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Resultado da busca para: Administração

Chega à Câmara Lei Orgânica da AGU

PLP 205/12 deve passar pela CTASP e CCJC. SINPROFAZ vai acompanhar passo a passo da matéria no Congresso e reforçar ainda mais o trabalho parlamentar.


“A advocacia pública cresce com a democracia”

Por Marcos de Vasconcellos e Elton Bezerra Advogar para o Estado é diferente de advogar para o governo. Para Márcia Maria Barreta Fernandes Semer, presidente recentemente reeleita da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (Apesp), a diferença que, para leigos, pode parecer apenas de nomenclatura, deve ser resguardada com cuidado. A classe pode…


Carreiras mobilizadas ocupam praça do TRF na Av. Paulista

Coração financeiro do país recebeu nesta quarta-feira (15/08) membros de diversas carreiras do serviço público federal, contabilizando mais de 600 manifestantes.


Independência do advogado público em pauta no Conselho Federal da OAB

Presidente da Ordem, Ophir Cavalcante, mais uma vez, manifestou publicamente o apoio da entidade à independência técnica e funcional da Advocacia Pública.


Deputado Vieira da Cunha recebe advogados públicos em Porto Alegre

Procuradoras da Fazenda e outros membros de carreiras da AGU trataram da lei orgânica com o parlamentar que se colocou à disposição para propor emendas ao projeto.


Campanha “Fora Adams” continua estampada em outdoor

Agora há dois pontos na cidade marcando a posição do SINPROFAZ contra o modelo atual de gestão da AGU em que se privilegia a Advocacia de Governo em vez da Advocacia de Estado.


AGU divulga texto oficial da Lei Orgânica

O anteprojeto de lei complementar foi divulgado na reunião da Comissão Técnica do Conselho Superior da AGU realizada em 18 de julho. O texto está sendo analisado pelo GT do SINPROFAZ.


Zelo pela Advocacia Pública

Brasília – O Artigo “Zelo pela Advocacia Pública” é de autoria do secretário-geral do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho:

“A OAB é a entidade dos advogados privados e públicos. Nessa condição, tem atuado firmemente pela valorização de toda advocacia. São essenciais às lutas por honorários advocatícios, contra a obrigatoriedade de ponto, a favor da necessária reposição salarial e pelas prerrogativas da carreira.

Em recente julgado no Tribunal de Justiça do Maranhão, o presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante Junior, fez pessoalmente a defesa oral do direito dos Procuradores do Estado à percepção dos honorários advocatícios, alcançando emblemático êxito. Além do apoio da seccional maranhense da entidade, por seu presidente Mário Macieira, a luta contou com a relevante participação da Associação dos Procuradores do Estado, por seu presidente Marcelo Terto. Não pode haver discriminação no exercício profissional, inexistindo razão para a negativa de repasse dos honorários ao advogado, seja privado ou público.

Outra importante conquista foi obtida no âmbito do Tribunal Regional Federal da Primeira Região. Trata-se de ação ajuizada pela OAB de Minas Gerais, por seu presidente Luis Cláudio Chaves, contra a obrigatoriedade de ponto aos advogados públicos mineiros. A justiça decidiu revogar tal obrigação, considerando que o advogado não trabalha apenas em expedientes internos, tendo que se deslocar aos fóruns, realizar audiências e acompanhar diligências, incompatibilizando com a ideia de ponto. A diretoria do Conselho Federal esteve atenta ao tema e contribuiu de modo importante ao êxito da demanda.

A advocacia pública reivindica reposição de seu pagamento fixo mensal remuneratório. O Fórum da Advocacia Pública, integrada por Anpaf, Anpprev, Sinprofaz, Apaferj, Apbc e Anajur, coordenado por Allan Titonelle, presidente do Sinprofaz, contando com excelentes diretores, dentre os quais Rogério Filomeno, presidente da Anpaf, tem participado ativamente da campanha salarial, junto com outras relevantes entidades como a Unafe e a Anauni. A obtenção deste justo pleito das carreiras típicas de Estado conta com o apoio da OAB nacional, expressada em ato público realizado no Plenário do Conselho Federal da Ordem, no qual usou a palavra um diretor da OAB. Um passo importante será garantir, na Lei de Diretrizes Orçamentárias, a autorização para reajuste no Poder Executivo.

O projeto de novo Código de Processo Civil é outro importante momento de luta pela valorização do advogado público, como a responsabilização civil apenas nos casos de dolo ou fraude e a proibição de cominação de multa ao advogado público por descumprimento de ordem judicial pelo gestor, devendo sua responsabilização ser apurada pelo órgão de classe. O próximo passo é fazer previsão de que os honorários pertencem aos advogados públicos não se constituindo receita do Estado.

A OAB está atenta à pauta da advocacia pública, mercê da eficiente atuação de sua Comissão específica que cuida do tema, presidida pela Conselheira Federal Meire Mota Coelho, integrada por representantes das diversas entidades representativas dos advogados do setor. Basta lembrar, a firme reação da entidade contra a declaração de setores da magistratura que, de modo depreciativo, questionam a possibilidade de advogados perceberem honorários advocatícios, a partir do tacanho raciocínio de que Juiz deve perceber mais que advogado. Esqueceram o disposto no art. 7º. da lei federal 8.906, segundo o qual não há hierarquia entre advogados e juízes.

Com a lógica de defender o Estado e não governos, a advocacia pública cumpre a essencial função de proteger o patrimônio da sociedade. A independência funcional deve levar o advogado público a não ter compromisso com ilicitudes governamentais, devendo contribuir pela fiel aplicação do ordenamento jurídico e para o respeito dos direitos, portando-se como primeiro Juiz da administração pública.

Deve ser buscado um “Estado de Justiça”, no qual a defesa dos interesses públicos pode ser o reconhecimento pela própria administração de um direito privado assegurado pelo ordenamento. Todos os poderes, não apenas o Judiciário, possuem a função de realizar a Justiça, aplicando os valores constitucionais.

A melhor estruturação, qualificação e remuneração da advocacia pública é relevante não apenas tendo em vista assegurar a defesa dos interesses dos entes públicos, mas também para assegurar a independência técnica do advogado público, na condição de agente capaz de assegurar ao cidadão injustiçado a preservação de seu direito. As súmulas administrativas de procuradorias necessitam ser mais praticadas, com o intuito de evitar recursos judiciais meramente protelatórios, para ficar em apenas um exemplo.

A atuação independente do advogado público, seja no contencioso ou na consultoria, é garantia de boa gestão dos recursos arrecadados da sociedade e de respeito aos direitos do cidadão assegurados pelo ordenamento jurídico pátrio. O tratamento respeitoso e digno a esses profissionais é essencial, pois e assim, à maior eficiência do Estado brasileiro, respeitando os princípios da moralidade, legalidade e impessoalidade. Eis a razão pela qual a OAB vem tratando com a devida adequação e atenção as demandas da advocacia pública”.


Deputados iniciam debate sobre Lei Orgânica Nacional para Advocacia Pública

Mesmo antes de chegar qualquer projeto à Câmara, entidades da Advocacia Pública introduziram assunto com parlamentares que integram a CCJC.


Lei Orgânica da AGU não pode ser modificada sem debates

Por Luciane Moessa de Souza

Em alguns dos temas mais sensíveis para a advocacia pública federal, os dois anteprojetos em tramitação pouco avançam ou, no caso do anteprojeto Adams, chega-se a retroceder. É o caso dos seguintes temas: a) autonomia institucional (administrativa e financeira) da Advocacia-Geral da União; b) autonomia funcional ou independência técnica e inamovibilidade de seus membros; c) necessário fortalecimento da consultoria jurídica; d) necessário avanço em termos de democratização e profissionalização da gestão, aí incluídos o preenchimento de cargos de confiança, a lotação e a distribuição de trabalhos de acordo com critérios previamente definidos, relacionados ao perfil do cargo e de seus potenciais ocupantes.

É bom notar que todos estes aspectos são facetas de uma mesma moeda: a realização de um controle de juridicidade efetivo da atuação da Administração Pública, missão primordial da advocacia pública, quando compreendida enquanto advocacia de Estado, como peça essencial na engrenagem que está presente em um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

Também merece menção, pelas inúmeras controvérsias envolvidas, o fato de os dois anteprojetos tratarem de forma inadequada da possibilidade de utilização de meios consensuais de solução de controvérsias na esfera pública, já que as diretrizes neles contidas pouco ou nada contribuem para o avanço de tais métodos de forma segura, eficiente e democrática.

Por fim, descreverei como dois temas controvertidos de grande importância para as carreiras da advocacia pública federal são tratados de forma absolutamente inadequada pelo anteprojeto Adams: a representação judicial e extrajudicial de agentes públicos e o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.

A autonomia institucional da Advocacia-Geral da União é assunto ignorado pelo anteprojeto Adams, ao passo que o anteprojeto Toffoli a prevê de forma bastante “tímida”, eis que sujeita aos termos de contrato de desempenho firmado com os três poderes. Cabe ressaltar que, no anteprojeto Adams, a inexistência de tal autonomia não se revela apenas na ausência de menção expressa à mesma, mas sobretudo na mal-vinda ingerência do Poder Executivo na nomeação de todos os cargos de cúpula da instituição, desde o procurador-geral federal, da União e do Banco Central, passando pelos procuradores-chefes de todas as autarquias e fundações federais até o consultor geral da União e os consultores jurídicos junto aos Ministérios — tudo nos mesmos moldes da escolha política do advogado-geral da União.

É de se reconhecer que o sistema constitucional em vigor concede a esta função o mesmo tratamento instável que caracteriza todos os cargos de ministro de Estado, já que não se assegura ao seu titular o exercício de qualquer mandato, a exemplo do que se dá com o procurador-geral da República. Todavia, se, para efeito de nomeação do advogado-geral, seria necessária uma mudança no texto constitucional, não se pode dizer o mesmo de tais funções e nada impede — muito pelo contrário, tudo recomenda — que a Lei Orgânica venha a prever critério diverso do meramente político para o preenchimento de tais cargos, bem como a existência de mandato, de modo a proteger os seus titulares de pressões políticas ilegítimas, que muitas vezes distorcem a atuação de seus ocupantes com o intuito puro e simples de permanecer no cargo.

Cabe sublinhar que o anteprojeto Adams se diferencia negativamente do elaborado durante a gestão Toffoli pelo fato de estipular que tais cargos de cúpula serão exercidos “preferencialmente” por membros da carreira, enquanto que o de Toffoli estabelece que tais cargos devem ser sempre exercidos por membros de carreira. Além disso, no anteprojeto Toffoli, a escolha dos ocupantes de tais cargos é de competência do AGU, devendo apenas serem ouvidos o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central, para os cargos de procurador-geral da Fazenda Nacional e procurador-geral do Banco Central, respectivamente.

É evidente que não faz qualquer sentido falar em autonomia funcional ou independência técnica (como dispõe o anteprojeto Toffoli, de forma genérica, “nos termos de regulamentação do Conselho Superior da AGU”) dos membros da advocacia pública federal se nossos gestores ocuparem cargos de natureza política e não técnica. Ademais, a falta de respeito à independência técnica está evidente nos dois anteprojetos em todas as previsões de que os pareceres deverão ser aprovados por superiores hierárquicos (detentores singulares de cargos), sem jamais ser prevista a discussão de divergências por comitês de especialistas, que poderiam propiciar a uniformização do entendimento no âmbito de uma discussão de caráter técnico e aberta à participação dos interessados e detentores de argumentos relevantes.

A hierarquia entre membros da carreira, que deveria ser apenas administrativa, revela-se assim claramente técnica, com a cristalina sobreposição do critério político sobre o jurídico. No anteprojeto Toffoli, contudo, ao menos está prevista a inamovibilidade dos membros, ressalvadas as mesmas exceções constitucionalmente previstas para magistrados e membros do Ministério Público, colocando tais membros a salvo de retaliações pela via das remoções de ofício.

Aliás, é preciso notar que esta prevalência do poder político sobre o critério jurídico se expressa claramente quando não há regras prévias para distribuição dos trabalhos, como é comum na consultoria jurídica de cúpula. Este sistema permite claramente o direcionamento das atividades de acordo com a possibilidade de “influenciar” no conteúdo do parecer que será emitido. Se eventualmente algum imprevisto ocorrer e for proferido parecer que desagrade aos “superiores”, está prevista a excrescência do instituto da avocação (mantida pelos dois anteprojetos), sendo que o anteprojeto Adams “supera” qualquer precedente ao estabelecer que o parecer não aprovado deverá ser desentranhado dos autos do procedimento administrativo, de modo a prejudicar a um só tempo a transparência administrativa e a possibilidade de controle posterior da juridicidade da atuação administrativa, seja pelo controle externo, seja pelo controle social, seja pelo controle judicial.

Também é expressão clara desta renúncia à autonomia e ao reconhecimento da competência técnica da instituição para realizar controle interno de juridicidade o fato de que se mantém o sistema de pareceres jurídicos não vinculantes para a Administração Federal, a menos que o(a) presidente da República os aprove com esta finalidade. Atribui-se ao leigo, detentor de cargo político, a palavra final acerca de opinião de caráter técnico-jurídico, afrontando-se assim a lógica e os sustentáculos básicos de um Estado Democrático de Direito.

No que concerne ao controle abstrato e concentrado de constitucionalidade, os anteprojetos Toffoli e Adams se diferenciam, pois o primeiro prevê que haja manifestação do advogado-geral da União (não vinculando a posição deste, portanto, à defesa do texto questionado nas ações diretas de inconstitucionalidade), ao passo que o anteprojeto Adams tem uma redação que constitui uma contradição lógica, já que fala ao mesmo tempo em defesa do ato normativo e defesa da supremacia da Constituição, tal qual se a própria razão da instituição do controle de constitucionalidade (qual seja, a possibilidade de serem editados atos normativos inconstitucionais) inexistisse.

No que toca à profissionalização e democratização da gestão, nenhum dos dois anteprojetos, sequer de longe, prevê a necessidade de estipular critérios claros e objetivos para lotação de membros da carreira e seus servidores, para o preenchimento de funções de confiança ou para a distribuição dos trabalhos. Tais critérios somente são lembrados no que concerne à promoção. Contudo, eles são necessários não apenas para proteção de interesses corporativos, mas sobretudo para a garantia de exercício das atribuições institucionais de forma eficiente e isonômica — interesse de toda a sociedade portanto. Ainda caberia aos anteprojetos avançar na previsão de hipóteses e formato de audiências e consultas públicas. Estas estão previstas apenas no anteprojeto Adams, porém da forma centralizada que caracteriza todo o anteprojeto, como atribuição exclusiva do advogado-geral da União. Vale registrar que o anteprojeto Adams também retrocede ao não prever a Ouvidoria-Geral da Advocacia-Geral da União, extensamente detalhada no anteprojeto Toffoli.

No que tange à utilização de meios consensuais de solução de controvérsias, assim como desistências e reconhecimentos de pedidos, os dois anteprojetos mantêm a excessiva centralização de atribuições e pecam por não estipularem claramente os critérios jurídicos para prática de tais atos e homologação de atos ou acordos celebrados. Se não é adequada a celebração de transações individualmente por cada advogado público, seria muito mais apropriada a criação de comitês temáticos aptos a analisarem e homologarem tais acordos do que a concentração no advogado-geral da União — o que certamente inviabiliza a expansão desta alternativa.

