Resultados da pesquisa por “Encontro” – Página: 21 – SINPROFAZ

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Vice-líder do PMDB sugere atuação na Comissão de Orçamento

Representantes do Fórum Nacional da Advocacia Pública Federal, da UNAFE e da ANADEF reuniram-se com o deputado Marcelo Castro na quarta, 18/04.


Líder do DEM recebe entidades da Advocacia e Defensoria Pública Federais

No encontro, os dirigentes pediram apoio ao deputado ACM Neto (BA) nas negociações de reajuste salarial.


Líder do PSD é receptivo a pleitos da Advocacia Pública Federal

Em reunião com o os dirigentes do Fórum Nacional, da Unafe e da Anadef, o deputado Guilherme Campos acatou as solicitações das carreiras


SINPROFAZ cobra providências da PGFN

Em nota aprovada na última AGO, Sindicato endurece com Administração cobrando engajamento na defesa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.


Aprovada em segundo turno na Câmara a PEC dos Procuradores Municipais

Na noite desta terça, 10/04, os deputados concluíram a votação da PEC 153/2003. Agora a proposição segue para análise do Senado Federal.


ASAClub sorteia pacote para I Internae

Os associados do ASAclub foram presenteados com mais uma vantagem exclusiva: o clube de benefícios irá sortear um pacote completo para o I Encontro Internacional da Advocacia de Estado, que acontece em Pádua e Veneza de 18 a 23 de maio.


Destaques da atuação do SINPROFAZ no Congresso

Na semana de 26 a 30 de março, a diretoria do Sindicato, Fórum Nacional e Anadef atuaram em conjunto pelo reajuste salarial e pagamento de honorários aos Advogados Públicos.


PEC do procurador municipal foi aprovada em 1º turno na Câmara

No dia 27 de março, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, em primeiro turno, por 396 votos a 2 e 1 abstenção, a PEC 153/03, do deputado licenciado Maurício Rands (PT-PE).


Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Advocacia Pública recebe Fórum

Em reunião com o deputado Fábio Trad (PMDB-MS), as entidades representativas da Advocacia Pública Federal apresentaram lista de projetos prioritários para as carreiras.


Aspectos relevantes das Certidões Negativas Trabalhistas nos contratos administrativos


Fazem-se breves apontamentos sobre aspectos relevantes relacionados aos efeitos e abrangência da exigibilidade, como requisito de habilitação em procedimentos licitatórios, da denominada Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas – CNDT.


1. Introdução

O presente artigo tem por escopo realizar breves apontamentos sobre aspectos relevantes relacionados aos efeitos e abrangência da exigibilidade, como requisito de habilitação em procedimentos licitatórios, da denominada Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas – CNDT, instituída por intermédio da Lei nº 12.440, de 7 de julho de 2011, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho e a Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993).


2. Exigibilidade da comprovação da regularidade trabalhista a todas as espécies de contratações públicas e casos em que pode ser dispensada.

Em um primeiro momento, é preciso investigar se a exigência de regularidade trabalhista é aplicável a todas as espécies de contratação pública, tanto aquelas derivadas de certames licitatórios, bem como referentes a hipóteses de contratação direta. Para elucidar este ponto deve-se desmembrar o tópico em três aspectos a serem abordados: (i) possibilidade de se exigir a CNDT nas contratações diretas da Administração Pública; (ii) possibilidade de se dispensar a exigibilidade da CNDT em alguns casos ou situações e (iii) dirimir se a aplicabilidade da exigência da CNDT aplica-se apenas às hipóteses de terceirização de serviços com alocação exclusiva de mão de obra ou se a mesma é aplicável para todos os tipos de prestação se serviços terceirizados.

No que tange ao primeiro ponto, cumpre trazer à colação excerto de artigo doutrinário de lavra da Dra. Greyce Silveira Carvalho, que afirma a possibilidade da exigência da CNDT também nos casos de contratação direta[i]:

(…) Há quem entenda que a nova exigência não se aplicaria às contratações por dispensa ou inexigibilidade de licitação. O equívoco deste entendimento está em imaginar que a habilitação se trata única e exclusivamente de uma fase do procedimento licitatório. Tal ilação poderia ser extraída da interpretação literal e rasa do art. 27 da Lei nº 8.666, de 1993. Ocorre que uma exegese teleológica e mais consentânea com o direito administrativo-constitucional impõe a conclusão de que a habilitação constitui uma providência pré-contratual, ou seja, deve ser observada antes da formalização do contrato, seja ele precedido ou não de licitação. Não tem sentido exigir idoneidade do particular que participa de certame licitatório e dispensar tal exigência para aquele que contrata com o Poder Público de forma direta. A prevalecer esse entendimento, estaríamos diante de inegável afronta à isonomia.

A lógica subjacente à exigência da comprovação de regularidade fiscal – e agora trabalhista – é a de que uma empresa irregular, além de estar infringindo a lei, tem condições de apresentar preços mais vantajosos, o que violaria a competitividade. A regra privilegia, portanto, os princípios da legalidade, isonomia e da moralidade.

Tratando-se de contratação direta, poder-se-ia sustentar que tal argumento restaria esvaziado, porquanto não há concurso de licitantes. Todavia, por força do disposto no art. 26, da Lei nº 8.666, de 1993, até nos casos de contratação direta, a vantajosidade do preço é objeto de análise e de cotejo com pesquisas de mercado. Tal análise poderia restar prejudicada ou apontar uma vantagem indevida em favor da contratada se esta não recolhe os tributos e não paga os empregados. Assim, entendemos que a razão que inspira a exigência de comprovação da regularidade fiscal e trabalhista prevalece também nos casos de contratação direta.

A respeito da indispensabilidade da comprovação de regularidade fiscal nos casos de contratação direta, já decidiu o Tribunal de Contas da União:

Entendimento prevalecente nesta Corte”, segundo o qual: a) “por força do disposto no art. 195, § 3º, da Constituição Federal, que torna sem efeito, em parte, o permissivo do art. 32, § 1º, da Lei 8.666/1993, a documentação relativa à regularidade fiscal e com a Seguridade Social, prevista no art. 29, inciso IV, da Lei 8.666/1993, é de exigência obrigatória nas licitações públicas, ainda que na modalidade convite, para contratação de obras, serviços ou fornecimento, e mesmo que se trate de fornecimento para pronta entrega;”; e b) a obrigatoriedade de apresentação da documentação referida no subitem anterior é aplicável igualmente aos casos de contratação de obra, serviço ou fornecimento com dispensa ou inexigibilidade de licitação, ex vi do disposto no § 3º do art. 195 da CF.”. Precedentes citados: Decisão n.º 705/94-Plenário e Acórdão n.º 457/2005-2ª Câmara. Acórdão n.º 3146/2010-1ª Câmara, TC-022.207/2007-6, rel. Min. Augusto Nardes, 01.06.2010.

Assim, como regra geral, não se pode dispensar a exigência de regularidade trabalhista nas contratações direta de maneira automática, inadvertida.

(…)

Na opinião de Marçal:

“a contratação direta não importa, de modo mecânico, a dispensa de comprovação dos requisitos de habilitação. Ou seja, os mesmos fundamentos que impõem a verificação da idoneidade daquele que participa de uma licitação também se aplicam no caso de contratação direta.(…)

A questão não reside, portanto, na existência ou não de licitação, mas na natureza e nas características da futura contratação.” (pg. 489).


Irreprochável o entendimento doutrinário acima esposado. Como bem salientado, a teleologia da norma é propiciar contratações mais seguras pela Administração, procurando garantir a maior idoneidade possível aos eventuais contratados, não importando, neste passo, se a avença resultará de procedimento licitatório ou de contratação direta.

Elucidativo é o ensinamento de Marçal Justen Filho, em que afere-se a diferenciação entre as condições de participação em licitação e os requisitos de habilitação, demonstrando que estes últimos visam assegurar a idoneidade do contratado e não apenas possibilitar a sua participação em um certame licitatório:

Os requisitos para o sujeito participar da licitação, podem ser denominados de ‘condições de participação’. A expressão indica o conjunto de exigências, previsto em lei e no ato convocatório, cujo descumprimento acarretará a ausência de apreciação de sua proposta.

Esse conjunto de exigências abrange os requisitos de habilitação, mas não se restringe a eles. Existem outras exigências previstas em Lei e no ato convocatório que condicionam a admissibilidade da proposta de um licitante. Isso permitiria aludir a condições de participação em sentido amplo, gênero que abrangeria os requisitos de habilitação e as condições de participação em sentido estrito. Embora a distinção não seja usual na prática, os requisitos de habilitação não se confundem com as condições de participação em sentido restrito.

Os requisitos de habilitação consistem em exigências relacionadas com a determinação da idoneidade do licitante. É um conjunto de requisitos que se poderiam dizer indiciários, no sentido de que sua presença induz a presunção de que o sujeito dispõe de condições para executar satisfatoriamente o objeto licitado. Por decorrência, a ausência de requisito de habilitação acarreta o afastamento do licitante do certame, desconsiderando-se sua proposta. O elenco dos requisitos de habilitação está delineado em termos gerais nos arts. 27 a 32 da Lei de Licitações. É inviável o ato convocatório ignorar os limites legais e introduzir novos requisitos de habilitação, não autorizados legislativamente.

As condições de participação em sentido estrito não se relacionam diretamente com a idoneidade do licitante. Consistem em requisitos formais e substanciais para o sujeito participar da disputa[ii].

Ante o exposto, os requisitos de habilitação, insertos no artigo 27 da Lei de Licitações, dentre eles a necessidade de regularidade trabalhista, tem por objetivo fulcral possibilitar a verificação da idoneidade de futuro contratado, razão pela qual pode-se exigir a denominada CNDT também nos casos de contratação direta, sem licitação.

Outro aspecto de relevo é perquirir quais as situações em que a regularidade trabalhista poderia ser dispensada.

A possibilidade de flexibilização da exigência das condições de habilitação é prevista no artigo 32, § 1º, da Lei de Licitações e Contratos Administrativos ao dispor que a documentação relacionada à habilitação poderá ser dispensada, no todo ou em parte, nos casos de convite, concurso, fornecimento de bens para pronta entrega e leilão.

A primeira observação a ser feita é a de que o rol do mencionado dispositivo legal não é exaustivo, mas meramente exemplificativo.

Reputa-se que a previsão do § 1º do art. 32 não é exaustiva. A dispensa da apresentação dos documentos será admissível não apenas quando o montante quantitativo da contratação for reduzido ou quando a natureza do contrato não exigir maiores indagações sobre a situação subjetiva do interessado. Também se admitirá que o ato convocatório deixe de exigir a comprovação de outras exigências facultadas em lei se tal for desnecessário para assegurar a execução satisfatória da futura contratação.[iii]

Por outro lado, aponta a melhor doutrina que o dispositivo deve ser interpretado com certa flexibilidade no sentido de que nem sempre as exigências habilitatórias deverão ser dispensadas simplesmente pelo fato de se enquadrarem nas hipóteses ali contidas (convite, concurso, fornecimento de bens para pronta entrega e leilão):

Deve-se reconhecer que existem requisitos de habilitação cuja exigência é facultativa e que poderão ser dispensadas em alguns casos. Assim se passa, por exemplo, com a qualificação econômico-financeira e com a qualificação técnica, que não necessita ser examinada em algumas hipóteses. Em tais hipóteses, a dispensa da exigência da documentação é uma decorrência da ausência de requisitos de habilitação.

Mas há alguns requisitos de habilitação cuja exigência é necessária em todos os casos. Assim se passa com a habilitação jurídica, com a comprovação da ausência de falência e com a regularidade com a seguridade social. Esses requisitos devem ser exigidos ainda nas hipóteses referidas no art. 32, § 1º.

(…)

A interpretação exposta conduz à conclusão de que, mesmo nas hipóteses previstas no dispositivo ora examinado, a Administração estará impedida de contratar se verificar que os requisitos mínimos e indispensáveis não estão preenchidos.[iv]

Quanto à exigibilidade da CNDT, entende-se que esta não poderá ser dispensa nem mesmo nas hipóteses elencadas no artigo 32, § 1º, da Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

Inicialmente, a exigibilidade da CNDT mesmo nas hipóteses do artigo 32, § 1º, da Lei de Licitações e Contratos Administrativos terá por objetivo, em se tratando de contratos de prestação de serviços com alocação de mão de obra, evitar-se a ocorrência (extremamente comum, diga-se) da responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelos débitos trabalhistas de suas contratadas, o que, por si só, justificaria a exigibilidade das certidões nestes casos.


Não obstante, também para outros tipos de contratação, em que não se verifica a possibilidade de responsabilidade subsidiária, deve-se sempre exigir a CNDT. Isso porque, além de propiciar a escolha de contratado idôneo pela Administração, a novel exigência tem por escopo sufragar bem jurídico de maior valor: a garantia de remuneração pelo trabalho humano.

Com efeito, a Constituição Federal (art. 1º) erige como um dos seus fundamentos os valores sociais do trabalho. Além disso, a garantia da remuneração por serviços prestados por trabalhadores está amplamente prevista no artigo 7º da Constituição Federal. Neste passo, ao se exigir a CNDT, visa-se, precipuamente, efetivar a valorização do trabalho, bem como da dignidade da pessoa humana (dos trabalhadores), outro fundamento basilar do constitucionalismo pátrio.

Assim, assentada a finalidade principal da norma, no sentido de propiciar maior efetivação ao fundamento constitucional da valorização do trabalho humano, conclui-se que, em regra, a CNDT deverá SEMPRE ser exigida, em quaisquer tipos de contratações da Administração Pública (mesmo em não se tratando de terceirização de serviços com alocação de mão de obra), tal como ocorre com a necessidade de comprovação de regularidade com a seguridade social.

Entretanto, nos casos em que se configurar uma situação de inexigibilidade de licitação, em razão da necessidade de se contratar um único prestador ou fornecedor, será possível dispensar a exigência da CNDT com o fito de propiciar a execução do serviço de interesse relevante para a Administração, em função dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade[v]:

Afigura-se que haverá cabimento de promover a contratação direta sem exigência da comprovação dos requisitos de habilitação nos casos em que a Administração não dispuser de outra alternativa. Assim, suponha-se a situação em que há um único fornecedor, o qual se encontra em situação irregular perante a Fazenda Nacional ou, mesmo, o próprio INSS. A Administração necessita da utilidade que poderá ser fornecida apenas e exclusivamente por aludido sujeito. Aplicar-se-á o princípio da proporcionalidade e se ponderarão os diversos interesses. De um lado, haverá o risco de perecimento de interesses essenciais, se a contratação não ocorrer. De outro, haverá o risco de contratação de sujeito que não dispõe de requisitos de habilitação, se a contratação ocorrer. Entre o perecimento inevitável, previsível e altamente danoso dos interesses colocados sob a tutela do Estado e a ausência de cumprimento a uma formalidade, a Constituição Federal impõe a opção pela segunda alternativa. O princípio da República obriga à adoção de todas as providências que evitem o comprimento dos fins buscados pelo Estado. As exigências infraconstitucionais do cumprimento de certos formalismos são meramente instrumentais: devem ser afastadas quando se prestarem a frustrar a proteção dos fins buscados pelo Estado, eis que o único fundamento que lhes dá razão de existência é sua instrumentalidade para proteger dito interesse. Quando não se prestarem a tal, deverão ter sua aplicação evitada.[vi]

Diante do exposto, conclui-se neste tópico: (i) em regra, é possível e necessária a exigibilidade da CNDT nas contratações diretas da Administração Pública; (ii) a CNDT pode ser dispensada nas hipóteses de inexigibilidade de licitação em que há apenas um único fornecedor ou prestador de serviço que possa satisfazer às necessidades da Administração, desde que a sua não contratação implique em relevante prejuízo ao interesse público, utilizando-se como critérios norteadores os princípios da proporcionalidade e razoabilidade em cada caso concreto; (iii) em regra, deve ser exigida a CNDT em todas as contratações realizadas pela Administração Pública, mesmo nas hipóteses de que trata o artigo 32, § 1º, da Lei de Licitações e Contratos Administrativos e (iv) a exigência da CNDT é cabível para todos os tipos de contratação e não apenas as que envolvam terceirização de serviço com alocação de mão de obra.

3. Aplicabilidade imediata da nova legislação que instituiu a regularidade trabalhista aos contratos anteriormente celebrados.

A análise sobre a aplicabilidade ou incidência da nova legislação, instituidora da mencionada regularidade trabalhista, aos contratos já celebrados e ainda em execução envolve, necessariamente, o estudo do direito intertemporal.

A colisão da lei nova com a anterior, algumas vezes, gera problemas. Isso porque determinadas circunstâncias estabelecidas pela lei antiga podem permanecer sob a vigência da nova lei; ou, por outro lado, situações outras que foram criadas pela lei velha já não vão encontrar guarida na novel legislação. Destarte, conforme leciona Paupério, há que se estudar até que ponto a lei antiga pode gerar efeitos e até que ponto a lei nova não pode impedir esses efeitos da lei antiga.

Esse estudo, necessário para o desatar de problemas jurídicos de apreço, recebe as denominações de conflito de leis no tempo, retroatividade ou não-retroatividade das leis, aplicação do direito em relação ao tempo, supervivência da lei no tempo, direito transitório e, com tendência a prevalecer sobre as demais, direito intertemporal[vii]

No caso em tela, especificamente, o cerne da questio iuris é saber se eventual exigibilidade da CNDT a cada pagamento, no caso dos contratos celebrados anteriormente à vigência da legislação instituidora da regularidade trabalhista, desrespeitaria o ato jurídico perfeito celebrado sob a égide da legislação pretérita ou, até mesmo, o direito adquirido à manutenção das condições e termos da avença anteriormente celebrada.

3.1. Aplicabilidade imedita X retroatividade da norma

Em casos tais é comum que se entenda que essa exigibilidade macularia, irremediavelmente, o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, o que seria expressamente vedado pela Constituição Federal, bem como pela Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro. Este posicionamento advém da necessidade de se promover, em um Estado Democrático de Direito, a indispensável segurança jurídica, tida por doutrinares de escol como valor jurídico máximo ou absoluto.

Por outro lado, há quem defenda a aplicabilidade imediata da novel legislação sempre que tal fato for possível erigindo-se, como argumento, a não menos importante “preponderância do interesse público” presente presumidamente em cada inovação legislativa.


Por outro norte, é aceitável admitir que a preponderância do interesse público sobre as conveniências dos cidadãos – como conseqüência proveniente da soberania da lei –, justifica, antes de qualquer consideração, sua aplicação a todos os fatos por ela regulados. Para que a legislação mais moderna possa realizar inteiramente sua finalidade benéfica, o interesse social exige seja aplicada tão completamente quanto possível. Nesse sentido e parafraseando Paiva Pitta, se a lei nova tiver de respeitar a sua razão de ser no passado, restringindo o seu império somente ao que se fizer depois da sua promulgação, ver-se-á caminhar, paralelamente, o pretérito com o presente, o desengano com a esperança, a saudade com o gozo, a sombra com a luz, enfim, as velhas com as novas instituições.[viii]

É induvidoso que o atual ordenamento jurídico brasileiro adota, como regra-geral, o princípio da irretroatividade das leis tendo em vista a expressa dicção constitucional ao asseverar que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”[ix], bem como a prescrição inserta na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro: “A lei terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”[x].

Entretanto, tal assertiva não tem, por si só, o condão de afastar a exigibilidade das CNDTs a cada pagamento relacionado a contratos anteriormente celebrados. É que há de se fazer a distinção fundamental entre retroatividade da lei (o que é, em regra, vedado) e aplicabilidade imediata de uma novel legislação.

Nesse ponto, é de importância elementar a distinção entre efeito retroativo e imediato da lei. E o próprio ordenamento jurídico brasileiro, pelos precisos termos do art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, discrimina-os, de modo capital, ao dispor: “A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”. Isso revela que não só as situações não definitivamente constituídas (facta pendentia), como também os efeitos presentes e futuros dos fatos já consumados (facta praeterita), serão abarcados pela novel legislação. Não significa tal aplicação, portanto, efeito retroativo, mas, sim, imediato.[xi]

No mesmo sentido, Washington de Barros Monteiro:

Mas entre a retroatividade e a irretroatividade existe situação intermediária, a da aplicabilidade imediata da lei nova a relações que, nascidas embora sob a vigência da lei antiga, ainda não se aperfeiçoaram, não se consumaram. O requisito sine qua non, para a imediata e geral aplicação, é também o respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Acham-se, nesse caso, as leis constitucionais, políticas, administrativas, de ordem pública (ainda que de direito privado), de interesse geral, penais mais benignas, interpretativas, que regulam o exercício dos direitos políticos e individuais, condições de aptidão para cargos públicos, organização judiciária e processo (civil e criminal). Aliás, em regra, todas as normas de direito público têm aplicação imediata, o que, no entanto, como é óbvio, pode ser intencionalmente arredado pelo legislador.[xii]

Celmo Fernandes Moreira assevera:

Destarte, constitui grave erronia a afirmação de que as leis de ordem pública são retrooperantes. Porém, tal assertiva não equivale à admissão de que não devam incidir imediatamente sobre os atos e fatos jurídicos que tiveram a sua gênese sob o império da lei antiga e que continuam gerando efeitos na vigência da lei nova, posto que não consumados e integrados no patrimônio do titular e, ainda, porque vicejam no terreno nebuloso entre a retroatividade e a irretroatividade, caso em que deve predominar o interesse público e a realização dos fins sociais, que é a finalidade última da lei, diante do confronto frente a interesses particulares.[xiii]

Miguel Reale, um dos maiores juristas brasileiros de todos os tempos, obtemperou que a aplicação imediata da lei nova “… implica na exigência irrevogável do seu cumprimento, quaisquer que sejam as intenções ou desejos das partes contratantes, ou dos indivíduos a que se destinam”.[xiv]

Não é outro o entendimento de Alex Sandro Ribeiro, com apoio em Wilson de Souza Campos Batalha e Savigny:

Assim observado, sem deslembrar abalizada doutrina contrária, estamos inclinados a sustentar que normas de conteúdo de ordem pública são, não só constitucionais, como também de aplicação imediata e alcançam até mesmo os contratos em curso. Sentimo-nos nessa inclinação, pois, conquanto conservadores nalguns casos, não podemos negar os pensamentos de vanguarda. Temos uma lei nova para aplicar, e temos de sugerir situações novas, tal qual foi por ela objetivado. Isso, obviamente, com muito respeito ao ordenamento vigente e com muito profissionalismo no que se argumenta.

Não discrepa o entendimento de Wilson de Souza Campos Batalha. Em seus comentários à “Lei de Introdução ao Código Civil”, ao analisar o problema do conflito das leis no tempo nos dá o ponto de vista de Savigny, que é o predominante. Segundo o jurista francês o princípio da irretroatividade das leis não é absoluto e tolera exceções necessárias para evitar algumas conseqüências absolutamente inaceitáveis:

“Seu ponto de vista é que, em princípio a lei nova se aplica mesmo às situações estabelecidas ou às relações formadas desde antes de sua promulgação. Este princípio é uma conseqüência da soberania da lei e da predominância do interesse público sobre os interesses privados” (op. cit., t. I/55, vol. II, Editora Max Limonad, pág. 64).

Essa também tem sido a atual tendência jurisprudencial em situações semelhantes à presente – normas de interesse público -, que vêm entendendo serem elas de aplicação imediata, anulando “cláusulas cuja regularidade era incontestável na época em que foram aceitas pelas partes” (“RT”, vol. 656/202).[xv]


Lúcio Delfino noticia o entendimento de Paupério a respeito do tema:

Conforme ensina Paupério, a lei nova poderá, entretanto, ser capaz de aplicar-se aos efeitos futuros das relações jurídicas presentes e anteriores, originadas sob a égide e o império da lei precedente, por ela revogada. Nada obstante, não se deve desprezar que os efeitos já produzidos pela antiga lei deverão ser preservados e respeitados. Os novos efeitos é que serão submetidos à força da novel legislação.

(…)

Pauperio, em lição precisa, esclarece que nos “próprios contratos em curso, subordinados antes, até mesmo para os efeitos futuros, à lei antiga, a não ser que a lei nova estabelecesse o contrário, tem lugar o efeito imediato, que não significa, sem dúvida alguma, efeito retroativo. Só aos momentos anteriores de uma situação em curso é que não poderia a lei nova aplicar-se sem retroatividade”.[xvi]

Maria Helena Diniz também ressalta a diferenciação entre a retroatividade e a aplicação imediata de uma nova lei:

(…) é princípio fundamental de direito que as leis sejam aplicáveis a atos anteriores à sua promulgação, contanto que tais atos não tenham sido objeto de demandas, que não estejam sob o domínio da coisa julgada, nem configurem ato jurídico perfeito ou direito adquirido. Fácil é perceber que entre a retroatividade e a irretroatividade existe uma situação intermediária, a da aplicação imediata da nova norma às relações nascidas sob a vigência da anterior e que ainda não se aperfeiçoaram.[xvii]

Entendimentos deste jaez são inúmeros na doutrina nacional. Com base neste segmento doutrinário é que se propugna a aplicabilidade imediata do Código de Defesa do Consumidor aos contratos em curso anteriormente celebrados:

No que diz respeito ao Código de Defesa do Consumidor, não restam dúvidas da sua aplicação imediata naquelas situações não definitivamente concluídas ou nos efeitos presentes e futuros decorrentes de fatos já consumados. Advirta-se mais uma vez: não se tratará, nessas hipóteses, de efeito retroativo da lei, senão da imediata aplicação dela.

(…)

Assim, o Código de Defesa do Consumidor aplica-se, por exemplo, àqueles contratos assinados antes de sua vigência, anulando cláusulas leoninas ou abusivas cuja eficácia prática ocorreria agora, ou no futuro – os chamados contratos de trato sucessivo [68] –, ferindo a nova ordem de valores imposta pela legislação consumerista. Nesse ponto não há lesão alguma ao princípio da irretroatividade das leis, pelo simples fato de inexistir direito adquirido ou ato jurídico perfeito. Não há se falar aqui em retroatividade da lei, mas, sim, em sua aplicação imediata, uma vez que a cláusula passível de anulação não se consumou ou se exauriu antes da publicação da Lei 8.078/90; embora constituído o contrato, algumas de suas cláusulas, agora abusivas, não se consumaram. Marques assevera, com pena de ouro, que “o ato jurídico pode ser assinado e não ser juridicamente perfeito. Como ensinava Clóvis Bevilacqua: “Já ficou dito que o direito adquirido pressupõe um fato capaz de produzi-lo, segundo as determinações da lei” (então vigente). “A segurança do ato jurídico perfeito é um modo de garantir o direito adquirido, pela proteção concedida ao seu elemento gerador.” Um ato assinado pode não ser gerador de direitos adquiridos, mas pode ser gerador de efeitos já consumados, agora intocáveis, por isso mesmo a definição do art. 6º, §1º, da LICC prioriza a expressão “consumado”, para frisar sua diferente função em relação ao direito adquirido.”

Posto isso, conclui-se que o Código de Defesa do Consumidor não tem efeito retroativo pelo mero fato de ser uma norma de ordem pública. O texto constitucional, ao preceituar que a lei nova não prejudicará o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, não faz distinção entre legislações de ordem pública e outras que não possuem essa natureza. Quisesse o ordenamento jurídico nacional recepcionar a retroatividade das leis de ordem pública, deveria, como fez com questões envolvendo a lei penal benéfica ao réu, excepcionar, expressamente, tal situação na própria Constituição Federal. Destarte, os fatos já consumados, perfeitamente concluídos na vigência de normas anteriores à Lei consumerista, não são, de maneira alguma, atingidos por sua força e autoridade legislativa. Poderão, por outro lado, ter significativa influência do Código de Defesa do Consumidor (efeito imediato) aquelas situações não definitivamente concluídas ou os efeitos presentes e futuros decorrentes de fatos já consumados, sempre que disserem respeito a relações de consumo.[xviii]

A mesma argumentação é utilizada para defender a aplicabilidade do novo Código Civil aos efeitos e até mesmo sobre a validade dos contratos celebrados anteriormente à sua vigência:

(…) é adequada à regra sistemática de hermenêutica e, evidentemente, constitucional, a não prevalência das convenções, ainda que firmadas anteriormente à vigência do novo Código, que contrariem preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos para assegurar a função social da propriedade e dos contratos, dês que tais contratos pretéritos ainda estejam pendentes de execução ou com esta em curso sem ainda ter atingido o seu termo final quando da entrada em vigor do Código Civil de 2002.[xix]

Diante dos ensinamentos doutrinários acima apontados, e tendo em vista a natureza e finalidade das normas que passaram a exigir as denominadas CNDTs, imperioso concluir pela possibilidade de se exigir as mencionadas certidões a cada pagamento por serviços executados em função de contratos celebrados anteriormente à inovação legislativa.


Tal conclusão não implicará em retroatividade da nova lei aos contratos anteriores, mas sim em sua aplicabilidade imediata no sentido de que para contratar ou manter-se contratado com a Administração Pública deve-se estar regular com os débitos trabalhistas. Exemplificando: considerar nulos ou irregulares os contratos celebrados ou pagamentos realizados sem as CNDTs antes da vigência da nova lei seria conferir a esta efeito retroativo, o que é vedado. Por outro lado, exigir a certidão para possibilitar a manutenção da relação contratual em face à edição da nova lei é apenas conferir aplicabilidade imediata à novel norma, sem macular ou interferir em atos pretéritos. Esta conclusão é inafastável tendo em vista a teleologia da norma no sentido de que a mesma visa propiciar e conferir maior eficácia a direitos e princípios constitucionais como a valorização do trabalho e a dignidade humana, erigindo, para tal mister, uma nova condição de idoneidade para contratar e se manter contratado pela Administração Pública, conforme exposto alhures.

3.2. Inexistência de afronta ao direito adquirido ou a ato jurídico perfeito – o contrato administrativo como instituição jurídica

Pode haver, indubitavelmente, duas grandes objeções à conclusão acima apontada: (i) que não se trataria de aplicabilidade imediata, mas sim de retroatividade mínima, o que seria vedado e (ii) que o fundamento da exigibilidade de se verificar a regularidade do contratado a cada pagamento é o disposto no artigo 55, inciso XIII, da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, o qual prevê “a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação”. Assim, como as CNDTs não teriam sido exigidas na licitação ou contratação, não poderiam, agora, ser exigidas a cada pagamento.

