) e exclusão do crédito tributário (isenção e anistia, nos termos do art. 175 do CTN).

Havia uma justificativa para criação desta norma, já que o Código Tributário Nacional (CTN), no seu nascedouro, teve por meta atuar como uma meta-lei, transcendendo às legislações estaduais e municipais, conferindo um padrão geral (um standard) para criação dos tributos (e da legislação tributária em geral).

O art. 111 do CTN, portanto, dentro deste contexto, buscava impedir que os órgãos administrativos e judiciários, por meio de normas interpretativas, viessem a quebrar este padrão, instituindo, por meio de meras interpretações, benefícios fiscais que não estavam expressamente previstos em lei. Em suma, buscava-se limitar a liberdade interpretativa do operador do Direito, seja o Estado-Juiz, seja a autoridade tributária, com a finalidade, sobretudo, de se evitar possível lesão aos cofres públicos (pela perda de recitas), bem como agressão à isonomia (com a concessão de benefícios fiscais particulares).

Entretanto, o que deveria ser uma limitação pontual, pela própria natureza simbólica do direito, tornou-se quase que uma proibição genérica que passou a cercear a liberdade interpretativa no âmbito de todo Direito Tributário, engessando, por mais de quatro décadas, a liberdade do Estado-Juiz de dizer o direito no caso concreto, inclusive construindo regra jurídica mais equânime para cada situação.

Agravando-se tal situação, esta limitação interpretativa, associada à limitação de integração da legislação tributária, prevista no art. 108 do CTN, fez com que, no ensino do direito tributário, fossem criadas amarras que impedem uma evolução interpretativa da legislação, reproduzindo-se, portanto, a mesma forma de se estudar e de se compreender o Direito Tributário, desde a década de 1960.

É nesse contexto, que surge a crítica à manutenção desta ilusória e simbólica limitação, que serve, mais do que tudo, para a reprodução de um status quo fiscal baseado, portanto, em apenas uma interpretação literal da lei tributária.

Pode-se afirmar que o art. 111 do CTN se apresenta para a estrutura do Direito tributário quase como o Código de Napoleão de 1804, que impedia a livre interpretação dos seus dispositivos, a fim de evitar uma destruição do sentido original da própria lei.

Em verdade, tal dispositivo, sem dúvidas, se apresenta como um símbolo que enclausurou todo o direito tributário, seja quando da interpretação do CTN e da legislação infraconstitucional, seja porque tais regras interpretativas afastam, no campo da aplicação das normas constitucionais (princípios e regras) do Sistema Tributário Nacional, os demais princípios norteadores da nossa Cartha Magna.

Em verdade, pode-se afirmar que este micro-sistema hermenêutico tributário aprisionou inclusive o próprio estudo e ensino do Direito tributário: se a interpretação e a integração do direito tributário somente podem ser realizadas sob a égide dos dispositivos presentes entre os arts. 107 e 112 do CTN, porque permitir novos olhares sobre este ramo do Direito?

Muito interessante seria se, por exemplo, o CTN pudesse ser interpretado à luz da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) que representa o alicerce sobre o qual se ampara toda a República Federativa do Brasil.

Como poderiam ser as conclusões que surgiriam deste tipo de interpretação? Em um exercício de imaginação, admissível concluir que seria possível: a) a dispensa do pagamento de tributo, pela aplicação da equ?idade, quando tal cobrança acarretasse em impossibilidade de se assegurar vida digna ao indivíduo (estaria, portanto, revogado o §2º, do art. 108, do CTN); b) ao Estado-Juiz pudesse ampliar a extensão das normas referentes à causa de exclusão do crédito tributário (isenção e anistia), por meio de aplicação de regras interpretativas, ou, até mesmo, por equ?idade, quando viessem conferir vida digna ao indivíduo, obtida por meio da valorização do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV, da CF); e c) ao Estado-Juiz se libertar das amarras hermenêuticas que o prendem, em face da livre convicção motivada das suas decisões (art. 93, X, CF), sendo possível que, por exemplo, pudessem vir a ser construídos, caso a caso, meios de transação do crédito tributário, por conciliação judicial, para colocar fim aos litígios existentes, sempre que, nesta conciliação, estivesse presente a necessidade se assegurar a possibilidade de o indivíduo explorar de modo lícito sua atividade econômica, retirando sustento para a sua vida (e da sua família). Em outras palavras, as possibilidades são tantas, tão vastas, que não seria possível elencar todas, mas, seguramente, o Direito tributário que iria emergir seria algo absolutamente diferente, vivo, adaptado à realidade brasileira do Século XXI, no qual o Estado-Juiz poderia construir uma novo tipo de relação entre o ente tributante e o sujeito passivo da relação tributária.


6 CONCLUSÃO

O ato de educar, inegavelmente, é um processo lingu?ístico, no qual, a construção do conhecimento é uma atividade coletiva, já que nesta relação humana finalística faz-se necessário que haja uma interação e que nesta, tanto o docente, quanto o discente atuem como protagonistas.

O atuar como protagonista pressupõe que o discente terá de efetivamente interferir e, sobretudo, participar na construção do conhecimento que, em sala de aula, pretendeu ser transmitido.

Fica evidente que a experiência do discente, mesmo que fundada apenas em (um difuso) senso comum, deverá ser fonte da criação/transformação do conhecimento que, em sala de aula, é apresentado. Se se admitir que a experiência do aluno, mesmo que fundada apenas no senso comum, serve de ponto de partida para que o discente possa edificar novos conhecimentos, deve-se considerar que esta experiência deve servir, inclusive, como fonte autorizada para a realização da hermenêutica do próprio conhecimento científico.

Ora, se a interpretação é da essência do Direito, já que o direito é símbolo, construída sob formas lingu?ísticas, como demonstrado, não é possível que se admita limites à interpretação, mesmo que derivados de vedação legal, logo, nem o operador do Direito, nem o estudante estão tolhidos de enxergar o ordenamento jurídico pátrio se valendo da regra matriz do ordenamento jurídico brasileiro, a proteção da dignidade humana (art. 1º, III, da CF).

Portanto, não se pode tolerar, durante o processo educativo, da validade ou da aplicabilidade das normas de interpretação e integração da legislação tributária, previstas nos arts. 107 a 112 do CTN, sob pena de transformar o Direito Tributário em um estéril campo de atuação dos alunos (e futuros juristas), com a reprodução de uma ideologia de um outro contexto histórico da sociedade brasileira.

Necessária a transformação dos critérios de interpretação e de integração da legislação tributária (arts. 111 e 108, CTN), para permitir que o Estado-Juiz, quando da aplicação do Direito ao caso concreto, tenha a liberdade para moldar a estrutura tributária aos fundamentos da República, sobretudo o da dignidade humana e da valorização social do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, CF).

Se, como exposto, o Direito é um espelho da sociedade, cuja imagem tende a se transformar em estátua, quando este corpo social não detecta pontos de contato entre a sua realidade e as normas deste ordenamento, manter esta vedação à livre interpretação e integração do CTN representaria transformar o melhor diploma fiscal do Brasil em um imenso Colosso de Rodes, à espera de um terremoto que viesse a espalhar deus destroços: seria impelir o CTN a caducar, a perder contato com a realidade brasileira que necessita dele.

REFERÊNCIAS

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________. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2005.


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A etapa científica do 12º Encontro Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional terminou no último sábado (8) com palestra sobre a judicialização da política e independência entre os poderes.


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