Outro equívoco comum aos dois anteprojetos consiste em manter as competências atinentes aos meios consensuais no âmbito da Consultoria-Geral da União, que não tem qualquer ingerência sobre os conflitos judicializados. Por último, resta evidente a inconstitucionalidade (por violação ao princípio federativo) do anteprojeto Adams ao prever que transações entre entes federais e estados, Distrito Federal e municípios sejam firmadas sem a participação simétrica de seus órgãos jurídicos, mas tão somente sob a supervisão da AGU. O assunto que mais mereceria tratamento neste aspecto — em quais conflitos deve ser adotado o caminho consensual — não foi abordado por nenhum dos anteprojetos.

Quanto à representação judicial e extrajudicial de agentes públicos, o anteprojeto Toffoli avança, estipulando critérios para que esta situação ocorra, quais sejam, a solicitação do agente, que a controvérsia se refira a atos praticados no exercício de suas funções e na defesa do interesse público, nos termos de ato do AGU. Melhor teria feito se previsse nos termos de ato do Conselho Superior da AGU. O anteprojeto Adams simplesmente permite tal ocorrência sem estipular qualquer requisito, deixando o assunto em aberto para a lei ordinária, violando claramente a reserva constitucional de matéria atinente às atribuições institucionais da AGU à lei complementar.

Por fim, quando se trata de exercício da advocacia fora das atribuições institucionais, enquanto o anteprojeto Toffoli contém retrocesso ao não possibilitar a advocacia pro bono, atualmente permitida por ato normativo do AGU, o anteprojeto Adams, apesar de acertar ao manter esta possibilidade, passa a permitir o exercício da advocacia “quando em licença sem vencimento”, sem sequer excepcionar os casos em que há conflito de interesses entre a parte e a Administração Pública federal, abrindo as portas tanto para o uso de informações privilegiadas, com claro risco de prejuízo ao interesse público, quanto para a concorrência desleal com os advogados privados.

Em suma, o anteprojeto Toffoli, marcado pela relativa participação que caracterizou sua elaboração, consagrou alguns avanços importantes para a advocacia pública, embora devesse ir muito além do que foi. Foi, porém, esquecido pelo atual advogado-geral da União, que, às margens tanto do Conselho Superior da Advocacia-Geral da União quanto das associações que representam os membros das carreiras, elaborou um outro anteprojeto que, no que diz respeito aos temas essenciais aqui versados, apenas promoveu retrocessos.

Muitos outros temas estão presentes nos dois anteprojetos, como a descrição das atribuições da Corregedoria, as prerrogativas, deveres, vedações e impedimentos dos membros da carreira, o regime de responsabilidade, as atribuições do Conselho Superior, a incorporação da Procuradoria-Geral do Banco Central, os requisitos para aprovação no concurso, entre vários outros.

Não se trata certamente de norma que possa ser reformada de forma centralizada e arbitrária, mas sim deve ser propiciada a ampla discussão, embasada em argumentos pertinentes que permitam avançar rumo a uma advocacia de Estado efetivamente comprometida com a concretização de um Estado Democrático de Direito. Ainda não é tarde para exigirmos esta mudança de rumos.


Luciane Moessa de Souza é procuradora do Banco Central do Brasil, integrante da Associação dos Procuradores do Banco Central.

Revista Consultor Jurídico, 16 de julho de 2012


Campanha “Fora Adams” repercute na imprensa

Colunistas da Revista Época e do Estadão divulgaram informações sobre a campanha e a reação do ministro Luís Adams. Peça foi retirada de zebrinhas, mas continua em outdoor.


OAB-SP articula medidas em apoio às causas da Advocacia Pública Federal

Presidente da OAB/SP, Marcos da Costa, recebeu delegados do SINPROFAZ e representantes de outras carreiras da AGU para discutir sobre o quadro insustentável da Advocacia Pública Federal.


Lei Orgânica Nacional para Advocacia Pública é debatida em audiência na CCJC

Em audiência na CCJC da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (10), parlamentares e dirigentes da Advocacia Pública federal, estadual e municipal discutiram a possibilidade de criação de uma lei orgânica única para as três esferas de atuação.


União não pode contratar assessores de fora da AGU

Por Marcos de Vasconcellos Foi proibida a contratação de mais de 100 profissionais de fora da carreira da Advocacia-Geral da União para assessoria e consultoria jurídica, prevista em edital da Escola de Administração Fazendária (Esaf) de 2008. A decisão é do juiz federal da 20ª Vara do Distrito Federal, Alexandre Vidigal de Oliveira. Ele declarou…


LDO: deputado apresenta emendas para descontingenciamento do Fundaf

Paulo Rubem Santiago (PDT/PE) foi quem apresentou às emendas à Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2013 de maneira que os recursos do fundo sejam destinados à PGFN.


Lançamento por homologação e decadência

O lançamento por homologação ou “autolançamento” é aquele em que o contribuinte auxilia ostensivamente a Fazenda Pública na atividade do lançamento, cabendo ao Fisco, no entanto, realizá-lo de modo privativo, homologando-o, isto é, conferindo sua exatidão[1].

Diversos tributos são cobrados por meio do lançamento por homologação, como, por exemplo, CSLL, IPI, IR, ICMS, COFINS, dentre outros.

A decadência, por sua vez, é o instituto que ocasiona a extinção do direito subjetivo do sujeito ativo em decorrência do lapso temporal decorrido, impedindo a constituição do crédito tributário pela administração pública, “ex vi” do artigo 156, V do Código Tributário Nacional – CTN (“Art. 156. Extinguem o crédito tributário: […] V – a prescrição e a decadência”).

O Direito não socorre aos que dormem. Assim, durante o prazo de cinco anos (lustro) deve ser constituído o crédito tributário por meio do lançamento, nos termos do artigo 142 do CTN.

Artigo 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Ao se analisar a questão da contagem do prazo da caducidade no CTN é preciso interpretar a aplicação de dois dispositivos de tal Código, a saber, artigo 173, inciso I, e artigo 150, parágrafo 4º.

Artigo 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

Artigo 150. […]

Parágrafo 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação. (Grifos nossos)

O artigo 173, inciso I do CTN prevê como marco o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. Por sua vez, o artigo 150, parágrafo 4º do CTN reza que seria a data do fato gerador o “dies a quo” para tal contagem.

De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e da doutrina majoritária (Ricardo Lobo Torres, Sacha Calmon Navarro Coelho, Luciano Amaro e Paulo de Barros Carvalho), nos casos de lançamentos por homologação, deve ser utilizado o artigo 150, parágrafo 4º do CTN, quando houver antecipação de pagamento, bem como nos caso em que for verificada a ocorrência de dolo, simulação ou fraude[2].

Por outro lado, o artigo 173, inciso I do CTN seria aplicado nos casos em que não houve pagamento antecipado (aplicação da súmula 219 do extinto Tribunal Federal de Recursos), ressalvado o entendimento que defende, neste último caso, a aplicação cumulativa de tais artigos (a chamada tese dos “cinco mais cinco”).

Súmula 219 do TFR

Não havendo antecipação de pagamento, o direito de constituir o crédito previdenciário extingue-se decorridos cinco anos do primeiro dia do exercício seguinte aquele em que ocorreu o fato gerador (12/8/1986).

TRIBUTÁRIO – DECADÊNCIA – LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO (ARTIGO 150, PARÁGRAFO 4º E ARTIGO 173 DO CTN).

1. Nas exações cujo lançamento se faz por homologação, havendo pagamento antecipado, conta-se o prazo decadencial a partir da ocorrência do fato gerador (artigo 150, parágrafo 4º, do CNT). 2. Somente quando não há pagamento antecipado, ou há prova de fraude, dolo ou simulação é que se aplica o disposto no artigo 173, inciso I, do CTN. 3. Em normais circunstâncias, não se conjugam os dispositivos legais. 4. Recurso especial provido. (REsp 279473/SP-2002, 2ª T., STJ). No mesmo sentido, REsp 445.137/MG-2006, 2ª T. e REsp 172.997/SP-1999, 1ª T. (Grifamos)

Nos casos em que houve o pagamento antecipado, deixando a Administração transcorrer o prazo de cinco anos contados do fato gerador (artigo 150, parágrafo 4º do CTN), ocorreria um procedimento homologatório tácito. Assim, o Fisco perderia o direito de lançar a eventual diferença.

A expressão “homologação tácita do lançamento” é adotada pelo CTN, não obstante sabermos que, até então, na relação jurídico-tributária, não existe lançamento algum. Tal raciocínio leva estudiosos a afirmarem que, no lançamento por homologação, inexiste a decadência, em si, mas sim, a decadência de a Fazenda exigir, por meio do lançamento de ofício, o resíduo tributário, relativo à incompleta antecipação de pagamento[3].

Normalmente, o lançamento por homologação não está sujeito à decadência, pois, com o passar do prazo sem providência administrativa, o lançamento se tem por perfeito e acabado. Entretanto, na linha adotada pela doutrina majoritária, é possível perceber que o passar do prazo para a homologação efetivamente extingue o direito de que se lancem diferenças entendidas cabíveis[4].

Portanto, em que pesem entendidos contrários, o que decai, na verdade, é o direito de o Fisco lançar de ofício as diferenças apuradas, caso deixasse de “homologar o lançamento”. Outrossim, transcorrido o prazo ”in albis”, sem qualquer providência da administração pública, o lançamento por homologação se consideraria efetuado regular e legalmente.


NOTAS

[1] SABBAG, Eduardo de Moraes. Elementos do Direito Tributário. 9ª ed. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 255.

[2] REsp 101.407/SP-2000; REsp 643.329/PR-2004.

[3] SABBAG, Eduardo de Moraes. Elementos do Direito Tributário. 9ª ed., São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 262.

[4] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 2ª ed., São Paulo: Método, 2008, p. 451.


Ricardo Macedo Duarte é procurador da Fazenda Nacional, especialista em Direito Tributári e especialista em Direito Público.

Revista Consultor Jurídico, 2 de julho de 2012


A efetividade da prestação jurisdicional e a virtualização do Processo Judicial

THE EFFECTIVENESS OF THE JURISDICTION OF THE JUDICIAL PROCESS AND VIRTUALIZATION RESUMO O presente trabalho objetiva contrapor o mandamento insculpido no art. 5º, LXXVIII, inserido em nosso ordenamento jurídico por meio da emenda à CF/88 nº 45/04, ou seja, a garantia de razoável duração do processo e a celeridade de sua tramitação, aos dispositivos estampados…


Defesa da democracia é um compromisso de todos nós

João Carlos Souto*

De longa data a Ordem dos Advogados do Brasil tem assumido posições que transcendem a mera representação e defesa dos advogados, sua principal missão. A OAB enfrentou a ditadura militar e deu início ao processo de impeachment na década de 90 do século XX, convidando a ABI para conjuntamente assinar a petição mais tarde protocolada na Câmara dos Deputados.

No que diz respeito ao seu enfrentamento à ditadura, ela, naquele período, não se limitou na defesa das prerrogativas dos advogados; ao contrário, se manteve aberta, diligente e corajosa para os graves problemas políticos que afligiam o Brasil de fins da década de 60 ao início dos anos 80 do século XX.

A opção pela defesa da democracia e pelo enfrentamento ao establishment por certo foi o grande responsável pela conquista literalmente com sangue e suor da respeitabilidade da sociedade brasileira, que passou a identificar na OAB uma entidade civil preocupada não somente com os interesses corporativos da advocacia, mas, para além disso, uma entidade aliada na defesa do Estado Democrático de Direito.

É sintomático que após esse engajamento político/social OAB e advogados tenham obtido relevante espaço na Constituição Federal de 1988, como nunca antes na História:
indispensabilidade do advogado à administração da Justiça, participação em bancas de concurso público na área jurídica, legitimidade para deflagrar o processo de controle abstrato da constitucionalidade das leis, previsão de assento em tribunais, e, por obra do Constituinte Derivado, voz e voto nos órgãos de controle administrativo da magistratura e do Ministério Público.

Guardadas as devidas proporções defendo que o Fórum Nacional da Advocacia Pública Federal deva assumir posições para além da mera defesa das prerrogativas das carreiras que ele representa. Tanto quanto possível e sempre que esteja em evidência assunto que diga respeito à democracia, aos princípios constitucionais fundamentais, o Fórum Nacional pode e deve se manifestar.

Além da defesa da própria democracia essa postura contribui para imprimir maior visibilidade à Instituição (AGU) e as carreiras que o Fórum representa. Nessa linha, publicamos artigo na Folha de São Paulo em defesa da advocacia pública na construção das balizas legais do pré-sal, entre outras atividades de relevo para além da defesa remuneratória.

Com todo o respeito, parece-me equivocada a posição dos que defendem a atuação exclusiva do Fórum Nacional em defesa das carreiras. Não me parece a opção mais inteligente se ater as entranhas de cada carreira, identificar-se exclusivamente como uma entidade de defesa das prerrogativas, da pauta das carreiras, enfim, da corporação.

O Fórum Nacional será tanto mais forte, mais importante, mais lembrado, mais citado, se buscar, com prudência e equilíbrio, dar continuidade ao processo de abertura e inserção que procuramos imprimir durante nossa presidência (2007/2011). Evidentemente que ninguém concebe o Fórum Nacional como uma entidade a se ocupar dos problemas mundiais, claro que não. Contudo, a manifestação sobre assuntos graves, de cunho jurídico, nacional ou internacional, é sempre bem vinda e importante na construção da visibilidade do Fórum e de sua própria identidade.

E integra a nossa identidade, como cidadãos, e, mais ainda, como profissionais do Direito, responsáveis pela defesa do Estado de Direito, a democracia na América Latina. É importante lembrar que o Constituinte Originário de 1988 estabeleceu como princípio fundamental da República Federativa do Brasil, no plano internacional, a integração econômica, política, social e cultural da América Latina.

Faço essas considerações em torno da crise institucional instalada no Paraguai com a deposição do presidente Fernando Lugo, vítima de um impeachment em um processo mais que sumário. Aqui cabe uma comparação: embora Danton já soubesse o resultado do julgamento montado por Robespierre e seus comparsas, a ele, no século XVIII, não lhe foi negada a palavra, pelo menos por alguns dias. A Lugo concederam não mais que algumas horas.

A democracia se fez ausente na América Latina por largo período. Os que temos 40 anos vivemos os últimos momentos de uma ditadura militar, em que sindicatos eram fechados, imprensa amordaçada e o Ministério Público uma repartição do Poder Executivo, isso para não citar vícios ainda mais graves dos 21 anos de chumbo. Todos temos responsabilidade na defesa da democracia, para que esses episódios de triste memória não se repitam.

A democracia no Paraguai diz respeito ao Brasil, aos princípios fundamentais da nossa República, e nós da advocacia pública temos um compromisso umbilical com a defesa do Estado de Direito, com a defesa desses princípios.


*Procurador da Fazenda Nacional, professor de Direito Constitucional, ex-presidente do Fórum Nacional da Advocacia Pública Federal (2007/2011) e do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (2005/2009).

Publicado em Consultor Jurídico


Representante da carreira no CSAGU vai insistir no debate da Lei Orgânica

Carlos Roichmann, novo representante dos PFNs no colegiado, defende a necessidade de reabertura das discussões sobre a alteração da Lei Complementar da AGU.


SINPROFAZ repudia declarações de representantes da OAB/RJ

A Diretoria do Sindicato manifesta publicamente, após a audiência pública ocorrida no CNJ, que teve como tema a cessão de Advogados Públicos para assessorarem Ministros dos Tribunais Superiores, seu repúdio às declarações desrespeitosas por parte do Presidente da OAB/RJ, Wadih Damous, e do Advogado, Pedro Duque Estrada.