Alerte-se, quanto à primeira objeção, que parte da doutrina e da jurisprudência entenderia que o caso vertente trata de retroatividade mínima da norma, tendo em vista que a mesma estaria sendo aplicada aos efeitos futuros de fatos (contratos) passados, o que seria vedado às leis ordinárias por afronta ao direito adquirido ou ato jurídico perfeito. Confira-se, nesse sentido, os ensinamentos do constitucionalista Gilmar Ferreira Mendes, Ministro do Supremo Tribunal Federal – STF:

(…)

Assim, o Supremo Tribunal Federal tem entendido que as leis que afetam os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente são retroativas (retroatividade mínima), afetando a causa, que é um fato ocorrido no passado. No RE 188.366, restou assente essa orientação, conforme se pode depreender da síntese contida na ementa do acórdão:

“Mensalidade escolar. Atualização com base em contrato. Em nosso sistema jurídico, a regra de que a lei nova não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, por estar inserida no texto da Carta Magna (art. 5º, XXXVI), tem caráter constitucional, impedindo, portanto, que a legislação infraconstitucional, ainda quando de ordem pública, retroaja para alcançar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada, ou que o juiz a aplique retroativamente. E a retroação ocorre ainda quando se pretende aplicar de imediato a lei nova para alcançar os efeitos futuros de fatos passados que se consubstanciem em qualquer das referidas limitações, pois ainda nesse caso há retroatividade – a retroatividade mínima –, uma vez que se a causa do efeito é o direito adquirido, a coisa julgada, ou o ato jurídico perfeito, modificando-se seus efeitos por força da lei nova, altera-se essa causa que constitucionalmente é infensa a tal alteração. Essa orientação, que é firme nesta Corte, não foi observada pelo acórdão recorrido que determinou a aplicação das Leis nºs 8.030 e 8.039, ambas de 1990, aos efeitos posteriores a elas decorrentes de contrato celebrado em outubro de 1989, prejudicando, assim, ato jurídico perfeito. Recurso extraordinário conhecido e provido.”[xx]

No entanto, o caso em tela é bastante diverso. Primeiro não há, verdadeiramente, incidência da nova lei a efeitos dos contratos administrativos anteriores. Não haverá qualquer regulação da norma quanto aos objetos contratuais, prazos, multas, formas de execução ou qualquer outro elemento de sua composição. A lei apenas estabelece, conforme defendido aqui, uma nova condição a ser preenchida por quem desejar manter-se em uma relação jurídica (como contratado) com a Administração Pública.

A inovação legislativa altera, portanto, os requisitos que devem estar presentes para se considerar o contratado como idôneo para manter uma relação jurídica contratual com a Administração. Em outros termos, a lei alterou os requisitos a serem preenchidos para que o contratado se mantenha na situação jurídica de idoneidade para contratar ou se manter contratado com a Administração.

Com efeito, a Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos constitui-se na principal fonte normativa do “regime” ou “estatuto” licitatório. Disciplina todos os aspectos dos institutos da licitação e dos contratos administrativos. Encampa, verdadeiramente, um regime jurídico que deverá sempre ser observado. E, dentro deste regime, como um de seus aspectos fundamentais, estão regulados os requisitos mínimos a serem preenchidos para contratar com a Administração (habilitação).

Assim, não se pode negar a aplicabilidade imediata à nova legislação que alterou este “estatuto licitatório” sob a simples alegação de que determinados contratos foram celebrados sob a égide do “regime” anterior, o que macularia o ato jurídico perfeito e o direito adquirido. Afinal, como aponta Gilmar Ferreira Mendes, com apoio em doutrinadores de primeira grandeza, não há que se falar em direito adquirido a uma situação jurídica individual em face da alteração de um estatuto ou regime jurídico:

As duas principais teorias sobre aplicação da lei no tempo – a teoria do direito adquirido e a teoria do fato realizado, também chamada do fato passado – rechaçam, de forma enfática, a possibilidade de subsistência de situação jurídica individual em face de uma alteração substancial do regime ou de um estatuto jurídico.

(…)

O problema relativo à modificação das situações subjetivas em virtude da mudança de um instituto de direito não passou despercebido a CARLOS MAXIMILIANO, que assinala, a propósito, em seu clássico O direito intertemporal, verbis: “Não há direito adquirido no tocante a instituições, ou institutos jurídicos. Aplica-se, logo, não só a lei abolitiva, mas também a que, sem os eliminar, lhes modifica essencialmente a natureza. Em nenhuma hipótese granjeia acolhida qualquer alegação de retroatividade, posto que, às vezes, tais institutos envolvam certas vantagens patrimoniais que, por eqüidade, o diploma ressalve ou mande indenizar.”


Essa orientação básica, perfilhada por nomes de prol das diferentes correntes jurídicas sobre direito intertemporal, encontrou acolhida na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como se pode depreender de alguns expressivos arestos daquela Alta Corte.

Mencione-se, a propósito, a controvérsia suscitada sobre a resgatabilidade das enfiteuses instituídas antes do advento do Código Civil e que estavam gravadas com cláusula de perpetuidade. Em sucessivos pronunciamentos, reconheceu o Supremo Tribunal Federal que a disposição constante do art. 693 do Código Civil aplicava-se às enfiteuses anteriormente constituídas, afirmando, igualmente, a legitimidade da redução do prazo de resgate, levada a efeito pela Lei nº 2.437, de março de 1955.

Rechaçou-se, expressamente, então, a alegação de ofensa ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido. Esse entendimento acabou por ser consolidado na Súmula 170 do Supremo Tribunal Federal (“É resgatável a enfiteuse instituída anteriormente à vigência do Código Civil”).

Assentou-se, pois, que a proteção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito não obstava à modificação ou à supressão de determinado instituto jurídico.

(…)

Vê-se, assim, que o princípio constitucional do direito adquirido não se mostra apto a proteger as posições jurídicas contra eventuais mudanças dos institutos jurídicos ou dos próprios estatutos jurídicos previamente fixados.[xxi]

Em suma, não haverá qualquer incidência da norma nos efeitos futuros dos contratos administrativos anteriores. Haverá, tão somente, a aplicabilidade imediata da norma que alterou o “regime” ou “estatuto” jurídico das contratações públicas no sentido de estipular que mais um requisito deve se fazer presente para que os contratados sejam considerados idôneos a figurar na relação jurídica com a Administração Pública. Não há que se falar, portanto, em retroatividade ou em afronta a direitos adquiridos ou ato jurídico perfeito.

Insta consignar, por oportuno, a natureza peculiar dos contratos administrativos, regulados amplamente pela lei (seu estatuto jurídico) em diversos aspectos inafastáveis pelas partes, o que aproxima tais contratos muito mais à categoria de institutos jurídicos do que a de atos de autonomia da vontade (relações estritamente contratuais).

Esta afirmação é importante para demonstrar, com base na doutrina acima transcrita, que não há que se falar em direito adquirido a situação jurídica individual em face de estatutos ou regimes jurídicos amplamente regulados pela legislação (e que os contratos administrativos estão nesta categoria jurídica), diferentemente do que ocorre nas relações onde se predomina amplamente o princípio da autonomia da vontade:

Tal como destaca BAPTISTA MACHADO, o desenvolvimento da doutrina sobre a aplicação na lei no tempo acaba por revelar especificidades do “estatuto contratual” em face do “estatuto legal”. Enquanto este tem pretensão de aplicação imediata, aqueloutro estaria, em princípio, submetido à lei vigente no momento de sua conclusão, a qual seria competente para o reger até à extinção da relação contratual.

Na lição de BAPTISTA MACHADO, a vontade das partes seria a razão para uma disciplina específica:

O fundamento deste regime específico da sucessão de leis no tempo em matéria de contratos estaria no respeito das vontades individuais expressas nas suas convenções pelos particulares – no respeito pelo princípio da autonomia privada, portanto. O contrato aparece como um acto de previsão em que as partes estabelecem, tendo em conta a lei então vigente, um certo equilíbrio de interesses que será como que a matriz do regime da vida e da economia da relação contratual.

A intervenção do legislador que venha modificar este regime querido pelas partes afecta as previsões destas, transforma o equilíbrio por elas arquitetado e afecta, portanto, a segurança jurídica. Além de que as cláusulas contratuais são tão diversificadas, detalhadas e originais que o legislador nunca as poderia prever a todas. Por isso mesmo não falta quem entenda que uma lei nova não pode ser imediatamenteaplicável às situações contratuais em curso quando do seu início de vigência sem violação do princípio da não retroactividade.”

A segunda possível objeção à tese aqui defendida pode ser assim resumida: o fundamento da exigibilidade de se verificar a regularidade do contratado a cada pagamento é o disposto no artigo 55, inciso XIII, da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, o qual prevê “a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação”. Assim, como as CNDTs não teriam sido exigidas na licitação ou contratação, não poderiam, agora, ser exigidas a cada pagamento.

Tal objeção não poderia prosperar. A exigibilidade da regularidade não tem apenas este fundamento. Afinal, o que importa (nunca é demais repetir), é verificar a idoneidade do contratado para executar os serviços designados (o que deve ser feito no início e durante a execução contratual). Desta forma, a existência de débitos trabalhistas, assim como ocorre com os débitos de natureza fiscal, podem ocasionar, indubitavelmente, em entraves para a consecução dos fins contratuais[xxii]. Desta forma, o que importa é a manutenção da aptidão para a execução contratual, presumida com a regularidade do contratado. E esta regularidade, agora, também abarca a regularidade trabalhista.

Em outras palavras, se a lei atual (regime ou estatuto jurídico licitatório) considera inidônea para participar de licitação, ou ser contratado diretamente, pessoa jurídica com débitos trabalhistas não quitados, não há razão para manter-se os contratos anteriores sem se exigir a regularidade trabalhista, sob pena de a Administração prolongar ou manter relações negociais com contratados reputados pela atual legislação como inidôneos. Entender o contrário seria admitir a possibilidade de a Administração manter duas classes de contratados: os idôneos e os inidôneos (ou potencialmente inidôneos), tão somente em razão da data da celebração de cada avença, o que se afigura, ao meu sentir, situação desprovida de razoabilidade e lógica.


3.3. Solução de equidade

É claro que se deve estar sensível a eventuais problemas de ordem prática que tal entendimento pode ensejar no âmbito da Administração Pública. Afinal, poderão ser inúmeros os atuais contratantes que não possuem a regularidade trabalhista exigida pela legislação. Diante disso, deve o administrador agir com cautela, levando-se em conta sempre o interesse público. Sugere-se, nesta seara, que se notifique os atuais contratados informando-os da necessidade da demonstração da regularidade trabalhista durante toda a execução contratual em função da exigência legal conferindo-lhes prazo razoável para que providenciem a regularização da sua situação possibilitando-se, assim, os pagamentos e a continuidade da avença. Entendo que este procedimento evitará surpresas aos atuais contratados, propiciando, ao mesmo tempo, a aplicabilidade da nova legislação[xxiii].

4. Exigibilidade da regularidade trabalhista no momento das prorrogações contratuais

Diante do exposto, conclui-se, em razão dos mesmos fundamentos, pela exigibilidade da regularidade trabalhista no momento das prorrogações dos contratos vigentes. Afinal, pelos motivos anteriormente expostos, se é imprescindível a exigência a cada pagamento, com muito mais razão deve se exigir a CNDTs no momento da prorrogação contratual.

Ademais, mesmo para os que entendam que não se deveria exigir as CNDTs a cada pagamento (nos contratos anteriores) a sua exigibilidade no momento da prorrogação seria imperiosa. Afinal, a natureza jurídica da prorrogação contratual é a celebração de uma nova avença, e este “novo” contrato deve ser celebrado nos moldes da legislação atual de regência, especialmente em se tratando de legislação que visa proteger o interesse público e valores constitucionais, conforme já amplamente debatido neste Parecer. Tal conclusão justifica-se, ainda, pelo fato de que nem a Administração nem o contratado têm a obrigação de prorrogar o ajuste.

Assim, a exigência não acarretaria prejuízo a quaisquer das partes, mormente, também, porque não se trata de aspecto econômico do contrato. Caso o contratado não queira ou não possa apresentar a documentação exigida, a Administração deverá promover o procedimento necessário à contratação de outrem para a execução dos serviços, da mesma forma que ocorreria se o interessado simplesmente não pretendesse prorrogar o contrato por quaisquer outros motivos.


5. Conclusões

Ante o exposto, conclui-se:

(i) os requisitos de habilitação são pressupostos de aferição da idoneidade para contratar e manter-se contratado com a Administração Pública;

(ii) em regra, é possível e necessária a aplicação da exigibilidade da CNDT nas contratações diretas da Administração Pública;

(iii) a CNDT pode ser dispensada nas hipóteses de inexigibilidade de licitação em que há apenas um único fornecedor ou prestador de serviço que possa satisfazer às necessidades da Administração, desde que a sua não contratação implique em relevante prejuízo ao interesse público, utilizando-se como critérios norteadores os princípios da proporcionalidade e razoabilidade em cada caso concreto;

(iv) em regra, deve ser exigida a CNDT em todas as contratações realizadas pela Administração Pública, mesmo nas hipóteses de que trata o artigo 32, § 1º, da Lei de Licitações e Contratos Administrativos;

(v) a exigência da CNDT é cabível para todos os tipos de contratação e não apenas as que envolvam terceirização de serviço com cessão de mão de obra;

(vi) as licitações e contratações administrativas são institutos jurídicos regulados por seu respectivo “estatuto” ou “regime” jurídico, diferenciando-se, neste ponto, dos atos em que se predomina amplamente a autonomia da vontade;

(vii) a inovação legislativa (regularidade trabalhista) acresceu mais um elemento que deverá estar presente para reputar-se o contratado como inserto na situação jurídica individual de idôneo para contratar ou manter-se contratado com a Administração;

(viii) não há que se falar em direito adquirido ou afronta a ato jurídico perfeito à manutenção de uma situação jurídica individual em face de estatutos ou regimes jurídicos amplamente regulados pela legislação;

(ix) a inovação legislativa (exigibilidade da regularidade trabalhista) não atinge efeitos futuros de contratos anteriormente celebrados (retroatividade mínima). O que ocorre é apenas a sua aplicabilidade imediata no sentido de que, agora, o regime jurídico licitatório/contratual exige, como requisito de idoneidade para contratar ou manter-se contratado com a Administração, a regularidade trabalhista;

(x) é necessária a consulta à regularidade trabalhista a cada pagamento mesmo nos contratos celebrados anteriormente à vigência da lei que instituiu a regularidade trabalhista e a exigibilidade das CNDTs no âmbito das contratações públicas;

(xi) é possível à Administração conceder prazo razoável para que os atuais contratados promovam a sua regularidade trabalhista antes de se começar a exigi-la; e

(xii) é necessária a consulta da regularidade trabalhista no momento das prorrogações dos contratos administrativos anteriormente celebrados.


Notas

[i] CARVALHO, Greyce Silveira. A exigência de regularidade trabalhista nas licitações. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3102, 29 dez. 2011. Disponível em: <“http://jus.com.br/revista/texto/20744”>.


[ii] Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª ed. 2009. p. 382/383.

[iii] FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª ed. 2009. p.469.

[iv] FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª ed. 2009. p.468.

[v] Nesse sentido, a Orientação Normativa nº 9 da Advocacia-Geral da União, aplicável à regularidade trabalhista mutatis mutandis: “A COMPROVAÇÃO DA REGULARIDADE FISCAL NA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO OU NO PAGAMENTO DE SERVIÇOS JÁ PRESTADOS, NO CASO DE EMPRESAS QUE DETENHAM O MONOPÓLIO DE SERVIÇO PÚBLICO, PODE SER DISPENSADA EM CARÁTER EXCEPCIONAL, DESDE QUE PREVIAMENTE AUTORIZADA PELA AUTORIDADE MAIOR DO ÓRGÃO CONTRATANTE E CONCOMITANTEMENTE, A SITUAÇÃO DE IRREGULARIDADE SEJA COMUNICADA AO AGENTE ARRECADADOR E À AGÊNCIA REGULADORA”.

[vi] FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª ed. 2009. p.470.

[vii] DELFINO, Lúcio. Reflexões acerca do art. 1º do Código de Defesa do Consumidor. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 230, 23 fev. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4832″>.

[viii] DELFINO, Lúcio. Reflexões acerca do art. 1º do Código de Defesa do Consumidor. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 230, 23 fev. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4832″>.

[ix] Art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal.

[x] Art. 6º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro.

[xi] DELFINO, Lúcio. Reflexões acerca do art. 1º do Código de Defesa do Consumidor. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 230, 23 fev. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4832″>.

[xii] “Curso de Direito Civil – Parte Geral”, vol. I/32-33, Editora Saraiva, 23ª ed., 1984.

[xiii] “Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Direito Intertemporal. Aplicação Imediata aos Contratos em Curso”. In R. Dout. Jurisp., Brasília, 36, págs. 67/73.

[xiv] Citado por Alex Sandro em: RIBEIRO, Alex Sandro. Retroatividade do art. 2.035 do Código Civil de 2002 aos contratos pretéritos. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 602, 2 mar. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/6386″>. Acesso em: 13 mar. 2012.

[xv] RIBEIRO, Alex Sandro. Retroatividade do art. 2.035 do Código Civil de 2002 aos contratos pretéritos. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 602, 2 mar. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/6386″>. Acesso em: 13 mar. 2012.

[xvi] DELFINO, Lúcio. Reflexões acerca do art. 1º do Código de Defesa do Consumidor. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 230, 23 fev. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4832″>.

[xvii] DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao código civil brasileiro interpretada. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 193.

[xviii] DELFINO, Lúcio. Reflexões acerca do art. 1º do Código de Defesa do Consumidor. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 230, 23 fev. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4832″>.

[xix] RIBEIRO, Alex Sandro. Retroatividade do art. 2.035 do Código Civil de 2002 aos contratos pretéritos. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 602, 2 mar. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/6386″>. Acesso em: 13 mar. 2012.

[xx] MENDES, Gilmar Ferreira. Anotações sobre o Princípio do Direito Adquirido Tendo em Vista a Aplicação do Novo Código Civil. Revista Direito Público nº 1 – Jul/Ago-Set/2003-DOUTRINA. Disponível na Internet em: http://www.direitopublico.idp.edu.br/index.php/direitopublico/article/viewFile/501/202.

[xxi] MENDES, Gilmar Ferreira. Anotações sobre o Princípio do Direito Adquirido Tendo em Vista a Aplicação do Novo Código Civil. Revista Direito Público nº 1 – Jul/Ago-Set/2003-DOUTRINA. Disponível na Internet em: http://www.direitopublico.idp.edu.br/index.php/direitopublico/article/viewFile/501/202.

[xxii] Sobre a regularidade fiscal averbou Marçal Justen Filho, em ensinamentos que podem ser aplicados perfeitamente à regularidade trabalhista, por identidade de razão: “Por outro lado a irregularidade fiscal produz o risco de apropriação dos bens do licitante para satisfação de dívidas perante o Fisco. Há uma potencialidade de sobrevir a ausência de qualificação econômico-financeira. (…) Ademais disso, o empresário que não liquida suas obrigações fiscais incorre em custos mais reduzidos, acarretando infração à livre concorrência. Enfim, o sujeito que não satisfaz suas obrigações perante o Fisco não pode ser reputado como idôneo e confiável, não merecendo tratamento equivalente ao reservado para aquele que cumpre os seus deveres para com a coletividade.” (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª ed. 2009. p.470.).

[xxiii] Esta providência é legítima e recomendável tendo em vista a doutrina de Savigny no sentido de que, em se tratando de alteração de estatutos ou regimes jurídicos, os prejuízos aos detentores da antiga situação jurídica alterada pela nova lei pode ser minorado com regras de transição ou compensações, por razão de equidade.


Autor

Marcelo Lopes Santos

Procurador da Fazenda Nacional, lotado na Coordenação Jurídica de Licitações e Contratos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em Brasília/DF. Especialista em Direito Público. Ex-Procurador Federal, ex-Analista Judiciário do Superior Tribunal de Justiça, ex-Advogado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.

NBR 6023:2002 ABNT: SANTOS, Marcelo Lopes. Aspectos relevantes das Certidões Negativas Trabalhistas nos contratos administrativos. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3190, 26 mar. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21351>. Acesso em: 27 mar. 2012.


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AGU é a salvaguarda de um Estado de Direito

Por Allan Titonelli Nunes

A atual Constituição, nominada pelo Deputado Federal Ulysses Guimarães de Constituição Cidadã, no encerramento dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, da qual era presidente, completou vinte e três anos de sua promulgação no dia 05 de outubro de 2011. Contudo, muitas de suas pretensões ainda não foram concretizadas e já se falam em uma nova Constituinte.

Nos debates que antecederam a promulgação da Constituição, destaca-se o papel incumbido ao Ministério Público e à Advocacia Pública Federal, a qual será analisada com maior profundidade.

Pode-se dizer que a atribuição dual exercida pelo Ministério Público, de defesa da sociedade e do Poder Executivo, passou a ser contestada.

Após muitas discussões o Constituinte entendeu que era realmente necessário haver divisão das atribuições do Ministério Público, criando, assim, a Advocacia-Geral da União (AGU), positivada no artigo 131 da CF/88, no capítulo referente às Funções Essenciais à Justiça.

Atente-se que, apesar da transferência da atribuição de defesa do Estado para o órgão recém-criado, a AGU, o Constituinte não diferenciou, em prevalência ou hierarquicamente, a defesa da sociedade e do Estado, permitindo que os membros do Ministério Público pudessem fazer a escolha pelo exercício das atividades no novo órgão, conforme preconiza o artigo 29, parágrafo 2º, do ADCT.

Outrossim, a organicidade e constituição da AGU somente foi implementada após a publicação da Lei Complementar 73/1993, completando, dessa forma, 19 anos de existência em 11 de fevereiro de 2012.

Durante esse período a instituição tem crescido e refletido sobre seu verdadeiro papel traçado pela Constituição.

Nesse pormenor, a intenção do Legislador Constituinte ao incluir a Advocacia Pública entre as Funções Essenciais à Justiça foi criar um órgão técnico capaz de prestar auxílio ao Governante e, ao mesmo tempo, resguardar os interesses sociais.

A Advocacia-Geral da União, especificadamente, é a instituição que representa judicialmente e extrajudicialmente a União, prestando as atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo Federal, bem como de defesa em juízo do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário.

Entre os órgãos que compõem a estrutura da AGU, pode-se citar a Procuradoria-Geral da União, que faz a assessoria e a defesa da administração pública direta; a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que faz a consultoria e a defesa da União nas causas de natureza fiscal, além de executar a dívida ativa da União; e a Procuradoria-Geral Federal, responsável pela consultoria e pela defesa da administração pública indireta. Ressalta-se, ainda, o papel da Procuradoria-Geral do Banco Central no assessoramento e na representação judicial do Banco Central, autarquia de caráter especial.

Para captar melhor o papel atribuído à Advocacia Pública, em especial à AGU, é necessário discorrer sobre o processo de organização do Estado. O Estado Brasileiro, constituído pela República Federativa do Brasil, é organizado político-administrativamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, como preconiza o artigo 1º c/c artigo 18, da CRFB.

As políticas planejadas, desenvolvidas e executadas pelos Entes Federados, comumente referidas como políticas públicas, decorrem da repartição de competência administrativa e legislativa da Federação Brasileira.

Observe-se que a Constituição Federal de 1988 incumbiu à União grande parte dos serviços dirigidos à República Federativa do Brasil, exigindo-se a construção de um Estado prestador de serviços, Welfare State, representado pelo Estado de Bem-Estar Social.

É natural que, sendo a União reguladora de grande parte das relações sociais, seja muito acionada em Juízo, da mesma forma como defenderá seus interesses ajuizando as ações cabíveis.

Por todas essas razões, o gerenciamento do Estado brasileiro comporta a movimentação de todo um arcabouço administrativo, meticuloso e burocrático. Sua organização e funcionamento não se comparam a uma empresa privada em termos de eficiência e planejamento, por ter uma gestão mais complexa.

Assim, considerando que cabe à Advocacia-Geral da União a representação judicial e extrajudicial da União, lato sensu, importará dizer que seus membros exercerão um papel direta ou indiretamente relacionado com a concretização das políticas públicas do Estado brasileiro, aqui tomado como sinônimo de União.

Diante dessa perspectiva, é dever dos membros da Advocacia-Geral da União dar suporte à execução orçamentária das competências da União, desde que as ações sejam constitucionais e legais.

A atuação da Advocacia-Geral da União na fase do planejamento, da formação e da execução da política pública propiciará planejamento estratégico do Estado, bem como a redução de demandas. Isso porque a atuação da AGU deve transcender a defesa míope da União, ajudando a atender as atribuições que o Estado moderno requer, precipuamente a viabilização das políticas públicas em favor da sociedade, o que, em última análise, importa em resguardar o interesse público, consubstanciado pela defesa do bem comum.

Ante o exposto, é necessário dotar o Estado de condições mínimas para efetivar as atribuições constitucionalmente descritas, cabendo à AGU exercer papel estratégico na defesa do patrimônio público, dos interesses dos cidadãos e da Justiça.

Para a concretização dessas atribuições, é necessária a garantia de uma Advocacia Pública independente. Isso não quer dizer que a escolha da política a ser executada deixará de ser feita pelo representante do povo, legitimamente eleito, o qual tem o direito de indicar sua equipe de governo. Todavia, a atuação de um profissional técnico, imparcial e altamente qualificado, não sujeito às pressões políticas, trará ganho de qualidade para o desenvolvimento e a execução da política pública escolhida.

Hoje visualizamos com mais clareza o papel Constitucional destinado à AGU, de defesa do Estado sem descurar da defesa do cidadão e da sociedade. A defesa do patrimônio público, interesse público secundário, não pode se contrapor arbitrariamente aos legítimos interesses da sociedade, interesse público primário, cabendo aos Advogados Públicos Federais resolver o conflito dentro do que determinam a Constituição e as leis.

Esse controle decorre do dever mediato de defesa da Justiça, insculpido quando o Legislador Constituinte inseriu a AGU em um Capítulo à parte do Poder Executivo, Função Essencial à Justiça, havendo uma imbricação de justaposição, ou melhor, necessidade de defesa do Estado desde que a ação não transborde os preceitos constitucionais e legais.

Nessa senda, podem-se citar diversas ações que vão ao encontro do dever de defesa da sociedade e do cidadão.

A um, a criação da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF) é fruto do dever constitucional de preservação da Justiça, ajudando na prevenção e solução de controvérsias.

A atribuição para prevenir controvérsias entre os órgãos da Administração Federal, e, mais recentemente, entre a Administração Pública Federal e a Administração Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme previsto na Portaria 481/2009, tem contribuído para atenuação da litigiosidade, buscando eliminar a cultura do litígio.

Essa atuação corrobora os preceitos da Justiça, na defesa do interesse da sociedade, desafogando o Poder Judiciário.

Atendendo esses mesmos anseios, a parte de consultoria e assessoramento da AGU tem buscado resolver conflitos judiciais por meio de pareceres, que, após ratificados pelo Advogado-Geral da União, determinam atuação impositiva, evitando-se o efeito em cascata das ações judiciais.

Aqui também inclui-se a possibilidade de conciliar, transigir, desistir e deixar de recorrer de ações afetas à União, em que haja atuação da AGU, o que pode ser observado nos dispositivos da Lei 9.469/97. Em última análise, caberá ao Advogado-Geral da União aferir o interesse público envolvido para adotar algum dos comandos descritos na norma, o que tem sido feito mais frequentemente, reduzindo-se, sobremaneira, a litigiosidade.

A dois, como já ressaltado, a defesa do interesse público e dos cidadãos fica claramente comprovada quando constatado que o próprio legislador já fez essa ponderação, ao permitir a atuação da AGU em hipóteses de defesa estrita do interesse da sociedade, face à sua atribuição de promover a orientação jurídica da União, quando representando a administração pública direta ou indireta.

Pode-se citar a Lei da Ação Civil Pública, a Lei 7.347/85, cujo artigo 5º permite à Administração Pública direta ou indireta, por meio de seu órgão de representação judicial, a AGU, ajuizar ação civil pública.

No mesmo sentido, na Lei de Improbidade, a Lei 8.429/1992, cujo artigo 17 possibilita à pessoa jurídica interessada, a Administração Pública direta ou indireta, por meio de seu órgão de representação judicial, a AGU, ajuizar ação de improbidade.

Da mesma forma dispõe a Lei sobre a Ação Popular, em razão do que prevê o artigo 6º, parágrafo 3º, da Lei 4.717/1965, o qual possibilita ao órgão de representação judicial da União, a AGU, intervir defendendo o ato impugnado como ilegal ou atuar ao lado do autor da ação popular.

Soma-se a esses casos a nova Lei do Mandado de Segurança, cujos artigos 7º, II, e 14, parágrafo 2º, a contrario sensu, da Lei 12.016/2009, permitem ao órgão de representação judicial da União, a AGU, uma dualidade de escolha, positiva ou negativa, seja no momento de ingressar no feito, seja no de recorrer.

Essa margem de discricionariedade foi incluída na Legislação como forma de o membro da AGU avaliar qual conduta se adequaria melhor à defesa do interesse público.

Há, inclusive, situações em que a defesa do interesse da sociedade ficou evidente, no caso concreto, quando se reconheceu, por meio da manifestação consultiva, o direito das comunidades quilombolas e a união homoafetiva como geradora de direitos civis.

A três, o controle de legalidade do ato administrativo, o qual poderá ser feito preventivamente ou posteriormente.

Esse controle decorre da necessidade de observância ao Estado Democrático de Direito, e caberá à AGU resguardar a constitucionalidade e a legalidade dos atos administrativos.

Essa função advém do alcance que o Legislador Constituinte atribuiu à AGU de Função Essencial à Justiça, preservando a democracia.

A normatização desse controle pode ser observada pelo que dispõem os artigos 12, II, e 17, III, ambos da LC 73/1993, e o artigo 2º, parágrafo3º, da Lei 6.830/1980, os quais exteriorizam o papel exercido pela AGU, por meio de seus órgãos, de guardião da juridicidade do ato.

A atuação da AGU conforme preconiza a Constituição contribuirá para o fortalecimento de uma Advocacia de Estado, a qual possui atribuição de auxiliar o Governante a executar as políticas previstas na Carta Magna e nas leis, resguardando, também, da mesma forma, o interesse dos cidadãos e da Justiça.

A construção de uma Advocacia Pública Federal conforme os anseios Constitucionais têm sido feita gradativamente. Para o bem do nosso Estado Democrático de Direito é necessário que essa mudança ocorra o mais rápido possível, considerando a necessidade da criação de uma efetiva carreira de apoio, objetivando dar maior celeridade e eficiência nos trâmites operacionais; prover todo o quadro efetivo de Advogados da União, Procuradores Federais, Procuradores da Fazenda Nacional e Procuradores do Banco Central; modernização das instalações e funcionalidades técnicas dos sistemas de informática; implantação de remuneração isonômica em relação às demais Funções Essenciais à Justiça, evitando o elevado índice de evasão e instituição de prerrogativas isonômicas àquelas existentes para os Juízes e Promotores, para dar condições de igualdade no enfrentamento judicial.