Pleitos dos PFNs com visibilidade no Legislativo

Parlamentares de partidos diversos estão sensibilizados e preocupados com o sucateamento da PGFN. Publicações do SINPROFAZ tem repercutido no Congresso Nacional.


AGE aprova indicativo de greve

Na assembleia desta quinta, 21/06, os filiados também disseram não ao atual modelo de gestão da AGU, lançando o slogan Fora Adams.


Dirigentes da Advocacia e Defensoria Pública debatem PL 2.432/11

SINPROFAZ participou de reunião com o autor do projeto, deputado Wilson Filho (PMDB-PB), para traçar estratégias que acelerem tramitação da matéria.


A lei não veda cessão de advogado público para a Justiça

Por Paulo César Negrão de Lacerda

A Ordem dos Advogados do Brasil — Seção do Estado do Rio de Janeiro (OAB-RJ) apresentou representação junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), objetivando a instauração de procedimento de controle administrativo, em razão da nomeação de procurador da Fazenda Nacional para o exercício de cargo em comissão de assessor judiciário, no Tribunal Regional Federa da 2ª Região.

Dentre os fundamentos apresentados pela OAB-RJ, destaca-se o suposto comprometimento do equilíbrio do Poder Judiciário, em razão da nomeação de assessores oriundos da advocacia pública.

Nas palavras explicitadas na representação em questão, tal nomeação colocaria “em xeque a isenção do Judiciário, causando desequilíbrio de forças no processo, uma vez que os procuradores da Fazenda Nacional atuam representando uma das partes nos processos que envolvem matéria tributária de interesse da União Federal”.

Para aferir a procedência da referida representação, é preciso examinar, primeiramente, se tal cessão estaria em consonância com a Constituição e com as leis em vigor.

Como se sabe, as funções de confiança e os cargos em comissão estão expressamente previstos no artigo 37, incisos II e V, da Carta da República: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

(…)
II — a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

(…)
V — as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (…)” (grifos nossos).

Por seu turno, o artigo 93, da Lei 8.112/1990, que disciplina a cessão de servidores para exercício de cargo comissionado, dispõe que “o servidor poderá ser cedido para ter exercício em outro órgão ou entidade dos Poderes da União, dos estados, ou do Distrito Federal e dos municípios”, na hipótese de “exercício de cargo em comissão ou função de confiança”.

O dispositivo em foco restou regulamentado pelo Decreto 4.050/2001, que, igualmente, prevê a cessão de servidor para “outro órgão ou entidade dos Poderes da União”.

De pronto, pode-se, então, afirmar que a ordem legal, claramente, prevê e disciplina a cessão de servidores entre os poderes da União. Cumpre, então, verificar se há alguma especificidade no caso dos advogados públicos, nomeadamente, dos membros da Advocacia-Geral da União.

A Lei Orgânica das carreiras da Advocacia-Geral da União (Lei Complementar 73/93), em seu artigo 26, esclarece que os membros daquelas carreiras têm os direitos assegurados pela Lei 8.112/90, ou seja, também estão submetidos à legislação que disciplina os servidores públicos em geral, salvo, naturalmente, se houver alguma vedação específica prevista naquela lei complementar, o que, à evidência, não é o caso.

Destarte, é certo concluir, com tranquilidade, que o Direito brasileiro não veda a cessão de servidores entre os poderes da União, sejam eles advogados públicos ou não, regulamentando devidamente a hipótese.

Mesmo havendo respaldo na legislação, cumpre verificar, ainda, se haveria a suposta violação à isenção do Judiciário, que causaria desequilíbrio de forças no processo, como aludido pela OAB-RJ.

Nessa senda, é preciso ter em mente, por primeiro, o óbvio aspecto de que a atividade jurisdicional é atribuição exclusiva e indeclinável do magistrado, sobre quem pesa toda a responsabilidade e todo o ônus da árdua tarefa de julgar. Portanto, em princípio, é a isenção e o equilíbrio do magistrado que se revelam como condições fundamentais para a imparcialidade do julgamento, não as do mero assessor, subordinado ao magistrado.

Por seu turno, a alegação de que o advogado público, cedido para ocupar cargo de assessor no Poder Judiciário, seguiria vinculado à Fazenda não se sustenta, haja vista que, na hipótese de cessão, o advogado público é afastado de suas funções e atribuições originárias e passa a exercer, em caráter exclusivo, o cargo comissionado de assessor, sendo-lhe vedado o exercício da advocacia, mesmo a institucional.

Com efeito, o artigo 12, inciso XVII, da Resolução 3/2008, do Conselho da Justiça Federal, cuida de estabelecer que, para tomar posse no cargo comissionado de assessor judiciário, CJ-2, o advogado público deve comprovar haver requerido a licença dos quadros da OAB em que esteja inscrito.

Sem dúvida, o advogado público sem inscrição regular perante a OAB ou licenciado, como no caso vertente, já não está habilitado a advogar para quem quer que seja, por força do artigo 3°, caput e parágrafo 1°, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia).

Ou seja, uma vez cedido, o advogado público perde a condição de advogado, e, por isso mesmo, já não deve mais ser parcial, i.e., pugnar pelos interesses de seu antigo cliente, in casu, a Fazenda Pública. Muito ao revés, mercê de seu juramento, prestado na forma do artigo 12, XVII, anteriormente mencionado, seu dever passa a ser o da imparcialidade e sua subordinação ao magistrado assessorado.

Também não deve impressionar a tese de que os advogados públicos são remunerados pelo erário e, assim, de alguma forma, seriam “sócios” do Fisco, haja vista que os membros da advocacia pública federal são remunerados com recursos do Tesouro Nacional, da mesma forma que todos os juízes federais e membros do Ministério Público Federal, conforme os artigos 2° e 74, da Constituição.

Importante esclarecer, outrossim, que a remuneração dos membros da advocacia pública federal é fixa. Ou seja, não varia ao sabor do sucesso ou insucesso judicial do Fisco, assim como a de magistrados e procuradores da República (art. 1°, caput, da Lei 11.358/2006, com a redação dada pela Lei 11.490/2007).

O advogado público, portanto, uma vez cedido e empossado em cargo de assessor no Poder Judiciário, deixa de ter qualquer interesse, seja jurídico, seja econômico, no resultado das causas sob as quais é chamado a prestar seus serviços. Seu único interesse é o de colaborar da melhor forma possível com o trabalho do magistrado a que estiver vinculado. Não há, pois, qualquer conflito de interesses.

Portanto, se o advogado público, após sua cessão, é afastado dos quadros da OAB e não mais pode advogar, se não tem mais o dever de parcialidade ou de zelar de maneira especial pela Fazenda Pública na condição de seu representante judicial, se a legislação pátria não veda a aludida cessão, onde então residiria a violação à isenção do Poder Judiciário?

Em uma suposta formação ideológica do advogado público? Conforme a afirmação feita pelo senhor subprocurador da OAB-RJ, em entrevistas publicadas nesta ConJur[1] e no Jornal Valor Econômico do dia 19 do mês em curso (“É uma questão de ideologia de procuração. A pessoa que foi formada na Procuradoria e que vai para o tribunal não vai conseguir ser neutra na análise”).

Ora, tal afirmação faz carga contra a capacidade profissional dos advogados públicos, reduzidos à condição de autômatos que apenas saberiam reproduzir a suposta “formação” que lhes conferiria a advocacia pública. Como profissionais, seriam condenados a defender o Fisco eternamente, sem capacidade, por defeito de formação, para exercer qualquer outro cargo que não o de advogado público.

Essa tese, sobretudo, não se coaduna com a realidade sensível, eis que muitos advogados públicos exerceram anteriormente a advocacia em caráter privado. Muitos advogados tributaristas foram procuradores da Fazenda, assim como muitos juízes foram procuradores. De fato, alguns dos mais notáveis tributaristas e constitucionalistas em atividade são ou foram advogados públicos, dentre eles, os eminentes professores Ricardo Lobo Torres e Luis Roberto Barroso. Sem dúvida, a experiência na advocacia pública e na defesa do Estado os engrandeceu como profissionais, não o contrário, como a afirmação acima faz parecer.


Ademais, note-se que a própria OAB-RJ indicou nada menos do que 2 (dois) procuradores da Fazenda Nacional (Marcus Abraham e Ronaldo Campos e Silva) na última lista sêxtupla para o preenchimento de vaga aberta para o quinto constitucional do egrégio TRF-2ª Região. O mesmo tribunal objeto da representação em foco.

Tais procuradores — que mereceram, inclusive, o voto de um dos autores e defensores da representação em questão, Luiz Gustavo Bichara[2], vice-presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB-RJ — acaso, estariam infensos à “ideologia da procuração”, a que alude o senhor subprocurador da OAB-RJ? Por quais motivos?

Nem se diga que a situação, então, seria diversa, eis que os procuradores, eventualmente, empossados na condição de desembargadores perderiam inteiramente seu vínculo com a Fazenda, pois, como visto anteriormente, os advogados públicos, na condição de assessores, também o perdem (na verdade, os advogados públicos perdem seu vínculo com a própria advocacia, pois são licenciados dos quadros da OAB, como visto).

Também não procederia a, eventual, alegação de que a desvinculação de procuradores nomeados desembargadores seria definitiva, enquanto a de assessores seria meramente transitória, para, daí, concluir que, por transitória, a desvinculação dos assessores não seria suficiente para garantir sua imparcialidade.

Os cargos de advogado-geral da União e de ministro da Justiça, cujos provimentos também são essencialmente transitórios, têm sido preenchidos por advogados com notória atuação no âmbito privado — como é o caso, v.g., dos ministros Márcio Thomaz Bastos (Justiça) e Dias Toffoli (AGU) — e ninguém em sã consciência jamais duvidou que advogados, ainda que donos de grandes bancas de advocacia, pudessem exercer, com dignidade, isenção e competência, aqueles honrosos cargos.

Em verdade, a representação em causa parece desconsiderar um fato evidente: os advogados públicos são, antes de tudo, advogados. Capazes, portanto, de exercer todos os muitos papéis e desafios que se afiguram para os operadores do Direito. Hoje, defendem o Fisco. Amanhã, afastados da advocacia pública, podem estar a defender o contribuinte.

Quando a lei não lhes veda a advocacia fora das atribuições institucionais, como no caso dos procuradores do Estado do Rio de Janeiro, podem, inclusive, desempenhar os dois papéis: ora defensores do Fisco Estadual, como procuradores, ora defensores dos contribuintes em face do Fisco Federal, como advogados. Sempre com invulgar competência.

Oportuno, finalmente, destacar que a situação em debate não é uma exceção brasileira, como se vê do Decreto-Lei 545,de 14 de dezembro de 1999[3], que organiza a composição e funcionamento da secretaria e dos serviços de apoio do Tribunal Constitucional Português, que, em seu artigo 21, 1, assim dispõe:

“1 — O Presidente do Tribunal Constitucional pode recorrer à requisição de funcionários e agentes da administração directa e indirecta do Estado, incluindo empresas públicas, bem como da administração local, para o exercício de funções de apoio técnico e administrativo ao respectivo Gabinete ou recorrer a contratos em regime de prestação de serviços, os quais caducam automaticamente com a sua cessação de funções.”

Lembro-me, vivamente, do dia em que o atual presidente da OAB-RJ pediu votos aos procuradores da Fazenda Nacional, por ocasião de sua reeleição. Naquela oportunidade, declinei, entusiasmado, meu apoio pessoal, assim como muitos outros colegas.

Agora, convido todos os advogados públicos do Rio de Janeiro a uma profunda reflexão, pois, aparentemente, na ótica, hoje, prevalente na OAB-RJ, devemos ter menos direitos do que os demais advogados, eis que a representação em tablado, se for acolhida, importará em criar mais uma vedação exclusiva para os advogados públicos, além de todas aquelas que a lei já nos impõe.


[1] Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jun-15/procuradora-cedida-assessora-trf-pivo-briga-cnj> Acesso em: 19 jun.2012

[2] Conforme noticiado pelo sítio eletrônico da OAB/RJ em 1º de março de 2012. Disponível em: <http://www.oabrj.org.br/detalheNoticia/69892/OABRJ-age-contra-sobrecarga-de-varas-e-cessao-de-procuradores.html> Acesso em: 19 jun.2012

[3] Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/legislacao0202.html#art21> Acesso em 19 jun.2012.


Paulo César Negrão de Lacerda é procurador da Fazenda Nacional no Rio de Janeiro.

Revista Consultor Jurídico, 20 de junho de 2012


Receita Estadual implementa novas ações

Receita Estadual implementa novas ações de combate à sonegação Os mecanismos para recuperar o crédito tributário oriundo de sonegação fiscal vão ganhar novas ações na Secretaria de Estado da Receita (SER). Cerca de 30 auditores fiscais do Estado participaram de um seminário sobre “Garantias do Crédito Tributário e Escrituração Fiscal”, que aconteceu no auditório da…


Crime de descaminho pode ser insignificante

Por Nelson Edilberto Cerqueira

O crime de descaminho está previsto no artigo 334 do Código Penal brasileiro, e sua formulação básica consiste em “iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria”. As demais condutas, previstas nos parágrafos do referido artigo guardam sempre a essência do tipo, qual seja: a ilusão do fisco, para supressão do tributo.

Sendo do verbo típico a exigência de pagamento de tributo, nossos tribunais superiores têm entendido que sua natureza é tributária, eis que o intento do legislador consiste na preservação dos mecanismos de controle sobre arrecadação, pelo Estado.

Sobre esse aspecto, vamos passar ao largo, pois a contrariedade que pretendemos apontar pode prescindir dessa discussão. Embora também não concordemos com essa premissa, elementar para a conclusão sobre a insignificância, vamos tomá-la como ponto consensual – verdade admitida – mas, insisto, apenas para demonstrar que o raciocínio que dali se empreende não guarda sustentação lógica.

Nos autos do HC 100.942PR, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, relator do acórdão ali produzido, e publicado em 9 de agosto de 2011, deixa evidenciado o raciocínio que se empreende para caracterização da insignificância para a prática de descaminho. Em suma: parte da assertiva de que já assentado que o descaminho é crime contra a ordem tributária. Na seqüência, aduz que a União, com base no artigo 20 da Lei 10.522, de 2002, desistiu do ajuizamento de execuções fiscais, cujo valor perseguido é inferior a R$ 10 mil. Por fim, conclui-se que se não há interesse no recebimento do tributo (que ofende o patrimônio do executado) não há justa causa para agredir um bem de maior valor: a liberdade. Em reforço ao argumento, e como conseqüência dele, aduz-se que a esfera criminal somente deve ser tomada como última razão; quando a atuação na esfera cível/administrativa não se fizer suficiente.

A mesma tese tem sido retomada tanto pelo Superior Tribunal de Justiça, como também por Tribunais Regionais (Por exemplo: STJ: AgRg no REsp 1265032/PR; TRF3: processo 0002039-95.2007.4.03.6113, TRF1: processo RSE 2007.38.00.008919-4/MG).

Cabe, portanto, melhor análise do regramento tomado como referência para concluir-se que a União não tenha interesse sobre débitos de valor inferior a R$ 10 mil. A Lei 10.522 foi publicada aos 19 de julho de 2002, passando a viger na data de sua publicação. Seu objetivo é a criação do Cadastro Informativo de Créditos (Cadin).

No inciso I do seu artigo 2º, estabelece que será lançado em dito cadastro, o nome dos devedores da Administração Pública Federal, direta e indireta. Logo mais adiante, em seu artigo 6º, prescreve o normativo quais as restrições para aquele que tem seu nome registrado no Cadin:

  1. realização de operações de crédito que envolvam a utilização de recursos públicos;
  2. concessão de incentivos fiscais e financeiros;
  3. celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso, a qualquer título, de recursos públicos, e respectivos aditamentos.