A AGU é a salvaguarda de um Estado Democrático de Direito mais eficiente, pois mesmo com essas dificuldades, obteve êxitos, descritos no relatório de gestão de 2010, como: R$ 2,026 trilhões economizados/arrecadados; 31.142 execuções fiscais ajuizadas relativas às autarquias e fundações públicas federais, com ressarcimento de R$ 24,3 milhões; 1.292 ações de ressarcimento ajuizadas; arrecadação de R$ 1,5 bilhão de contribuições sociais na Justiça do Trabalho; arrecadação de 13,3 bilhões de valores inscritos em Dívida Ativa da União; bloqueio de R$ 582 milhões desviados por corrupção; vitória na maior ação judicial da história da AGU, com economia de R$ 2 trilhões; acompanhamento diário de 683 ações do PAC e empreendimento estratégicos; repatriação de obras de arte no valor de U$ 4 milhões; conciliação administrativa de disputas judiciais envolvendo Órgãos Federais; redução da judicialização de matérias pacificadas, através da edição de súmulas, eximindo a interposição de recursos; entre outras.


Allan Titonelli Nunes é procurador da Fazenda Nacional e presidente do Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal.

Revista Consultor Jurídico, 11 de fevereiro de 2012


Atuação do Fórum Nacional no Congresso e Executivo

Em reunião com o assessor parlamentar Antônio Augusto de Queiroz, dirigentes do Fórum debateram estratégias para avançar no debate da pauta remuneratória.


Advocacia e Defensoria Pública atuam para retomar campanha salarial

Em ofício dirigido ao MPOG na última segunda (6/2), Fórum Nacional da Advocacia Pública Federal, UNAFE e ANADEF solicitaram audiência com ministra Miriam Belchior.


A Portaria PGFN/RFB 09/2011 versus precatório judicial

Foi publicada no dia 19 de outubro de 2.011, a Portaria PGFN/RFB número 9, que regulamentou o pagamento ou abatimento do REFIS instituído pela Lei 11.941/09, através de precatórios expedidos contra a União Federal. A Portaria permitiu que os débitos, objeto do parcelamento através da Lei 11.941/09, já consolidados pela Receita Federal possam ser pagos…


Grupo de Trabalho da AGU contará com apoio do SINPROFAZ e FORVM

Objetivo é promover um debate plural, colocando em pauta questões fundamentais para a valorização de todas as Carreiras da Advocacia Pública Federal.


Redução de conflitos e maior recuperação de créditos estão entre as principais metas dos órgãos da AGU para este ano

Data da publicação: 23/01/2012 O Advogado-Geral da União, ministro Luís Inácio Lucena Adams, disse nesta segunda-feira (23/01) que a Advocacia-Geral da União (AGU) tem uma série de desafios e tarefas para enfrentar neste ano. “Nós temos matérias e ações judiciais de altíssima relevância”, afirmou Adams na apresentação de resultados e metas para 2012 das unidades…


Presidente e vice do SINPROFAZ adiantam planejamento para 2012

Em reunião no Sindicato na última quarta-feira, 11/01, o presidente Allan Titonelli, o vice-presidente Roberto Rodrigues, o advogado do Sindicato e os assessores de comunicação iniciaram debate sobre o planejamento anual da entidade.


JF 10 já está disponível para leitura

A décima edição da revista Justiça Fiscal, editada pelo SINPROFAZ, já está disponível para leitura online. Em breve, PFNs vão receber exemplar impresso.


SINPROFAZ formaliza em ofício sugestões à PGFN

Documento protocolado nesta terça-feira, 13/12, enumera sugestões à Procuradoria-Geral com o intuito de colaborar no melhor encaminhamento das demandas de interesse da carreira.


SINPROFAZ intensifica presença nas redes sociais e conta com apoio dos filiados

Site, Boletins, Twitter, Facebook, YouTube… SINPROFAZ utiliza poder da web para a promoção da Carreira. Mas é preciso mais participação do filiado.


AGE continua aberta e PFNs podem enviar procurações até a AGO

Por decisão soberana dos filiados, o debate sobre a reforma do Estatuto será concluído na Assembleia Geral Ordinária do SINPROFAZ em março de 2012.


Reajuste: SINPROFAZ e Forum Nacional reforçam ações no Congresso

Conforme já noticiado em nota, entidades não vão admitir tratamento diferenciado para a Magistratura e Ministério Público e convocam mobilização para quinta-feira, 1º de dezembro.


SINPROFAZ premia PFNs durante o congraçamento da Carreira

Momentos de descontração também marcaram o 11º Encontro Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional. Ao final de cada ciclo de palestras houve sorteios de brindes para os PFNs.


Presidente do SINPROFAZ participa de debate sobre novo CPC

O PFN Allan Titonelli representou o Forum Nacional da Advocacia Pública em audiência na terça-feira, 22/11, com os membros da Comissão Especial do PL 8.046/10.


Debate sobre a PEC 443 passa pelo Ceará

Em agenda paralela e pertinente aos temas do 11º Encontro de PFNs, diretores do SINPROFAZ participaram de reunião na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará.


PFNs conhecem diagnóstico da Advocacia Pública

Secretário de Reforma do Judiciário apresentou informações sobre o perfil das carreiras que integram a AGU. Projetos de interesse dos PFNs também foram abordados no encerramento.


Ciclo de palestras reuniu filosofia, ética e valorização da Advocacia Pública

O filósofo Mario Sergio Cortella proferiu a palestra inaugural do evento. Em seguida, PFNs abriram debate sobre novo perfil da Advocacia Pública.


PFN, não deixe de opinar sobre a revisão do Estatuto; participe da AGE!

O SINPROFAZ reitera aos filiados a importância de participar da AGE que trata da reforma parcial e transitória do Estatuto do Sindicato. Acesse já a procuração eletrônica e vote. Ou, se preferir, utilize a procuração impressa. Melhor ainda será contar com a presença do filiado na Assembleia em Cumbuco.


SINPROFAZ debate interesses dos PFNs com Procuradora-Geral

O SINPROFAZ esteve reunido com a Procuradora-Geral da Fazenda Nacional, Dra. Adriana Queiroz, para tratar de assuntos urgentes e relevantes da carreira.


SINPROFAZ visita unidade da Procuradoria em Curitiba

Com vistas à aproximação com os filiados e estímulo à participação nos debates que envolvem a carreira, o presidente Allan Titonelli está reunido na tarde desta quinta, 10/11, com PFNs lotados em Curitiba.


Atualização do calendário de audiências regionais da PEC 443

Algumas datas foram alteradas no cronograma divulgado semana passada. Primeira reunião será amanhã, sexta-feira, 11/11, às 15h na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.


Projeto amplia prerrogativas a membros da Advocacia Pública

PL 2.650/2011 disciplina a obrigatoriedade de manifestação e os efeitos da participação dos órgãos consultivos da advocacia pública em processos administrativos.


PFNs em Fortaleza podem aderir a day use no Vila Galé Cumbuco

Procuradores lotados em Fortaleza ou que estejam hospedados na capital cearense no período do 11º Encontro do SINPROFAZ têm mais duas opções para participar do evento. Interessados devem entrar em contato com a secretaria executiva.


Sindicato ouve colegas PFNs lotados em Fortaleza

Presidente do SINPROFAZ, Allan Titonelli, esteve em Fortaleza para se reunir com PFNs da capital do Ceará, bem como ultimar os preparativos para o XI Encontro Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional.


Definido relator na CCJ de PL que valoriza atuação dos advogados públicos

O deputado Vieira da Cunha (PDT/RS) foi designado relator do PL 6.876/2006. A proposição determina que os pareceres jurídicos das licitações sejam elaborados por procurador ou assessor jurídico concursado.


PFN, não deixe de opinar sobre a revisão do Estatuto!

O SINPROFAZ reitera aos filiados a importância de participar da AGE que trata da reforma parcial e transitória do Estatuto do Sindicato. Acesse já a procuração eletrônica e vote.


Parecer PGFN/CRJ/Nº 492/2010

Autor: Luana Vargas Macedo, Procuradora da Fazenda Nacional.

Veículo: Revista da PGFN, ano 1 número 1, jan/jun. 2011

FORÇA – PERSUASIVA OU VINCULANTE – DOS PRECEDENTES JUDICIAIS DO STF/STJ. DESTINO DOS RECURSOS INTERPOSTOS CONTRA DECISOES FUNDADAS NESSES PRECEDENTES. APRESENTAÇÃO, OU NÃO, PELA PGFN, DE RECURSO E DE CONTESTAÇÃO. RAZÕES DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE. REQUISITOS

  1. O precedente judicial, oriundo do STF/STJ, formado nos moldes dos arts. 543-B e 543-C do CPC ostenta uma força persuasiva especial e diferenciada, de modo que os recursos interpostos contra as decisões judiciais que os aplicarem possuem chances reduzidas de êxito. Assim, critérios de política institucional apontam no sentido de que a postura de não mais apresentar qualquer tipo de recurso (ordinários/extraordinários), nessas hipóteses, é a que se afigura como a mais vantajosa, do ponto de vista prático, para a PGFN, para a Fazenda Nacional e para a sociedade. Nessa mesma linha, também não há interesse prático em continuar contestando pedidos fundados em precedentes judiciais formados sob a nova sistemática.
  2. Diante da força persuasiva inferior que marca os precedentes judiciais, oriundos do STF/STJ, não submetidos à sistemática prevista nos arts. 543-B e 543-C do CPC, não há parâmetros suficientemente seguros para se afirmar se os recursos interpostos contra as decisões que os aplicarem tendem, ou não, a obter êxito, sendo certo que fatores das mais diversas ordens poderão influenciar/ determinar o resultado do julgamento desses recursos. Assim, razões de política institucional apontam no sentido de que não é conveniente a adoção, pela PGFN, da postura de deixar de interpor qualquer espécie de recurso contra decisões judiciais proferidas em consonância com tais precedentes, já que não se pode antever se a adoção dessa postura traria mais vantagens do que desvantagens.
  3. Em se tratando, especificamente, de RE/RESP´s interpostos contra acórdãos proferidos em consonância com jurisprudência reiterada e pacífica do STF/STJ, o seu seguimento tem sido repetidamente obstado pelos Presidentes/Vice-Presidentes (de TRF`s e do STJ); daí que, nesses casos, pode-se afirmar, com a segurança necessária, que os recursos extremos interpostos contra essas decisões possuem reduzida viabilidade de êxito, de modo que a PGFN não possui interesse prático em continuar insistindo na sua interposição.
  4. De igual modo, também é possível afirmar a baixa utilidade em continuar interpondo agravo regimental contra decisões monocráticas, proferidas por Relatores nos TRF´s, no STJ e no STF que, com respaldo em jurisprudência reiterada e pacífica do STF/STJ, seguida pela respectiva Turma, negam seguimento, nos termos do art. 557 do CPC, a recursos (agravos de instrumentos, apelações, RESP´s e RE´s).
  5. A aplicação prática das orientações ora sugeridas depende da verificação, pelo Procurador da Fazenda Nacional que atua no caso concreto, quanto ao atendimento dos requisitos listados por este Parecer; ainda como consideração de ordem prática, vale o registro de que a não apresentação, pela PGFN, de contestação/recurso, nas hipóteses sugeridas neste Parecer, deve, sempre, ser precedida de justificativa processual, a ser apresentada administrativamente pelo Procurador da Fazenda Nacional.

I Definição do objeto do presente Parecer

  1. O escopo do presente Parecer consiste, basicamente, em definir a postura a ser adotada pelas unidades da PGFN diante de decisões judiciais, desfavoráveis à Fazenda Nacional, proferidas em consonância com jurisprudência oriunda do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nessas hipóteses, a PGFN deverá continuar interpondo recursos?
  2. Para que bem se resolva a questão acima mencionada, reputa-se relevante que, antes, sejam analisados, de forma sucessiva, os seguintes temas: (i) a força dos precedentes judiciais oriundos do STF e do STJ; (ii) destino dos recursos eventualmente interpostos contra decisões judiciais proferidas em consonância com esses precedentes. Examinados esses dois temas, será, então, possível retomar a questão acima referida para, finalmente, enfrentá-la em toda sua plenitude.

II A força dos precedentes judiciais oriundos do STF e do STJ

  1. Como se sabe, pertence à tradição do ordenamento jurídico brasileiro a regra segundo a qual os precedentes judiciais oriundos dos seus Tribunais Superiores possuem força apenas persuasiva, e não vinculante. Nesse ponto, a ordem jurídica pátria, identificada com o sistema da Civil Law (ou românico-germânico), distancia-se dos ordenamentos ligados à Commom Law (ou anglo-saxões), em que, de ordinário, vigora o sistema do stare decisis, caracterizado pela força vinculante dos precedentes judiciais provenientes de alguns dos seus Tribunais. Assim, no Brasil, com a ressalva das Súmulas Vinculantes e das decisões tomadas pelo STF em controle concentrado de constitucionalidade das leis, às quais foi conferido efeito vinculante, as demais orientações provenientes do STF ou do STJ não possuem esse efeito, de modo que, a rigor, a definição dada, por esses Tribunais, a determinada controvérsia jurídica tem caráter apenas persuasivo, não possuindo o condão de verdadeiramente vincular os demais órgãos do Poder Judiciário na resolução de demandas futuras que tratem dessa mesma controvérsia.
  2. Apesar disso, tem-se verificado, especialmente nos últimos anos, a paulatina e crescente introdução, no sistema processual civil brasileiro, de mecanismos destinados a, a um só tempo, conferir mais racionalidade e celeridade à entrega da prestação jurisdicional e promover a unidade da interpretação do direito, especialmente mediante o substancial incremento da força persuasiva dos precedentes judiciais oriundos dos Tribunais Superiores. Trata-se do fenômeno da “verticalização” das decisões do STF e do STJ ou da “commonlawlização”1 da ordem jurídica pátria, que tem o precedente judicial como o seu protagonista. As razões que justificam esse movimento foram bem sintetizadas pelo Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEXEIRA:
    1. a necessidade de tornar a Justiça mais ágil e eficiente, afastando milhares de ações desnecessárias e recursos meramente protelatórios, que, na maioria reproduzindo peças lançadas em computador, estão a congestionar os tribunais, agredindo o princípio da celeridade processual e tornando a jurisdição ainda mais morosa, com críticas gerais;
    2. não justificar-se a multiplicidade de demandas e recursos sobre teses jurídicas absolutamente idênticas, já definidas inclusive na Suprema Corte do País, sabido ainda que o descumprimento das diretrizes dessas decisões promana, em percentual muito elevado, da própria Administração Pública;
    3. a necessidade de prestigiar o princípio isonômico, o direito fundamental à igualdade perante a lei, eliminando o perigo das decisões contraditórias, muitas delas contraditórias inclusive a declarações de inconstitucionalidade, em incompreensível contra-senso;
    4. a imprescindibilidade de resguardar o princípio da segurança jurídica, assegurando a previsibilidade das decisões judiciais em causas idênticas.”2
    5. Dentre os dispositivos legais veiculadores de mecanismos processuais que, ao reforçar a importância dos precedentes judiciais oriundos dos Tribunais Superiores, pretendem atingir as finalidades mais acima elencadas, podem ser citados o art. 475, §3º (inexistência de remessa necessária quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do STF ou em Súmula de Tribunal Superior), o art. 518, §1º (Súmula “impeditiva de recursos”), o art. 557 (inadmissão monocrática de recurso contrário à súmula ou à jurisprudência dominante do STF ou do STJ) e o art. 557, §1º (provimento monocrático de recurso em consonância com súmula ou jurisprudência dominante do STF ou do STJ), todos do CPC e, por fim, o art. 103-A da CF/88 (Súmula Vinculante), introduzido pela Emenda Constitucional n. 45, de 30 de novembro de 2004 (Emenda da “Reforma do Judiciário”). 

  1. Entretanto, embora esses mecanismos processuais tenham, inegavelmente, contribuído para o incremento da força persuasiva dos precedentes judiciais oriundos dos Tribunais Superiores, a experiência acabou demonstrando que os mesmos não eram suficientes para, efetivamente, atingir as finalidades acima elencadas (mais uma vez: conferir mais racionalidade e celeridade à entrega da prestação jurisdicional e promover a unidade da interpretação do direito); assim, apesar da existência desses mecanismos, na prática, não raras as vezes, demandas múltiplas, referentes à mesma controvérsia jurídica, continuavam recebendo tratamento distinto pelos órgãos do Poder Judiciário, inclusive quando sobre aquela controvérsia já havia pronunciamento oriundo dos Tribunais Superiores. Essa situação refletia um inegável déficit de autoridade das decisões oriundas do STF/STJ, os quais, apesar de constitucionalmente destinados a proferir a última palavra em termos de interpretação constitucional/infraconstitucional, na prática, tinham seu relevante papel de intérpretes máximos diminuído em razão do indiscriminado desrespeito aos seus precedentes judiciais.
  2. Finalmente, com a introdução, no sistema processual civil pátrio, da sistemática de julgamento por amostragem dos recursos extremos repetitivos (Recurso Especial e Recurso Extraordinário), tal qual delineada pelos arts. 543-B e 543-C do CPC3, a força persuasiva dos precedentes judiciais oriundos do STJ/STF chegou a um nível bastante elevado, abaixo, apenas, da força – no caso, vinculante – de que os mesmos se revestem quando resultam em Súmulas Vinculantes ou quando provém de julgamentos realizados, pela Suprema Corte, em sede de controle concentrado de constitucionalidade das leis.
  3. Com efeito, diferentemente do que prevê o art. 103-A da CF/88, segundo o qual essas Súmulas terão “efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”, não há, no modelo de julgamento por amostragem dos recursos extremos repetitivos, qualquer comando prevendo que, uma vez definida, pelos Tribunais Superiores, determinada questão jurídica na forma dos arts. 543-B e 543-C do CPC, essa definição deverá ser, necessariamente, seguida pelos demais órgãos do Poder Judiciário nas futuras demandas a respeito dessa mesma questão. Tampouco há, no novo modelo de julgamento, qualquer regra estabelecendo que os recursos eventualmente interpostos contra as futuras decisões judiciais proferidas no mesmo sentido da definição antes firmada pelo STJ/STF serão, necessária ou automaticamente, inadmitidos4.
  4. Entretanto, apesar de não ser, propriamente, vinculante, e de não ensejar a inadmissão automática dos recursos interpostos contra os futuros acórdãos que o aplicarem, é certo que os precedentes judiciais formados sob as vestes dos arts. 543-B e 543-C do CPC ostentam uma força persuasiva especial e diferenciada, capaz, a um só tempo, de distingui-los dos outros precedentes judiciais, também oriundos do STF/STJ, mas que não resultaram de julgamentos submetidos a tal sistemática, e de tornar a sua aplicação praticamente impositiva às futuras demandas que tratem da mesma questão jurídica nele tratada, podendo essa aplicação ser superada, apenas, em hipóteses absolutamente remotas e excepcionais.
  5. E de onde advém essa sobredita força persuasiva especial e diferenciada dos precedentes judiciais formados sob a nova sistemática de julgamento? A resposta, segundo aqui se entende, é a de que a força persuasiva especial e diferenciada desses precedentes judiciais advém, basicamente, de dois fatores (que guardam entre si verdadeira relação de interdependência): primeiro, do procedimento, também especial e diferenciado, conferido ao julgamento dos recursos extremos repetitivos, tal qual delineado nos arts. 543-B e 543- C do CPC; segundo, da própria lógica do novo instituto, ou, ainda, da sua razão-de-ser.
  6. A respeito do primeiro fator acima referido, cabe registrar que ao novo modelo de julgamento, por amostragem, dos recursos extremos repetitivos, previsto nos arts. 543-B e 543-C do CPC, foi conferido um rito processual absolutamente especial e destacado, inédito no sistema processual civil brasileiro, composto por fases e dotado de características bastante peculiares, tais como: (a) a possibilidade de que, diante da relevância da matéria, o STF/ STJ autorizem a manifestação de terceiros (pessoas, órgãos e entidades, com interesse na controvérsia), a respeito da repercussão geral, nos recursos extraordinários repetitivos5, e a respeito do mérito, nos recursos especiais repetitivos6; (b) possibilidade de que o STF/STJ solicitem, aos Tribunais estaduais e federais, informações a respeito da controvérsia7; (c) prévia oitiva do Ministério Público acerca da controvérsia, no processamento dos recursos especiais repetitivos8; (d) julgamento do recurso extremo paradigma pelo Pleno, no STF9, e pela Seção ou pela Corte Especial, no STJ10.
  7. Percebe-se que a feição dada ao julgamento dos recursos extremos repetitivos, previsto nos arts. 543-B e 543-C do CPC, imprime aos precedentes judiciais dele decorrentes, inegavelmente, um grau de legitimidade excepcional, na exata medida em que, de um lado, a sua formação conta – ou pode contar – com a participação de múltiplos agentes (do Ministério Público e, mesmo de integrantes da sociedade, na figura de terceiros interessados na controvérsia), e, de outro lado, o seu julgamento é realizado pelos órgãos colegiados máximos ou qualificados do STF/STJ. De fato, nenhum outro precedente judicial, ainda que oriundo do STF/STJ, e mesmo que tenha dado origem a Súmula (não Vinculante), resulta de um procedimento tão legitimador quanto aquele previsto nos arts. 543-B e 543- C do CPC, pertinente ao julgamento dos recursos extremos repetitivos.
  8. Justamente por resultarem de procedimento tão especial e legitimador, os precedentes judiciais formados nos termos dos arts. 543-B e 543-C do CPC revestem-se de um nível de definitividade e certeza diferenciado, quando comparado àquele ostentado pelos precedentes oriundos de julgamentos, ainda que do STF/STJ, não submetidos à nova sistemática. Com isso se quer dizer que a alteração, pelo STF/STJ, do entendimento contido em precedente judicial formado nos moldes da nova sistemática, embora possível, parece pouco provável, e, ao que tudo indica, apenas ocorrerá em casos excepcionais e extremos, quando, por exemplo, novos dados possam ser agregados à questão jurídica tratada no precedente de modo a demonstrar que a definição nele contida já não mais se apresenta como a melhor tecnicamente, ou, então, como a mais justa11; por outro lado, e diversamente, sabe-se que os precedentes oriundos do STF/STJ, não submetidos à nova sistemática prevista nos arts. 543-B e 543-C do CPC, têm se mostrado especialmente sujeitos a oscilações e alterações determinadas pelos mais diversos fatores (p. ex., mudanças de entendimento decorrentes da alteração na composição das turmas julgadoras desses Tribunais).
  9. Nessa linha, pode-se afirmar, então, que: o procedimento especial e legitimador previsto nos arts. 543-B e 543-C do CPC faz com que os precedentes judiciais dele decorrentes ostentem um nível bastante elevado de certeza e definitividade; esses atributos, por sua vez, estando presentes em tais precedentes, são capazes de lhes elevar a força persuasiva, o que significa que a sua observância, pelos órgãos jurisdicionais inferiores, embora não seja obrigatória, dado o seu caráter não vinculante, certamente será a regra.
  10. Já no que pertine ao segundo fator acima referido, impende assinalar que a própria lógica do novo instituto, explicada, primordialmente, a partir das suas finalidades (como antes referido: conferir racionalidade e celeridade à entrega da prestação jurisdicional e unidade na interpretação do direito), impõe que os precedentes judiciais dele resultantes se revistam de uma força persuasiva realmente diferenciada, superável apenas excepcionalmente.
  11. De fato, a lógica subjacente à nova sistemática de julgamento certamente restaria desvirtuada caso o precedente judicial formado sob as suas vestes pudesse ser, simplesmente, e sem qualquer distinção, ignorado quando do julgamento das demandas futuras que tratem da mesma questão jurídica nele tratada, como se fosse um precedente judicial “normal” (ou seja, que não se sujeitou a tal sistemática especial), prestando-se a definir o destino, apenas, do conjunto restrito de recursos repetitivos que estavam sobrestados na origem aguardando o julgamento do recurso paradigma. Assim, quando determinada tese jurídica é apreciada, debatida e, enfim, decidida mediante o diferenciado e especial procedimento previsto nos arts. 543-B e 543-C do CPC, o precedente daí decorrente, conforme visto acima, ostenta tamanho grau de certeza e definitividade que o seu descumprimento indiscriminado, pelos demais órgãos jurisdicionais e pelos próprios Tribunais Superiores, nos casos futuros e idênticos que lhes sejam submetidos, seria ir “na contramão” das próprias finalidades que alimentam e movem o novo sistema, e que lhe justificam a razão-de-ser.

  1. E esse descumprimento indiscriminado retiraria, do novo instituto, muito da sua utilidade, eis que demandas idênticas e múltiplas, que tratassem de controvérsia jurídica já detidamente analisada e definitivamente resolvida pelo STF/STJ, em julgamento realizado sob a sistemática prevista no art. 543-B e 543-C do CPC, continuariam recebendo tratamentos divergentes e, nessa linha, anti-isonômicos, pelos órgãos jurisdicionais inferiores. E mais: os recursos interpostos nos autos dessas demandas repetitivas e múltiplas continuariam aportando ao STJ/STF, contribuindo, dessa forma, para o abarrotamento desses Tribunais e, conseqüentemente, para a – tão indesejada – elevação dos índices de morosidade e de ineficiência na entrega da prestação jurisdicional.
  2. Assim, dos dois fatores acima referidos decorre a constatação de que o precedente judicial formado sob as vestes dos arts. 543-B e 543-C do CPC, a despeito de não possuir caráter vinculante, apresenta um “plus” em sua força persuasiva, sendo esta mais elevada do que a dos precedentes judiciais, ainda que oriundos do STF/STJ, não resultantes de julgamentos sujeitos à nova sistemática.

III Destino dos recursos interpostos contra decisões judiciais que aplicarem precedentes oriundos do STF/STJ.

  1. Diante do panorama acima delineado, parece correto se afirmar que, sob o critério da qualidade da força de que se revestem, existem, na ordem jurídica brasileira, três “espécies” de precedentes judiciais oriundos do STF/STJ: (i) precedentes do STF que ensejaram a edição de Súmula Vinculante ou que foram proferidos em sede de controle concentrado de constitucionalidade – possuidores de força vinculante; (ii) precedentes oriundos de julgamentos realizados nos termos dos arts. 543-B e 543-C do CPC – possuidores de uma força persuasiva “qualificada”, explicada a partir dos dois fatores acima referidos; (iii) precedentes oriundos de julgamentos não submetidos à sistemática prevista nos arts. 543-B e 543-C do CPC – possuidores de uma força persuasiva “ordinária”, ou seja, comum.
  2. Os primeiros – que ensejaram Súmula Vinculante ou que tenham sido proferidos em sede de controle concentrado – possuem, como se sabe, o condão de vincular os demais órgãos do Poder Judiciário na resolução de demandas pendentes e futuras que versem sobre a mesma controvérsia jurídica nela tratada, de modo que os recursos eventualmente interpostos contra as decisões judiciais que os aplicarem serão, necessariamente e por força de lei, rejeitados.
  3. Os segundos, por sua vez, – formados nos moldes dos art. 543- B e 543-C do CPC -, ostentam força persuasiva bastante elevada, de modo que os recursos eventualmente interpostos contra as decisões judiciais que os aplicarem possuem chances remotas, bastante reduzidas, de êxito; e essa reduzida viabilidade de êxito se faz presente não apenas em relação aos recursos extremos (recursos extraordinário e especial) contrários ao precedente judicial formado sob a nova sistemática, verificando-se, também, em relação aos recursos ordinários (p. ex. apelação e agravo de instrumento) que ostentarem tal condição. É que, atualmente, o CPC alberga mecanismos processuais capazes de obstar, desde o início, o processamento dessas duas espécies de recursos (extremos e ordinários), sempre que os mesmos afrontarem a jurisprudência dos Tribunais Superiores. É o caso, por exemplo, do art. 557 do CPC, que estabelece que o Relator, no Tribunal a quo ou mesmo no Tribunal Superior, negará seguimento a recurso (apelação, agravo de instrumento, recurso extraordinário e recurso especial) contrário a “jurisprudência dominante” do STF/STJ.
  4. Por fim, quanto aos terceiros – não submetidos aos arts. 543- B e 543-C do CPC – , a realidade tem demonstrado que os mesmos ostentam uma força persuasiva inferior, evidenciada pelo inegável histórico de desrespeito indiscriminado a esses precedentes pelos órgãos jurisdicionais inferiores; trata-se do já antes referido fenômeno do “déficit de autoridade das decisões oriundas do STF/STJ”. Embora não se pretenda, neste Parecer, perquirir as – complexas e multifacetadas- causas desse fenômeno, não se pode deixar de referir que uma delas parece estar relacionada à própria instabilidade da jurisprudência do STF/STJ, ou seja, ao baixo grau de definitividade e certeza de que se revestem os seus precedentes, o que, certamente, estimula ou encoraja, ainda que de forma indireta, os órgãos jurisdicionais inferiores a julgarem em sentido diverso do encampado por esses Tribunais Superiores, sempre que assim determinar o seu entendimento pessoal sobre a questão levada a juízo.
  5. Assim, diante da força persuasiva inferior que marca os precedentes judiciais, oriundos do STF/STJ, não submetidos à sistemática prevista nos arts. 543-B e 543-C do CPC, não há parâmetros minimamente seguros e estáveis para se afirmar se os recursos eventualmente interpostos contra as decisões que os aplicarem (se os aplicarem) tendem, ou não, a obter êxito12; aqui, fatores das mais diversas ordens poderão influenciar/determinar o resultado do julgamento do recurso, como, por exemplo, a jurisprudência firmada, no âmbito do próprio órgão julgador do recurso, a respeito da questão jurídica definida no precedente, o grau de estabilidade do entendimento firmado nesse precedente (o que, por sua vez, depende do fato de tal entendimento ser pacífico e reiterado ou isolado, ser recente ou antigo, ter sido proferido por Turma ou pelo órgão plenário do Tribunal), dentre vários outros.
  6. Entretanto, como verdadeira exceção ao afirmado no parágrafo anterior, tem-se verificado, na prática, de forma repetitiva, a adoção, pelos Presidentes e Vice-Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, da postura de, por ocasião do juízo de admissibilidade recursal, inadmitir recursos especial e extraordinário interpostos contra decisões proferidas em consonância com a jurisprudência reiterada e pacífica do STF/STJ13 (formada, ou não, nos moldes da nova sistemática), invocando-se, para tanto, o disposto na Súmula 83 do STJ14. A mesma conduta tem sido assumida, pelo Presidente/Vice-Presidente do E. STJ, ao efetuar o juízo de admissibilidade dos recursos extraordinários interpostos contra acórdãos proferidos com respaldo em jurisprudência pacífica e reiterada daqueles dois Tribunais Superiores.
  7. Assim, nessa hipótese específica, pode-se afirmar, com um grau aceitável de segurança, – obtida mediante a análise da conduta reiteradamente assumida pelos Presidentes/Vices dos TRF´s e do STJ -, que os recursos extremos interpostos contra acórdãos fundados em jurisprudência reiterada e pacífica do STF/STJ tendem a ser inadmitidos, independentemente do fato de tal jurisprudência derivar, ou não, do procedimento previsto no art. 543-B e 543-C do CPC.

IV Postura da PGFN diante de decisões desfavoráveis à Fazenda Nacional, proferidas em consonância com precedentes judiciais oriundos do STF/STJ

  1. Uma vez analisados, nas linhas anteriores, a força dos precedentes judiciais oriundos do STF/STJ e o destino dos recursos eventualmente interpostos contra decisões que os aplicarem, já se faz possível retomar a questão que efetivamente constitui o objeto do presente Parecer, a saber: qual deve ser a postura, adotada pela PGFN, diante de decisões judiciais, desfavoráveis à Fazenda Nacional, proferidas em consonância com jurisprudência oriunda do STF/ STJ? Nessas hipóteses, a PGFN deverá continuar interpondo recursos?
  2. Preliminarmente, registre-se que a questão acima referida somente tem pertinência para aquelas hipóteses em que a decisão judicial, desfavorável à Fazenda Nacional, tenha sido proferida em consonância com precedente judicial, do STF/STJ, relativo à questão jurídica que ainda não foi objeto de Ato Declaratório do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, de Súmula ou Parecer do Advogado-Geral da União, de Parecer aprovado pelo PGFN ou por Procurador-Geral Adjunto da Fazenda Nacional, elaborados no mesmo sentido do pleito formulado pelo particular, ou, ainda, que não se enquadre em uma daquelas previstas no art. 18 da Lei n. 10522/2004. É que, em todas essas hipóteses, a postura da PGFN diante de decisões, desfavoráveis à Fazenda Nacional, que apliquem o precedente judicial – relativo à questão jurídica objeto de: Ato Declaratório do PGFN ou elencada no art. 18 da Lei 10522/2004; de Súmula ou Parecer do AGU; ou de Parecer aprovado pelo PGFN ou por Procurador-Geral Adjunto da PGFN – não poderá ser outra senão a de deixar de interpor recursos contra as mesmas, por força do que diretamente preconizam, respectivamente, o art. 19, incisos I e II, da Lei n. 10.522/2004, os arts. 43 e 40 da LC n. 73/03, e os arts. 72 e 73 do Regimento Interno da Fazenda Nacional (aprovado pela Portaria 257/2009).
  3. Feito esse registro inicial, impende esclarecer que a resposta ao questionamento acima lançado (recorrer ou não) irá variar, sensivelmente, conforme se esteja diante de decisão respaldada em precedente judicial (i) do qual resultou Súmula Vinculante ou que seja decorrente de julgamento proferido em sede de controle concentrado de constitucionalidade, (ii) oriundo de julgamento realizado nos moldes dos arts. 543-B e 543-C do CPC ou (iii) oriundo de julgamento, proferido pelo STF/STJ, mas não realizado nos moldes daquela nova sistemática.

  1. Caso se esteja diante de decisão judicial, desfavorável à Fazenda Nacional, proferida em consonância com o precedente judicial de que trata a alínea “i” acima referida, a resposta à questão objeto do presente parecer não apresenta qualquer dificuldade: é que, justamente como decorrência da qualidade da força que emana dos precedentes formados em sede de controle concentrado de constitucionalidade e das Súmulas Vinculantes, que a torna apta, segundo preconizam os arts. 102, §2º e 103-A da CF/88, a vincular a atuação de todos os órgãos da Administração Pública, a PGFN já se abstém de apresentar recursos contra decisões judiciais respaldadas nesses dois tipos de precedentes do STF. E mais: pela mesma razão, além de não interpor recursos, a PGFN também não apresenta contestação/impugnação contra pedidos respaldados em Súmula Vinculante ou em precedente formado em sede de controle concentrado de constitucionalidade.
  2. Diversamente, maiores dificuldades exsurgem ao se buscar definir a postura a ser adotada pela PGFN caso a mesma esteja diante de decisão judicial, desfavorável à Fazenda Nacional, proferida em consonância com os precedentes judiciais de que tratam as alíneas “ii” e “iii” acima referidas, eis que os mesmos, como antes visto, ostentam força apenas persuasiva, e não vinculante. É precisamente dessas duas hipóteses que tratarão, de forma sucessiva, os dois próximos itens do presente Parecer (itens “a” e “b”).
  1. Apresentação, ou não, de recursos contra decisões proferidas em consonância com precedente judicial formado nos moldes dos arts. 543-B e 543-C do CPC.
  1. Nos tópicos anteriores, foi visto, em síntese, que o precedente judicial formado sob a sistemática de julgamento prevista nos arts. 543- B e 543-C do CPC possui uma força persuasiva especial, que o diferencia daqueles não submetidos a tal sistemática; daí que os recursos eventualmente interpostos contra futuras decisões judiciais proferidas em consonância com esse precedente possuem chances reduzidas de êxito. Foi visto, também, que tanto os recursos ordinários, quanto os recursos extremos (RE e RESP), se contrários a precedente judicial formado sob a nova sistemática de julgamento, estarão, em regra, fadados ao insucesso, tendo em conta a existência de mecanismos processuais aptos a encerrar o processamento de ambos.
  2. Assim, as cores de que se reveste o sistema processual civil vigente conduzem à constatação de que o recurso eventualmente interposto contra decisão proferida com respaldo em precedente judicial formado sob as vestes dos arts. 543-B e 543-C do CPC ostenta pouca ou nenhuma utilidade prática. E é justamente diante dessa constatação que se mostra pertinente questionar se a PGFN deverá continuar interpondo recursos em tais hipóteses.
  3. Nesse ponto, vale esclarecer que se, até o presente momento, todos os temas lançados ao longo deste Parecer foram analisados sob um prisma estritamente técnico, sempre à luz das regras e princípios postos no ordenamento jurídico vigente, a questão de que ora se cuida, por outro lado, será examinada e resolvida a partir de considerações mais afetas à política institucional e à estratégia de defesa; com isso, afastase, de certo modo, e, é claro, na medida do possível, da Dogmática Jurídica estrita, em que o direito posto confere uma só solução válida às questões que lhe são apresentadas, para, então, adentrar no campo da Política, em que se faz escolhas racionais dentre opções legítimas e possíveis.
  4. E deste modo será feito, em primeiro lugar, por se entender que a própria natureza e conteúdo da questão objeto da presente análise assim exigem: de fato, a interposição, ou não, de recursos, pela PGFN, em que a viabilidade de êxito, embora existente, seja remota, é questão cuja resolução não se encontra previamente definida em regras existentes no Direito posto, devendo ser resolvida, assim, à luz de critérios de conveniência e oportunidade, aferíveis pela própria instituição; e, em segundo lugar, por se adotar aqui, como verdadeira premissa, o entendimento de que o conjunto de normas que conferem, à PGFN, a atribuição privativa para defender, judicialmente, os interesses da Fazenda Nacional, da qual decorre o dever de fazê-lo de forma correta e plena, não conduz – ao contrário do que sustentado ou imaginado por alguns – à obrigatoriedade de interposição de recursos em todo e qualquer caso, permitindo, antes, que a interposição, ou não, de recursos, mormente em situações, como a ora analisada, em que os mesmos possuem remota viabilidade de êxito, advenha de uma opção de política institucional, pautada em critérios racionais.
  5. Assim, admitindo-se, como aqui se admite, que a resolução da questão ora sob análise deva advir de uma opção de política institucional, a ser tomada pela PGFN, propõe-se, desde logo, que essa opção caminhe no sentido de não mais se apresentar recurso, quer ordinários (p.ex. apelação e agravo de instrumento), quer extraordinários (RE e RESP), contra as decisões judiciais, desfavoráveis à Fazenda Nacional, que se mostrarem consentâneas com precedente judicial formado sob a nova sistemática de julgamento prevista nos arts. 543-B e 543-C do CPC.
  6. E a racionalidade dessa opção se sustenta, primordialmente, na ausência de interesse, por parte da instituição, em continuar apresentando recursos contra decisões proferidas com respaldo em precedente formado sob a nova sistemática. Entretanto, cabe, aqui, fazer um breve parênteses para esclarecer que o interesse de que ora se cuida não diz respeito, propriamente, ao “interesse recursal”, ou seja, não se encaixa, a rigor e tecnicamente, na categoria processual de pressuposto recursal, cuja inexistência conduz à inadmissão do recurso interposto.
  7. De fato, tecnicamente, afirma-se que inexiste interesse recursal, sob o aspecto da utilidade (que, ao lado da necessidade, constitui uma das modalidades de interesse recursal), quando o provimento, ainda que em tese, do recurso interposto não é capaz de trazer ao recorrente situação mais vantajosa, do ponto de vista prático. Nas palavras de FREDIE DIDIER JR. e de LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA, respaldadas em lição de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, “para que o recurso seja admissível, é preciso que haja utilidade – o recorrente deve esperar, em tese, do julgamento do recurso, situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que aquela em que o haja posto a decisão impugnada”15.
  8. Ora, na hipótese aqui analisada, pode-se afirmar que existe interesse, sob o ponto de vista técnico/jurídico, – aqui entendido, pois, como um dos pressupostos de admissibilidade recursal -, por parte da PGFN, em interpor recurso contra decisão proferida em desfavor da Fazenda Nacional e em consonância com entendimento plasmado pelo STF/STJ sob a sistemática prevista nos arts. 543-B e 543-C, eis que, a rigor, o julgamento desse recurso poderá lhe ensejar, na prática, uma situação mais favorável do que aquela trazida pela decisão recorrida. O que ocorre, aqui, é que, provavelmente (mas não necessariamente; lembre-se: os precedentes judiciais formados sob as vestes dos arts. 543-B e 543-C do CPC não possuem força vinculante) esse recurso será improvido, ou seja, terá seu mérito julgado improcedente, mas essa expectativa de improvimento do recurso não leva à conclusão de que falta interesse em interpô-lo, sob o ponto de vista jurídico. Noutras palavras: não se pode dizer, ao menos não tecnicamente, que a parte não possui interesse recursal por que antevê que, provavelmente, seu recurso será improvido.
  9. Feita essa observação, breve e simples, mas necessária, passase a esclarecer em que sentido se pode afirmar, tal qual se fez em linhas anteriores, que a PGFN não possui interesse em continuar recorrendo contra decisões judiciais proferidas em consonância com precedente oriundo da nova sistemática.
  10. Na verdade, na situação aventada, o que a PGFN não possui é interesse prático em continuar interpondo recursos; é uma ausência de interesse que resulta da ponderação, feita à luz de critérios de política institucional, ligados a razões de conveniência e oportunidade da própria Administração, entre as vantagens práticas possivelmente decorrentes da adoção da postura de continuar interpondo recursos na situação acima referida (em que há remota ou quase nula viabilidade de êxito do recurso eventualmente manejado) e as vantagens práticas possivelmente decorrentes da adoção da postura de não mais recorrer na referida situação. É dessa ponderação, ou desse juízo político, que desponta a constatação de que não interessa à instituição continuar interpondo recursos, ordinários ou extraordinários, contra decisões proferidas em consonância com orientação firmada, pelo STF/STJ, em julgamento realizado nos moldes dos arts. 543-B e 543-C do CPC, eis que as vantagens decorrentes da adoção dessa postura superam, em muito, as vantagens que poderiam advir da adoção da postura contrária.

  1. De fato, a adoção da postura ora sugerida se encontra pautada em uma série de vantagens ou benefícios práticos, que podem ser examinados a partir de duas perspectivas primordiais: uma primeira, de feição mais restrita, em que analisados os benefícios que tal opção pode trazer à PGFN e à Fazenda Nacional; uma segunda, bem mais ampla, em que analisados os benefícios possivelmente gerados por essa opção em relação à efetividade do novo instituto previsto nos arts. 543-B e 543-C do CPC e, também, em relação à própria sociedade, ainda que, nesse último caso, de forma reflexa.
  2. Assim, sob a primeira perspectiva acima referida, mais restrita, voltada para a própria instituição, os benefícios decorrentes da adoção, pela PGFN, da postura de não mais recorrer contra decisões, desfavoráveis à Fazenda Nacional, proferidas em consonância com precedente judicial formado sob a nova sistemática prevista, são, basicamente, os seguintes:
    (i) otimização na utilização dos recursos da instituição – trata-se, possivelmente, do benefício mais evidente. Ao deixar de insistir na defesa de teses jurídicas já definitivamente resolvidas pelo STF/STJ, em sentido desfavorável à Fazenda Nacional, a PGFN evita o desperdício dos seus recursos, sobretudo os humanos (p. ex. o tempo de trabalho de Procuradores e servidores) e os materiais (p. ex. estrutura das unidades da PGFN e sistemas de informação utilizados na elaboração de peças processuais), em demandas que possuem pouca, ou nenhuma, potencialidade de lhe trazer resultados positivos, “liberando” esses recursos para que os mesmos possam ser utilizados em demandas que possuam real viabilidade de êxito. Noutras palavras: os esforços (recursos humanos/intelectuais e materiais) da PGFN serão inteiramente concentrados naquelas teses jurídicas, de interesse da Fazenda Nacional, cuja definição ainda se encontra pendente no Judiciário, bem como nas teses jurídicas nascentes.
    (ii) aumento da credibilidade da instituição junto ao Poder Judiciário, imediatamente, e junto à sociedade, mediatamente – ao deixar de apresentar recursos sobre teses já resolvidas pelo STF/STJ, em sentido desfavorável à Fazenda Nacional, a PGFN passará a concentrar sua defesa em torno de teses mais críveis, o que, certamente, terá reflexos positivos em relação ao conceito, ou à imagem, que o Poder Judiciário, imediatamente, e a própria sociedade (no caso, os contribuintes), mediatamente, possuem em relação à instituição. O Poder Judiciário, num primeiro momento, e os próprios contribuintes, num segundo momento, saberão que as teses jurídicas que ainda estiverem sendo defendidas judicialmente pela PGFN são viáveis e críveis, e que essa defesa se dá de forma estratégica, consciente e direcionada, o que, certamente, elevará o “respeito” de ambos em relação à atuação da instituição.
    (iii) estímulo ao pensamento crítico dos Procuradores que integram os quadros da PGFN – ao deixar de apresentar recursos sobre teses já resolvidas pelo STF/STJ, passando-se a concentrar os esforços – antes esparsos, desperdiçados em processos inúteis – em demandas que tratem de teses jurídicas ainda em real disputa no Poder Judiciário, a PGFN estimulará os seus Procuradores a atuarem com ainda mais raciocínio crítico e compreensão acerca da matéria recorrida. Abandona-se, assim, a atuação mecanizada e repetitiva e passa-se para uma atuação que demandará a utilização de toda a capacidade intelectual dos Procuradores da Fazenda. Com isso, certamente, o grau de “engajamento” ou de “adesão” dos quadros da PGFN em relação às causas judiciais de interesse da Fazenda Nacional será ainda maior.
    (iv) minoração da condenação em honorários advocatícios – ao deixar de insistir na interposição de recursos sobre questões jurídicas já definidas pelo STF/ STJ, a PGFN estará dando ensejo à minoração do quantum das condenações em honorários advocatícios, sofridas pela Fazenda Nacional, nas demandas judiciais que tratem dessas questões.
  3. Note-se que os benefícios acima listados não são estanques, mas, antes, se interconectam, se retro-alimentam, enfim, se complementam. E, todos, juntos, parecem conduzir ao mesmo resultado: o aumento no grau de eficiência da instituição; atende-se, aqui, e de forma direta, ao princípio constitucional da eficiência administrativa. De fato, na medida em que se otimiza a utilização dos recursos da PGFN, em que se aumenta a sua credibilidade junto ao Poder Judiciário e aos contribuintes e em que se estimula uma atuação ainda mais crítica por partes dos Procuradores que integram seus quadros, a tendência é a obtenção de resultados mais exitosos nas demandas judiciais de interesse da Fazenda Nacional.
  4. De outra ponta, sob a segunda perspectiva acima mencionada, mais ampla e mais complexa, voltada, imediatamente, para o novo instituto do julgamento por amostragem de recursos extremos repetitivos e, mediatamente, para a sociedade como um todo, tem-se que os benefícios decorrentes da adoção, pela PGFN, da postura de não mais recorrer contra decisões que tratem de questão já definitivamente resolvida pelo STF/STJ, em sede de julgamento realizado nos termos dos arts. 543-B e 543-C do CPC, são, basicamente, os seguintes:
    (i) maior efetividade do novo instituto – ao optar por deixar de recorrer nessas situações, a PGFN contribui para a consecução das finalidades subjacentes à nova sistemática de julgamento prevista nos arts. 543-B e 543-C do CPC, as quais, como visto, consistem em conferir mais racionalidade e celeridade à entrega da prestação jurisdicional e promover unidade na interpretação do direito, mediante o incremento da força dos precedentes judiciais. E, na medida em que a Administração Pública (aí se incluindo, por óbvio, a PGFN) ostenta a condição de uma das maiores litigantes do país, reconhecidamente responsável por uma parcela significativa do número de demandas repetitivas que abarrotam o Poder Judiciário, percebe-se que essa atitude cooperativa, de sua parte, assume papel realmente decisivo na consecução dessas finalidades e, conseqüentemente, na obtenção da efetividade do novel instituto; sem essa atitude cooperativa, parece questionável, inclusive, se será viável, na prática, que o novo instituto realmente atinja as suas finalidades.
    (ii) alinhamento aos novos rumos tomados pela ordem jurídica brasileira – além disso, ao adotar tal postura cooperativa em relação à obtenção das finalidades do novo instituto previsto nos arts. 543-B e 543-C do CPC, a PGFN estará se alinhando, a um só tempo, à nova feição assumida pelo processo civil brasileiro (influenciada, como visto anteriormente, por uma nítida tendência de “verticalização” das decisões do STF e do STJ ou de “commonlawlização” da ordem jurídica pátria) e aos escopos declaradamente pretendidos pelo “II Pacto Republicano”, dentre os quais se inclui “o aprimoramento da prestação jurisdicional, mormente pela efetividade do princípio constitucional da razoável duração do processo e pela prevenção de conflitos”. Na verdade, a PGFN, como órgão de Estado, integrado ao Poder Executivo, estará se juntando a outros órgãos vinculados aos demais Poderes, como, por exemplo, ao Conselho Nacional de Justiça, em prol da concretização dos ideais que marcam os novos rumos tomados pela ordem jurídica brasileira.
    (iii) desoneração da sociedade em relação aos custos envolvidos quando o Estado está em juízo – ao deixar de recorrer em matérias já definitivamente resolvidas pelo STF/STJ, a PGFN se afasta, gradualmente, da condição de uma dos maiores litigantes do país e, assim fazendo, atinge, de forma reflexa, a própria sociedade, que deixará de arcar com os altos gastos que necessariamente são despendidos quando o Estado vai a juízo.
    (iv) respeito ao cidadão brasileiro – ao adotar a postura ora sugerida, a PGFN dará ensejo a que o jurisdicionado alcance com maior celeridade a prestação jurisdicional solicitada ao Poder Judiciário, contribuindo, assim, para que seja reduzido o tempo do processo.
  5. Aduzidos os benefícios possivelmente decorrentes da opção, aqui proposta, de não mais recorrer contra decisões que tratem de questão jurídica já resolvida pelo STF/STJ, em sede de julgamento submetido à nova sistemática, impende elencar, por outro lado, e por honestidade intelectual, algumas vantagens que se pode imaginar como decorrentes da adoção da postura de insistir na interposição de recursos nas situações ora aventadas. E uma das possíveis vantagens parece se fundar no argumento de que a insistência na interposição de recursos, nessas situações, faria com que a PGFN continuasse tendo a possibilidade de reverter, a seu favor, a tese jurídica resolvida pelo STJ/STF; diversamente, adotando-se a postura de não mais recorrer, a PGFN estaria renunciando, de forma apriorística, à possibilidade de reversão da tese.

  1. Esse argumento, entretanto, não impressiona, e isso por duas razões primordiais. Em primeiro lugar, por que, uma vez analisada e definida determinada questão jurídica, pelo STF/STJ, em julgamento submetido à especial e diferenciada sistemática de julgamento prevista nos arts. 543- B e 543-C do CPC, as chances desses Tribunais Superiores alterarem seu entendimento são bastante remotas, conforme, inclusive, restou demonstrado em tópicos anteriores deste Parecer; daí que a possibilidade de reversão, pela PGFN, de entendimento firmado por esses Tribunais Superiores em sede de julgamento submetido à nova sistemática é, em igual medida, bastante remota. Note-se que, muito embora em tempos anteriores não fosse incomum a oscilação da jurisprudência dos Tribunais Superiores, a realidade atual tem demonstrado que o mecanismo previsto nos arts. 543-B e 543-C do CPC alterou de forma substancial esse antigo cenário, conferindo uma maior estabilidade às orientações firmadas pelo STF/STJ em julgamentos realizados sob as suas vestes. Prova disso é que, até o presente momento, passados quase três anos da entrada em vigor do art. 543-B, e um ano e quatro meses da entrada em vigor do art. 543-C, ambos do CPC, nem o STF, nem o STJ, alteraram qualquer dos entendimentos por eles firmados em julgamentos submetidos aos referidos dispositivos legais.
  2. Na verdade, na medida em que a orientação firmada pelos Tribunais Superiores em sede de precedente judicial formado sob a sistemática dos arts. 543-B e 543-C do CPC possui reduzidas chances de ser revertida, percebe-se, então, que a defesa, por parte da PGFN, daquelas teses jurídicas que ainda estiverem em disputa no Judiciário deverá ser ainda mais robusta e perfeita tecnicamente, assim como a sua participação na formação da jurisprudência dos Tribunais Superiores deverá ser cada vez mais ativa, numa linha crescente em relação ao que já ocorre atualmente. Ou seja, após a introdução, na ordem jurídica pátria, da nova sistemática de julgamentos dos recursos extremos repetitivos, o foco, por parte da PGFN, deverá recair, em regra (sendo certo que poderá haver exceções, conforme será visto no parágrafo seguinte), não nas teses jurídicas já definidas pelo STF/ STJ, – buscando-se, insistentemente, a sua reversão -, mas, sim, naquelas teses jurídicas pendentes de definição, que ainda não foram apreciadas nos termos dos arts. 543-B e 543-C do CPC, envidando-se todos os esforços, especialmente junto aos Tribunais Superiores, no intuito de que as mesmas, quando e se submetidas à nova sistemática, sejam julgadas e definitivamente resolvidas em favor da Fazenda Nacional.
  3. Em segundo lugar, por que, conforme será ainda melhor analisado posteriormente, em momento mais oportuno, nada impede que a PGFN, diante de precedentes judiciais contrários à Fazenda Nacional, formados sob as vestes dos arts. 543-B e 543-C do CPC, pondere a viabilidade, no caso concreto, de revertê-los e, considerando viável tal reversão, oriente as unidades descentralizadas que, sobre aquele específico tema, continuem interpondo recursos. Isso seria feito caso a caso, de modo que a regra seria a não interposição de recursos a respeito de questões jurídicas já definidas pelo STF/STJ em sede de julgamentos submetidos à nova sistemática, enquanto que a exceção à regra, por sua vez, seria a apresentação de recursos nos casos em que, apesar da definição dada pelos referidos Tribunais, a PGFN considerasse viável a sua reversão.
  4. Outra vantagem que se pode imaginar como decorrente da adoção da postura de insistir na interposição de recursos nas situações ora aventadas parece se sustentar no entendimento de que os interesses da Fazenda Nacional estariam melhor protegidos, inclusive contra possíveis falhas daqueles que a presentam em juízo, se houvesse a obrigatoriedade de recorrer em todo e em qualquer caso (ressalvadas as hipóteses em que a matéria definida pelo STF/STJ seja objeto de Ato Declaratório, de Súmula Vinculante ou tenha sido decidida em sede de controle concentrado de constitucionalidade). Rejeita-se esse argumento por várias razões, sendo que a primeira delas decorre já da premissa, assumida pelo presente Parecer logo ao início deste item, segundo a qual se considera que as regras que conferem à PGFN atribuição para – bem e corretamente – defender a Fazenda Nacional em juízo não conduzem à obrigatoriedade de apresentação de recursos em qualquer hipótese; muito pelo contrário, parece incompatível com a ideia de “defender corretamente” a obsoleta prática de “defender de forma acrítica e indiscriminada”.
  5. Assim, entende-se, aqui, que a postura que ora se propõe é capaz de tornar a atuação judicial da PGFN mais efetiva, com potencialidade de trazer resultados mais exitosos à Fazenda Nacional. A verdade é que a nova feição assumida pelo processo civil brasileiro, as mudanças que ainda estão por vir (todas voltadas para um processo mais racional e célere), bem como o grau de desenvolvimento em que se encontra a comunidade jurídica e o próprio corpo social, parecem realmente exigir uma mudança no paradigma de atuação da Administração Pública, impondo que esta atuação se modernize, tornese mais ágil e menos burocratizada, mais qualitativa e menos quantitativa, mais crítica e menos mecanizada.
  6. Além disso, o alegado risco de que falhas ocorram por parte dos Procuradores da Fazenda Nacional, caso adotada a postura ora sugerida, não parece ser suficiente, por si só, para afastar a adoção dessa postura. Primeiro, por que tais falhas, – que, certamente, poderão ocorrer-, serão a exceção, e não a regra; segundo, por que o prejuízo delas decorrentes será muito pequeno diante do imenso rol de benefícios decorrentes da adoção da postura ora sugerida; e terceiro, porque nada impede, –antes, tudo recomenda -, que sejam criados mecanismos, além dos que já existem, a fim de evitar a ocorrência dessas falhas ou de minorar os prejuízos delas decorrentes.
  7. Assim, os argumentos que, pretensamente, fundamentam a adoção da postura de continuar recorrendo contra decisões proferidas em consonância com entendimento plasmado pelo STF/STJ, em julgamento realizado nos moldes dos arts. 543-B e 543-C do CPC, sustentam-se em bases pouquíssimo sólidas. Por outro lado, há vários benefícios efetivos que demonstram ser mais vantajosa, não apenas para a própria instituição e para a Fazenda Nacional, mas, também, ainda que reflexamente, para a sociedade como um todo, a adoção da postura ora sugerida, de não mais recorrer nas hipóteses acima aventadas. Daí por que se diz, tal qual feito anteriormente, que a PGFN não possui interesse, sob o ponto de vista prático, em continuar recorrendo em tais situações.
    a.1) Apresentação, ou não, de contestação/impugnação em face de pedidos respaldados em precedente judicial oriundo de julgamento submetido à nova sistemática, formulados nos autos de demandas judiciais ajuizadas contra a Fazenda Nacional
  8. Uma vez adotada a postura, na linha do que foi sugerido acima, de não mais apresentar recursos (apelação, agravo de instrumento, RE, RESP, etc) contra decisões judiciais proferidas em consonância com precedente judicial formado sob as vestes dos arts. 543-B e 543-C do CPC, desponta, naturalmente, a questão de saber se postura semelhante cabe ser adotada, pela PGFN, em relação aos pedidos eventualmente respaldados nesses precedentes, formulados em demandas judiciais ajuizadas contra a Fazenda Nacional. Ou seja: esses pedidos continuarão sendo objeto de contestação/impugnação por parte da PGFN16?
  9. O primeiro ponto que merece ser observado a fim de que se resolva a questão aqui analisada é o de que a apresentação de contestação/ impugnação, pela PGFN, na hipótese ora aventada, teria pouca ou nenhuma utilidade, na medida em que: (i) diante da força persuasiva especial e diferençada de que se revestem os precedentes judiciais formados nos moldes dos arts. 543-B e 543-C do CPC, muito provavelmente os pedidos formulados com base nesses precedentes seriam acolhidos pela sentença; (ii) essa sentença, proferida em consonância com entendimento firmado pelo STF/STJ à luz da nova sistemática, sequer seria objeto de recurso por parte da PGFN, justamente face à orientação de não mais recorrer nesses casos; (iii) por fim, ainda que o magistrado de 1º grau, ignorando ou superando o precedente judicial formado sob a nova sistemática (o que, apesar de pouco provável, é possível dada a força não vinculante desses precedentes), proferisse sentença favorável à Fazenda Nacional, o recurso interposto pela parte autora contra essa sentença seria provido num momento subseqüente, se não já pelo Tribunal de 2º grau, certamente pelo Tribunal Superior de onde emanou o precedente. A atitude do magistrado de não aplicar o precedente apenas retardaria, para o autor, o seu êxito na ação e, para a Fazenda Nacional, a sua sucumbência.