Após tratar do parcelamento de débitos para com a União, o normativo traça diretrizes para atuação da Procuradoria da Fazenda Nacional em Juízo, na persecução do crédito da União.

Inicialmente, lista os créditos que não mais lhe interessam (artigo 18 e seus incisos), determinando o cancelamento do lançamento do tributo; dentre eles, aqueles inferiores a R$ 100. Já nos artigos 19 a 24 trata da racionalização da atuação da Procuradoria da Fazenda Nacional em juízo, delimitando os casos em que poderá haver desistência da ação, abstinência quanto à interposição de recurso, ou dispensa de encargos para o executado que desistir da demanda em face da União.

E é nesse contexto que se lança, mais precisamente no artigo 20, autorização legal para desistência de execuções, cujo montante cobrado seja inferior a R$ 10 mil. Frise-se: desistência da ação, e não do crédito. E o crédito, no caso, é considerado pelo contribuinte, e não por fato gerador, eis que seu parágrafo 4º deixa explícito que quando houver dívidas reunidas, e o montante for superior a R$ 10 mil, não está autorizado o respectivo Procurador da Fazenda Nacional desistir da ação.

Atenta leitura da lei ora em comento não deixa dúvidas de que a União (afora os casos específicos que enumera em seu artigo 18) não reconhece os créditos inferiores a R$ 100.

Na mesma linha da Lei 10.522, de 2002, foi editada a Portaria 75, de 22 de março de 2012[1], dispõe que não serão inscritos em dívida ativa da União os débitos inferiores a R$ 1 mil. Quanto ao ajuizamento de ação, para cobrança de valores, há que se ter, em regra, o mínimo de R$ 20 mil.

No entanto, como podemos ver dos parágrafos do artigo 1º da citada portaria, haverá ajuizamento de execução fiscal em diversas situações: débito oriundo de condenação criminal, cumulação de débitos com total superior a R$ 20 mil, acréscimos decorrentes da mora (juros e correção monetária), potencial recuperabilidade do crédito.

Outro dispositivo de interesse é o constante do artigo 6º do veículo normativo ora em comento, que autoriza o Procurador Geral da Fazenda Nacional e o Secretário da Receita Federal a buscarem outros meios (extrajudiciais) pelos quais possam ser recuperados os créditos da União, inscritos, ou não em dívida ativa.

Da leitura da Lei 10.522 e da Portaria 75, emergem três situações:

  1. Para os créditos não lançados em dívida ativa[2]a Fazenda Nacional não poderá ingressar em juízo, não poderão ser objeto de consolidação para ajuizamento de ação e não haverá as sanções decorrentes de sua inscrição no Cadin.

    De se observar, nesse aspecto, que se mostra ilegal a inscrição no Cadin de devedores de valores inferiores a R$ 1 mil, pois somente com a inscrição em dívida ativa é que o crédito tributário goza de presunção de certeza e liquidez (artigo 204 do Código Tributário Nacional). Por isso, entendemos que o disposto no artigo 6º da Portaria 75 do Ministério da Fazenda somente se aplica em situações transitórias[3].

  2. Para os débitos inscritos em dívida ativa e superiores a R$ 20 mil, além do esforço extrajudicial, a Fazenda Nacional perseguirá os créditos da União por via judicial.
  3. Para os débitos inscritos em dívida ativa e, atualmente, situados entre um e R$ 20 mil haverá esforço extrajudicial para sua persecução. Em via judicial, sua persecução está atrelada à existência dos fatores enumerados na Portaria 75 do Ministério da Fazenda (que podemos simplificar com a expressão “conveniência e oportunidade”).

Retomamos, agora, o raciocínio empregado para a aplicação do princípio da insignificância aos crimes de descaminho, qual seja: não havendo interesse da União em perseguir seus créditos, não se pode imputar ao cidadão maior gravame, causado pela condenação criminal.


Agora, confrontando esse pensamento com as três hipóteses acima aventadas, vemos que somente é válida ou verdadeira para a primeira delas, qual seja: quando o débito não for inscrito em dívida ativa.

Não será válida ou verdadeira para a terceira hipótese, simplesmente porque a União, eventualmente, poderá não ingressar em juízo para perseguir seu crédito. Destaco: eventualmente. No entanto, não abre mão de seu poder estatal para forçar o contribuinte ao adimplemento de sua obrigação.

E pomos um exemplo prático para ilustrar o que afirmamos: uma determinada pessoa contrai débito para com a União, no importe de R$ 2 mil. Seu nome é lançado no Cadin. Não tem bens para suportar execução fiscal (mesmo que fosse ajuizada execução fiscal, o resultado seria nulo, porque bens não seriam encontrados, frustrando-se a execução).

Busca financiamento para saldar suas dívidas (com particulares) na praça, o que possibilitaria manter um mínio de credibilidade no mercado local para aquisição de gêneros de maior necessidade da família. Por estar inscrita no Cadin, entretanto, sua pretensão se vê frustrada.

O exemplo, ainda que com variações, não é de difícil ocorrência, mas revela que a persecução extrajudicial pode ser mais gravosa que a simples execução fiscal.

Por consequência, não se pode afirmar que a União tenha desprezado seu crédito, mas insista na penalização do indivíduo. Ainda mais quando consideramos que a penalização para o delito de descaminho somente resulta em restrição da liberdade em casos especiais, eis que é de sua natureza a não existência de violência ou lesão, e seu apenamento máximo é de quatro anos (o que faz supor que geralmente a pena a ser aplicada é substitutiva da restrição de liberdade).

A fragilidade do argumento (tendo como uma de suas consequências a criação de uma “zona de liberdade” para os descaminheiros, notadamente se considerarmos o novo limite para ajuizamento de execução fiscal), pode ser sentida em recentes decisões, indicativas de que o Poder Judiciário está revendo seu posicionamento. Nos autos do AgRg no REsp 1276363 / PR, relatado pela ministra Laurita Vaz, a 5ª Turma do STJ, publicado em 27 de abril de 2012, é rejeitada a aplicação da insignificância pela “habitualidade” do agente, na prática delitiva. Nos autos do HC 107041/SC , relatado pelo ministro Dias Toffoli, e publicado em 13 de setembro de 2011, a 1ª Turma do STF, rejeitou aplicabilidade a caso em que o débito [4] era superior a R$ 1 mil, argumentando que o desinteresse da União está vinculado à não inscrição em dívida ativa, e não ao ajuizamento da execução fiscal.

Temos que esse é o entendimento que mais se coaduna com o princípio da insignificância. De fato, com a ocorrência do fato gerador a União tem o poder/dever de aferir qual o crédito a que faz jus. Ao verificar que a dívida é inferior R$ 1 mil, deixará de promover sua inscrição em dívida ativa, renunciando à presunção de certeza e liquidez. Indica que a lesão causada ao erário é diminuta, que não lhe causa gravame algum.

Na seara criminal, a repercussão é sentida no próprio tipo penal, que se vê desfigurado, porque não há que se falar em supressão de tributos se a própria União não o reconhece. O ato de iludir o Fisco, praticado pelo descaminheiro, não gera conseqüências materiais relevantes.

Portanto, concluímos que somente poderá ser aplicado ao descaminho o princípio da insignificância nos casos em que a supressão de tributos não comporte inscrição em dívida ativa, e não esteja a Procuradoria da Fazenda Nacional dispensada do ajuizamento da execução fiscal.

No momento, o valor parâmetro é de R$ 1 mil; que poderá ser minorado por norma de eficácia regional ou nacional, mas que somente será aplicável aos casos que se verificarem a partir da edição dessa norma.

Os casos de prática reiterada, o que enseja reação estatal, poderá ser demonstrada pela reunião dos vários procedimentos administrativos e fiscais, que indiquem a supressão de tributos, e sua inscrição em dívida ativa, em montante superior a R$ 1 mil.

Na fase pré-processual (atuação policial) a verificação da quantidade de itens apreendidos, sua diversidade, aferição de preço nédio das mercadorias, antecedentes do envolvido e circunstâncias da apreensão (que indiquem finalidade comercial) são fatores facilmente aferíveis para formação do juízo acerca das medidas que enseja o caso (prisão em flagrante ou simples apreensão).

Na fase processual, será possível, já no nascedouro da lide, ter certeza do montante suprimido e dos casos de reiteração de conduta, com parâmetros seguros para a oferta, ou não, de denúncia — e seu recebimento, ou rejeição.


[1]Apenas a título de curiosidade, tão só o artigo 54 da Lei 8212, autoriza norma infralegal fixar limites de valor para não inscrição em dívida ativa, o que poderia tornar a norma duvidosa quanto à sua legitimidade

[2] Atualmente fixado em R$ 1 mil, mas que poderá ser em valor inferior, por norma editada pela Procuradoria da Fazenda Nacional, com vigência regional ou geral (artigo 7º da Portaria 75 do Ministério da Fazenda).

[3]Isto é: entre a ocorrência do fato gerador e o momento em que deveria ser lançado em dívida ativa, e não poderá estar acompanhado de nenhuma medida de “força”, eis que somente gozará de presunção de certeza e liquidez com sua inscrição em dívida ativa.

[4]Previdenciário no caso, mas que segue a mesma natureza tributária.


Nelson Edilberto Cerqueira é chefe da Delegacia de Polícia Federal em Araraquara (SP).

Revista Consultor Jurídico, 19 de junho de 2012


Deputados e senadores reunidos em Frente pelo Fortalecimento da Gestão Pública

SINPROFAZ apoia iniciativa e estará presente no lançamento da Frente nesta terça, 20 de junho, às 14h. Evento será no auditório Petrônio Portella do Senado Federal.


OAB pressiona por inclusão de advogados no Simples

Por Marcos de Vasconcellos Um universo de 750 mil advogados possui apenas cerca de 20 mil sociedades de advocacia cadastradas. A conta, que faria com que cada sociedade tivesse, em média, 37 advogados, foi apresentada nesta quarta-feira (13/6) pelo presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, à senadora Ana Amélia…


Sindicato insiste na exoneração do coordenador da DAU

Ação popular, divulgação na imprensa, denúncia a órgãos de controle e inquéritos civis no MPF. Essas são as principais iniciativas do SINPROFAZ contra exercício indevido de cargo na PGFN.


Aplicação prática da medida cautelar fiscal


A medida cautelar fiscal possibilita garantir o crédito tributário constituído ou por constituir, sabendo-se que no processo cautelar não existe lugar para decisão definitiva acerca da sujeição dos bens dos requeridos, discussão que é própria à ação de execução.


1. INTRODUÇÃO

Após a conclusão dos procedimentos fiscais pelo órgão fazendário, em face de pessoa jurídica, constitui-se o crédito tributário, mediante lavratura do respectivo auto de infração.

A existência de débitos tributários, em não havendo patrimônio conhecido da empresa, pode dar causa à propositura de ação cautelar, com base no procedimento fiscal instaurado, como veremos a seguir.


2. DO CABIMENTO DA AÇÃO CAUTELAR FISCAL

Plenamente cabível o ajuizamento de ação para resguardo dos interesses da Fazenda, dos seus créditos públicos de expressiva monta, de responsabilidade de empresas e seu sócio-administrador, a fim de evitar que ocorra ou prossiga o desvio de bens da sociedade, agravando-se ainda mais a situação.

A medida cautelar fiscal, no caso, encontra amparo no art. 2º, mais especialmente inc. VI e inc. IX, da Lei 8.137/1992:

Art. 2º A medida cautelar fiscal poderá ser requerida contra o sujeito passivo de crédito tributário ou não tributário, quando o devedor:

  1. sem domicílio certo, intenta ausentar-se ou alienar bens que possui ou deixa de pagar a obrigação no prazo fixado;
  2. tendo domicílio certo, ausenta-se ou tenta se ausentar, visando a elidir o adimplemento da obrigação;
  3. caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens;
  4. contrai ou tenta contrair dívidas que comprometam a liquidez do seu patrimônio;
  5. notificado pela Fazenda Pública para que proceda ao recolhimento do crédito fiscal:
    1. deixa de pagá-lo no prazo legal, salvo se suspensa sua exigibilidade;
    2. põe ou tenta por seus bens em nome de terceiros;
  6. possui débitos, inscritos ou não em Dívida Ativa, que somados ultrapassem trinta por cento do seu patrimônio conhecido;
  7. aliena bens ou direitos sem proceder à devida comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente, quando exigível em virtude de lei;
  8. tem sua inscrição no cadastro de contribuintes declarada inapta, pelo órgão fazendário;
  9. pratica outros atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito.

Disciplinando os requisitos probatórios necessários à concessão da medida cautelar fiscal, tem-se o art. 3º da Lei 8.137/1992:

Art. 3° Para a concessão da medida cautelar fiscal é essencial:

  1. prova literal da constituição do crédito fiscal;
  2. prova documental de algum dos casos mencionados no artigo antecedente.

Para os fins do art. 3º, inc. I, da Lei 8.397/1992, necessário que o crédito tributário seja constituído mediante a lavratura de auto de infração , formalizado em processo administrativo fiscal.

Acerca da prova da constituição do crédito tributário, elucidativo precedente do STJ:

“(…) Consoante doutrina o eminente Ministro José Delgado: ‘Há entre os pressupostos enumerados um que é básico: a prova de constituição do crédito fiscal. O inciso I do art. 3º da Lei nº 8.397/92 não exige constituição definitiva do crédito fiscal; exige, apenas, que ele encontre-se constituído. Por crédito tributário constituído deve ser entendido aquele materializado pela via do lançamento. A respeito do momento em que o crédito tributário deve ser considerado para o devedor como constituído, há de ser lembrado que, por orientação jurisprudencial, este momento é fixado quando da lavratura do auto de infração comunicado ao contribuinte.’ (Artigo Aspectos doutrinários e jurisprudenciais da medida cautelar fiscal, na obra coletiva Medida cautelar fiscal. Coordenadores: Ives Gandra da Silva Martins, Rogério Gandra Martins e André Elali. São Paulo: MP Editora, 2006, p. 79)“ (STJ, 1ª Turma, REsp 466.723/RS, rel. Min. DENISE ARRUDA, j. 06.06.2006, DJ 22.06.2006, p. 178).

Além disso:

Convém ressaltar que na ação cautelar fiscal não se exige o crédito tributário, mas apenas se resguarda futura e eventual ação de execução, em garantia do patrimônio público. A pendência de causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário não pode ser considerada como um impedimento absoluto à cautelar fiscal. De fato, se a própria Lei n. 8.397/92 admite o manejo da cautelar, em certas hipóteses, mesmo antes da constituição do crédito tributário, é inegável que a teleologia legal aí implícita é a de assegurar, tanto quanto possível, o futuro adimplemento das obrigações tributárias descumpridas e dos respectivos acessórios (TRF 3ª REGIÃO, 3ª Turma, AG 200703000109178/SP, rel. CECILIA MARCONDES, j. 24.10.2007, DJU 28.11.2007, p. 260).

E, ainda:

A suspensão da exigibilidade do crédito tributário, por si só, não obsta a concessão de liminar em medida cautelar fiscal (TRF 4ª REGIÃO, 1ª Turma, AG 200704000086041/SC, j. 20.06.2007, D.E. 17.07.2007).