  1. Dito isso, faz-se um brevíssimo parênteses para pontuar que continuar contestando/impugnando, nessas hipóteses, além de se revestir de pouca utilidade, revelaria uma postura um tanto quanto contraditória por parte da PGFN: é que, num primeiro momento, a contestação/ impugnação seria apresentada, expondo argumentos voltados a infirmar a pretensão deduzida pela parte autora, enquanto que, num segundo momento, quando essa pretensão fosse acolhida na sentença, – o que, a toda a evidência, seria a regra -, não haveria apresentação de recurso de apelação no intuito de reverter o entendimento nela firmado. Assim, o Procurador da Fazenda Nacional apresentaria contestação/impugnação já sabendo, de antemão, que não iria interpor recurso na hipótese, praticamente certa, de a contestação/impugnação antes apresentada não ter sucesso e a pretensão deduzida pelo autor ser acolhida na sentença.
  2. O segundo ponto que merece ser levado em conta, aqui, é o de que a análise da presente questão (contestar/impugnar, ou não, pedidos fundados em precedente judicial formado sob a roupagem dos arts. 543-B e 543- C do CPC), do mesmo modo que se fez quando da análise da questão enfrentada no item anterior do presente parecer (recorrer, ou não, contra decisões judiciais proferidas em consonância com esses precedentes), há de ser realizada a partir de considerações mais afetas à política institucional, ligadas a razões de conveniência e oportunidade aferíveis pela própria instituição, e não, propriamente, a partir de considerações estritamente técnicas.
  3. E assim deve ser feito pelas mesmas razões antes expostas quando da análise da questão enfrentada no item anterior do presente Parecer (item “a”), ou seja: primeiro, por que o deslinde da presente questão também não se encontra previamente definido nas regras existentes no Direito posto; segundo, por se adotar aqui, como verdadeira premissa, o entendimento de que o conjunto de normas que conferem, à PGFN, a atribuição privativa para defender, judicialmente, os interesses da Fazenda Nacional não conduz à obrigatoriedade de apresentação de contestação/impugnação em todo e qualquer caso (assim como não conduz à obrigatoriedade de interposição de recursos em todo e qualquer caso), permitindo, antes, que a decisão entre apresentar, ou não, contestação/impugnação, mormente em hipóteses como a presente, em que a mesma possuiria pouca utilidade, advenha de uma opção de política institucional, pautada em critérios racionais.
  4. Sendo assim, dada a pouca utilidade em se apresentar contestação/ impugnação contra pedidos respaldados em precedente judicial formado nos moldes da nova sistemática (primeiro ponto), bem como diante da constatação de que o deslinde da questão ora analisada deve se pautar em critérios de política institucional (segundo ponto), sugere-se a adoção, pela PGFN, da postura de não mais impugnar/contestar esses pedidos; é que a PGFN não possui interesse (prático) em fazê-lo.
  5. Com efeito, a adoção da postura de não mais apresentar contestação/impugnação, nessas hipóteses, mostra-se como a mais vantajosa, do ponto de vista prático, não apenas para a própria instituição e para a Fazenda Nacional, mas, também, para a sociedade como um todo. E as vantagens de que ora se cuida são, basicamente, aquelas mesmas já antes expostas no tópico anterior deste Parecer, decorrentes da postura de não mais apresentar recursos contra decisões judiciais fundadas em precedentes judiciais formados nos moldes dos arts. 543-B e 543-C do CPC; a diferença, aqui, é que essas vantagens certamente serão maximizadas caso a PGFN, além de não mais recorrer, também adote a postura de não mais contestar/impugnar, sempre que estiver diante de entendimento firmado pelos Tribunais Superiores no seio da nova sistemática prevista no CPC, acerca de determinada questão jurídica.
  6. De fato, a adoção conjugada dessas duas posturas fará com que cheguem ao seu grau máximo aqueles benefícios antes expostos, a saber, (i) a otimização na utilização dos recursos da instituição, (ii) o aumento da credibilidade da instituição junto ao Poder Judiciário, imediatamente, e junto à sociedade, mediatamente, (iii) o estímulo ao pensamento crítico dos Procuradores que integram os quadros da PGF, (iv) a minoração da condenação em honorários advocatícios, (v) mais efetividade ao novo instituto previsto nos arts. 543-B e 543-C do CPC, (vi) alinhamento da PGFN aos novos rumos tomados pela ordem jurídica brasileira e, enfim, (vii) desoneração da sociedade em relação aos custos envolvidos quando o Estado está em juízo; (viii) respeito ao cidadão brasileiro.
  7. E essa maximização será ainda mais sentida em relação ao benefício referido no item “iv” acima, qual seja, a minoração da condenação em honorários advocatícios. É que a PGFN, ao deixar de apresentar contestação/ impugnação na hipótese ora aventada, estará deixando de resistir, por completo, à pretensão deduzida na demanda (o que reduz o seu grau de dificuldade a patamares mínimos), atuando, assim, de forma cooperativa em relação ao autor e ao próprio Poder Judiciário; e isso, certamente, será levado em conta pelo magistrado ao avaliar o cabimento, ou não, de condenação em honorários advocatícios17.
  8. Assim, por essas razões é que se diz que a PGFN não possui interesse, sob o ponto de vista prático, em continuar apresentando contestação/impugnação contra pedidos respaldados em precedente judicial formado nos moldes dos arts. 543-B e 543-C do CPC.
    b) Apresentação, ou não, de recursos contra decisões proferidas em consonância com precedente judicial, oriundo do STF/STJ, mas não formado nos moldes dos arts. 543-B e 543-C do CPC.
  9. Conforme visto anteriormente, diversamente do que ocorre com os precedentes, oriundos do STF/STJ, formados nos moldes dos arts. 543- B e 543-C do CPC, aqueles não submetidos à nova sistemática ostentam uma força persuasiva inferior, de modo que não se mostra possível afirmar, com um grau aceitável e suficiente de segurança, se os recursos eventualmente interpostos contra as decisões judiciais que os aplicarem tendem, ou não, a lograr êxito. Foi visto, ainda, que, apesar disso, em se tratando, especificamente, de recursos extremos (RE e RESP) interpostos contra decisões proferidas em consonância com jurisprudência pacífica e reiterada do STF/STJ, o seu seguimento tem sido repetidamente obstado pelos Presidentes/Vice-Presidentes (de TRF`s e do STJ), por ocasião do juízo de admissibilidade recursal. Diante desse quadro, questiona-se: qual deve ser a postura da PGFN diante de decisões, desfavoráveis à Fazenda Nacional, proferidas em consonância com precedente judicial, oriundo do STF/STJ, mas não resultante de julgamento realizados nos moldes dos arts. 543-B e 543-C do CPC? Nessas hipóteses, deve-se continuar recorrendo?
  10. Diga-se, desde já, que as razões que embasam a adoção da postura sugerida no item “a” deste tópico (não mais apresentar qualquer espécie de recurso – ordinários e extremos – contra as decisões proferidas em consonância com precedente formado nos moldes dos arts. 543-B e 543-C do CPC) não parecem estar presentes na situação examinada no presente item, de forma a conduzir à adoção da postura, por parte da PGFN, de não mais recorrer, em qualquer caso, contra decisões que aplicarem precedentes, do STF/STJ, não submetidos à nova sistemática de julgamento.
  11. Com efeito, ainda que pacífica a jurisprudência, no âmbito do STF/STJ, em torno de determinada questão jurídica, não há parâmetros suficientemente seguros para se afirmar se a mesma tende, ou não, a ser alterada por esses Tribunais Superiores, ou mesmo seguida pelos órgãos jurisdicionais inferiores; relembre-se, aqui, o que se disse anteriormente acerca da instabilidade dessa jurisprudência, bem

PEC 452/09 deverá ser incluída na Ordem do Dia

O presidente do Forum Nacional, Allan Titonelli, esteve reunido na manhã desta quarta-feira (05/10) com o deputado Fábio Trad (PMDB/MS) para tratar dos assuntos que envolvem a Advocacia Pública Federal.


Proteção do contribuinte e fazenda contra atos contraditórios e modificação de jurisprudência em direito tributário

Autor: Tiago da Silva Fonseca, Procurador da Fazenda Nacional. Mestrando em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da UFMG.

Veículo: Revista da PGFN, ano 1 número 1, jan/jun. 2011

Resumo – Para garantir a segurança jurídica do contribuinte, a instituição ou majoração das obrigações tributárias dependem de lei expressa, as leis tributárias que agravam a sua situação não retroagem e têm a eficácia diferida para pelo menos noventa dias da publicação da norma. A efetivação da segurança jurídica vai além das limitações constitucionais expressas ao poder de tributar. A doutrina e a jurisprudência passam a desenvolver teses a partir de princípios implícitos que também são necessários para afirmar a segurança jurídica, como a confiança legítima e a boa-fé objetiva. A necessidade de previsibilidade e de estabilidade, bem como a garantia de expectativas, devem ser estendidas à Administração Tributária. Como a doutrina majoritária afasta a aplicação da confiança das pretensões fazendárias, é mister que se recorra a fontes alternativas de proteção do Fisco.

1 Introdução

O Estado de Direito está fundado em três valores estruturantes: a liberdade, a igualdade e a segurança jurídica. A Constituição, como dimensão básica que subordina o Estado de Direito, vai, de forma imediata ou mediata, buscar a concretização e efetivação desses valores estruturantes em todas as suas normas.

A segurança jurídica requer a previsibilidade, a estabilidade, a fiablidade, a clareza, a racionalidade, a transparência dos atos dos Poderes constituídos do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), de modo que o cidadão tenha um mínimo de precisão e determinabilidade da ordem jurídica a que está submetido.

A expectativa de durabilidade e permanência da ordem jurídica e dos atos estatais, com a devida proteção do cidadão para os casos de mudanças normativas necessárias para o desenvolvimento das atividades dos poderes públicos, garante não só as situações jurídicas assentadas, mas também permite a paz social. Nas palavras de J.J. Gomes Canotilho, “o homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida1.

No Direito Tributário, a segurança jurídica do contribuinte é garantida precipuamente pelas limitações constitucionais ao poder de tributar, submetidas sobretudo através da legalidade, irretroatividade das leis que instituam ou agravem obrigações tributárias e não-surpresa. Quando os princípios constitucionais tributários expressos são insuficientes para concretizar a segurança jurídica do contribuinte, torna-se necessário proteger expectativas legitimamente criadas, através dos princípios da confiança e boa-fé subjetiva.

As idéias de previsibilidade, estabilidade, clareza, transparência, fiabilidade e racionalidade, todavia, transbordam os contornos da segurança jurídica, que é garantia do cidadão e contribuinte, para orientar a atuação e para também atender às expectativas da Administração Tributária. Se o contribuinte é resguardado contra atos contraditórios pelas limitações constitucionais ao poder de tributar, pela confiança legítima e boa-fé objetiva, a Fazenda deve exigir que as declarações e comportamentos dos particulares não configurem abuso de direito ou violação ao dever de lealdade.

Outrossim, as modificações de jurisprudência que impliquem em impactantes perdas fiscais devem constatar se a Fazenda atuava nos limites de entendimento pacificado anterior, sendo surpreendido por reviravolta de jurisprudência consolidada. Nesse caso, os efeitos da nova norma judicial devem ser modulados, em observância a princípios como a boa-fé, o equilíbrio financeiro e orçamentário, a proporcionalidade, a razoabilidade, a solidariedade fiscal e o planejamento estatal.

2 A previsibilidade e esta bilidade da relação tributária: a confiança legítima dos contribuintes e a garantia da Fazenda contra o abuso de direito

A previsibilidade necessária à segurança jurídica em matéria tributária é garantida, sobretudo, pela legalidade. De acordo com a definição legal expressa no art. 3º do Código Tributário Nacional, tributo é a prestação pecuniária compulsória, que não constitua sanção de ato ilícito, cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Entretanto, ainda que a atividade seja plenamente vinculada, a aplicação da lei não consiste na mera subsunção da norma ao fato. A complexidade social faz com que mesmo a lei tributária, que conta com a predominância de conceitos determinados e não de tipos fluidos, seja insuficiente para regular corretamente casos situados numa “zona cinzenta” e não numa “zona de certeza”.

No conceito de discricionariedade proposto por Celso Antônio Bandeira de Mello, a lei consigna um limite de aplicação, dentro do qual pode existir um conjunto de interpretações legítimas, consistindo a aplicação da lei ao caso concreto na escolha de uma única alternativa pelo aplicador (seja o Poder Executivo ou Judiciário):

Discricionariedade é a margem de ‘liberdade’ que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente2.

Logo, é possível que o aplicador escolha uma alternativa que, não obstante esteja inserida no limite estabelecido pela lei, crie norma formalmente legítima, mas que materialmente vá de encontro ao Direito, considerando que a legitimidade jurídica não se restringe à legalidade.

Nessa perspectiva, a aplicação legítima da lei tributária depende de outros princípios que garantem a previsibilidade para o contribuinte, como a proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva.

O princípio da confiança legítima é criação do Direito Europeu, como instrumento de manutenção e atendimento das expectativas criadas no passado frente às alterações normativas do futuro. Preservar o passado, pela confiança legítima, faz todo o sentido em países como Alemanha, Portugal, Espanha e França, que só consagraram constitucionalmente o princípio da irretroatividade para leis penais e sancionadoras e não para as leis em geral, como no Brasil.

Na Europa, especialmente na Alemanha, o princípio da confiança legítima surge como justificação de vinculação de declarações, acordos, contratos e expectativas contra modificações futuras, nas relações de Direito Civil, para as quais não havia nenhuma previsão contra a irretroatividade.

O princípio certamente ganhou maior repercussão a partir do modelo de Claus-Wilheim Canaris, que associou a necessidade de preservação da confiança à teoria da aparência e à proibição do venire contra factum proprium. Como substrato ético-jurídico, a confiança legítima garantiria as situações aparentes, contra mudanças contraditórias, constituídas mediante declarações, documentos idôneos ou comportamentos concludentes. A estabilização das situações por meio da confiança se daria de forma positiva, mantendo-as conforme as expectativas criadas, ou de forma negativa, modificando-as com a contraprestação de indenização por danos.

A confiança legítima a ser protegida depende de três requisitos:

  1. ação ou omissão de uma parte, apta a gerar expectativas em outra, que representa uma situação de acordo com uma declaração, documento ou comportamento;
  2. boa-fé daquele que confiou;
  3. mudança contraditória da situação representada, gerando a imputação da responsabilidade pela confiança para aquele que agiu de forma contrária às expectativas que induziu.

Incorporando as teorias alemãs, a doutrina civilista portuguesa também é rica de estudos acerca da confiança nas relações entre particulares. Carneiro da Frada3 dá à confiança papel de destaque na estrutura normativa, situando-a em patamar posterior ao dos princípios e valores, como instrumento de justiça corretiva. Os atos contraditórios em prejuízo à confiança alheia seriam causa para a responsabilidade civil, devendo o defraudador restaurar a situação representada ou indenizar aquele que confiou, como forma de restauração do equilíbrio da relação. Menezes Cordeiro, diferentemente de Carneiro da Frada, que situa a confiança num campo axiológico, defende a sua força regulativa, como ponte entre a boafé subjetiva e objetiva, ao mesmo tempo em que está assentada em ambas.

No sentido proposto por Niklas Luhmann, a confiança é meio para redução da complexidade social, uma vez que antecipa o futuro, que determina as ações do presente como se o futuro fosse certo. Assim, a confiança torna-se instrumento para garantir a coerência e previsibilidade do presente, ante os antecedentes alternativos do passado e das diversas possibilidades do futuro. A confiança fundamenta as ações de uma parte tomando por base as ações que espera de outra, que toma decisões acreditando que as suas expectativas darão origem às conseqüências esperadas. É uma forma importante para organizar as relações, para não tornar caótico os sistemas em que é garantida a liberdade e a autonomia particular de todos os indivíduos.


A sua generalidade fez com que a confiança, portanto, deixasse de ser uma garantia das relações civis, para alcançar relações onde o Estado seria uma das partes. O princípio da proteção da confiança no Direito Público passou a garantir os cidadãos em face de declarações e comportamentos contraditórios ou expectativas criadas pelo Estado. Sobretudo, quando o Estado age de forma discricionária, em que há várias alternativas legítimas e possíveis, dentro dos limites fixados pela lei. Mas mesmo quando o Estado age de forma vinculada, em que sobressai a atuação de acordo com a estrita legalidade, podem ocorrer situações que escapam ao princípio, já que a criação da norma concreta não se limita à mera subsunção da norma ao fato, de modo a surgir a necessidade de se recorrer ao princípio da confiança, como forma de se fazer ou de se preservar a justiça.

No Direito Administrativo, Hartmut Maurer noticia leading case do Tribunal Administrativo Superior de Berlim, vinculando a declaração e comportamento do Estado em favor da confiança legítima do administrado:

A primeira invasão nessa concepção jurídica firme resultou por meio de uma decisão do Tribunal Administrativo Superior de Berlim de 14.11.1956 (DVBL. 1957, 503). Tratava-se do seguinte caso: a demandante, uma viúva de um funcionário, transladou da República Democrática Alemã de então para Berlim-Leste depois de lhe haver sido prometido, por ato administrativo, a concessão de rendimentos de pensão. Um ano depois a autoridade competente comprovou que os pressupostos jurídicos para a concessão, porém, não existiam, os rendimentos de pensão, portanto, haviam sido concedidos falsamente. Em consequência, ela retratou o ato administrativo, suspendeu os pagamentos e exigiu da demandante a restituição dos rendimentos pagos a mais. Isso correspondia, sem mais, à jurisprudência de então. O Tribunal Administrativo Superior de Berlim decidiu, todavia, a favor da demandante. Ele comprovou que, no caso concreto, deveria ser observado não só o princípio da legalidade, mas também o princípio da proteção à confiança. A demandante confiou na existência do ato administrativo e, em conformidade com isso, alterou decisivamente suas condições de vida. Como, no caso concreto, seu interesse da confiança preponderava, o ato administrativo não deveria ser retratado. O Tribunal Administrativo Federal confirmou a sentença do Tribunal Administrativo Superior de Berlim (BVerwGE 9, 251) e, na época posterior, desenvolveu, em numerosas decisões, uma doutrina de retratação ampla e diferenciada4.

A confiança legítima no Direito Administrativo funciona como garantia do administrado, que planeja a sua atuação conforme declarações e comportamentos do Estado, diante do poder da Administração Pública em criar normas ou em anular atos inválidos e revogar atos que se tornam incovenientes ou inoportunos.

Entre nós, Almiro Couto e Silva5 cuidou do tema da confiança do administrado diante de atos contraditórios da Administração com grande entusiasmo. Destaca o autor que as expectativas dos administrados devem ser preservadas contra modificações prejudiciais do direito positivo ou contra anulação de atos pelo Estado, ainda que ilegais, como os praticados pelos chamados “funcionários de fato”. Logo, a confiança do particular deve funcionar como limite de revisão de atos administrativos, ainda que eivados de ilegalidade.

No Direito Tributário, a proteção da confiança legítima é, para Misabel Derzi, princípio autônomo e não desdobramento de outros princípios, como legalidade, irretroatividade, propriedade, direito de personalidade, dignidade da pessoa humana ou igualdade. A confiança seria uma implícita limitação constitucional ao poder de tributar. A Administração Tributária é parte diferenciada da relação obrigacional, tendo em vista que tem a prerrogativa de constituir o crédito que vai exigir, administrativa ou judicialmente. Tal prerrogativa deixa a parte credora numa posição de vantagem em relação à devedora. Para equilibrar a relação que, apesar de ser uma relação obrigacional ex lege, não deixa de ser um vínculo obrigacional, a Constituição já delimita e direciona a atuação da Administração Tributária, através dos princípios expressos como limitações constitucionais ao poder de tributar.

A confiança seria mais uma dessas limitações constitucionais, cuja proteção se torna imperiosa quando a legalidade, a irretroatividade e a anterioridade não são suficientes para garantir a previsibilidade para o contribuinte. Partindo da premissa pela qual onde há domínio de informações não há confiança, portanto, o princípio seria meio de defesa atribuído somente ao contribuinte e nunca à Fazenda Pública.

Para Niklas Luhmann, “a confiança se apóia na ilusão6. Se existe certeza não há necessidade de confiança. A confiança deve servir como garantia para aquele que não tem a totalidade ou, pelo menos, a maior quantidade de informações, que representa uma situação, que age de acordo com a escolha de uma das probabilidades futuras, que acredita na expectativa que foi gerada ou fomentada.

Ainda na doutrina de Misabel Derzi, a confiança tem três características elementares: a permanência dos estados, a antecipação do futuro e a simplificação. Mas a autora não reconhece a confiança, onde existe supremacia sobre os eventos:

Onde há supremacia sobre os eventos/acontecimentos, a confiança não é necessária. Essa constatação é importante nesta tese: a confiança e proteção da confiança não se colocam do ponto de vista do Estado, como ente soberano. Isso porque, nas obrigações ex lege, o Estado tem supremacia sobre os eventos/acontecimentos que ele mesmo provoca, ou seja: as leis, as decisões administrativas e as decisões judiciais na modelação e cobrança dos tributos7

Como lado mais fraco do vínculo obrigacional tributário, o contribuinte que realiza um planejamento fiscal fundado não só nas leis e normas vigentes, mas também nas declarações e comportamentos da Administração Tributária, deve ser reparado se houver uma mudança repentina ou ato contraditório por parte do Fisco, em respeito à sua confiança.

Assim, a confiança do contribuinte deveria ser protegida, como acoplador estruturante e estabilizador do sistema jurídico e da relação tributária, especialmente nos casos de termos fixados com prazos legais (ex: isenções), mudanças de normas agravadoras dos deveres dos contribuintes, mudanças de atos administrativos (lançamentos) que onerem de forma mais intensa os contribuintes, declarações e respostas da Administração Tributária.

É evidente que qualquer reparação do contribuinte por ato contraditório da Administração Tributária depende da comprovação dos requisitos da responsabilidade pela confiança, isto é, depende da demonstração de um ato capaz de gerar expectativas legítimas, de boa-fé do particular e de investimentos decorrentes da declaração ou comportamento anterior.

Pela teoria da confiança, as declarações, documentos, normas e comportamento do Fisco o vincula perante o contribuinte, criando deveres que, se violados, geram a pretensão de reparação, seja através da manutenção da situação de acordo com as expectativas representadas, seja através de criação de regimes de transição conforme o grau de confiança gerada e de investimentos dispendidos, seja através de indenização por perdas e danos. Se adotarmos como modelos de reparação as teorias de responsabilidade civil, a indenização deve corresponder às perdas conseqüentes da quebra de confiança.

Existe considerável resistência da doutrina majoritária em admitir a confiança da Fazenda Pública em relação ao contribuinte, ainda que o particular aja de modo contraditório ou viole expectativas geradas no Fisco, em processos administrativos ou judiciais. Isso porque as declarações, documentos e comportamentos do contribuinte não lhes criam deveres perante a Fazenda Pública, porquanto os deveres na relação jurídica obrigacional tributária devem estar necessariamente previstos pela lei.

Ainda que reconheçamos a inaplicação do princípio da proteção da confiança em favor da Fazenda Pública, por estar a Administração Tributária em posição de vantagem na relação jurídica ou por considerar que as declarações e comportamentos dos contribuintes não criam deveres que sempre decorrem de lei, é mister que se reconheça a necessidade de garantia de estabilidade e previsibilidade tanto para o credor como para o devedor tributário.

Reprimir o abuso de direito e garantir expectativas de uma parte contra mudanças contraditórias de outra são preocupações do Direito em geral e não são máximas a serem aplicadas em casos isolados ou em relações jurídicas específicas.

A teoria do abuso de direito está fundada na evolução do conceito de direito subjetivo, que deixou de ser o poder irrestrito dado ao titular, isentando-o de quaisquer responsabilidades por danos decorrentes do exercício. O direito subjetivo passou a incorporar elementos como a liberdade, a consideração social, a cooperação, a função social, dentre outros.

Em estudo sobre a boa-fé, Menezes Cordeiro dá notícia dos primeiros julgados reconhecendo o exercício abusivo de direito, nos tribunais da França:

As primeiras decisões judiciais do que, mais tarde, na doutrina e na jurisprudência, viria a ser conhecido por abuso de direito, datam da fase inicial da vigência do Código de Napoleão. Assim, em 1808, condenouse o proprietário duma oficina que, no fabrico de chapéus, provocava evaporações desagradáveis para a vizinhança. Doze anos volvidos, era condenado o construtor de um forno que, por carência de precauções, prejudicava um vizinho. Em 1853, numa decisão universalmente conhecida, condenou-se o proprietário que construira uma falsa chaminé, para vedar o dia a uma janela do vizinho, com quem andava desavindo. Um ano depois, era a vez do proprietário que bombeava, para um rio, a água do próprio poço, com o fito de fazer baixar o nível do vizinho. Seguir-se-iam, ainda, numerosas decisões similares, com relevo para a condenação, em 1913, confirmada pela Cassação, em 1915, por abuso do direito, do proprietário que erguera, no seu terreno, um dispositivo de espigões de ferro, destinado a danificar os dirigíveis construídos pelo vizinho8.


Assim, ocorre o abuso de direito quando o titular exerce o seu poder seja sem utilidade própria, ou com a intenção de prejudicar alguém, ou de maneira injusta, ou com fins diversos daqueles atribuídos pela lei. O abuso de direito viola normas, éticas ou jurídicas, e acaba neutralizando e aniquilando o direito ilegitimamente exercido, transformando o ato abusivo em ilícito. Nas palavras de Menezes Cordeiro:

A admissão do abuso de direito tem sido fundada na necessidade de respeitar os direitos alheios, na violação, pelo titular-exercente, de normas éticas, na ocorrência por parte do mesmo titular, de falta e não consideração do fim preconizado pela lei, aquando da concessão do direito9.

Assim, ainda que não haja confiança legítima do Fisco a ser protegida na relação tributária, não é dado ao contribuinte agir de modo contraditório, violando expectativas criadas ou atuando em contrariedade aos fins dos direitos subjetivos que lhes são garantidos.

Os Tribunais pátrios já vêm admitindo casos de abuso de direito de contribuintes em face do Fisco, especialmente tipificados no postulado do venire contra factum proprium. As linhas de proibição do venire contra factum proprium, normalmente, têm o propósito de concretizar a doutrina da confiança. Todavia, podem ser abrangidos na figura da proibição do venire contra factum proprium comportamentos contraditórios originadores ou independentes da confiança, especialmente nos casos de relações jurídicas que se projetam no tempo e que requerem estabilidade e previsibidade.

Estão abrangidas no tipo venire contra factum proprium as situações em que o titular manifesta a intenção de não exercer um direito e depois exerce ou indica não tomar determinada atitude, mas acaba por assumíla. As declarações e comportamentos contraditórios podem impedir a constituição ou modificar direitos subjetivos, retirando do titular o poder potestativo de exercício.

Ainda que as construções acerca do abuso de direito e de seus tipos objetivos, como o venire contra factum proprium, tenham se dado no âmbito das relações privadas, proibir e coibir declarações e comportamentos contraditórios é função do Direito, que deve manter a estabilidade e previsibilidade dos vínculos entre os particulares, bem como entre as pessoas e o Estado.

Nesse contexto, Menezes Cordeiro dá conta daquela que foi considerada a primeira aplicação da proibição do venire contra factum proprium em situações de Direito Penal:

Ponto de partida foi a decisão do LG Kaiserlautern 14-Jul.-1995, JZ 1956, 182-183: o R. cometera o crime de estupro – § 182 StGB, na versão em vigor na altura – tendo posteriormente renovado várias vezes as relações com a ofendida, de catorze anos; em defesa, vem dizer que, na primeira vez, desconhecia a idade da ofendida e, que, nas vezes subseqüentes, embora tivesse obtido esse conhecimento, faltava já o requisito da virgindade, por parte da mesma ofendida. O LG Kaiserlaustern não aceitou este argumento, decidindo que o R. não podia recorrer à falta de um requisito que ele próprio suprimira10.

No Direito Tributário, a aplicação do instituto jurídico é até menos controversa, já que não é difícil vislumbrar condutas contraditórias, por parte dos contribuintes, capazes de imputar severos prejuízos à Fazenda Pública.

Utilizamos o parcelamento previsto na Lei 11.941/2009 como exemplo. A Lei 11.941/2009, de dificílima implementação por parte da Administração Tributária, previa nove modalidades de parcelamento. Não obstante, estabelecia iniciativas que em muito dificultavam a consolidação dos parcelamentos, tais como a inclusão no benefício de saldos remanescentes de débitos em outros Programas (REFIS, PAES, PAEX, etc), a inclusão de débitos decorrentes de aproveitamento indevido de créditos de IPI, a utilização de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da contribuição social sobre o lucro líquido próprios.

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) constataram que vários contribuintes efetuaram opções por modalidades de parcelamento em desconformidade com seus débitos. Diante disso, decidiram que, no momento da consolidação final do parcelamento, em que seria apurado o valor total da dívida a partir de todos os abatimentos, bem como o valor específico de cada parcela, seria dada a opção aos contribuintes para retificar as declarações feitas no momento da adesão.

A Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 03, de 29 de abril de 2010, determinou que os contribuintes que possuíssem pedido de parcelamento validado nos termos da Lei 11.941/2009, deveriam se manifestar sobre a inclusão ou não da totalidade de seus débitos nas modalidades de parcelamento para as quais havia feito a adesão. A manifestação dos contribuintes consistia em etapa preliminar para a consolidação do parcelamento e servia como fundamento para justificar a suspensão de exigibilidade dos débitos abrangidos pelo benefício.

A Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 11, de 24 de junho de 2010, por seu turno, determinou que os contribuintes que antes haviam se manifestado pela não inclusão da totalidade de seus débitos nas modalidades de parcelamento previstas pela Lei 11.941/2009 deveriam indicar, de modo pormenorizado, quais os débitos seriam efetivamente incluídos no programa de regularização fiscal.

Como efeito imediato das Portarias, seja para os contribuintes que fizeram a opção por incluir todos os débitos no parcelamento, seja para aqueles que fizeram a opção por não incluir todos os débitos, mas que indicaram os que deveriam ser parcelados, todos os débitos inscritos no parcelamento ficaram com a exigibilidade suspensa. Ou seja, para os débitos incluídos no parcelamento, passaram a ser expedidas as certidões de regularidade fiscal, a ser obstados os ajuizamentos de créditos inscritos em dívida ativa, a ser suspensos os atos de cobrança administrativa, a ser interrompidos os procedimentos de execução judicial, inclusive com a liberação de penhoras realizadas em momento posterior ao da adesão.

Diante desse breve histórico das etapas de consolidação do parcelamento previsto na Lei 11.941, suponhamos que um contribuinte tenha feito a opção por não incluir a totalidade de seus débitos no benefício e tenha indicado aqueles que efetivamente pretendia parcelar. Para os débitos incluídos no parcelamento, o contribuinte obteve certidões positivas com efeitos de negativas e teve bens anteriormente penhorados (dinheiro, imóveis, veículos, etc) liberados nas execuções fiscais nas quais era executado. Suponhamos que na oportunidade de retificação das opções, na etapa final de consolidação do parcelamento, o contribuinte desista de parcelar tais débitos, requerendo o aproveitamento dos pagamentos efetuados para outras dívidas.

Ora a suposição é um típico exemplo de venire contra factum proprium. É perfeitamente possível destacar uma conduta original do contribuinte (a declaração de inclusão de débitos no parcelamento), uma conduta posterior contraditória (a retificação da declaração, incluindo outros débitos) e os prejuízos decorrentes da mudança de comportamento (expedição de certidões, suspensão das execuções fiscais, liberação de bens penhorados).

A declaração e o comportamento contraditório do contribuinte cria para a Fazenda Nacional a pretensão de reparação dos danos provocados pela quebra das expectativas, incluindo a extinção do seu direito subjetivo de proceder à retificação abstratamente permitida.

Portanto, ainda que não haja confiança da Administração Tributária, pois não há criação de obrigações tributárias sem lei anterior que as institua, a previsibilidade e estabilidade da relação jurídica obrigacional e a coerência dos atos e declarações dos contribuintes perante o Fisco devem ser preservados. E um importante meio de garantia consiste na proibição do abuso do direito e de seus tipos objetivos, como o venire contra factum proprium.