Aliás, mesmo que o débito estivesse parcelado – causa de suspensão de exigibilidade –, a ação cautelar fiscal poderia ser intentada:

O Fisco tem interesse jurídico na ação cautelar fiscal que visa à indisponibilidade dos bens do devedor, mesmo que ele tenha aderido ao REFIS, pois tal fato não é impeditivo da manutenção dos gravames efetuados no patrimônio do contribuinte em ações anteriormente ajuizadas. Está presente requisito para a decretação de indisponibilidade dos bens, pois há documentação nos autos a comprovar que a empresa possui débitos que ultrapassam trinta por cento de seu patrimônio conhecido (TRF 4ª REGIÃO, 1ª Turma, AC 200071000093900/RS, rel. VILSON DARÓS, j. 07.02.2007, D.E. 28.02.2007).

Ainda acerca do crédito tributário e da afetação que o início de sua constituição produz em face dos bens do devedor e responsáveis, mutatis mutandis, traz-se oportuníssimo precedente do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO:

(…) 8. Uma vez que o início do procedimento de fiscalização deflagra justamente a possibilidade de constituição do crédito tributário, sabendo o contribuinte que o fisco examinaria a escrita contábil e os livros fiscais, a fim de investigar o descumprimento de obrigações tributárias, não há falar em ausência do pressuposto central de admissibilidade da ação revocatória – a anterioridade do crédito aos atos de alienação que reduziram o devedor à insolvência ou ao estado de insolvência. Foi a previsibilidade do desenlace da ação fiscal que motivou a transferência dos bens a terceiros, transparecendo o propósito de malograr a satisfação dos créditos tributários. 9. (…). Não é possível exigir do fisco a mesma dinâmica que caracteriza os negócios, pois o lançamento tributário consiste em ato administrativo vinculado, cujos requisitos são notoriamente mais rigorosos que os atos de direito privado. (…). (TRF 4ª REGIÃO, 1ª Turma, AC 200171050018732/RS, rel. JOEL ILAN PACIORNIK, j. 02.05.2007, D.E. 22.05.2007).

À luz do disposto no inciso VI do art. 2º da Lei 8.397/1992, a medida cautelar fiscal é providência que se impõe para o devido resguardo dos direitos de cobrança do crédito.

Nesse contexto, esta ação serve para tornar indisponíveis tantos bens quantos bastem à satisfação do crédito ? inclusive do sócio-administrador de fato, no caso de inexistência de bens da pessoa jurídica ? tudo nos termos do art. 4º, caput e parágrafo primeiro, da Lei 8.397/1992. Nesse sentido, o inteiro teor do dispositivo legal:

Art. 4° A decretação da medida cautelar fiscal produzirá, de imediato, a indisponibilidade dos bens do requerido, até o limite da satisfação da obrigação.

§ 1° Na hipótese de pessoa jurídica, a indisponibilidade recairá somente sobre os bens do ativo permanente, podendo, ainda, ser estendida aos bens do acionista controlador e aos dos que em razão do contrato social ou estatuto tenham poderes para fazer a empresa cumprir suas obrigações fiscais, ao tempo:

  1. do fato gerador, nos casos de lançamento de ofício;
  2. do inadimplemento da obrigação fiscal, nos demais casos.

§ 2° A indisponibilidade patrimonial poderá ser estendida em relação aos bens adquiridos a qualquer título do requerido ou daqueles que estejam ou tenham estado na função de administrador (§ 1°), desde que seja capaz de frustrar a pretensão da Fazenda Pública.

§ 3° Decretada a medida cautelar fiscal, será comunicada imediatamente ao registro público de imóveis, ao Banco Central do Brasil, à Comissão de Valores Mobiliários e às demais repartições que processem registros de transferência de bens, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a constrição judicial.

A medida cautelar fiscal se afigura em instrumento jurídico que possibilita garantias consistentes para o crédito tributário constituído ou por constituir, sabendo-se que no processo cautelar não existe lugar para decisão definitiva acerca da sujeição dos bens dos requeridos, discussão que é própria à ação de execução.

Considerando-se ser a segurança (e não o bem propriamente dito) o cerne do processo cautelar, para a procedência da ação, somente é necessário que se demonstre a plausibilidade jurídica da tese alegada.

Ou seja, deve apenas haver fundada probabilidade (não se exigindo certeza) de que o patrimônio da pessoa jurídica e física requerida venha a ser chamado a suportar os ônus da execução.

As regras que presidem a cautelar fiscal, veiculadas inicialmente pela Lei 8.397/1992, com as posteriores alterações promovidas pela Lei 9.532/1997, permitem a constrição do patrimônio do devedor e, desse modo, a inibição de qualquer atitude que possa significar esvaziamento patrimonial que leve à insolvência.

Nesse sentido, falando genericamente sobre as tutelas jurisdicionais de cunho cautelar, HUMBERTO THEODOR JUNIOR ensina:

Consiste, pois, a ação cautelar no direito de provocar, o interessado, o órgão judicial a tomar providências que conservem e assegurem os elementos do processo (pessoas, provas e bens), eliminando a ameaça de perigo ou prejuízo iminente e irreparável ao interesse tutelado no processo principal; vale dizer: a ação cautelar consiste no direito de “assegurar que o processo possa conseguir um resultado útil” (Curso de Direito Processual Civil, v. II, 14ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 358)

No tipo de ação cautelar da qual aqui se trata, à luz da existência de regramento específico e próprio, despicienda qualquer demonstração, em separado, dos requisitos genéricos das ações cautelares ? fumus boni iuris e periculum in mora ?, eis que já devem ser tidos como atendidos apenas pela demonstração das situações fáticas que constam dos requisitos exigidos para propositura da ação prevista na Lei 8.397/1992, que autoriza as providências cautelares naquelas hipóteses que específica.

Importante destacar que “(…) havendo motivos suficientes, deve ser assegurada à Fazenda Nacional o cumprimento da obrigação tributária em aberto, por meio da cautelar fiscal e consequente constrição judicial de bens”, e também que “a lei permite a concessão de medida cautelar fiscal mesmo quando há suspensão da exigibilidade do crédito tributário” (TRF 4ª REGIÃO, 1ª Turma, AC 95.04.08588-1/RS, rel. JOSÉ LUIZ B. GERMANO DA SILVA, j. 21.03.2000, DJ 05.04.2000, p. 17).

De todo modo, o fumus boni iuris emerge de toda a fundamentação trazida na ação, ao passo que o periculum in mora restará evidente ao se comprovar que, se permanecerem os bens do devedor livres e desembaraçados, estes poderão ser transferidos, a qualquer título, inclusive a terceiros de boa-fé, inviabilizando a quitação do crédito público.

Importante salientar que a Lei 8.397/1992, em seu art. 7.º, caput, trouxe disposição autorizadora clara e expressa: “O Juiz concederá liminarmente a medida cautelar fiscal, dispensada a Fazenda Pública de justificação prévia e de prestação de caução”.



3. COMPETÊNCIA JUDICIAL

A competência do juízo para o processamento da ação é regida pelo artigo 5º da Lei 8.397/1992:

Art. 5° A medida cautelar fiscal será requerida ao Juiz competente para a execução judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública.

Parágrafo único. Se a execução judicial estiver em Tribunal, será competente o relator do recurso.


4. LEGITIMIDADE PASSIVA DO SÓCIO-ADMINISTRADOR

A responsabilidade pessoal pelo crédito tributário pode surgir pelo cometimento de ilícito tributário objeto de auto de infração.

Nesse sentido:

TRIBUTÁRIO. AÇÃO CAUTELAR FISCAL. LEI-8397/92 (06.01.92) ART-7. Se há fundado receio de inviabilidade da cobrança da dívida fiscal, por irregularidades praticadas na sociedade devedora, justifica-se o arresto de bens, inclusive do sócio-gerente (TRF 4ª REGIÃO, 1ª Turma, AG 97.04.05132-8/SC, rel. VLADIMIR FREITAS, j. 11.11.1997, DJ 24.12.1997, p. 112.538).

A base legal para a mencionada responsabilização pessoal encontra-se no art. 135, inc. III c/c art. 136, ambos do CTN. Colaciona-se precedente:

EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE POR SUBSTITUIÇÃO DOS SÓCIOS. ARTIGOS 135 E 136 DO CTN. 1. Nos termos do art. 135 do CTN, respondem pessoalmente pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias os gerentes, administradores ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado quando agirem com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto. 2. A responsabilidade por infrações da legislação tributária não depende de culpa ou dolo do agente ou responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do dano. Art. 136, CTN. 3. Apelação improvida.” (TRF 3ª REGIÃO, 1ª Turma, AC 381.104, rel. OLIVEIRA LIMA, j. 14.08.2001. DJU 06.11.2001, p. 323)

Oportuno invocar, relativamente à matéria da responsabilização pessoal de sócios, também os arts. 124 e 128 do CTN ? constantes da Seção II (Solidariedade) do Capítulo IV (Sujeito Passivo) e da Seção I (Disposição Geral) do Capítulo V (Responsabilidade Tributária) ? a seguir transcritos:

Art. 124. São solidariamente obrigadas:

  1. as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;
  2. as pessoas expressamente designadas por lei.

Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Do art. 124, inc. I, do CTN, extrai-se que, quando duas ou mais pessoas estiverem ligadas por interesse comum ao fato gerador, dar-se-á a solidariedade legal presumida. Desta forma, e como também diz o art. 128 supra, qualquer pessoa que esteja vinculada ao fato gerador é devedora solidária em relação ao crédito tributário.

Ora, é óbvio que os sócios de uma empresa – especialmente o sócio-administrador – têm interesse comum na ocorrência do fato gerador. E também o têm os demais sócios, porquanto, é com base no conjunto de atos realizados, que dentre outras coisas se consubstanciam em fatos geradores tributários, que a empresa auferirá seus resultados e, muito especialmente, os lucros que beneficiarão os cotistas.

Todo e qualquer dirigente de empresa, na condição de gestor do negócio, ao deixar de recolher os tributos devidos por ela infringe a lei, pois ele deve administrar e cumprir regularmente as obrigações que contrai em nome dela, já que a personificação representada pela pessoa jurídica não lhe confere vida animada.

Em outras palavras, os atos da empresa são sempre praticados através da vontade de seus dirigentes, de seus representantes. Daí a solidariedade destes em relação às obrigações que contraem em nome daquela. A responsabilidade solidária em tal caso é presumida posto que a situação configurada na lei (art. 124, inc. I) é aquela em que todos os envolvidos ganham simultaneamente com o fato econômico (fato gerador). Em corroboração ao afirmado, claro precedente jurisprudencial:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – MC (FISCAL): INDISPONIBILIDADE DOS BENS DOS AGRAVANTES (EMPRESA E SÓCIO-GERENTE) PARA GARANTIA DE FUTURA EXECUÇÃO FISCAL – DÉBITO QUE ULTRAPASSA A 30% DO PATRIMÔNIO CONHECIDO – LEGITIMIDADE RECURSAL DAS PARTES LIMITADA (INDIVIDUALMENTE) À SUA SEARA ESPECÍFICA –RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR EXPRESSAMENTE PREVISTA NO ART. 4º, §1º, DA LEI N. 8.397/92 – AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO QUANTO À INDISPONIBILIDADE DOS BENS DO CO-RESPONSÁVEL E NÃO PROVIDO EM RELAÇÃO À EMPRESA. 1 – O procedimento cautelar fiscal poderá ser instaurado após a constituição do crédito, quando o devedor possuir débitos, inscritos ou não em Dívida Ativa que, somados, ultrapassem trinta por cento do seu patrimônio conhecido (art. 2º, VI, da Lei n. 8.397/1992, na redação da Lei n. 9.532/1997). (…) 3 – Àquele que administra bens, ai entendida a administração da sociedade, é atribuída responsabilidade tributária solidária (subsidiária), por expressa determinação legal, aparada na letra do art. 128, que comete à lei a atribuição da responsabilidade tributária. 4 – Possibilidade de indisponibilização dos bens também do sócio-gerente da empresa à época da ocorrência dos fatos geradores dos débitos (art. 4º da Lei n. 8.397/92). 5 – Peças liberadas pelo Relator, em 28/05/2007, para publicação do acórdão. (TRF 1ª REGIÃO, 7.ª Turma, AG 200601000343250/BA, rel. LUCIANO TOLENTINO AMARAL, j. 28.05.2007, DJ 15.06.2007, p. 75)

A própria Lei 8.397/1992, que instituiu a medida cautelar fiscal, em seu art. 4º, parágrafo 1º, é clara ao permitir que a indisponibilidade patrimonial seja estendida aos bens do acionista controlador e aos dos que em razão do contrato social ou estatuto tenham poderes para fazer a empresa cumprir suas obrigações fiscais ao tempo do fato gerador e do inadimplemento da obrigação fiscal – sócio administrador de fato ou de direito.


A interpretação jurisprudencial acerca da legitimidade passiva em questão pode ser muito bem aferida pela leitura do seguinte precedente do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO, que bem sintetiza os aspectos a ela relacionados:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. MEDIDA CAUTELAR FISCAL. INDISPONIBILIDADE DOS BENS. 1. Hipótese em que a dívida cautelar fiscal foi deferida contra a empresa, com fundamento no art. 2º, VI, da Lei nº 8.397/92, por ser o valor da dívida muito superior ao seu patrimônio conhecido e em razão dos seus sucessivos prejuízos, e extensivamente ao sócio, com apoio no art. 2º, VI, e art. 4º, ambos da Lei nº 8.397/92, e artigo 50 do Código Civil. 2. Havendo a possibilidade de evasão fiscal, aliado a outros fatores (interligação/confusão patrimonial entre sócio e empresa; possível simulação; doação formalizada após longo período de inadimplência fiscal, com o intuito de frustrar a execução de bens de raiz), é de ser mantida a indisponibilidade dos bens. 3. A indisponibilidade dos bens, por ser medida de cautela, objetiva assegurar eventual futuro redirecionamento, mas não se confunde com esse e, portanto, não implica constrição do patrimônio do sócio, que não fica privado de usar e fruir os bens, mas apenas deve observar a restrição ao direito de deles dispor, a fim de que se conservem como garantia, para o caso de eventual redirecionamento da execução. 4. Agravo de instrumento improvido. (TRF 4ª REGIÃO, 1ª Turma, AG 200604000113611/SC, rel. ARTUR CÉSAR DE SOUZA, DJU 12.07.2006, p. 848)


5. POSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO DE PEDIDOS TAMBÉM COM BASE NO PODER GERAL DE CAUTELA

No que diz respeito às medidas acautelatórias que podem ser determinadas no bojo da ação cautelar fiscal, tem a jurisprudência se inclinado a admitir que ? à luz de cada caso concreto ? podem ser as mais amplas possíveis, não estando o juiz adstrito, de forma extremamente rígida, apenas àquilo que a Lei 8.397/1992 preceitua.