3 As modificações de jurisprudência em Direito Tributário

Em tese onde expõe com precisão os possíveis efeitos de modificações de jurisprudência em Direito Tributário contra a segurança jurídica, a previsibilidade e a estabilidade das relações entre Fisco e contribuintes, Misabel Derzi alerta que, frente aos atos do Poder Judiciário, os princípios consagrados expressamente nas limitações constitucionais ao poder de tributar são escassos para proteger as expectativas legitimamente geradas nos contribuintes.

A tese da necessidade de proteção da confiança contra modificações de jurisprudência em Direito Tributário que agravem a situação dos contribuintes parte da conclusão de Carnelutti de que toda a decisão judicial veicula uma resposta particular e uma resposta geral. A resposta particular pode declarar a existência ou não de uma relação jurídica, pode constituir ou modificar direitos, pode condenar nos mais diversos tipos de obrigações. Já a resposta geral é dada a partir da análise da pretensão e da fundamentação de sua procedência ou improcedência.

Assim, a resposta particular, ou seja, o dispositivo da decisão, visa a pacificar e compor os conflitos de interesses do caso concreto e está voltada para situações que ficaram no passado. O mesmo não acontece com a resposta geral, que cria a expectativa de que aquele órgão julgador vai fundamentar o mesmo grupo de casos com as mesmas razões. Logo, a resposta geral, ou seja, a fundamentação da decisão, cria uma expectativa normativa voltada para o futuro e não para o passado.


A sentença seria, portanto, ato pluridimensional, já que é prolatada no presente, que julga conflitos de interesses ocorridos no passado, mas que cria expectativas para o futuro, de que casos semelhantes deverão ter a mesma solução, isto é, deverão ter idêntica resposta judicial.

Nessa perspectiva, se é dada uma resposta geral a uma pergunta geral, está criada uma jurisprudência. Posteriormente, se for dada uma resposta geral diferente para aquela mesma pergunta geral, está modificada a jurisprudência original. É para essa mudança repentina de entendimento, própria dos Tribunais Superiores, que modifica norma judicial anterior que gerou expectativas nos jurisdicionados, que deve estar assegurada o princípio da proteção da confiança.

A modificação de atos e normas, seja do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário, é imanente à rotina e ao exercício das prerrogativas do Estado. Normalmente, as mudanças de atos e normas acompanham e se adaptam às mudanças do mundo dos fatos. A tese de Misabel Derzi não questiona a possibilidade de mudanças de jurisprudência, tampouco defende uma higidez permanente ou imutabilidade dos julgados. Apenas busca conciliar as mudanças com as expectativas criadas nos contribuintes que pautaram as suas condutas e empreenderam os seus planejamentos nas declarações e comportamentos anteriores do Poder Judiciário.

Os princípios constitucionais da irretroatividade e não-surpresa se referem às leis e não aos atos do Poder Judiciário. Fragilizadas as limitações constitucionais ao poder de tributar para preservar a justiça no caso concreto, caberia ao princípio da confiança legítima proteger as expectativas normativas criadas pelo Poder Judiciário. Pelo princípio da irretroatividade, regra geral, as leis novas regulam situações futuras e não alcançam situações estabilizadas no passado. Para a jurisprudência, como não vale a irretroatividade, através da confiança legítima as modificações teriam efeito parecido. Assim se expressou a professora mineira:

Dois fatos foram muito importantes, como vimos, para a aplicação análoga do princípio da irretroatividade das leis às mutações jurisprudenciais: a aceitação de que o juiz não apenas aplica mas também cria Direito; e a constatação de que a jurisprudência consolidada é uma norma vinculativa, abstrata, genérica, similar às normas legais. Sem se confundir com as leis, a modificação de jurisprudência consolidada, que se impunha como norma observada por todos, é novo encontro do Direito, parecido com o advento de uma nova lei11.

Vale ressaltar, todavia, que a tese de proteção pela confiança contra modificações de jurisprudência somente garante expectativas dos contribuintes, já que a autora rechaça o alcance do princípio para a defesa de pretensões fazendárias.

Mas o Fisco também está exposto aos mesmos efeitos gravosos, decorrentes da modificação drástica de jurisprudência tributária em seu desfavor. A Administração Tributária também cria expectativas a partir de um entendimento consolidado dos Tribunais e, a partir disso, orienta toda a sua atividade de administração, fiscalização e cobrança de créditos tributários.

Ademais, na relação triangular processual, o Fisco e o contribuinte ocupam vértices opostos mas eqüidistantes do juiz, sendo que as suas decisões vinculam de modo idêntico ambas as partes. Na relação processual, não há privilégios da Administração, nem supremacia dos acontecimentos ou domínio de informações. Na relação processual, vigoram os princípios da imparcialidade do juiz, da igualdade, do contraditório, da liberdade das partes. Para as situações excepcionais em que a Fazenda Pública detém de prerrogativas processuais (como os prazos privilegiados e a ciência dos atos judiciais mediante vista dos autos), todas as ressalvas já estão determinadas pela lei, que é interpretada restritivamente. Portanto, na defesa do mérito das pretensões, vige a isonomia processual entre Fazenda e contribuintes.

Na prática, o que se vê é que essa diferença de forças, entre a Fazenda e contribuinte, geralmente é compensada ou ao menos minimizada pela observância dos princípios formadores do processo. O Poder Judiciário, para cumprir o seu encargo de efetivar a igualdade entre as partes, assume a responsabilidade de não criar desigualdades e de neutralizar aquelas que existem entre Fazenda e contribuinte, no sentido empregado por Cândido Rangel Dinamarco:

A leitura adequada do art. 125, inc. I, do Código de Processo Civil, mostra que ele inclui entre os deveres primários do juiz a prática e preservação da igualdade entre as partes, ou seja: não basta agir com igualdade em relação a todas as partes, é também indispensável neutralizar desigualdades. Essas desigualdades que o juiz e o legislador devem compensar com medidas adequadas são resultantes de fatores externos ao processo – fraquezas de toda ordem, como pobreza, desinformação, carências culturais e psicossociais em geral. Neutralizar desigualdades significa promover a igualdade substancial, que nem sempre coincide com uma formal igualdade de tratamento porque esta pode ser, quando ocorrentes essas fraquezas, fontes terríveis de desigualdades. A tarefa de preservar a isonomia consiste, portanto, nesse tratamento formalmente desigual que substancialmente iguala12 (grifos do autor).

Então, as expectativas da Fazenda perante entendimentos pacificados nos Tribunais não devem ser preteridas ou jogadas à própria sorte ou ao total desamparo. Se a confiança não serve para acolher pretensões fazendárias, é necessário recorrer a outros princípios, tais como a boa-fé, o equilíbrio financeiro e orçamentário, a proporcionalidade, a razoabilidade, a solidariedade fiscal, o planejamento estatal.

Utilizamos o RE 240.785/MG, ainda em tramitação no Supremo Tribunal Federal, como exemplo. O ICMS, que faz parte do preço das mercadorias e serviços sobre os quais recai o imposto estadual, sempre foi glosado como elemento da base de cálculo do PIS e COFINS, que incidem sobre o faturamento e receita bruta das sociedades devedoras.

A inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS é balizada inclusive por jurisprudência pacificada13 e sumulada14 no Superior Tribunal de Justiça, a quem compete decidir conflitos de interesses fundados em normas infraconstitucionais.

Os diversos precedentes em seu favor criam para a Fazenda Nacional a expectativa normativa de que os Tribunais Superiores dêem para a mesma pergunta geral (o ICMS faz parte da base de cálculo do PIS e COFINS?) a mesma resposta geral (por ser parte integrante do preço e por incidir o PIS e COFINS sobre faturamento e receita bruta da empresa, o ICMS faz parte da base de cálculo do PIS e COFINS).

Se vencida no STF a tese contrária e modificada a jurisprudência, é imperioso que a Corte proponha a modulação de efeitos da decisão. Se não em razão da confiança nos atos do Poder Judiciário, a modulação pode ter por base, além das razões de interesse público e excepcional interesse social, já previstas pela Lei 9.868/99: a boa-fé do Fisco, ao agir em conformidade com a lei e com precedentes judiciais em seu favor; a perda de parte significativa de arrecadação, atentando contra o planejamento, a adequação e equilíbrio das despesas e receitas públicas; a socialização dos deveres e prejuízos decorrentes da solidariedade fiscal.

Contudo, reconhecendo a força vinculante ou persuasiva da jurisprudência dos Tribunais Superiores, admitimos que a quebra de expectativas a partir de modificação de jurisprudência, criando ou majorando obrigações para os contribuintes, ou causando graves prejuízos à atuação da Administração Tributária e aos cofres públicos, deve ser compensada pela modulação de efeitos da nova norma judicial criada.

4 Conclusão

A relação jurídica obrigacional tributária não prescinde da previsibilidade e estabilidade necessárias para a vida em sociedade e perseguidas como um dos fins mais relevantes para o Direito. Não obstante a Constituição brasileira ser uma das mais meticulosas na discriminação dos princípios tributários, há situações concretas em que a justiça fiscal pode escapar às normas constitucionais expressas.

Um cenário de justiça fiscal pressupõe uma correta divisão de bens, deveres e direitos, um dever genérico de não prejudicar, uma relação de lealdade e não de desconfiança entre Fisco e contribuintes. Como já advertiu Niklas Luhmann, a desconfiança tem um potencial imensamente destrutivo, para qualquer sistema. No Tributário, a desconfiança exige que a Administração Tributária aumente progressivamente a exigência e controle de informações dos contribuintes, criando uma infinidade de obrigações acessórias que acabam por aumentar a resistência ao tributo e por incentivar práticas evasivas e sonegatórias.

Nesse sentido, se por um lado a segurança jurídica do contribuinte deve ser otimizada pelos princípios da legalidade, irretroatividade, não surpresa e confiança legítima, a previsibilidade e estabilidade para a Administração Tributária devem ser aperfeiçoadas através da coibição do abuso de direito, especialmente no que tange às declarações e comportamentos contraditórios ou ao venire contra factum proprium.

Do mesmo modo que a atuação contraditória do contribuinte, a modificação de jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores, sem alteração relevante das leis, pode causar graves prejuízos à Administração Tributária, requerendo a devida modulação de efeitos da decisão.


Além das razões de interesse público e excepcional interesse social, já previstas pela Lei 9.868/99 como causas de restrição de efeitos ou de definição temporal da eficácia da decisão em sede de controle de constitucionalidade pelo STF, outros princípios podem ser invocados para justificar a modulação de efeitos, de modo a favorecer às legítimas expectativas do Fisco.

Notas

1 CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2000. p. 256.
2 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 936
3 FRADA, Manoel Antônio de Castro Portugal Carneiro da. Teoria da confiança e responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 2002.
4 MAURER, Hartmut. Elementos de Direito Administrativo Alemão. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2001. p. 70.
5 COUTO E SILVA, Almiro. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no Direito Público brasileiro e o direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei do Processo Administrativo da União (lei n. 9.784/99), RBDP, Belo Horizonte, ano 2, n. 6, p. 7-59, jul./set. 2004.
6 LUHMANN Niklas. Confianza. Trad. Amanda Flores. Santiago: Anthropos Universidad IberoAmericana, 1996, p. 53.
7 DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2009. p. 328.
8 CORDEIRO, Antônio Manuel Menezes. Da boa-fé no Direito Civil. Coimbra: Almedina, 2007. p. 671.
9 CORDEIRO, op. cit., p. 680-681.
10 CORDEIRO, op. cit., p. 753.
11 DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência no Direito Tributário. p. 550.
12 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil I, 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 208-209.
13 REsp 496.969/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 14/03/2005; REsp 668.571/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 13/12/2004;Resp 572.805/SC, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 10/05/2004; Ag 666.548/RJ, Rel. Min. Luiz Fuz, DJ de 14/12/2005.
14 Súmula 68: A parcela relativa ao ICM inclui-se na base de cálculo do PIS. Súmula 94: A parcela relativa ao ICMS inclui-se na base de cálculo do FINSOCIAL.

Referências bibliográficas

CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2000.
FRADA, Manoel Antônio de Castro Portugal Carneiro da. Teoria da confiança e responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 2002.
CORDEIRO, Antônio Manuel Menezes. Da boa-fé no Direito Civil. Coimbra: Almedina, 2007.
COUTO E SILVA, Almiro. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no Direito Público brasileiro e o direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei do Processo Administrativo da União (lei n. 9.784/99), RBDP, Belo Horizonte, ano 2, n. 6, p. 7-59, jul./set. 2004.
DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2009.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil I, 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
LUHMANN Niklas. Confianza. Trad. Amanda Flores. Santiago: Anthropos Universidad IberoAmericana, 1996.
MAURER, Hartmut. Elementos de Direito Administrativo Alemão. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2001.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.


O dever geral de vedação à elisão: Uma análise constitucional baseada nos fundamentos da tributação brasileira e do direito comparado

Autor: Daniel Giotti de Paula, Procurador da Fazenda Nacional em Itaboraí-RJ, pós-graduado em Direito Econômico e Empresarial pela UFJF, mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio, professor de Direito Constitucional no Rio de Janeiro.

Veículo: Revista da PGFN, ano 1 número 1, jan/jun. 2011

RESUMO – Atualmente, as bases da tributação são liberdade, igualdade e solidariedade. A livre iniciativa não pode implicar abuso das leis tributárias e condutas elisivas, violando a igualdade tributária, sobretudo em sua face de neutralidade fiscal entre os agentes econômicos, e o dever de solidariedade, requerendo de todos que paguem a quantia certa de tributos. O presente trabalho pretende analisar a norma geral antielisiva brasileira (o artigo 116, do CTN), investigando se ela deriva apenas de um dever geral de vedação a condutas elisivas com base nos princípios constitucionais tributários. Em seguida, busca-se uma nova abordagem da segurança jurídica, que seja adequada com a concepção de Sociedade de Risco de Ulrich Beck, na qual o direito, como técnica normativa, não mais é capaz de prever toda conduta humana e estipular para sua violação uma sanção. Ademais, o artigo testa como tem funcionado a aclimatação das doutrinas do propósito negocial e da substância sobre a forma no Brasil, partindose de uma perspectiva jurídica pós-positivista ou não-positivista. Ao final, mostra-se um modo dinâmico para se reconhecer condutas proibidas, utilizando uma interpretação das relações empresarias a partir dos critérios do tempo e contexto.

Introdução

Tive a grata oportunidade de participar do Seminário sobre Norma Geral Antielisiva , coordenado pela Receita Federal do Brasil, nos dias 04 e 05 de outubro de 2010, em Brasília. Palestrantes de renome nacional e internacional, autoridades públicas e professores universitários, ofertaram entendimentos e críticas sobre o tema.

Não é a primeira vez em que a Receita Federal do Brasil trata do tema, pois entre 06 e 08 de agosto de 2001 houve seminário internacional sobre elisão fiscal em Brasília, disponibilizado na forma de anais no sítio do órgão fazendário . Repise-se, inclusive, que houve tentativa de regular a matéria, por meio da Medida Provisória nº 66, de 29 de agosto de 2002, publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 30.08.2002, cujos artigos 13 a 19, que tratavam da norma geral antielisiva, acabaram não sendo convertidos em lei.

No novo seminário realizado, que pretende dar subsídio para a fixação de parâmetros na regulamentação da norma geral antielisiva, alguns consensos foram firmados, segundo impressão pessoal: 1) a liberdade de conformação dos negócios privados pelo particular não está imune ao controle dos órgãos fazendários; uma vez que 2) o Direito Tributário não mais pode conviver com a tipicidade cerrada em um ambiente de solidariedade e neutralidade concorrencial da tributação; de modo que 3) deixar ao juízo exclusivo do Poder Executivo o estabelecimento do que seja ou não prática elisiva pode gerar insegurança e arbítrio.

A partir dessas premissas, das quais não me afasto, proponho estudo sobre a existência de um dever geral de repúdio a normas elisivas, fundamentada em tríplice base jurídico-normativa: solidariedade, isonomia tributária e neutralidade concorrencial da tributação e à segurança jurídica. Amparo-me, sobretudo, na experiência italiana, muito bem explorada por Marco Greggi, professor de Direito Tributário e Direito Tributário Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de Ferrara durante o seminário, propondo uma leitura eminentemente constitucional do tema do planejamento tributário.

Sob esse viés, pretendo provar que não existe uma necessidade propriamente de ter sido inserida uma norma geral antielisiva no ordenamento jurídico brasileiro, estando ela dentro de uma visão nãopositivista do direito, que repele qualquer abuso nas formas jurídicas, ao tempo, porém, em que defende ser interessante, do ponto de vista jurídicoeconômico, estabelecer um procedimento claro de repúdio às condutas antielisivas, sobretudo no caso das pessoas jurídicas, cuja economia de tributação pode levar a conquistas de mercado. Segurança jurídica, sim, mas em termos pós-modernos, em uma sociedade de risco.

Por outro lado, repele-se qualquer tentativa antidemocrática e antirepublicana das autoridades fazendárias em fazer uso da norma geral antielisiva como expediente para aumento arrecadatório , ao mesmo tempo em que se critica postura que enxergue em pretensa liberdade negocial o espaço para que o dever de todos contribuírem com as despesas públicas seja desrespeitado.

No estabelecimento de critérios, deixa-se fixado que, no caso de práticas utilizadas por sociedades empresárias, mormente aquelas que atuem em campos altamente competitivos, que culminem na redução de pagamento de tributo, a análise do Fisco não pode desconsiderar os desequilíbrios gerados. No caso de uma prática elisiva cometida por uma pessoa física, embora a isonomia tributária seja afetada, pode-se graduá-la como menos lesiva juridicamente. Essa diferenciação, inclusive, pode levar a tratamentos diversos quanto às multas a serem aplicadas, a partir da lesão a bens jurídicos diversos.

Invade-se o campo aberto dos princípios, por óbvio, pois muitas vezes um princípio pode ser afastado em detrimento do outro. No entanto, optase aqui por se fazer um juízo duplo de proporcionalidade ou razoabilidade de medidas que possam constituir práticas abusivas, é dizer, estabelecem-se critérios apriorísticos na legislação tributária do que não seja vedado, embora no caso concreto se possa caracterizar uma prática como abusiva.

2 A liberdade , a igualdade e a solidariedade como fundamentos da tributação

O Direito atual, afastando-se do liberalismo político clássico, não trabalha mais no campo da liberdade absoluta. Discute-se, nos lindes do Estado Democrático de Direito, o status que a liberdade deve ter. Não que se esqueça da influência da filosofia contratualista na formulação do próprio conceito de Estado, concebido como um ente abstrato para garantir a segurança dos cidadãos, antes ameaçados por um ambiente no qual todos podiam tudo. Uma pretensa liberdade absoluta, sem limitações institucionais, escondia o risco de se instaurar uma guerra de todos contra todos (HOBBES, 2003: 109).

Liberdade e igualdade andam pari passu nesse sentido. Poder-seia argumentar que em uma sociedade sem Estado a igualdade tenderia à plena concretização, pois os bens estariam disponíveis ao alcance de todos. Mas isso nada mais é que a gramática ilusória da igualdade (VEIRA, 2006, p. 283), pois seria a institucionalização do monopólio da força, como o veículo próprio da conquista dos bens da sociedade.

A solução inicial, e aqui se está pisando sobre o terreno do Estado de Direito, foi conceber o Estado como um ente que garantisse a segurança, interferindo o menos possível no campo da autonomia privada dos agentes econômicos.

No que concerne à tributação, tinha-se uma visão individualistaprotetiva, de modo que se criaram normas jurídicas veiculando proibições ou restrições à atividade estatal. Falava-se aqui nos princípios da legalidade, irretroatividade, anterioridade e tipicidade (GRECO, 2009).

Dentre os princípios, o mais importante era o da legalidade tributária. Embora se possa associá-lo a movimentos anteriores às revoluções liberais do Século XVIII, como à Magna Carta de 1215, estreme de dúvidas que ele encontrou eco, sobretudo, nas constituições surgidas após as revoluções americana e francesa. Do princípio derivou a máxima no taxation without representantion, assumindo-se que como a tributação invadia a esfera de liberdade privada só o consentimento poderia levar à legitimidade do tributo (LODI, 2008: 216-217).

Com a criação de Estados Sociais, tentaram-se anular os reducionismos que a proposta liberal fazia da sociedade, que em essência mantinham uma gramática ilusória da igualdade, pois se contentavam apenas em mitigar a força física como critério justo de distribuição de recursos por outros tipos de força, mais veladas, como a força política, a força econômica, a força social etc.

O discurso de que com liberdade se garantia um campo próprio para a realização do homem escondia as relações de hipossuficiência que os momentos constituintes ignoravam.

Criaram-se, então, direitos econômicos, sociais e culturais, tentativas de o Estado equilibrar relações que, analisadas sob o prisma da realidade, já se regiam pela diferença e não pela igualdade. O direito de propriedade, por exemplo, não era mais visto como absoluto, devendo atender a uma função social . Essa tentativa de conciliar liberdade e igualdade gerou releituras em todo o Direito, não ficando o Direito Tributário infenso ao novo papel que se lhe atribuía.

A partir dessa nova perspectiva, os tributos deixam de ser excepcionais, passando a instrumentos de receita pública derivada, dos quais, continuadamente, o Estado se valia para atender aos objetivos assumidos na redução das desigualdades sócio-econômicas.

Nesse sentido, não bastava mais a observância de critérios formais para se chegar à juridicidade de um tributo, sendo importante a observância da capacidade de cada cidadão ou sociedade empresária para arcar com a tributação devida.


A dinâmica das relações sociais, porém, não se contentou com a pretensa conciliação entre liberdade e igualdade. Não bastava a mera preservação de um espaço próprio para a realização do ser humano, nem que as desigualdades fossem atenuadas por atuação do Estado ou de particulares, tornando-se premente um terceiro passo, dando-se concretude ao valor da solidariedade.

Na verdade, sem adotar a postura de que tributo é norma de rejeição social, parece que “é um fato cultural, histórico, desconfiar do Estado e ver a arrecadação dos impostos como ‘subtração’, ao invés de contribuição a um Erário comum” (SACHHETO, 2005: 14).

Além de se buscar igualdade material no ônus de suportar a carga tributária, enfatiza-se um dever geral de que todos arquem com o custeio das despesas públicas. O exemplo mais claro de país em que se adota, expressamente, a solidariedade como fundamento da tributação é a Itália, em cuja Constituição está estabelecido que “todos devem concorrer com as despesas públicas em relação com sua capacidade contributiva” (art. 53, da Constituição italiana).

Segundo o jurista italiano Claudio Saccheto, a mudança não é apenas semântica, significando, sim, que a prestação tributária deixa de ser entendida como “fruto de uma auto-imposição da comunidade organizada à vista da atuação dos valores compartilhados de liberdade e dignidade da pessoa humana, mas, ao contrário, como imposição heterônoma desarticulada das razões do vínculo social mais geral e abrangente, entre aqueles que se entrelaçam na comunidade politicamente organizada” (SACHETTO, 2005: 14).

A seguir, o tributarista pontua que a Constituição italiana fez uma opção pela solidariedade como “critério de avaliação primária do legislador quando tiver de decidir se os interesses que irá regular devem ser entregues à autonomia privada ou a disciplinas de natureza pública” (SACHETTO, 2005: 14).

Essa idéia, expressa na Constituição italiana, porém, não é meramente paroquial. No Brasil, entende-se que a solidariedade na tributação advém do próprio propósito que se tem com o Estado brasileiro de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, CF).

Infelizmente, os estudos sobre a solidariedade como fundamento da tributação, no Brasil, não têm o mesmo grau de sofisticação da doutrina italiana, que chega a diferenciar o tratamento fiscal dado a residentes e estrangeiros: os primeiros onerados em razão da solidariedade política; os outros, em razão da solidariedade econômica e social, muito embora se reconheça, por obvio, que o fundamento é um só – a solidariedade – e que a diferenciação entre uns e outros é de quantidade de obrigações advindas (SACHETTO, 2005: 19-20).

A partir dessa perspectiva, não há como se entender o tributo apenas radicado na liberdade, como se fora prestação correspectiva-comulativa diante da distribuição de vantagens específicas para o obrigado, mas como dever de concorrer para a própria subsistência do Estado (SACHETTO, 2005: 21).

Não se deve olvidar, portanto, que o tributo, embora originariamente vinculado às liberdades civis, atualmente, ganha contornos mais amplos. Prossegue sendo o preço da liberdade, segundo Ricardo Lobo TORRES (2005:567), com apoio na lição de Josef Isensee, mas tem algo mais, pois representa, a um só tempo, um dever fundamental e gera o direito de exigir a prestação de serviços públicos.

Se esse entendimento pode ser mais aceitável para os tributos vinculados, como as taxas e as contribuições, parcela considerável na doutrina, apegada a um textualismo jurídico, que erige legalidade e tipicidade como vigas-mestras do sistema tributário, tem dificuldades em ver essa característica nos impostos. Afinal, os impostos não têm destinação específica, é a lição dada pela doutrina tradicional.

Essa visão jurídica encontra eco na análise econômica da atuação dos agentes privados. Segundo o economista Luiz Arruda VILELLA (2002:33), embora coletivamente se perceba certo equilíbrio entre o que a sociedade paga a título de tributo e aquilo que recebe em contraprestação, o agente privado sabe que não existe essa correspondência unívoca entre o que paga e o que recebe. Essa postura se mostra racional economicamente, pois a ausência de recolhimento de tributo, encoberta por uma prática aparentemente lícita, não gera a suspensão dos benefícios estatais, afinal a máquina judiciária continuará a existir, os serviços públicos continuarão a ser prestados.

No entanto, além da questão de os impostos poderem ter parte de suas receitas constitucionalmente definidas, o que mais interessa marcar é que muitas vezes essa postura textualista, exigindo uma previsão cartesiana de quais condutas são ou não tributáveis, não se compatibiliza com o discurso que cobra do Estado a concretização de uma infinidade de direitos fundamentais que a pródiga Constituição brasileiro nos relegou.

Nega-se, portanto, a face oculta dos direitos fundamentais, que são os custos necessários para sua implementação (HOLMES; SUSTEIN, 1999), obtidos pelo Estado, sobretudo, pelo pagamento de tributos, falando-se, em um dever fundamental de pagar tributos.

Fique esclarecido que não só os direitos de segunda e terceira gerações , mas também as liberdades civis, envolvem custos, como é o caso da propriedade, cuja garantia se liga umbilicalmente à existência de um aparato repressor, como a polícia, e de um órgão capaz de afastar práticas lesivas ao patrimônio privado, como o judiciário.

Afasta-se, porém, o senso comum de que os deveres negativos não implicariam custos (SILVA, 2008: 591), de modo que nenhum direito persevera com o Tesouro vazio (HOLMES; SUSTEIN, 1999: 121).

O conceito contemporâneo de tributo, assim, não pode afastar o fundamento da solidariedade, embora deva ser temperado com os valores da liberdade e da igualdade, que não foram superados, por óbvio. Os direitos ligados à liberdade e à igualdade, classicamente, foram relidos a partir da solidariedade . O planejamento tributário, decorrente da liberdade de iniciativa dos contribuintes, é um exemplo dessa releitura.

3 Planejamento tributário e autonomia da privada a partir de uma leitura constitucionalmente adequada : leituras constitucionais possíveis por distintos órgãos estatais

Não se vive mais sob as hostes de um liberalismo político clássico, em que a liberdade ganha contornos absolutistas. Tampouco se espera, na atual quadra histórica, que se viva sob o manto de um Estado totalmente paternalista, o qual, pressupondo que os cidadãos não tenham a capacidade racional para realizar suas próprias escolhas, tente normatizar todos os âmbitos da vida (GARCÍA, 2005).

O Estado Democrático de Direito admite que haja um espaço próprio para a livre atuação dos indivíduos nas mais variadas esferas, entre as quais a econômica, por óbvio, mas, assumindo que a liberdade sem limites pode levar a uma situação de opressão de uns pelos outros, opta por colocá-la no mesmo plano de outros valores, como a igualdade e a solidariedade.

Essa opção por conjugar valores que podem, concretamente, conflitar entre si, levou a adoção também de normas jurídicas que, sob o prisma dogmático-jurídico, podem colidir, reclamando dos intérpretes juízos de ponderação.

Tratando especificamente da autonomia privada, se essa era louvada como a essência de um Estado liberal, ao qual caberia apenas se autoconter e conter os outros indivíduos para não agir em posição conflituosa contra a liberdade dos sujeitos de direito; nas Constituições dos Estados Sociais, que estabeleceram metas para a atuação do Estado e da sociedade e inseriram um catálogo de direitos econômicos, sociais e culturais, não mais tutelaram uma autonomia da vontade hipertrofiada, cobrando de todos atuação que vise à concretização das muitas promessas constituintes assumidas.

Essa equação ficou mais complexa, quando os Estados Democráticos de Direito incorporam direitos fundamentais novos, ligados à solidariedade, como a busca de um meio-ambiente equilibrado, paz mundial e tolerância entre os povos.

Nesse sentido, um direito classicamente erigido como liberal, que é o da propriedade, foi relido, primeiro para vedar que ela tivesse uma função puramente egoística, servindo a caprichos e, finalmente, para que, além de atender a interesses sociais, não colocasse em risco o meio-ambiente. Daí que hoje se fale em função sócio-ambiental da propriedade.

É que, segundo lição comezinha da dogmática constitucional, os direitos fundamentais não se sucedem em gerações, sendo conquista dos povos que merecem releituras conforme mudanças da própria sociedade.

Tal lição parece não ter sido compreendida em sua inteireza por parte da doutrina tributária que defende a possibilidade de um planejamento tributário absoluto. Marciano Seabra de Godoi coloca que essa postura parte de certos valores arraigados e que não mais se compatibilizam com o atual estado de arte da dogmática constitucional e tributária nacional, quais sejam,


o tributo visto como uma agressão ou um castigo que se aceita mas não se justifica; a segurança jurídica como um valor absoluto; a aplicação mecânica e não valorativa da lei como um mito sagrado; o individualismo e a autonomia da vontade sobrevalorizados e hipertrofiados, como se vivêssemos em pleno século XXI (GODOI, 2010: 4).

Frise-se que essa maneira de enxergar o problema, que parece retomar a liberdade em sua fase primeira, e por isso incompatível com a Constituição Federal de 1988, bem diversa das Constituições liberais do século XIX, não vem sendo aceita pelos órgãos fazendários . Ademais, essa perspectiva tem sido afastada por doutrinadores que se esforçam por encontrar um conceito constitucionalmente adequado para o planejamento tributário.

Proposta interessante é de Marcus Abraham (2007). O professor carioca erige como premissas necessárias para o entendimento adequado do problema: 1) a aproximação entre o Direito Público e o Direito Privado, instaurando-se mútua influência entre as normas de cada um deles; 2) a introdução de uma preocupação com o reflexo externo dos negócios particulares pelo Novo Código Civil, a partir dos princípios da função social, da boa-fé objetiva e da ética social.

Daí que Abraham conclua que, como o Direito Tributário é um direito de sobreposição, na análise dos negócios particulares realizados pelos contribuintes, deve a autoridade administrativa, ao dar apreciação fiscal a esses fatos, atos e negócios jurídicos, considerar se o propósito econômico dos negócios é apenas o de reduzir a carga tributária, não havendo um motivo intrínseco ao próprio negócio, sob pena de declaração da nulidade.

Perceba, porém, que o valor que norteou um novo direito civil constitucional, no Brasil, foi a solidariedade, compatibilizando-se com estudos da doutrina tributária brasileira que colocam a solidariedade como fundamento da tributação.

Com base nessas poucas premissas, soa desnecessária uma norma geral antielisiva, podendo os próprios Tribunais Superiores, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) como unificador da legislação federal, interpretando a apreciação pelo Fisco dos negócios jurídicos com fulcro nos parâmetros do novo direito civil brasileiro, e o Supremo Tribunal Federal (STF), como guardião maior da Constituição Federal, fazendo juízos de ponderação entre livre iniciativa, capacidade contributiva e dever fundamental de pagar tributos, construir jurisprudência segura quanto ao planejamento tributário, adotando como parâmetro um dever geral de vedação a condutas elisivas.

Assim, têm atuado os tribunais italianos. Embora seja o exemplo, por excelência, de um direito estatutário, fez-se a opção por uma construção pretoriana ao tratar do tema, o que é muito válido nesses tempos em que a dinâmica das relações econômicas caminha mais rápido do que o processo legiferante, tema melhor explorado abaixo, quando se tratar da segurança na sociedade de risco.

A experiência constitucional italiana dá bons exemplos de como se deve entender a autonomia privada em termos de planejamento tributário. Consolidou-se que qualquer negócio empresarial ou decisão econômica, tomada com o propósito único ou principal de reduzir a carga tributária é uma violação do dever de solidariedade, que se traduz na capacidade e na obrigação de todos pagarem (o montante correto) de tributos.

Essa visada principiológica ao tema permite desmistificar a tese de que a fonte para a desconsideração de operações elisivas é diretamente legal, e não constitucional. Nesse sentido, ainda que não existisse uma norma geral antielisiva e normas de legislação tributária que apontassem pela vedação a práticas que visem exclusivamente a redução de carga tributária, os agentes fazendários e os juízos poderiam afastar condutas elisivas.

Isso leva à pergunta: existiria um dever geral de respeito às normas impositivas? O propósito negocial deve ser levado em conta? A substância sobre a forma pode ser invocada? Esse tema é constitucional ou de legislação infraconstitucional tributária?

4 O resgate dos fatos pelo direito e as teorias da argumentação: a construção de um dever constitucional de se afastar práticas elisivas

O artigo 116, parágrafo único, do CTN, gera celeumas das mais variadas. Já foi dito que ele introduziu uma norma geral antielisiva, antievasão, antielusão, antidissimulação. Apropriando-se de um termo de Nelson Azevedo JOBIM (2002: 93), a doutrina tributária sobre elisão é anárquica e parece um extraordinário caos de idéias claras. O que, afinal de contas, é elisão? Ela é lícita ou ilícita?

Há quem adote uma divisão tripartite quanto às condutas de planejamento jurídico, que poderia caracterizar evasão, elisão e elusão, utilizando na diferenciação critérios cronológico, causal, econômico e sistemático (CALIENDO, 2009: 237-238).

Não existe dúvida de que a evasão se realiza após a ocorrência do fato gerador, por meio de “conduta de má-fé do contribuinte, por ação ou omissão, de descumprimento direto, total ou parcial, das obrigações ou deveres tributários” (CALIENDO, 2009: 238).

Os dois outros conceitos, ao contrário, têm levado a enormes discussões na doutrina, embora haja predominância no entendimento de que elisão configura “uma conduta lícita em planejar os negócios privados de modo a produzir o menor impacto fiscal” (CALIENDO, 2009: 238), enquanto elusão seria “conduta em que o contribuinte modifica e distorce artificiosamente as formas jurídicas de sua atuação, com o objetivo de se colocar fora do alcance de uma norma tributária ou com o objetivo de se colocar dentro de um regime tributário mais benéfico criado pela legislação para criar outras situações” (GODOI, 2010: 2).

A opção do legislador brasileiro, porém, aponta para se entender que ao lado da evasão, sempre ilícita, existiria a elisão, que poderia ou não ser lícita. Assim, o artigo 116, do CTN, parágrafo único, quer evitar justamente a elisão considerada lícita, mas inoponível perante o Fisco (TROIANELLI, 2010: 47). Saber o que é elisão inoponível é um problema de difícil solução. Seria o abuso das formas jurídicas? A realização de negócios privados sem o propósito negocial?

Ainda não se tratará dessa questão, antes sendo necessário enfrentar a crítica de parcela considerável da doutrina, no sentido de que o dispositivo gera insegurança jurídica e depende de lei ordinária para ser aplicado. Mas será que os planejamentos tributários inoponíveis podiam ser feitos antes da Lei Complementar (LC) 104/2001 e agora estão vedados? Será, porém, que essa vedação ainda depende de leis ordinárias federais, estaduais e municipais fixarem procedimentos para que a autoridade fazendária possa “desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária”?

Por óbvio, qualquer planejamento tributário que envolvesse atos e negócios fraudulentos ou simulatórios pode ser desconsiderado por autoridades fazendárias ou por juízos e, aqui, muitas vezes, poderia resvalar o campo da ilicitude.

Na jurisprudência do STF, encontram-se julgados de fins da década de cinqüenta, em que o Tribunal desconsiderou contrato de seguro, resgatado prematuramente, apenas com o fito de o contribuinte fazer jus à dedução de imposto de renda. A decisão do Tribunal se deu sob a alegação de o ato do contribuinte ter fraudado a lei tributária, frustrando “a aplicação de normas a ele naturalmente aplicáveis”.

A construção da fraude à lei, criticada por muitos juristas, se antes poderia merecer uma reprimenda maior sob regimes constitucionais de feição liberal, não resiste a ordenamentos que apresentam uma feição social e deixam marcado o dever fundamental de pagar tributos, de modo a que todos arquem com os custos dos direitos.

Não pode soar natural, portanto, que uma lei tributária, prevendo determinada carga tributária, direcionada a todos contribuintes cujos atos se inseriram em determinada realidade econômica captada como hipótese de incidência, possa ser afastada por ardil.

Marco Aurélio GRECO (2009: 8), nesse sentido, coloca que a norma geral antielisiva, prevista no art. 116, CTN, apenas explicita algo “que já decorre do ordenamento jurídico, ou seja, não há proteção a condutas que visem neutralizar a eficácia ou a imperatividade de seus preceitos”.

É claro que não se veda a econômica de opção, é dizer, a escolha que se pode fazer entre se realizar ou não o fato gerador de um tributo (LAPATZA, 2006: 132). Como exemplo, entre optar pela aquisição de uma casa e de ações, pode o contribuinte fazer uma escolha por adquirir ações, sabendo que o ganho de capital não será tributado.

Antes de a doutrina tributária se perder na questão de se adotar ou não uma visão causalista no planejamento tributário ou ficar em estéril decisão sobre adotar o Direito Tributário uma tipicidade fechada – como se isso fosse possível em uma sociedade de risco -, vejo que a solidariedade como fundamento da tributação trouxe uma visada principiológica ao planejamento tributário, de modo que se entende que a liberdade de conformação dos negócios privados não pode frustrar a própria razão de ser da norma impositiva tributária, que é carrear recursos ao Estado para o atendimento dos direitos fundamentais.


Um princípio, portanto, pode vir a ser violado, sem que uma regra seja atacada. Duas pessoas que constituem uma sociedade, uma integralizando capital; outra, um imóvel, que, acaba sendo vendida para gerar pretenso fluxo de caixa para a pessoa jurídica. Se em espaço curto de tempo, a sociedade é desfeita, gerando ganho de capital para os dois sócios, evitando-se a tributação que o sócio deveria arcar, caso vendesse o imóvel como pessoa física, embora não se vislumbre a ofensa direta a alguma regra jurídica de direito civil – a venda foi realizada conforme as prescrições do Código Civil brasileiro –, de direito empresarial – a sociedade pode ser desconstituída pela livre vontade dos sócios a qualquer tempo – ou de direito tributário, vê-se que a causa do negócio foi elidir o pagamento de um tributo e não o exercício de uma atividade empresarial, afetando a capacidade contributiva, a igualdade tributária (ou no caso de pessoas jurídicas, a neutralidade concorrencial) e a solidariedade.

Claro que o fator tempo – a perenidade ou não do negócio praticado – não deve ser havido como critério absoluto de análise, pois circunstâncias empresarias podem levar a que uma sociedade seja desconstituída em pouquíssimo tempo. Um cotejo entre o que se obteve com a venda do imóvel e o efetivo investimento realizado no negócio pode deixar claro que havia apenas um propósito negocial, que foi frustrado pelo mercado.

Coibir práticas elisivas, portanto, não pode ser mera retórica, nem desculpa para aumentar arrecadação, inserido em um projeto maior de reaproximação da moral e do direito.

Não se contenta mais com o feitichismo da lei, como se os códigos pudessem tudo prever. Nem se toma a forma sobre a substância. Atualmente, valoriza-se a inquirição sobre os motivos e as intenções dos sujeitos de direito, mas sem cair em um subjetivismo, antes analisando as condutas a partir de um prisma de objetividade.

Nesse sentido, não se entende a insistência em defender que, como o Direito Tributário trabalha com tipos, não se poderia perquirir o propósito negocial dos atos segundo o ordenamento jurídico brasileiro. A doutrina do propósito negocial (business purpose) e da substância sobre a forma (substance over form), segundo Arnaldo Sampaio de GODOY (2010), foi fixada a partir de 07 de janeiro de 1935 pela Suprema Corte dos Estados Unidos (case Gregory v. Helvering).

Trata-se de postura jurisprudencial que pronunciou ser a substância negocial e, não a formatação jurídica do negócio, a demarcadora do alcance fiscal das transações (GODOY, 2010).

Hamilton Souza DIAS e Hugo FUNARO (2007: 63) defendem que o art. 109, CTN, atendendo o art. 146, III, CF, afastaria a possibilidade de a substância econômica prevalecer sobre a forma jurídica.

Trata-se de postura que pretende ler a Constituição pelas lentes do direito infraconstitucional, na medida em que se pretende fixar que apenas se existir lei complementar estabelecendo efeitos tributários para o abuso das formas de direito civil sem propósito negocial, poder-se-ia descaracterizar o negócio jurídico.

Lê-se, em tiras, a Constituição, desconsiderando que as ordens econômica, social e tributária devem ser interpretadas em conjunto e, mais que isso, sendo a solidariedade um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, não se pode admitir que haja uma liberdade absoluta no uso das formas jurídico-civis e empresariais, a ponto de frustrar princípios caros à tributação, como a capacidade contributiva e a isonomia.

Entender, portanto, que esses princípios se dirigiriam apenas ao legislador, e não ao intérprete (DIAS; FUNARO, 2007: 64), é desconsiderar uma nova perspectiva do direito nas sociedades contemporâneas, que não podendo ser extraído de uma única fonte social acaba sendo interpretado por vários atores sociais, a começar pelo próprio contribuinte que, previamente e analisando a jurisprudência administrativa e judicial, realiza a conduta que lhe parece adequada e menos onerosa do ponto de vista fiscal.

O pós-positivismo ou as teorias não-positivistas contemporâneas apostam que haverá muitos casos difíceis, cujas soluções não se encontrarão em regras prévias e claras, de modo que os juízes precisarão inventar novo direito sem seguir as fontes sociais (CALSAMIGLIA, 1998: 214), sobretudo a legislação, incapaz de acompanhar a complexidade das relações humanas.

Afastando-se a hegemonia do legislador, não se pode admitir que o administrador não possa definir condutas como elisivas.

Embora atreladas ao common law, as doutrinas do business purpose e substance over form tem aplicação em países de direito legislado, como é exemplo característico a Itália.

Na Sentenza 1465/2009 , a Corte Italiana definiu que à Administração Tributária incumbe a definição do que seja planejamento tributário lícito, ou na tradução literal do termo, poupança de imposto.

Veja que essa decisão revela um ponto que será explorado no próximo tópico, que é o de que a Administração Tributária teria maior expertise para definir práticas lícitas ou não de planejamento tributário. Isso, porém, não afasta a participação do legislador que pode, a partir da experiência sobre o tema, prever leis e do judiciário, que pode sindicar atos e decisões administrativas.

O Direito Tributário recuperou a análise da substância dos atos, perspectiva que vem sendo chancelada, tanto pela jurisprudência administrativa , quanto pelo Judiciário.

A verdade é que se tem uma nova dimensão de entendimento do direito, que admitindo a limitação cognitiva do homem que, seja como legislador, seja como julgador, seja como administrador, seja como contribuinte, não consegue tudo prever, não mais se fiando que apenas as regras jurídicas possam dar conta de todo o fenômeno tributário, como se fosse possível estabelecer todas as hipóteses de incidência para um tributo e quais as condutas do contribuinte se adéquam ou não ao fato gerador.

Não, por acaso, a legislação que regulamentou o artigo 116, parágrafo único, a MP 66/2002, que acabou não sendo reeditada, veio a colocar a falta de propósito negocial ou o abuso de forma como critérios na desconsideração do ato ou negócio jurídico (art. 14, parágrafo primeiro, MP 66/2002).

Essa maneira de encarar o fenômeno tributário, portanto, guarda pertinência com um novo modo de encarar o direito. O Direito não é mais um punhado de regras que tenta captar os fenômenos possíveis em sua completude, deixando uma discricionariedade forte para o juiz na hora de resolver as lacunas possíveis.

Nesse ponto, veja que o próprio Código Tributário Nacional tentou limitar a atuação dos magistrados e, nesse sentido, foi aquém da própria proposta do positivismo normativista.

Seja como for, não se admite mais que o Direito esteja reduzido a regras, recebendo influxo importante dos princípios que acabam por limitar a possibilidade de lacunas no ordenamento jurídico.

As teorias não-positivistas, dando força normativa aos princípios jurídicos, no entanto, não deixaram o terreno aberto para que se tivesse um decisionismo judicial exarcebado. Na verdade, dois dos maiores entusiastas da força normativa dos princípios, costuraram teorias que mostram estar o magistrado atrelado à discricionariedade fraca, seja porque existe apenas uma única decisão correta, na medida em que o magistrado deve estar circunscrito à jurisprudência firmada em observância aos princípios constitucionais e aos próprios valores morais de uma sociedade (Ronald DWORKIN, 1997 e 2003; FIGUEROA, 1998), seja porque existem concretizações de princípios jurídicos que os próprios legisladores fazem, ao editar as regras jurídicas, e a construção de sólida jurisprudência em tema de princípios constitucionais (Robert ALEXY, 2001 e 2008).

As duas propostas teóricas acabaram por oferecer base para a construção das teorias da argumentação jurídica, colocando ênfase especial na construção de argumentos racionais, construídos em ambientes de discursos livres, para se encontrar os sentidos consensuais dos textos jurídicos (ATIENZA, 2007).

Do ponto de vista puramente jurídico-normativo, sabe-se que na maioria dos Estados Democráticos de Direito, a motivação de atos decisórios é uma necessidade para a própria validade da decisão. Daí que o perigo de lidar com princípios redundar em mero decisionismo seja mitigado, construindo-se um ambiente em que para se afastar uma regra jurídica ou um precedente judicial exige-se um ônus argumentativo (BRANCO, 2009: 243).

É, por isso, que não se admite lógica a tentativa de se introduzir discussões sobre o abuso de formas jurídicas e o desrespeito ao propósito negocial para aferição da licitude de um planejamento tributário desnatura a tipicidade cerrada do Direito Tributário, que deve se utilizar apenas de regras claras e prévias na definição do fato gerador e de todos os outros elementos do tributo.

Além de o propósito negocial ter raiz no direito norte-americano, a fraude à lei e o abuso do direito serem construções que o próprio Estado liberal já repudiava, havendo jurisprudência das décadas de 50 e 60 do STF as vedando, fato é que a interpretação econômica não mais merece a reprimenda que teve pela doutrina tributária , fruto de um uso enviesado e ideológico realizado pela Alemanha nazista, pois hoje se deve evitar a tributação de uma situação econômica sem lei; a legalidade sem capacidade contributiva; a segurança jurídica sem justiça (TORRES, 2002: 194).


Parece-me que os avanços conquistados no âmbito da teoria do Direito, muito embora possa sempre haver algum excesso, devem afastar qualquer preconceitos quanto às análises substanciais das condutas dos contribuintes que visem, apenas e tão-somente, a uma redução ou eliminação de carga fiscal, com abuso de formas jurídicas.

Nesse sentido, abandona-se qualquer tentativa de se criar uma interpretação que seja unicamente jurídica e uma subserviência total do Direito Tributário ao Direito Civil, representada pela Escola Positivista do Direito Tributário brasileira, bem representada pelo Professor Paulo de Barros Carvalho, como apontou o Ricardo Lobo Torres durante o 1º Seminário sobre Normal Antielisiva promovido pela Receita Federal do Brasil (TORRES, 2002: 193).

Nesse sentido, as normas antielisivas são fruto de um momento de pós-positivismo (ou anti-positivismo), e, embora aumentem a insegurança, refletem essa mudança rumo a um Direito Tributário que não admita elisão abusiva ou planejamento inconsistente (TORRES, 2005/2006: 5).

Entender o problema, porém, passa pela compreensão de um novo modelo de sociabilidade humana que foi instaurado pela sociedade de risco e que trouxe nova roupagem para a segurança jurídica, não tendo o planejamento tributário ficado ileso a essa mudança.

5 Segurança jurídica e planejamento tributário: o fator risco como mitigador da tipicidade cerrada e como critério de mensuração da multa por condutas elisivas

A história do surgimento do Estado pode ser contada como a gradual busca por segurança. Todavia, assim como todos os direitos fundamentais foram relidos durante os anos, a segurança que se objetiva, hoje, não é a mesma que se almejava nos albores do Estado de Direito liberal.

As teorias liberais se fiaram numa natureza humana invariável (ROUANET, 2003: 19), mostrando que, “arrancado de sua ligação umbilical com a natureza, o homem imaginado pela modernidade carrega um corpo que é pensado conforme a metáfora da máquina, e um psiquismo em última instância reduzido à consciência racional” (PLASTINO, 2008: 203).

Se como já dito o homem teme uma vida sem Estado, em que haveria guerra de todos contra todos, pode-se dizer que o medo é um constituinte importante da sociabilidade humana. O homem só avança vencendo seus medos, arriscando-se, como revela a evolução humana.

Riscos sempre houve e eram elementos importantes da constituição do individuo, a ponto de o burguês típico querer segurança nos mais variados aspectos de sua vida: contra concorrentes, que pudessem aniquilar seus negócios jurídicos; contra o Estado e seu ímpeto para a arbitrariedade; entre outros. Mas por que hoje se fala em uma sociedade de risco?

A resposta é que a sociedade atual vive sob o influxo de outros riscos. Segundo Ulrich BECK (1999), a aceleração do processo de globalização provocou, em nível mundial, um aumento das situações de risco, a ponto de se falar que vivemos numa sociedade de risco (Risikogesellschaft). Os riscos vêm de todos os lados. Verifica-se o risco de uma catástrofe ecológica, capaz de subverter os equilíbrios naturais do planeta; persiste o risco de uma destruição atômica que dizimaria a civilização; a instabilidades dos mercados financeiros pode levar a um colapso financeiro com efeito dominó imprevisível – e a crise econômico-financeira de 2008 corroborou o risco -; isso sem falar no risco do terrorismo, nome genérico e ambíguo a indicar um conjunto de complexas e globalizadas formas de violência.

Os riscos, assim como as riquezas, são distribuídos no interior da sociedade, constituindo posições de ameaça ou de classe. Mas ao contrário delas, que seguem uma lógica positiva de apropriação, eles são geridos por uma lógica negativa do afastamento pela distribuição (BECK, 2010: 31-32).

Fala-se, portanto, em sociedades de risco, marcada pela ambivalência, pela insegurança e pelo redesenho do relacionamento entre as atribuições das instituições do Estado e da própria sociedade (TORRES, 2005/2006: 6).

A ambivalência se dá com a impossibilidade de que se construam políticas públicas consensuais, já que várias medidas a serem tomadas pelo Estado, a par de gerarem benefícios para alguns, ensejam riscos a outros, que devem ser distribuídos.

Isso leva à modificação do próprio conceito de segurança. No Estado Liberal clássico, a segurança jurídica tinha por objetivo a proteção dos direitos individuais do cidadão (TORRES, 2005/2006: 6).

Na verdade, revela-se, acima de tudo, uma crença de que existe algo intrinsicamente bom na técnica normativa em que consiste o Direito, de modo que quando o poder político atua mediante normas prévias e conhecidas pelos destinatários, os sujeitos submetidos a ele tem a capacidade de prever o seu exercício e conformarem suas atitutdes. Essa previsibilidade acaba por dotar de certa legitimidade o poder jurídico e seu direito, independentemente do conteúdo das normas jurídicas (MANRIQUE, 1994: 247).

Assim, tinha-se a segurança jurídica como “a certeza a respeito do conteúdo das normas jurídicas vigentes e a respeito do fato de que as normas jurídicas vigentes são aplicadas de acordo com seu conteúdo” (MANRIQUE, 1994: 483), conceito capaz de atender propostas teóricas do direito tão dispares como as de Gustav Radbruch e de Hans Kelsen.

Esses autores, portanto, cujas teorias foram forjadas ainda sob um viés liberal, acreditavam que a segurança jurídica era apta a fomentar ou permitir a autonomia do individuo, valor tão caro ao homem moderno, pois lhe permitia adequar suas vontades pessoais aos comandos normativos (MANRIQUE, 1994: 486).

As normas jurídicas, em sociedades menos complexas, permitiam projeções seguras para o futuro, não sendo casual a ênfase que se dava na legislação como fonte social. Havia tempo para que o Legislativo analisasse a realidade e, a partir dela, estipulasse comandos genéricos e prospectivos sobre como a sociedade deveria atuar.

A sociedade de risco contemporânea, porém, marcada por acentuada complexidade, oferece outra realidade, de modo que não é possível prever todos os riscos existentes, o que desnatura um pouco a possibilidade de normas jurídicas serem genéricas, prévias e abstratas.

É que os riscos, mesmo aqueles que poderiam ser mensurados pelas ciências ditas naturais, baseiam-se num castelo de conjecturas especulativas, de modo que o risco pode esconder o ainda não-evento que desencadeia a ação (BECK, 2010: 36 e 39).

Há danos previsíveis e a crença num suposto amplificador de riscos. Captando isso para o Direito Tributário, Ricardo Lodi aponta que, na sociedade de risco, a segurança ainda se volta para o passado, mas não pode, em absoluto, ser garantida para o futuro, de modo que a “mutabilidade da lei tributária muitas vezes é exigida pela dimensão plural da Segurança Jurídica e na Igualdade da Repartição de Receitas” (RIBEIRO, 2010: 14).

Ricardo Lobo Torres vai mais longe e trata do chamado risco fiscal, mal que pode surgir tanto da atuação de agentes estatais pelo descontrole orçamentário, da gestão irresponsável de recursos públicos e da corrupção; quanto do contribuinte pela sonegação e pela corrupção no trato com os funcionários da Fazenda e pelo abuso da forma jurídica no planejamento dos seus negócios ou na organização de sua empresa (TORRES, 2005/2006: 8).

O risco fiscal, no que tange ao planejamento tributário, passa a ser problema de capital importância para se atender aos fundamentos contemporâneos da tributação: liberdade, igualdade e solidariedade.

Assim, quem advoga a necessidade de a lei ordinária regular previa e especificamente todos os atos passíveis de serem enquadrados como elisivos ainda está preso a uma visão eminentemente liberal, em um mundo homogêneo e sem grandes abalos. Se um dia essa foi a realidade, não é mais.

O Estado Democrático de Direito, assumindo o papel de gerenciar riscos, aumentou, de modo que “a necessidade de financiamento de tais atividades estatais coloriu com novas cores o fenômeno da tributação, trazendo consigo o risco da quebra do Estado e as nefastas conseqüências que daí adviriam” (GUERRA, 2006: 215).

Daí que se possa concordar com a insuficiência normativa do art. 116, parágrafo único, do CTN, mas o que não afasta essa proibição constitucional de que os planejamentos tributários encubram desrespeitos às normas jurídico-tributárias, que sempre chegam com um déficit natural, dada a impossibilidade de prever totalmente o futuro.

A tipicidade cerrada não pode mais ser abraçada como a essência do direito tributário. Fala-se, hoje, em diálogo institucional entre os órgãos políticos (MUNHÓS SOUZA, 2010: 17), tendo ficado claro que qualquer pessoa é um intérprete autorizado da ordem jurídica, muito embora essa interpretação possa sucumbir diante de uma orientação administrativa, da edição legislativa ou da decisão final de um órgão judicial.


Tomando de empréstimo uma idéia atual de como se enxergar a interpretação constitucional, no sentido de que todos podem participar da formação da verdade, a partir da busca de um consenso, é possível se pensar que, no que toca ao planejamento tributário, contribuintes, membros dos órgãos fazendários, legislativo e judiciário, cada qual a seu tempo e em rodadas procedimentais diferentes, formatarão um inventário de atividades permitidas e atividades elisivas.

Nesse sentido, é pertinente a proposta de Marco Aurélio Greco, no sentido de que o art. 116, parágrafo único, CTN, deva ser regulado por lei ordinária apenas no que tange a aspectos procedimentais (GRECO, 2001: 437), de modo a que haja um procedimento administrativo, com a possibilidade de contraditório, e que o contribuinte possa mostrar sua boafé em atender ao dever fundamental de pagar tributos, mas apresentando uma conduta que possa implicar redução lícita no montante a ser pago.

Assim, não se abandonou a legislação como fonte por excelência do direito tributário – pelo menos é essa a intenção constitucional, um pouco frustrada por cada vez mais o Parlamento se manter inerte sobre a matéria -, mas não se pode desconhecer que, muitas vezes, é a autoridade administrativa quem tem experiência para regular o assunto e pode ter contato mais direto com a matéria – afinal, ela sabe as brechas utilizadas – e, a partir daí, tentar formular padrões de conduta (VILELLA, 2002: 36).

A experiência jurisprudencial brasileira mostra que a legalidade tributária não é absoluta, pois se chancelou a possibilidade de autoridade administrativa fixar o grau de risco da atividade preponderante de uma sociedade empresária para fins de estabelecer a alíquota do Segura sobre Acidente de Trabalho (SAT) . Essa guinada do dogma liberal da tipicidade fechada para a juridicidade e legalidade da sociedade de risco, aplaudida por parte da doutrina (LODI, 2010: 46), revela que nem sempre manter exclusivamente na arena legislativa o monopólio da produção do direito tributário implica atender os fins constitucionalmente colimados à tributação, muito embora não seja impossível que o Parlamento, a partir de dados estatísticos coligidos, venha a criar outros graus de risco no caso do SAT.

Assim, contribuintes, agentes do fisco, legisladores e juízes podem ter atuação relevante na definição de ser ou não uma conduta específica elisiva. Trata-se de incorporar a um processo administrativo-tributário, consultando o arcabouço jurisprudencial administrativo e judicial, elementos que permitam aferir condutas do contribuinte. Não havendo mais a crença em uma segurança jurídica absoluta, buscam-se indícios de quais práticas sejam lesivas e a partir daí fixam padrões de conduta, embora provisórios, pois uma nova rodada procedimental (MENDES, 2008: 166) de discussão pode ser aberta no judiciário, o que inclusive pode motivar alguma correção legislativa da jurisprudência.

Esse trabalho de construção compartilhada da verdade, não mais aceita como uma correspondência entre fato e realidade, na esteira do essencialismo lingüístico, também afasta uma pretensa vulnerabilidade cognoscitiva do contribuinte (MARINS, 2009: 40), pois se é verdade que é difícil acompanhar a legislação tributária, não é menos verdade que a criatividade humana na tentativa de realização de economia de tributos é inabarcável e, muitas vezes, a complexidade se deve à tentativa de se criar justiça fiscal, coibindo práticas elisivas e pugnando por isonomia nas relações jurídico-tributárias.

Por outro lado, não se deve desconsiderar que as autoridades fazendárias, quando quiserem afastar um planejamento tributário, possuem duplo ônus de prova, não lhe bastando provar a finalidade de elidir, mas também de qual fato gerador efetivamente ocorreu (DI PIETRO, 2002: 117).

Ademais, adotando-se a complexidade como um fato marcante da legislação tributária , não se pode tolerar a tentativa de impor multa de ofício, qualificada, para qualquer tentativa de economia de tributo.

Um primeiro ponto que chama a atenção é que a conduta do contribuinte deve ser analisada à luz da jurisprudência firmada ao tempo do ato ou negócio celebrado. Se havia reiterados julgamentos administrativos ou judiciais apontando para a oponibilidade de sua conduta ao Fisco como um planejamento tributário lícito e eficaz, não há razão para que se tente censurar a conduta, ainda que seja possível modular efeitos da decisão, no sentido de que a partir de determinado momento não mais se admitirá a “economia de tributo”.

Isso gera problemas em saber o que seria a jurisprudência reiterada. Se pode haver alguma zona cinzenta, no caso de, por exemplo, entre dez decisões, verificar-se que seis são a favor da inoponibilidade e quatro a favor da oponibilidade, a medida em que aumenta a diferença, dentro de um certo quadro temporário, fica fácil aquilitar qual a jurisprudência. Ademais, os próprios Tribunais administrativos e judiciais, não raro, apontam em uma decisão paradigma que estão empreendendo mudança de orientação, o que serve para aquilitar o marco inicial da nova jurisprudência.

O segundo ponto foi bem captado por Gabriel Lacerda Troianelli. Na verdade, analisando o art. 44, parágrafo único, da LF 9.430/1996 e a referência que esse parágrafo fez a dispositivos da lei 4.502/64, concluiu pela impossibilidade de aplicar-se a multa agravada aos contribuintes que, “às claras e sem tentar ocultar a ocorrência do fato gerador ou de algum de seus elementos, praticar ou negócios que, embora líticos, tenham seus feitos tributários desconsiderados pelo Fisco” (TROIANELLI, 2010: 55).