Não se pode descartar a possibilidade de uso do próprio poder geral de cautela ? presente, por exemplo, no art. 615, inc. III ou no art. 798, ambos do CPC ? como embasamento jurídico para determinação de providências cautelares pontuais e mais abrangentes do que aquela inicialmente prevista na Lei 8.397/1992, úteis ao resguardo do futuro resultado do processo principal, em que se veiculará o interesse jurídico que se pretende por ora resguardar. Em corroboração do afirmado, traz-se, mutatis mutandis, elucidativo precedente jurisprudencial:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CAUTELAR FISCAL. IMÓVEL. INDISPONIBILIDADE. ALUGUÉIS. INDÍCIOS DE FRAUDE. 1. O deferimento do depósito dos aluguéis configura pedido diverso da indisponibilização do bem, decretada com base no art. 4º da Lei 8.397/92. Nesta hipótese, a indisponibilidade do bem não atinge, via de regra, seus frutos e rendimentos. O depósito dos aluguéis, por outro lado, pode ser deferido pelo Juízo, em face de seu poder geral de cautela, quando houver indícios de irregularidades ou fraudes na locação do imóvel, para o fim de ludibriar o Fisco. Precedentes da Segunda Turma desta Corte. 2. No caso em tela, há indícios que levam a crer que a empresa, por seus sócios, pretende esquivar-se ao pagamento dos tributos e dívidas existentes. Assim, em face do poder geral de cautela deve ser estendida a medida de indisponibilidade aos frutos civis decorrentes do aluguel de bem imóvel já indisponível. (TRF 4ª REGIÃO, 2ª Turma, AG 200504010418682/SC, rel. MARGA INGE BARTH TESSLER, D.E. 12.03.2008)

Com isso, se está afirmando que é perfeitamente admissível, por exemplo, o arresto de bens do sócio-administrador de fato das empresas devedoras, inclusive e muito especialmente porque não fazem parte do ativo imobilizado da empresa, não suficiente à satisfação dos créditos tributários.

Tais medidas não estariam sendo deferidas com base na Lei 8.397/1992, mas, sim, com base no poder geral de cautela aplicado em face das peculiaridades e da gravidade do caso concreto, em decorrência de pedidos que são veiculados ? até por questão de economia processual ? no bojo da própria ação cautelar fiscal.

Outro precedente do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO, embasando-se em jurisprudência do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSJTIÇA, que vai nesse exato sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA CAUTELAR FISCAL. PESSOA JURÍDICA. EXTINÇÃO DE FATO E INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. BENS DO ATIVO NÃO PERMANENTE. INDISPONIBILIDADE. ART. 4º, § 1º, DA LEI Nº 8.397/92. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite que, em situações excepcionais, os efeitos da medida cautelar fiscal atinjam também os bens do ativo não permanente da empresa. Precedentes. 2. Situação excepcional demonstrada, face à extinção de fato da empresa e à insuficiência de bens para a garantia do crédito tributário, permitindo que a indisponibilidade recaia sobre outros bens e direitos não incluídos no ativo permanente. 3. Agravo de instrumento improvido. (TRF 4ª REGIÃO, 2ª Turma, AG 200604000193552/RS, rel. OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, j. 31.10.2006, DJU 22.11.2006, p. 414)


6. PEDIDO DE INDISPONIBILIDADE DE BENS AO LONGO DO CURSO DA AÇÃO

A indisponibilidade de bens, em sede de ação cautelar fiscal, pode se dar em qualquer fase da ação, em respeito à própria dinâmica inerente às movimentações patrimoniais, sem que isso possa ser interpretado como qualquer espécie de alteração de pedido ou coisa que o valha.

Em corroboração ao afirmado:

  1. Não se deu alteração de pedido, a viciar a relação processual: almejando a cautelar fiscal indisponibilidade de acervo, esta a pretensão, veemente que a identificação do(s) bem(ns) da vida a atingir possa se sujeitar ao dinamismo inerente às movimentações/localizações patrimoniais. (…) 4. Incumbe enfatizar-se sobre a índole do processo cautelar, o qual se traduz no mecanismo de obtenção de uma providência assecuratória da subsistência e conservação, material e jurídica, de um bem. 5. Realça-se o cunho provisório e instrumental da cautelar, pois dura até que fato superveniente a torne desnecessária ou que a medida definitiva a substitua, existindo não com finalidade própria, mas em função de outro processo (TRF 3ª REGIÃO, 2ª Seção (Turma Sup.), AC 96030519251/SP, rel. SILVA NETO, v.u. 25.10.2007, DJU 05.11.2007, p. 625).

O entendimento é correto, pois, porque, pela sua própria natureza e finalidade, a ação cautelar fiscal se destina à obtenção de indisponibilidade de acervo patrimonial, que encontrará limite apenas no montante do crédito existente.

Sendo assim, enquanto não garantido o montante total do crédito em questão, sempre que encontrados outros bens do requerido, poderão estes também ser tornados indisponíveis.



7. PROPOSITURA DA AÇÃO PRINCIPAL

Finalizando, a execução fiscal do crédito tributário inscrito em dívida ativa deve ser proposta nos exatos termos do artigo 11 da Lei 8.397/1992, que determina que, “quando a medida cautelar fiscal for concedida em procedimento preparatório, deverá a Fazenda Pública propor a execução judicial da Dívida Ativa no prazo de sessenta dias, contados da data em que a exigência se tornar irrecorrível na esfera administrativa”.


AUTOR

Mauro Evaristo Medeiros Junior
Procurador da Fazenda Nacional lotado em Joaçaba (SC). Pós-graduado em Direito Civil pela PUC-MG.

NBR 6023:2002 ABNT:JUNIOR, Mauro Evaristo Medeiros. Aplicação prática da medida cautelar fiscal. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3267, 11 jun. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21965>. Acesso em: 12 jun. 2012.


Projeto endurece punição a lavagem de dinheiro

Senado aprova projeto que pune lavagem de dinheiro proveniente de qualquer origem ilícita. SINPROFAZ apoia a proposta que visa fortalecer o combate à corrupção e sonegação.


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Relatório favorável ao PL que originalmente trata dos honorários está na pauta de votações da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO).


O STF e o regime especial de proteção ambiental do art. 225, § 1º, III, da Constituição


A exigência de lei diz respeito à supressão ou alteração do regime jurídico das áreas especialmente protegidas, não de uma parte de sua vegetação.


A Suprema Corte, por meio da maioria de seus ministros, indeferiu a medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Procurador-Geral da República, que pleiteava a suspensão da vigência do art. 1º da Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que introduzia alterações no art. 4º do Código Florestal, sob o argumento da incompatibilidade com o dispositivo constitucional previsto no art. 225, § 1º, III. Restaram vencidos os ministros Carlos Ayres Brito e Marco Aurélio Melo.

Segue abaixo a ementa do julgado em análise:

E M E N T A: MEIO AMBIENTE – DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) – PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE – DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE – NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A ESSE DIREITO FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS INTERGENERACIONAIS – ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS (CF, ART. 225, § 1º, III) – ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE – MEDIDAS SUJEITAS AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI – SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS LEGAIS, AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIR OBRAS E/OU ATIVIDADES NOS ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS, DESDE QUE RESPEITADA, QUANTO A ESTES, A INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS JUSTIFICADORES DO REGIME DE PROTEÇÃO ESPECIAL – RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA (CF, ART. 3º, II, C/C O ART. 170, VI) E ECOLOGIA (CF, ART. 225) – COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO DESSE ESTADO DE TENSÃO ENTRE VALORES CONSTITUCIONAIS RELEVANTES – OS DIREITOS BÁSICOS DA PESSOA HUMANA E AS SUCESSIVAS GERAÇÕES (FASES OU DIMENSÕES) DE DIREITOS (RTJ 164/158, 160-161) – A QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO DIREITO À PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE: UMA LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA À ATIVIDADE ECONÔMICA (CF, ART. 170, VI) – DECISÃO NÃO REFERENDADA – CONSEQÜENTE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR. A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EXPRESSÃO CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS.Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina. A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. – A incolumidade do meio ambiente não pode sercomprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. – O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. O ART. 4º DO CÓDIGO FLORESTAL E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.166-67/2001: UM AVANÇO EXPRESSIVO NA TUTELA DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. – A Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que introduziu significativas alterações no art. 4o do Código Florestal, longe de comprometer os valores constitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental, estabeleceu, ao contrário, mecanismos que permitem um real controle, pelo Estado, das atividades desenvolvidas no âmbito das áreas de preservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio ambiental, cuja situação de maior vulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora propiciada, de modo adequado e compatível com o texto constitucional, pelo diploma normativo em questão. – Somente a alteração e a supressão do regime jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente protegidos qualificam-se, por efeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, da Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva legal. – É lícito ao Poder Público – qualquer que seja a dimensão institucional em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) – autorizar, licenciar ou permitir a execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que, além de observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de regime jurídico de proteção especial (CF, art. 225, § 1º, III).DecisãoO Tribunal, por maioria, negou referendo à decisão que deferiu o pedido de medida cautelar, restaurando-se, desse modo, em plenitude, a eficácia e a aplicabilidade do diploma legislativo ora impugnado nesta sede de fiscalização abstrata, nos termos do voto do relator, vencidos os Senhores Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio. Votou oPresidente, Ministro Nelson Jobim. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Carlos Velloso e, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Falaram, pelo requerente, o Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza, Procurador-Geral da República; pela Advocacia-Geral da União, o Dr. Álvaro Augusto Ribeiro Costa, Advogado-Geral da União; pelos amicicuriae, Estados de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo; Confederação Nacional da Indústria-CNI e Instituto Brasileiro de Mineração-IBRAM, respectivamente, os Doutores José do Carmo Mendes Júnior, Procurador-Geral do Estado, em exercício; Lyssandro Norton Siqueira, Procurador-Geral do Estado; Maria Cristina de Moraes, Procuradora-Geral do Estado, em exercício; Maria Luiza Werneck dos Santos e Marcelo Lavocat Galvão. Plenário, 1º.09.2005.(AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 3540 / DF. PLENO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RELATOR(A): MIN. CELSO DE MELLO)


Para que se possa melhor analisar o respeitável acórdão, oportuno transcrever o dispositivo constitucional cuja compatibilidade foi questionada pela nova redação do art. 4º do Código Florestal:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(…)

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

Observa-se que pela redação do texto constitucional, os espaços territoriais especialmente protegidos podem ser alterados ou suprimidos, desde que seja por meio de lei (critério formal) e que a utilização não comprometa a integridade das características que justifiquem aquela proteção (critério material).

Estes espaços territoriais especialmente protegidos podem se constituir em unidades de conservação, áreas de preservação permanente – APPs e reservas legais florestais. Segundo Paulo Affonso Leme Machado, e parece ser entendimento pacífico em toda a doutrina, estas áreas podem ser criadas por lei, decreto, portaria ou resolução.[1]

A questão de ponto da Medida Cautelar em ADIé a determinaçãodo inciso III, §1º, do art. 225, da CF/88, que vaticina que a supressão ou modificação destes espaços territoriais somente pode ser procedida por meio de lei (reserva de lei formal). Na visão do douto Procurador-Geral da República, a nova redação do art. 4º do Código Florestal, encontra-se em descompasso com o texto constitucional.

Para que se possa chegar a uma conclusão sobre a compatibilidade constitucional da nova redação do art. 4º, § 1º à 7º, do Código Florestal, importante transcrevê-lo:

Art. 4º A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

§ 1º A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2º deste artigo. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

§ 2º A supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área urbana,dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

§ 3º O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

§ 4º O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

§ 5º A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, ou de dunas e mangues, de que tratam, respectivamente, as alíneas “c” e “f” do art. 2º deste Código, somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

§ 6º Na implantação de reservatório artificial é obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por resolução do CONAMA. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

§ 7º É permitido o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água, desde que não exija a supressão e não comprometa a regeneração e a manutenção a longo prazo da vegetação nativa. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

O que se depreende da redação do texto legal transcrito é que este trata de supressão de vegetação, ao passo que a Constituição trata da supressão da áreaespecialmente protegida. Não há dúvidas de que há uma diferença na utilização de expressões.

A nova redação do art. 4º do Código Florestal pela Medida Provisória 2.166-67/2001 não vincula a supressão de vegetação em área de proteção especial ao princípio da reserva legal, como faz o inciso III, § 1º, da CF/88 ao tratar da supressão da área de proteção especial.

O que se percebe pelo teor do acórdão é que o Supremo Tribunal Federal entende que a vegetação destas áreas especialmente protegidas não são intocadas, senão por meio de lei. O que se mostra intangível por atos infralegais, na visão daquele Eg. Tribunal, é o regime jurídico destes espaços territoriais especialmente protegidos por lei.


Aquela Suprema Corte considerou constitucional que alguma parte da vegetação das referidas áreas possa ser alteradaem caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto, nos termos do art. 4º, caput, do Código Florestal. Importante mencionar consoante o § 1º deste artigo 4º, que esta supressão de que trata o caput do artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente.

Entendeu-se, portanto, ser lícito ao Poder Público autorizar, licenciar ou permitir a execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que, além de observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de regime jurídico de proteção especial (CF, art. 225, § 1º, III).

Não merece reparos a decisão do Supremo Tribunal Federal.

No momento em que o inciso III, § 1º, 225, da CF/88, prevê a criação destes espaços especialmente protegidos, além de vedar a supressão desta área, ele também proíbe qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.

Ora, se o que está vedada é a utilização que comprometa a integridade dos atributos que justificaram a proteção, pode-se inferir que se a supressão de vegetação não comprometer a integridade destas características essenciais, ela pode ser lícita, desde que cumpridos os demais requisitos previstos na nova redação do art. 4º do Código Florestal, conferida pela MP2.166-67, de 2001.

Ademais, esta decisão da Suprema Corte está em consonância com o princípio constitucional do desenvolvimento sustentável, que busca a compatibilização das atividades econômicas e a preservação ambiental.

O que o princípio do desenvolvimento sustentável exige é o tratamento adequado de inter-relacionamento dos objetos tratados pelo art. 170 e ss. da Ordem Econômica e art. 225 e ss. da Constituição Federal, revelando-se numa prática interpretativa que avalie toda a complexidade do ordenamento jurídico. Através deste princípio, busca-se a concretização de políticas públicas capazes de revelar o texto constitucional em toda a sua globalidade, em vez de reproduzir os discursos que exaltam uma oposição que não é material, mas ideológica.[2]

Este novo conceito de desenvolvimento se constitui de uma natureza multidimensional, que o impede de ser confundido com o mero crescimento econômico. Ao se discorrer sobre sustentabilidade na noção de desenvolvimento, está se falando de um progresso econômico com um projeto necessariamente social e ambiental subjacente. Como bem afirma Clarissa D´isep:

(…) o desenvolvimento sustentável enfatiza a sociabilidade do capitalismo, pois o condiciona a uma visão antropocêntrica. Tanto o “ecologismo” quanto o “capitalismo selvagem” excluem do ordenamento jurídico esta visão (antropocêntrica), que se traduz no homem (social, coletivamente abordado) e sua qualidade de vida.[3]

Nessa senda, forçoso reconhecer que o conceito de desenvolvimento sustentável previsto em nossa Magna Carta limita o objeto do próprio Direito Ambiental em sua ambição de perseguir, a todo custo, a mera preservação ambiental. Nesse sentido, é urgente que se compreenda este novel ramo do Direito:

como um conjunto normativo intrinsecamente vinculado à produção econômica permite a visualização mais ampla das finalidades das prescrições normativas que agrupa. A proteção dos recursos naturais não se esgota na “vontade” de proteger a natureza, mas objetiva a manutenção de uma prática econômica socialmente desenvolvida.

Esta nova designação reflete um outro modo de ver o direito ambiental.[4]

Recapitulando, não se nega que há na finalidade constitucional de preservação ambiental uma verdadeira limitação às atividades sociais e econômicas. Mas esta limitação do art. 225, § 1º, III, da CF/88 diz respeito à supressão ou alteração do regime jurídico destas áreas especialmente protegidas, não de uma parte de sua vegetação.

Além disso, ao final deste dispositivo constitucional, restou permitida a utilização destas áreas, independente de lei formal, desde que não houvesse violação de seus atributos pelos quais recebeu especial proteção.

Escorreito, por conseguinte, o entendimento do Supremo Tribunal Federal.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 3ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2008.

D´ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Direito Ambiental Econômica e a ISO 14000. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17. ed. Malheiros: São Paulo, 2009.


Notas

[1]MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17. ed. Malheiros: São Paulo, 2009, p. 146

[2]Cf. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 3ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 103

[3]D´ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Direito Ambiental Econômica e a ISO 14000. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pp. 54-55

[4]DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 3ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 137


AUTOR

Luciano Costa Miguel
Procurador da Fazenda Nacional. Mestrando em Direito Ambiental pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera-Uniderp.

NBR 6023:2002 ABNT: MIGUEL, Luciano Costa. O STF e o regime especial de proteção ambiental do art. 225, § 1º, III, da Constituição . Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3239, 14 maio 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21763>. Acesso em: 16 maio 2012.


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PFN comenta realidade das condições de trabalho da carreira

Em entrevista à TV SINPROFAZ, diretora jurídica do Sindicato apontou os principais problemas vividos pelos Procuradores da Fazenda Nacional.


Regime jurídico das sociedades empresárias estatais


Mesmo no caso de empresas estatais dedicadas à prestação de serviços públicos, não podem ser-lhes concedidas prerrogativas próprias da Fazenda Pública quando a atividade for desempenhada em regime concorrencial ou com o objetivo de distribuição de lucros aos sócios.


RESUMO

Na condição de entidades integrantes da administração pública indireta, mas dotadas de personalidade jurídica de direito privado, as empresas estatais se sujeitam a um regime jurídico híbrido. Porém, o regime jurídico constitucional das sociedades empresárias controladas pelo Estado pode variar conforme a natureza da atividade a que se destinem. As sociedades estatais que exploram atividades econômicas em sentido estrito devem necessariamente submeter-se ao regime próprio das empresas privadas, ressalvado apenas naquilo em que houver sido derrogado por norma de hierarquia constitucional. No caso das empresas estatais prestadoras de serviços públicos, por não estarem submetidas aos ditames do art. 173 da Constituição, o regime jurídico próprio das empresas privadas também pode ser excepcionado por lei específica. Contudo, de acordo com a jurisprudência que vem sendo firmada pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo no caso de empresas estatais dedicadas à prestação de serviços públicos, não podem ser-lhes concedidas prerrogativas próprias da fazenda pública, a exemplo do regime de precatórios e da imunidade tributária recíproca, quando a atividade for desempenhada em regime concorrencial ou com o objetivo de distribuição de lucros aos sócios.

Palavras-chave: Empresa estatal. Atividade econômica. Serviço público. Regime jurídico.


1. INTRODUÇÃO

As empresas estatais são sociedades empresárias sob controle direto ou indireto da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. Integram a Administração Pública indireta. Contudo, são dotadas de personalidade jurídica de direito privado. Disso decorre a sua sujeição a um regime jurídico híbrido, pois ao mesmo tempo em que devem se submeter a certos postulados de direito público também precisam observar o regime próprio das empresas privadas.

Essa dualidade de regimes jurídicos tem originado certa insegurança jurídica quanto à aplicação de determinadas normas às sociedades empresárias estatais. Nos termos do art. 173 da Constituição de 1988, essas empresas devem sujeitar-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários. Mas essa regra vem sendo interpretada pelo Supremo Tribunal Federal com moderação.

Diversos dispositivos constitucionais determinam a incidência de certas regras à administração pública direta e indireta, sem excluir as empresas controladas pelo Estado. Portanto, firmou-se o entendimento de que a necessidade de submissão das empresas estatais ao regime jurídico próprio das empresas privadas não pode resultar na inobservância de normas que a própria Carta Política imputou às entidades integrantes da Administração Pública.

Além disso, o Supremo Tribunal Federal[1] já se manifestou, em reiteradas oportunidades, no sentido de que apenas as empresas estatais destinadas à exploração de atividade econômica em sentido estrito é que estariam submetidas ao comando contido no art. 173 da Constituição. Isso significa que, de acordo com a natureza das atividades a que se dediquem, as empresas estatais podem estar submetidas a regimes jurídico-constitucionais diferenciados.

Também existem decisões do Excelso Pretório[2] pela aplicação a determinadas empresas estatais, em situações excepcionais, de certas prerrogativas próprias da fazenda pública, como o regime de precatórios e a imunidade tributária recíproca.

Em seguida, abordaremos a questão relativa ao regime jurídico a que as sociedades empresárias estatais devem se submeter.


2. SERVIÇO PÚBLICO E ATIVIDADE ECONÔMICA

O período durante o qual predominou o liberalismo econômico foi caracterizado pela concepção do Estado mínimo e pelo absenteísmo estatal. As Constituições liberais dos Séculos XVIII e XIX enfatizaram a proteção ao direito de propriedade e à liberdade de iniciativa. Segundo essa visão, o Estado deveria limitar-se a exercer atividades que não pudessem ser realizadas por particulares, como a defesa contra inimigos estrangeiros, a segurança interna e a administração da justiça. Paulatinamente, pressões sociais fizeram com que o Estado passasse a prestar outros serviços à população, como educação, saúde, seguridade social, transporte, geração e distribuição de energia, fornecimento de água, saneamento básico, entre outros. Assim, numerosas atividades foram incorporadas aos serviços que deveriam ser providos pelo Estado.

Portanto, as atividades que integram o rol dos serviços públicos variam no tempo e no espaço, refletindo as concepções políticas de cada povo[3]. Na medida em que foram sendo afastados os ideais do liberalismo econômico, o elenco de atividades desempenhadas pelo Estado e qualificadas como serviços públicos passou a abranger, inclusive, atividades comerciais e industriais que antes eram reservadas à iniciativa privada, os quais podem ser denominados serviços comerciais e industriais do Estado[4].

Neste ponto, é pertinente citar a seguinte passagem do voto do Ministro Nelson Jobim por ocasião do julgamento do RE 220.906:

É conceito histórico-político ser, certo tipo de atividade, a prestação, ou não, de um serviço público. As sociedades organizadas, nos seus instrumentos básicos, reservam para a atuação do Estado um maior ou menor número de atividades. É a discussão do tamanho do Estado. Para uns, o Estado deve tudo prestar, sem reservar espaços para a iniciativa privada. A posição radical foi a do estado soviético, com a coletivização dos fatores de produção. Outros, no lado oposto, sustentam o Estado-mínimo, proibindo qualquer atividade fora daquilo que chama de ‘ações típicas de Estado’. E outros, circulam entre esses dois extremos.[5]


Por isso, é impossível indicar uma relação universal das atividades que sejam consideradas serviços públicos. A classificação de determinada atividade como serviço público depende de avaliação quanto aos seus pressupostos e características, considerando a legislação de cada país.

Em geral, a definição de serviço público envolve três elementos: (i) o material (atividades de interesse coletivo); (ii) o subjetivo (presença do Estado); e (iii) o formal (procedimento de direito público)[6]. Sobre o tema, assim explica Marçal Justen Filho:

Sob o ângulo material ou objetivo, o serviço público consiste numa atividade de satisfação de necessidades individuais ou transindividuais, de cunho essencial. Sob o ângulo subjetivo, trata-se de atuação desenvolvida pelo Estado (ou por quem lhe faça as vezes). Sob o ângulo formal, configura-se o serviço público pela aplicação do regime jurídico de direito público.

(…)

O aspecto material ou objetivo é mais relevante do que os outros dois, sob o ponto de vista lógico. Os outros dois aspectos dão identidade ao serviço público, mas são decorrência do aspecto material. Certa atividade é qualificada como serviço público em virtude de dirigir-se à satisfação direta e imediata de direitos fundamentais. Como consequência, essa atividade é submetida ao regime de direito público e, na maior parte dos casos, sua titularidade é atribuída ao Estado.[7]

Diante de tais elementos, em particular o material ou objetivo, as definições de serviço público acentuam a sua finalidade como instrumento de promoção de direitos assegurados pelo ordenamento jurídico. A esse respeito, transcrevo alguns dos conceitos de serviço público encontrados na doutrina:

Considera-se serviço público toda a atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de direito público, com vistas à satisfação de necessidade essenciais e secundárias da coletividade.[8]

Serviço público é uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, destinada a pessoas indeterminadas, qualificada legislativamente e executada sob regime de direito público[9].

Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, em que Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.[10]

Serviço público é a atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.[11]

A Constituição estabeleceu alguns serviços públicos, arrolados como competência dos entes federativos[12]. Por conseguinte, são serviços públicos por determinação constitucional. Todavia, conforme o entendimento majoritário, não se trata de enumeração taxativa[13]. A lei pode estabelecer outras atividades como serviços públicos. Mas o legislador não dispõe de ampla discricionariedade para criar serviços públicos. Se por um lado é certo que a Constituição assegurou uma série de direitos à população, boa parte deles dependentes de uma efetiva prestação estatal[14], por outro também garantiu o livre exercício de qualquer atividade econômica (art. 170, parágrafo único, CRFB[15]), ressalvados os casos nela previstos.

Obviamente, a ampliação de serviços públicos reduz o campo reservado à livre iniciativa. Quanto mais dilatado o universo dos serviços públicos, menor é o campo das atividades de direito privado[16]. Por isso, caso fosse admitido que a lei pudesse livremente qualificar qualquer atividade como serviço público, restaria esvaziado o direito de livre iniciativa assegurado pela Carta constitucional[17]. Cabe aqui destacar que, excetuados os casos expressamente previstos na própria Constituição, o Estado só pode desempenhar atividades econômicas quando necessário aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei (art. 173, CRFB[18]).

Diante disso, a criação de serviços públicos por lei deve necessariamente obedecer a parâmetros bastante rígidos, sob pena de restar maculado o direito à livre iniciativa[19]. Em linhas gerais, pode-se dizer que os serviços públicos devem decorrer expressa ou implicitamente da Constituição, não sendo lícito ao legislador infraconstitucional, ao seu alvedrio, retirar atividades econômicas do âmbito privado para sujeitá-las ao regime jurídico próprio dos serviços públicos.

Em apoio a essa afirmação, cito Mario Engler Pinto Junior:

O enquadramento de determinada prestação estatal como serviço público, para efeito de subordiná-la, ao regime próprio de direito público, constitui uma opção política de cada nível de governo. No entanto, tal decisão não pode mascarar a criação de novas hipóteses de monopólios legais, de modo a afastar a competição de outros agentes privados. A liberdade do Estado não é ilimitada nessa área, mas está sujeita à lógica da razoabilidade e da proporcionalidade. Sob o ponto de vista econômico, justifica-se excluir do regime de concorrência de mercado as atividades com fortes externalidades sociais, ou seja, quando o interesse público transcende ao interesse meramente individual do empreendedor. Nesse caso, o mercado não pode ser considerado elemento organizador eficaz, pois não é capaz de recompensar os benefícios ou malefícios.[20]


Conforme leciona Marçal Justen Filho, “há um vínculo de natureza direta e imediata entre o serviço público e a satisfação de direitos fundamentais. Se esse vínculo não existir, será impossível reconhecer a existência de um serviço público”[21]. Em seguida, conclui o mesmo autor que “a instituição de um serviço público depende do reconhecimento jurídico de sua pertinência para a satisfação de direitos fundamentais”[22]. Portanto, podem ser criados serviços públicos por lei, desde que se trate de atividade vinculada diretamente à satisfação de direitos assegurados pelo texto constitucional.

Por outro lado, isso não significa que todas as atividades que proporcionem a satisfação de direitos fundamentais sejam necessariamente serviços públicos. Para isso é necessário que a atividade tenha sido retirada da órbita privada mediante ato normativo adequado. Para que seja caracterizado o serviço público, é essencial que a lei atribua essa atividade ao Estado e a submeta ao regime de direito público[23]. Nesses termos, a ampliação do rol de serviços públicos a serem prestados pelo Estado depende da avaliação quanto à conveniência de submetê-las ao regime jurídico de direito público, retirando-as do âmbito privado. Neste ponto, cito mais uma vez Marçal Justen Filho, segundo o qual “a incidência do regime de direito público depende de uma qualificação normativa e diferencial”[24]. Não há serviço público sem que ato formal assim o reconheça.


3. A EXPLORAÇÃO DIRETA DE ATIVIDADE ECONÔMICA PELO ESTADO

O Estado pode intervir sobre o domínio econômico de forma direta ou indireta. O poder público intervém indiretamente sobre a atividade econômica como agente normativo e regulador, exercendo funções de fiscalização, incentivo e planejamento (art. 174, CRFB[25]). A intervenção direta pode ocorrer por meio de diversos mecanismos, entre os quais é possível citar: (i) a exploração direta de atividade econômica por entes estatais; (ii) a participação minoritária em empreendimentos econômicos privados; (iii) a intervenção em empresas privadas; e (iv) a regulação de estoques mediante operações de compra, estocagem e venda de determinadas mercadorias. Por sua vez, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado pode se dar mediante: (i) a constituição de monopólio; ou (ii) através da participação de empresa governamental em setor econômico reservado à livre iniciativa dos particulares[26]. Em relação ao monopólio, pode-se dizer que se trata de uma forma híbrida de ingerência estatal sobre a economia. Como ensina Américo Luís Martins da Silva, o monopólio consiste tanto em intervenção como em participação na ordem econômica, pois de um lado o Estado explora diretamente a atividade monopolizada e, de outro, impede que seja explorada livremente pela iniciativa privada[27].

De acordo com o art. 1º, inciso IV, da Constituição de 1988, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a livre iniciativa. Coerente com esse preceito, o inciso XIII do art. 5º da Carta Magna assegura, como direito fundamental, a liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. A Constituição dispõe ainda que a livre iniciativa é um dos fundamentos da ordem econômica nacional, estabelece a livre concorrência como um de seus princípios e assegura o livre exercício de qualquer atividade econômica (art. 170, CRFB[28]).

Em sintonia com esses preceitos, o caput do art. 173 da Constituição dispõe que, ressalvados os casos nela previstos, “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. Portanto, o exercício das atividades econômicas em sentido estrito cabe primordialmente à iniciativa privada, salvo nos casos expressamente previstos na Constituição, que constituem as hipóteses de monopólio estatal descritas no art. 177 da Carta Política[29].

Cabe citar a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Com efeito, ressalvados os monopólios estatais já constitucionalmente designados (petróleo, gás, minérios e minerais nucleares, nos termos configurados no art. 177, I-IV), as atividades da alçada dos particulares – vale dizer, atividades econômicas – só podem ser desempenhadas pelo Estado em caráter absolutamente excepcional, isto é, em dois casos: quando isto for necessário por um imperativo da segurança nacional ou quando demandado por relevante interesse público, conforme definidos em lei (art. 173).[30]

Disso se conclui que o Estado só deve atuar exercendo diretamente atividades econômicas em circunstâncias excepcionais, mediante permissão legal específica, ressalvadas as atividades que a Carta de 1988 atribuiu à União em regime de monopólio. A esse respeito, reproduzo trecho da obra de Raquel Melo Urbano de Carvalho:

Assim sendo, tem-se o domínio econômico como espaço reservado ao particular. A intervenção do Estado nesta seara afigura-se medida excepcional, cabível apenas diante da satisfação dos pressupostos de admissibilidade constitucional: segurança nacional ou relevante interesse coletivo, conforme estabelecido em diploma legislativo.[31]

Como visto, a exploração, diretamente pelo Estado, de atividade econômica reservada à livre iniciativa, encontra-se limitada pelo art. 173 da Constituição[32], que só autoriza essa espécie de intervenção estatal quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. Ademais, o referido comando constitucional também exige que as entidades estatais que explorem tais atividades se sujeitem ao mesmo regime jurídico aplicável às empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários (art. 173, § 1º, inciso II, CRFB). O fundamento dessa exigência é óbvio: garantir a preservação do princípio da livre concorrência (art. 170, inciso IV, CRFB).