Deve, no entanto, ficar provado cabalmente a ausência de propósito fraudulento e ainda verificar se não há norma que rotule a conduta, imputando-a alguma multa em percentual próprio, em exercício legítimo do legislativo para coibir condutas que afetam os pilares constitucionais da tributação, desde que observe, por óbvio, os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Embora aponte que os artigos 17 e 18 da MP 66/2002 , deixavam claro que não deveria haver multa agravada no caso dos planejamentos tributários inoponíveis com base na boa-fé dos contribuintes (TROIANELLI, 2010: 55), seria bom, de lege ferenda, determinar a aplicação de multas agravadas para manifesta má-fé, que pode ser dar, por exemplo, para o caso de contribuintes que defendem, no âmbito do CARF, que existiam, de fato, estruturas empresariais diversificadas, enquanto no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), por hipótese, defendem que determinado arranjo empresarial apenas serviu para propósitos fiscais.

Após as investigações realizadas, chega-se ao derradeiro passo: como se verificar real propósito negocial e não mera tentativa de economia de tributo?

6 Análise dinâmica e complexa dos negócios privad os: os fatores tempo e contexto como vetores impres cindíveis na análise de planejamentos tributários à luz da livre concorrência e outros princípios constitucionais

A tributação se presta, dizem os economistas, a uma transferência de recursos do setor privado para o setor público, que pode gerar distorções na economia, orientando conduta dos consumidores conforme o preço de produtos e serviços, afetados pelos preços, proporcionais aos custos que os tributos geram.

Isso seria um efeito não-intencional da tributação que merece ser evitado pelo direito.

Todo agente econômico, portanto, tentará evitar o tributo, o que é normal em um processo de aquisição de riqueza. Sem importar com os rótulos jurídicos para essa prática, se elisão ou evasão, Luiz Alberto Vilella assevera que as economias de escala obtidas por um agente econômico que recolher menos tributo ou deixa de recolhê-lo, gera distorções no mercado.

Na verdade, essas distorções dependem de duas variáveis importantes: o número de competidores envolvidos e o peso da carga tributária nos custos envolvidos (VILELLA, 2002: 32). Quanto menor o número de competidores e maior a carga tributária, mais a tributação pode influir na concorrência, de modo que se torna difícil para que um dos players, o qual esteja de acordo com a tributação na forma abstrata e genericamente prevista na legislação tributária, concorrer com aqueles que evitam ou evadem tributos, mesmo que seja mais eficiente.

É bem verdade que há estudos que indicam que o repasse ao contribuinte de fato, o consumidor, é uma realidade brasileira, ainda carente de uma reforma tributária e de mais cidadania fiscal, concretizando o comando constitucional que visa a informar o contribuinte sobre o quanto se paga de tributo em cada produto ou serviço, enfim, que trague transparência fiscal (art. 150, § 5º, CF).

De qualquer sorte, o problema dos efeitos tributários para a concorrência não passou desapercebido ao legislador constituinte reformado que, nesse sentido, institui o artigo 146-A, CF, constitucionalizando expressamente algo que adviria implicitamente de outros princípios constitucionais (PAULA, 2008).

A neutralidade fiscal, termo preferido pela doutrina tributária européia, vem sendo aplicado no âmbito do direito comunitário europeu, servindo como orientação na feitura e interpretação da legislação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), de modo a que ele seja um tributo neutro, e, no campo das estruturas negociais, tem-se a neutralidade como fundamento para diretiva que conduza a edição de legislação européia favorável a rearranjos societários, transformando empresas nacionais em “comunitárias”, sem que a taxação diferente entre os países possa obstaculizar a restruturação (NOVOA, 2010: 5).


Se, no Brasil, ainda não se tem uma construção teórica e aplicação prática da neutralidade fiscal nos moldes europeus, tampouco se pode falar na inexistência de literatura jurídica sobre as conseqüências não-intencionais na criação ou majoração de um tributo (CALIENDO, 2009: 100), já tendo o próprio STF utilizado a neutralidade concorrencial da tributação como vetor de interpretação em caso, no qual se discutia, justamente, o perigo alertado pelo economista Luiz Alberto Villela de o não pagamento de tributos leva à grave distorção concorrencial em mercado oligopólico.

A neutralidade concorrencial da tributação, decorrente da igualdade diante e perante a lei tributária, surge como um fundamento último para a existência de um dever geral de vedação a condutas com exclusivo propósito negocial, de modo que não se bloqueie “a atuação individualizada da fiscalização, mediante a alegação de que a norma geral [de tributação] não abrange o seu caso, devendo ela, no seu entendimento, ser aplicada indistintamente, apesar das diferenças do seu caso” (ÁVILA, 2008: 19).

Assim, sem tentar se substituir a órgãos que visam justamente à proteção da concorrência, mas atuando em sintonia com o CADE, o Ministério da Justiça e o Ministério Público Federal (MPF), o Fisco deve analisar se rearranjos societários e de estrutura têm propósito negocial ou servem para mera economia de tributo.

A doutrina, analisando a jurisprudência administrativa brasileira, tem chegado a critérios que indicam a ausência de propósito negocial, marcando possível ofensa à concorrência por meio de planejamentos tributários. Nesse sentido, Luís Eduardo SCHOUERI (2010: 19) verifica três elementos interessantes para se constatar ausência de propósito negocial:

  1. o elemento temporal, já que muitas vezes se verifica que o planejamento, em geral atividade pensada e preparada, é realizada às pressas, com a assinatura de vários documentos em um único momento, alguns desfazendo transações que se celebram no mesmo instante;
  2. a independência ou não das partes, eis que muitas fusões, cisões e incorporações se dão apenas como forma de alocar perdas e ganhos entre empresas de mesmo grupo, sempre visando à redução da tributação;
  3. ausência de coerência, quando se realizam transações que não se inserem na rotina da empresa ou na lógica empresarial.

Marco Aurélio GRECO (2009: 8), a seu juízo, pondera que seriam indícios de mera tentativa de economia de tributo:

a) operações estruturas em seqüência, em que uma etapa não tem sentido a não ser quando vista a partir do conjunto de etapas […]; b) operações invertidas, no sentido de serem realizadas ao contrário do que indica o juízo comum, por exemplo, a incorporação da controladora pela controlada; c) operações entre partes relacionadas, pois nestas é mais rigoroso o juízo sobre os critérios de eqüitatividade em que devem ser feitas certas operações quando comparadas com operações com terceiros; d) o uso de pessoas jurídicas para realizar determinadas operações, pois além de poderem configurar uma interposta pessoa, estas sociedades podem se apresentar como meros instrumentos de passagens de recursos destinados a terceiros (conduint companies) ou assumirem a condição de sociedade aparentes, fictícias ou efêmeras; e) operações que impliquem deslocamento da base tributável para o exterior, pois isto afeta a soberania e a imperatividade da norma tributária; f) as substituições ou montagens jurídicas em que as formas contratuais são construídas meramente para vestir determinado conteúdo sem que haja razões reais e efetivas que as justifiquem.

Perceba que os dois juristas reconhecem que dois vetores são imprescindíveis na análise de quais condutas serão ou não oponíveis ao Fisco: o tempo e o contexto dos atos e negócios privados.

O antigo Conselho Superior de Conselhos Fiscais já analisou a ausência de propósito negocial a partir do vetor tempo:

ocorreu a proximidade temporal dos atos (uma hora entre a integralização de capital com ágio de cerca de 98% e a incorporação do ágio ao capital, e cisão no dia subseqüente); não havia causa econômica (além da economia fiscal) para o aumento de capital, que foi usado apenas como degrau para a objetivada alienação de participação societária; e seus efeitos foram desfeitos com a cisão. A simulação é incontestável.

No entanto, é necessária alguma cautela quando se toma o vetor tempo. LAPATZA (2006: 318) traz exemplo didático nesse sentido. Fala de uma pessoa, A, que deseja adquirir de outra, B, uma casa. Para evitar o pagamento de tributo, porém, constituem os dois uma sociedade, um aportando dinheiro; e o outro, a casa. Ao minuto seguinte, porém, dissolvem a sociedade, de modo a que A fique com a casa e B com o dinheiro integralizado, mostrando típico caso de “conflito de normas”, instituo espanhol que aqui poderia ser identificado com os negócios privados inoponiveis ao Fisco.

Se, porém, a sociedade se dissolve, mas porque B descobre, no minuto seguinte à constituição da sociedade, que ela pegou fogo, necessitando de liquidez, a operação não deve ser desconsiderada.

A cautela também deve se verificar quando se pensa no contexto de realização do negócio.

Não basta olhar a legalidade apenas, de modo que se criou orientação jurisprudencial no sentido de que “o fato de cada uma das transações, isoladamente e do ponto de vista formal, ostentar legalidade, não garante a legitimidade do conjunto de operações, quando fica comprovado que os atos praticados tinham objetivo diverso daquele que lhes é próprio”

Destarte, tanto o vetor tempo, quanto o vetor contexto, devem ser analisados de forma dinâmica, de modo que se capte a realidade que se quer fotografar, na feliz expressão de Marco Aurélio Greco, em todos os seus quadros.

7 Conclusão

A liberdade, a igualdade e a solidariedade, como fundamentos contemporâneos da tributação em uma sociedade de risco e diante de uma visão não-positivista do direito, revelam que existe um dever geral de vedação a condutas com propósito exclusivamente de redução de pagamento de tributo e abuso de formas jurídicas. Esse dever geral se revela pelos fundamentos constitucionais da tributação: solidariedade, eficiência e isonomia.

Daí que o Fisco brasileiro venha, a par da ausência de regulamentação do art. 116, parágrafo único, do CTN, afastando atos e negócios privados.

Não obstante a desnecessidade de regras sobre o tema, sendo comum em vários ordenamentos jurídicos que a “norma geral antielisiva” seja construção pretoriana, extraída dos princípios constitucionais que regem a tributação, como o caso italiano, a regulamentação da maté


PFN já pode opinar sobre reforma do Estatuto do Sindicato

A participação dos filiados na Assembleia Geral Extraordinária convocada para tratar do assunto será garantida também por procuração eletrônica postada na área restrita.


Forum trata de prerrogativas e reestruturação da AGU com Casa Civil

Dirigentes do Forum Nacional estiveram reunidos, na última sexta-feira (30/09), com o Subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Ivo da Motta Azevedo Corrêa, para tratar de temas afetos à Advocacia Pública Federal.


Crise do formalismo no direito tributário brasileiro

Autor: Marco Aurélio Greco, Advogado – Doutor em Direito Professor da FGV-DireitoGV

Veículo: Revista da PGFN, ano 1 número 1, jan/jun. 2011

O leitor pode pensar que a frase acima foi retirada de um livro doutrinário sobre planejamento tributário ou, então, que se encontra em texto de Direito Constitucional, ou mesmo de Teoria Geral do Direito, onde se discute o tema da ponderação de valores consagrados na Constituição de 1988.

Ledo engano.

Trata-se de trecho de ementa de acórdão da 4ª Câmara do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda1 proferido à vista de Auto de Infração lavrado contra certo contribuinte em razão de determinada operação de reorganização societária que realizou.

Um Tribunal Administrativo formado por especialistas na matéria tributária, reconhecidamente preparados para examinar os mais intrincados temas ligados à aplicação das leis tributárias em si e em cotejo com aspectos de ordem contábil ou societária está a fazer uma ponderação de valores constitucionais para solucionar um caso concreto?

A perplexidade que a leitura da frase pode ensejar para quem teve uma formação formalista cresce quando o leitor se depara com o parágrafo imediatamente anterior da ementa, assim redigido:

O fato de cada uma das transações, isoladamente e do ponto de vista formal, ostentar legalidade, não garante a legitimidade do conjunto de operações, quando fica comprovado que os atos praticados tinham objetivo diverso daquele que lhes é próprio.

Novas perplexidades para o menos avisado: legalidade das transações isoladas não é suficiente? Que vem a ser esta “legitimidade” que o acórdão exige exista no conjunto de operações?2

Este é um bom exemplo para mostrar a mudança de eixo das discussões ocorrida nos últimos anos no âmbito do Direito Tributário brasileiro.

Recordo brevemente alguns pontos.

O Direito Tributário – como área de conhecimento sistematizado no campo jurídico – é recente. Embora o tributo em si exista há séculos, a reunião das normas e princípios que o regulam num conjunto circunscrito, objeto de exame específico não tem cem anos. O referencial histórico que pode ser mencionado a indicar o surgimento dessa preocupação encontrase na edição do Código Tributário Alemão de 1.919.3

No Brasil da primeira metade do Século XX, o estudo jurídico dos tributos aparecia no bojo da Ciência das Finanças e só a partir da obra e dos esforços de alguns estudiosos é que a partir da década de 40 passou a ganhar espaço o tratamento em separado dos tributos como objeto de preocupação científica.4

Nas décadas seguintes, os estudos receberam profundas influências oriundas de duas vertentes distintas: a vertente constitucional (com raízes explícitas na experiência norte-americana)5 e a vertente administrativa (com raízes da experiência continental européia) a ponto de a doutrina situar o Direito Tributário como capítulo do Direito Administrativo (ATALIBA, 1973, p. 33). Influências de caráter oposto, pois a constitucional prestigiava os direitos e garantias individuais enquanto a administrativa invocava como um de seus princípios fundamentais a supremacia do interesse público sobre o interesse particular.

O produto final deste conjunto foi o surgimento de uma concepção do Direito Tributário com inúmeros defensores e que pode ser resumida como o conjunto de normas protetivas do patrimônio individual e limitadoras das investidas do Fisco.6

Princípios constitucionais tributários – nesse contexto – eram as previsões que vedassem algo ao Fisco, seja em termos de instrumento (legalidade), do objeto alcançado (irretroatividade), em relação ao momento da cobrança (anterioridade) ou à dimensão da exigência (proibição do confisco).7 Princípios cuja formulação começava com um “não” (não pode cobrar sem lei; não pode cobrar em relação ao que já aconteceu; não pode cobrar antes de certa data; não pode confiscar etc.).

Uma relação historicamente conflituosa – como é a relação Fisco/ contribuinte – era vista da perspectiva da proteção ao cidadão viabilizada através de normas de bloqueio do exercício do poder. Neste contexto, a lei em sentido formal passou a ser o requisito indispensável para autorizar qualquer exigência pelo Fisco. Iniciou o que se pode designar por “idolatria da lei” vista, porém, como entidade virtual; ou seja, texto com vida própria que se destaca do contexto que levou à sua produção e daquele no qual será aplicada para assumir a condição de algo bastante em si. Uma forte influência platônica e idealista.

Acrescente-se que, a partir de 1964, o Brasil viveu o período da Revolução em que estavam em vigor os Atos Institucionais e as discussões de caráter substancial (isonomia, desigualdades sociais, distribuição de renda etc.) não encontravam espaço. Tanto é assim, que, ao ensejo da Emenda Constitucional n. 18, de 1965, que reformulou o sistema constitucional tributário – em grandes linhas até hoje vigente – encontra-se a revogação expressa do artigo 202 da Constituição Federal de 1946 que consagrava o princípio da capacidade contributiva. Suprimiu-se da Constituição o referencial substancial que servia de fundamento à tributação, para torná-la algo autodenominado de racional, mas que, na prática, mostrou-se mera expressão do exercício de poder.8

O modelo teórico de tratamento dos temas tributários ganhou importante avanço no início da década de 70 – por obra de Geraldo Ataliba no seu “Hipótese de incidência” (1973). Este Autor manifestava intensa preocupação com os fundamentos filosóficos de sua abordagem, basta ver que logo na terceira página do texto já invoca Juan Manuel Teran (jusfilósofo mexicano) e Lourival Vilanova.9 Este livro desenvolve um novo (à época) instrumental para análise da lei tributária, a partir da visão kelseniana dos âmbitos de validade da norma jurídica, que foram trazidos para o debate tributário como os “aspectos” (material, pessoal, espacial e temporal) da “hipótese de incidência” da lei tributária.

A partir deste estímulo, os estudos de Teoria Geral do Direito, aplicados ao campo do Direito Tributário, se desdobraram naquilo que era possível fazer dentro do contexto histórico então vivido que se mostrava reativo a discussões de caráter substancial. A discussão tributária a partir de então centrou-se na hipótese de incidência (=previsão abstrata) e, num segundo momento, na sua formulação legal.

A utilidade deste modelo é inegável, pois permite sistematizar o debate, da perspectiva formal e da hierarquia das normas; a meu ver, o modelo mais viável no contexto político então vigente. Mas trata-se de modelo insuficiente, pois a realidade jurídica e o fenômeno tributário não se esgotam nestes aspectos. Fato e valor também compõem a experiência jurídica.

Paralelamente (estou falando do início da década de 70), foram criados os Cursos de Pós-Graduação em Direito na PUC de São Paulo em cuja formulação Geraldo Ataliba e Celso Antonio Bandeira de Mello fizeram questão que as disciplinas Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito fossem obrigatórias para todos os alunos, quaisquer que fossem suas respectivas áreas de concentração.

Com isto, abriu-se espaço para as lições de Tércio Sampaio Ferraz Júnior no âmbito da disciplina de Filosofia do Direito para a qual foi convidado e passou a lecionar em 1973. Naquela oportunidade, o Professor Tércio trouxe para o debate uma visão pragmática do Direito (que supõe o exame da temática da função e, por conseqüência, dos fins para cujo atingimento contribui a própria dogmática) e introduziu nas discussões que a partir de então se travaram elementos oriundos da semiótica, em particular os três planos da linguagem (sintático, semântico e pragmático).

A preocupação com a linguagem começava a ganhar espaço; no início se apresentava quase como um desafio para descobrir termos mais elaborados a serem utilizados;10 disto caminhou-se para um aprofundamento do estudo da linguagem em si como objeto científico.

Neste momento, deu-se uma fusão que é importante referir para bem entender a evolução do debate no âmbito tributário: a variável política – que não permitia o debate de questões substanciais – levou a privilegiar as análises e discussões jurídicas que se concentrassem nos aspectos formais e lingüísticos do texto legal (aspectos da hipótese de incidência) o que tornava a utilização do instrumental vindo da semiótica (na sintática e na semântica), politicamente “aceitável”. Debater com a Autoridade no plano sintático e semântico e suscitar questões ligadas à hierarquia (das normas) era um porto seguro onde o questionamento do exercício da autoridade estatal (via tributação) podia se dar sem maiores riscos.

Discussões nestes dois planos (sintático e semântico) foram a tônica dos debates por mais de vinte anos, enquanto a pragmática e a análise da função ficaram na penumbra. A lição de BOBBIO (1977) que expunha a passagem da visão estrutural para a funcional e o novo papel do direito nas sociedades industriais modernas, assumiam, nesse contexto, um caráter quase que etéreo.


Isto é compreensível, pois o formalismo e o estruturalismo encontram espaço propício em contextos autoritários como instrumento de proteção de valores democráticos (CALABRESI, 2000, p. 482) ou conservadores em que não se pretenda dar espaço para discussões de caráter substancial quanto aos fatos sociais (LE ROY, 1999, p. 24).

No plano doutrinário, a “hipótese de incidência” desdobrou-se na “regra matriz de incidência” (na visão de Paulo de Barros Carvalho11); a “hipótese de incidência” foi o modelo teórico amplamente adotado para exame da constitucionalidade de um sem-número de exigências tributárias.

O debate no plano semântico repercutiu inclusive no Supremo Tribunal Federal, basta lembrar a questão da incidência ou não da contribuição previdenciária sobre pagamentos a trabalhadores autônomos e o debate sobre o sentido do termo “folha de salários” na redação original do artigo 195 da CF/88.12

Por outro lado, os debates sobre isonomia, capacidade contributiva, distorções de fato no plano da concorrência pela diversidade de entendimentos tributários, financiamento do Estado, funções do Estado e políticas públicas eram temas pouco ou nada examinados.

Infelizmente, o debate a nível pragmático ficou em segundo plano. Discussões mais abrangentes sobre a função social dos institutos, da propriedade, do tributo e mesmo da dogmática jurídica (como aponta o título da obra do Professor Tércio) não encontraram o mesmo desdobramento teórico e prático. Nem mesmo o debate sobre o procedimento como modo de agir do Poder Público encontrou tão ampla produção teórica como a relativa à hipótese de incidência.

Neste contexto, se por um lado a ação do Fisco era controlada por instrumentos formais, a ação do contribuinte também só encontrava limites formais. Vigorava a visão que prestigia uma liberdade absoluta do contribuinte para organizar sua vida, como bem lhe aprouvesse desde que o fizesse por atos lícitos, praticados antes da ocorrência do fato gerador e sem simulação. Restrições a essa liberdade só poderiam advir de lei expressa que vedasse certo comportamento (XAVIER, 2001). Não havia um controle material ou funcional do sentido e alcance do exercício da liberdade individual.

Diversas foram as conseqüências que resultaram deste contexto político, teórico e jurídico. Uma delas foi a idolatria da lei em si, que transformou a legalidade tributária que tinha a feição de uma “legalidade libertação” – por ser instrumento de bloqueio da ação do poder estatal – numa “legalidade dominação” com sucessivas restrições à liberdade do contribuinte (GRECO, 2008b).

Por outro lado, a liberdade absoluta do contribuinte levou a uma infinidade de estruturas negociais e reestruturações societárias que, com propriedade, foram consideradas meramente “de papel”. A prevalência da forma levou, da perspectiva da legalidade, à veiculação de praticamente quaisquer conteúdos desde que através de lei em sentido formal; e da perspectiva da liberdade de auto-organização ao surgimento de “montagens jurídicas” sem qualquer substância econômica, empresarial ou extra-tributária. Enquanto o modelo formal de abordagem do fenômeno tributário era levado à sua quintessência e privilegiava a forma – e não apenas esta, pois chegava até mesmo à idolatria da linguagem em que esta se apresentava – a realidade política, social e fática mudava profundamente.

A Constituição de 1988 assumiu o perfil de uma Constituição da Sociedade Civil, diversamente da Carta de 1967 que possuía o feitio de uma Constituição do Estado-aparato (GRECO, 2005). Esta mudança se espraia por todo seu texto a começar pelo artigo 1º que afirma categoricamente ser o Brasil um Estado Democrático de Direito e não apenas um Estado de Direito e seu art. 3º, I coloca a construção de uma sociedade livre, justa e solidária como objetivo fundamental da República. Isto implica colocar a variável social ao lado e no mesmo plano da individual e abre espaço para se reconhecer a solidariedade social como fundamento último da tributação (GRECO, 2005).

Note-se, também, que seu artigo 5º não assume o papel de um elenco de “direitos e garantias individuais” (como o art. 150 da CF/67 e o art. 153 na redação da EC-1/69) para contemplar os “Direitos e deveres individuais e coletivos”. Mudança relevante, pois seu inciso XXIII aponta na direção de a liberdade individual passar a ser condicionada a uma razão não meramente individual. Isto foi explicitado pelo artigo 421 do Código Civil de 2002 ao prever que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Vale dizer, a função social não é mero limite, mas também razão do exercício dessa liberdade, o que põe às claras a importância dos motivos que levam à celebração de determinado ato ou negócio jurídico (GRECO, 2008a, p. 505-514).

Especificamente em matéria tributária, a CF/88 colocou os antigos princípios constitucionais tributários (legalidade, anterioridade e irretroatividade) como “limitações constitucionais”, vale dizer, como regras de bloqueio ao exercício do poder, mas não como preceitos que consagrem um valor positivo prestigiado pelo ordenamento. Valor positivo é, por exemplo, a capacidade contributiva (art. 145, § 1º, 1ª parte).

Em suma, a variável política e filosófica encampada na Constituição mudou.

Por outro lado, a sociedade passou a ver nos direitos fundamentais e na eficácia jurídica das normas que os prevêem um canal relevante de reconhecimento e atendimento das demandas sociais.

Por fim, criou-se a consciência de que a criatividade deve ser prestigiada, mas é importante reagir contra a mera esperteza de quem quer levar vantagem como se o indivíduo vivesse isolado, tendo o mundo submetido à sua disposição ou predação.

A isto se acrescentem as lições de Ricardo Lobo Torres (2003) quando acentua a evolução ocorrida no plano teórico, pois passamos da jurisprudência dos conceitos, para a jurisprudência dos valores, inclusive no âmbito tributário.

A mudança política, social e fática levou a uma mudança de mentalidade que repercutiu no modo pelo qual devem ser compreendidas as condutas do Fisco e do contribuinte. Em relação à conduta do Fisco questionam-se as finalidades de sua ação, bem como a destinação e a aplicação dos recursos arrecadados e sua compatibilidade efetiva com as políticas públicas que devem subsidiar; em relação à conduta do contribuinte questiona-se a existência de um fundamento substancial que a justifique (razão ou motivo para o exercício da liberdade de contratar).

A própria idéia de quebra de igualdade tributária foi revista; se, no regime da CF/67, havia quebra de isonomia quando o tributo era exigido discriminatoriamente de alguém, no modelo da CF/88 o prestígio da capacidade contributiva como princípio tributário explícito aponta haver quebra de isonomia também quando o tributo não é exigido de alguém que manifestou a capacidade contributiva contemplada na lei. Daí os dois sentidos que podem ser extraídos do artigo 150, II da CF/88: (i) como proibição de exigências discriminatórias e (ii) como proibição de não exigir o tributo de todos que se encontrem em situação equivalente.13

Paralelamente, evoluiu o debate sobre as normas programáticas que – de uma simples recomendação (como eram vistas na década de 60), passaram a ver-lhes reconhecida a eficácia negativa de bloqueio de preceitos legais que as contrariassem (SILVA, 1968, p. 161), para alcançarem na CF/88 o reconhecimento de sua eficácia positiva de direcionamento da produção legislativa e jurisprudencial. Esta eficácia positiva das normas programáticas gerou reflexos não apenas no plano das prestações positivas pelo Estado, mas também, no plano da interpretação e aplicação das normas jurídicas em geral e tributárias em particular (PIMENTA, 1999, p. 237; GRECO, 2008a, p. 329).

É de se compreender porque textos como aquele em que defendi a possibilidade de existir abuso de direito por parte do contribuinte ao reorganizar sua vida para obter menor carga tributária (1996) foi execrado, e o que afirmava a eficácia positiva da norma de prevê a capacidade contributiva (1998) ser considerado “audaciosamente original” (XAVIER, 2001, p. 104). Alguns chegaram a dizer que instaurar um debate teórico sobre a justificação substancial da ação do contribuinte que vise pagar o menor tributo legalmente possível seria “abrir a caixa de Pandora”. Os fatos se mostraram mais fortes do que os modelos formais. O debate substancial está instaurado e, talvez para surpresa de alguns, isto não se deu predominantemente no âmbito do Poder Judiciário (onde o tema da ponderação de valores constitucionais encontra espaço propício), mas no âmbito da jurisprudência administrativa, como é exemplo o acórdão referido no início do presente estudo. Note-se como esse acórdão lida com os conceitos de legalidade e de legitimidade. Aquela ligada ao critério eminentemente formal, enquanto esta é atrelada a um valor prestigiado pelo ordenamento.

Pondera-se (mitiga-se) a liberdade com a isonomia e a capacidade contributiva. Exige-se um motivo para que a conduta do contribuinte seja fiscalmente aceitável. Passa a assumir relevância o conjunto de atos praticados e não cada um isoladamente; o filme e não apenas a foto; o fazer efetivo e não apenas o querer abstrato.

O debate tributário – com todas as letras – deixou de ser um debate formal. Não se trata de prevalência da substância sobre a forma, mas de coexistência; não se trata de sobre+por, mas de com+por valores.

A grande questão que agora se põe é de saber quais os parâmetros e critérios a serem adotados nesse novo contexto em que a substância é tão importante quanto a forma.

Neste momento, resgatar o debate sobre a perspectiva funcional e reavivar lições como as que permanecem latentes na obra de Tércio Sampaio Ferraz Júnior é tarefa que certamente contribuirá positivamente para a construção da sociedade livre, justa e solidária que o artigo 3º, I da CF/88 alça a primeiro objetivo fundamental da República.


 

Notas

1 BRASIL. Ministério da Fazenda, Acórdão n. 104-21.675 da 4ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, proferido na Sessão de 22.06.2006, Relator Nelson Mallmann, ementa disponível em: http://www.conselhos.fazenda.gov.br. Acesso em: 25.jun. 2008..
2 Embora sobre tema não tributário, a referência à “legitimidade” como parâmetro a ser considerado na análise de contratos, convênios etc., é também invocada no voto do Min. Cezar Peluso no MS-24.584 (STF, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ-20.06.2008). A interpretação que me parece mais adequada é de entender que a legitimidade se encontra na sintonia com os valores consagrados no ordenamento, o que abre espaço para uma análise tridimensional do fenômeno tributário.
3 RUY BARBOSA NOGUEIRA expõe que o Código Tributário Alemão “… a partir de sua elaboração em 1919, foi o verdadeiro marco da sistematização científico-legislativa do Direito Tributário e provocou não só na doutrina, como na jurisprudência, avanço na forma e no conteúdo deste ramo do Direito, mas também irradiou conceitos e institutos a outros ramos jurídicos, ultrapassando fronteiras e repercutindo nas legislações e elaborações doutrinárias e jurisprudenciais tributárias de outros países.” (NOGUEIRA, 1978, p. XI).
4 Um dos primeiros autores de Direito Tributário no Brasil foi ALIOMAR BALEEIRO que, em 1951, publicou seu clássico Limitações constitucionais ao poder de tributar.
5 A ponto de o Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, ao criar o Supremo Tribunal Federal e disciplinar o processo no âmbito federal, estabelecer categoricamente que: “Art. 386. Constituirão legislação subsidiaria em casos omissos as antigas leis do processo criminal, civil e commercial, não sendo contrarias ás disposições e espirito do presente decreto. Os estatutos dos povos cultos e especialmente os que regem as relações juridicas na Republica dos Estados Unidos da America do Norte, os casos de common law e equity, serão tambem subsidiarios da jurisprudencia e processo federal.” (grifei e realcei) Ou seja, na lacuna da legislação brasileira deveria ser aplicada a experiência norte-americana! . Disponível em: http:// www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66054. Acesso em: 19.11.2008).
6 MACHADO, 2004, p. 60.
7 Note-se que BALEEIRO (1951), sob a denominação de “limitações” examina os denominados “princípios” constitucionais tributários.
8 Para um exame da passagem do poder para a função no campo tributário, veja-se o meu “Do poder à função tributária”, no volume Princípios e limites da tributação 2, coord. Roberto Ferraz, São Paulo: Quartier Latin, 2009.
9 ATALIBA, 1973, p. 11.
10 “Calha à fiveleta” é um exemplo de expressão clássica que à época passou a ser freqüentemente utilizada.
11 Para um exemplo atual da aplicação deste modelo, veja-se CARVALHO, 2008.
12 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE-166.772, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ-16.12.1994.
13 Aqui talvez esteja a raiz da “ideologia da incidência” a que se refere o Min. Luiz Fux no seu voto proferido no REsp. 1.027.799, 1ª T. Rel. Min. José Delgado, DJ-20.08.2008.

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