Transcrevo passagem da obra de João Bosco Leopoldino da Fonseca:

O Estado, quando explora diretamente a atividade econômica, o faz através de empresas públicas, de sociedades de economia mista e suas subsidiárias (E.C. n. 19/98). Nestes casos, a Constituição lhes impõe a adoção do mesmo regime jurídico aplicável às empresas privadas, tornando explícita sua sujeição aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários, e proíbe a concessão de privilégios fiscais que não sejam extensivos àquelas empresas. Estas determinações, previstas nos §§ 1º e 2º do art. 173, têm por finalidade precípua impedir uma posição dominante no mercado derivada de fatores estranhos à própria livre competição.[33]

Em reforço, reproduzo trecho do Voto do Ministro Nelson Jobim no RE 220.906:

É evidente que a atividade econômica a que se referia o texto de 1967/1969, como também o de 1988, é aquela sujeita às regras, no mercado, da livre concorrência. Digo, com EROS ROBERTO GRAU, que se tratava, como se trata para 1988, ‘ de atuação do Estado … como agente econômico, em área de titularidade do setor privado’. A razão da equiparação da empresa pública que participasse de exploração de atividade econômica, com o setor privado é óbvia. O princípio da livre concorrência, expressamente assumido em 1988 (art. 170, V), não se coaduna com a atribuição de benefícios diferenciados à empresa estatal. A empresa estatal não poderia gozar, em relação ao setor privado, de vantagem comparativa. Tudo porque repercutiria, como repercute, nos custos e, por consequência, na fixação dos preços. A regra da livre concorrência seria lesada, com um desequilíbrio de mercado. Se é para atuar no mercado, que seja de forma igual. Essa é a regra. Lembro que 1988 acabou com a vantagem do regime tributário diverso e a EC 19/98 a explicitou. A equiparação de 1988 foi mais longe. Somente admite a concessão de benefícios fiscais às estatais se forem extensivos ao setor privado (art. 173, § 2º). Tudo isso para a preservação da livre concorrência e das regras de uma economia de mercado. Essa foi a opção de 1967/1969, fortalecida em 1988. No tratamento aos direitos econômicos, o texto de 1988 reforçou a opção por uma ‘constituição do Estado de Direito Liberal’. Essa constatação choca-se com alguns que, condicionados por perspectivas políticas não positivadas, insistem em ver, no texto original de 1988, quanto aos direitos econômicos, uma ‘constituição do Estado de Direito Social’.[34]

É importante destacar que, embora excluídos do universo de atividades reservadas à livre iniciativa, os monopólios estatais não se confundem com serviços públicos. Novamente, lembro Celso Antônio Bandeira de Mello, que assim afirma:

Tais atividades monopolizadas não se confundem com serviços públicos. Constituem-se, também elas, em ‘serviços governamentais’, sujeitos, pois, às regras de Direito Privado. Correspondem, pura e simplesmente, a atividades econômicas subtraídas do âmbito da livre iniciativa. Portanto, as pessoas que o Estado criar para desenvolver estas atividades não serão prestadoras de serviço público.[35]

Os monopólios estatais e os serviços públicos se identificam apenas quanto à sua titularidade. Distinguem-se quanto ao escopo, posto que os serviços públicos são destinados precipuamente à satisfação de direitos fundamentais mediante a prestação direta e imediata de utilidades aos administrados. Em outros termos, o serviço público é um meio de assegurar uma existência digna ao ser humano[36], afirmação essa que não se aplica às atividades econômicas monopolizadas.

Portanto, em face do art. 173 da Carta Política, deve ser tida por inconstitucional a concessão de qualquer privilégio em favor de empresas estatais que explorem atividades econômicas em sentido estrito.

4. DAS ATIVIDADES QUE PODEM SER DESEMPENHADAS POR EMPRESAS ESTATAIS

A possibilidade de criação de sociedades empresárias controladas pelo Estado encontra-se prevista no inciso XIX do art. 37 da Constituição da República, que para isso exige autorização legal específica, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…)

XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação;

Evidentemente, essa autorização constitucional destina-se a permitir que o Estado, em determinadas circunstâncias, atue na condição de empresário. De acordo com o art. 966 do Código Civil[37], deve ser considerado empresário “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. Então, é consequência lógica a afirmação de que o Estado deve valer-se de sociedades empresárias sob seu controle, denominadas genericamente empresas estatais, para exercer atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. Para isso, demanda autorização legislativa específica, conforme determinação do inciso XIX do art. 37 da Constituição. As demais atividades a cargo do Estado devem ser exercidas diretamente pelos entes federativos, através de seus diversos órgãos, ou mediante a instituição de autarquia, associação pública ou fundação estatal, cuja criação também exige lei.


As atividades econômicas em sentido lato incluem determinados serviços públicos de natureza econômica (serviços públicos industriais ou comerciais) e atividades econômicas em sentido estrito, incluídas tanto aquelas reservadas à livre iniciativa como as atividades econômicas que constituem monopólio da União por determinação constitucional. Qualquer dessas atividades pode ser exercida por sociedades empresárias estatais. Porém, conforme já exposto, a distinção entre serviços públicos e atividades econômicas em sentido estrito é de fundamental importância para definir o regime jurídico a que deverá se sujeitar a empresa estatal que os explore.

Neste ponto, é relevante observar que as empresas estatais são proibidas de desempenhar qualquer serviço ou atividade que implique o exercício de poderes típicos de Estado, como o poder de polícia e o de tributar. Conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal (ADI 1717), apenas pessoas jurídicas de direito público podem exercer atividades dessa natureza. No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou pela impossibilidade de atribuição de poder de polícia a sociedade de economia mista (REsp 871.534). Portanto, as atividades que exijam o exercício de poderes exclusivos de Estado, decorrentes do jus imperii, só podem ser exercidas por pessoas de direito público, como os próprios entes federativos, diretamente, ou por intermédio de suas entidades autárquicas.

Sociedades empresárias também são entidades inadequadas para o desempenho de outras atividades que não tenham conotação econômica, mesmo que não impliquem o exercício de funções típicas de Estado, tais como os serviços de educação ou saúde, prestados gratuitamente à população (art. 196 e 206, CRFB). Isso porque, conforme está explícito no art. 981 do Código Civil[38], as sociedades empresárias destinam-se exclusivamente à exploração de atividades econômicas com a finalidade de partilha dos resultados entre os sócios. A norma constitucional que autoriza a criação de sociedades empresárias estatais destina-se a permitir que o poder público, por intermédio dessas entidades, execute atividades típicas das sociedades empresárias em geral. Certamente, não se justifica a criação de uma empresa estatal apenas com o fim de obter lucro. Essas entidades devem ter uma finalidade mais ampla, condizente com o interesse público. Porém, não se mostra adequada a criação de sociedade empresária para desempenhar serviços de cunho assistencial.

Portanto, não cabe a criação de sociedade empresária pelo Estado quando não existe qualquer perspectiva de resultados econômicos[39]. Em tais situações, há outras formas mais adequadas de pessoas administrativas. Atividades desprovidas de conteúdo econômico podem ser realizadas por entidades autárquicas (autarquias em sentido estrito ou “fundações autárquicas”), associações públicas (consórcios públicos) ou ainda por fundações estatais de direito privado[40], sem prejuízo da possibilidade de seu exercício diretamente pelos próprios entes federativos. Porém, muitas empresas estatais se dedicam a funções estranhas ao âmbito de atuação das sociedades empresárias em geral.

Sobre essa questão, destaco o seguinte trecho do voto do Ministro Gilmar Mendes, no julgamento do RE 599.628:

Então, parece-me que, embora a questão mereça a atenção, talvez em algum momento um código administrativo, alguma pretensão de consolidação devesse tentar ordenar esse quadro às vezes caótico, tanto é que a doutrina se perde na definição com os contraexemplos. A toda hora, nós dizemos: a empresa pública deve ter tal perfil. E, aí, alguém consegue dar um exemplo de uma empresa pública que exerce uma outra atividade; a sociedade de economia mista deve atuar com tais e quais limites. E nós encontramos sociedades de economia mista que são verdadeiras autarquias ou exercem atividades quase públicas típicas. Às vezes são sociedades anônimas apenas para cumprir – como nós vimos aqui num debate, não faz muito, creio que relativo a hospital do Rio Grande do Sul, hospitais que foram desapropriados e deixaram-se lá duas ou três ações -, apenas para manter a aparência de uma sociedade anônima. Uma falsa sociedade anônima por quê? Porque o que se busca aqui é uma certa flexibilidade no processo organizacional administrativo.[41]

Conclui-se então que as empresas estatais são entidades adequadas para: (i) a exploração de atividades econômicas em sentido estrito, livres à iniciativa privada ou em regime de monopólio; e (ii) a prestação de serviços públicos de natureza econômica. Na prática, contudo, existem empresas estatais dedicadas a outras atividades, inclusive serviços inseridos no âmbito da ordem social.


5. DO REGIME JURÍDICO DAS EMPRESAS ESTATAIS

A Constituição impõe a sujeição das sociedades empresárias estatais que explorem atividade econômica em sentido estrito “ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários”, sendo vedada a concessão a essas entidades de quaisquer privilégios fiscais não extensivos às empresas do setor privado (art. 173, CRFB[42]). Cabe aqui citar que o Supremo Tribunal Federal considerou que as restrições do art. 173 da Constituição também se aplicam às empresas estatais que exerçam atividades econômicas monopolizadas pela União[43].

Consoante já exposto, é importante destacar que não são todas as empresas estatais que se submetem ao comando contido no art. 173 da Carta Política. Esse dispositivo se aplica exclusivamente às sociedades que explorem atividade econômica em sentido estrito. Por outro lado, a regra do art. 173 da Constituição não significa que as empresas públicas e sociedades de economia mista se sujeitem integralmente ao regime jurídico privado, ainda que atuantes em setor econômico reservado aos particulares. O referido dispositivo constitucional convive com diversas outras normas de igual hierarquia, que disciplinam o regime jurídico das entidades integrantes da Administração Pública. Por conseguinte, o regime de direito privado aplicável às sociedades empresárias estatais mescla-se com normas de direito público impostas pela própria Constituição aos entes administrativos em geral. Portanto, não é exagero afirmar que as empresas estatais submetem-se a um regime jurídico híbrido, independentemente da atividade que venham a explorar.


A distinção essencial que deve ser feita é que, em relação às sociedades empresárias estatais que explorem atividade econômica em sentido estrito, o regime jurídico de direito privado só deve ser excepcionado para o atendimento de regras ou princípios constitucionais. O legislador não dispõe de autonomia para estabelecer o regime jurídico aplicável às empresas públicas ou sociedades de economia mista sujeitas ao comando contido no art. 173 da Carta de 1988. O mesmo não pode ser dito em relação às empresas que prestam serviços públicos.

Sobre o tema, esta é a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Note-se e ressalte-se: o estatuto legal de que fala o art. 173 diz respeito unicamente às exploradoras de atividade econômica. Deveras, não apenas o parágrafo está referido à exploração de atividade econômica, mas a própria cabeça do artigo – e que obviamente comanda a inteligência de seus parágrafos – reporta-se à “exploração direta de atividade econômica pelo Estado”. É tão claro ser disto que se trata que ali também se diz que a sobredita exploração “só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme declarados em lei”. Evidentemente, então, está a cogitar de coisa antitética aos serviços públicos e diversa deles, que estes são atividade normal do Estado, ao invés de excepcional, caso do exercício direto de atividade econômica, esfera reservada aos particulares (art. 170, IV, e notadamente parágrafo único do mesmo artigo).[44]

No mesmo sentido, assim afirma Raquel Melo Urbano de Carvalho:

De fato, quando o art. 173, § 1º, da CR refere-se à “prestação de serviços” trata dos serviços que não são serviços públicos, conforme distribuição constitucional de competências materiais, mas que permaneceram sob a responsabilidade da iniciativa privada e que o Estado, atendidas as exigências do caput do artigo 173, resolveu explorar economicamente, suplementarmente ao mercado.[45]

Outra não é a opinião de Maria Sylvia Zanella di Pietro:

Uma primeira lição que se tira do art. 173, § 1º, é a de que, quando o Estado, por intermédio dessas empresas, exerce atividade econômica, reservada preferencialmente ao particular pelo caput do dispositivo, ele obedece, no silêncio da lei, a normas de direito privado. Estas normas são a regra; o direito público é exceção e, como tal, deve ser interpretado restritivamente.

Outra conclusão é de que a própria Constituição estabelece o regime jurídico privado, as derrogações desse regime somente são admissíveis quando delas decorrem implícita ou explicitamente. A lei ordinária não pode derrogar o direito comum, se não admitida esta possibilidade pela Constituição.

Tais conclusões, repita-se, somente se aplicam quando as empresas governamentais sejam instituídas para atuar na área da iniciativa privada.

Isto porque, como o art. 173 cuida especificamente da atividade de natureza privada, exercida excepcionalmente pelo Estado por razões de segurança nacional ou interesse coletivo relevante, há que se concluir que as normas dos §§ 1º e 2º só incidem nessa hipótese. Se a atividade for econômica (comercial ou industrial) mas assumida pelo Estado como serviço público, tais normas não têm aplicação, incidindo, então, o artigo 175 da Constituição, segundo o qual incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.[46]

São normas de direito público aplicáveis indistintamente a todas as sociedades empresárias estatais, por força de imposição constitucional: (i) sujeição aos princípios da Administração Pública; (ii) celebração de contratos mediante licitação pública[47]; (iii) admissão de pessoal permanente por meio de concurso público[48]; e (iv) fiscalização pelos órgãos de controle externo e interno[49]. Entretanto, exatamente por sofrerem o influxo do regime de direito privado e atuarem em situação de concorrência efetiva ou potencial com empreendedores particulares, deve ser ressalvado que as normas de direito público incidentes sobre as sociedades empresárias estatais exploradoras de atividade econômica em sentido estrito precisam ser interpretadas com certa ponderação.

Portanto, o regime jurídico-constitucional a que se submetem as empresas estatais pode, em resumo, ser assim definido: (i) para as sociedades empresárias estatais que explorem atividade econômica em sentido estrito, é compulsória a adoção do regime próprio das empresas privadas, exceto no que for derrogado por norma de hierarquia constitucional; e (ii) para as empresas estatais que desempenhem serviços públicos, aplica-se o regime jurídico próprio das empresas privadas, exceto no que for derrogado por norma constitucional ou mediante lei específica.

Neste ponto, vale citar a decisão do Superior Tribunal de Justiça no REsp 929758:

  1. As empresas estatais podem atuar basicamente na exploração da atividade econômica ou na prestação de serviços públicos, e coordenação de obras públicas.
  2. Tais empresas que exploram a atividade econômica – ainda que se submetam aos princípios da administração pública e recebam a incidência de algumas normas de direito público, como a obrigatoriedade de realizar concurso público ou de submeter a sua atividade-meio ao procedimento licitatório – não podem ser agraciadas com nenhum beneplácito que não seja, igualmente, estendido às demais empresas privadas, nos termos do art. 173, § 2º da CF, sob pena de inviabilizar a livre concorrência.
  3. Aplicando essa visão ao tema constante no recurso especial, chega-se à conclusão de que a Súmula 39/STJ – que determina a não aplicabilidade do prazo prescricional reduzido às sociedades de economia mista – deve ter interpretação restrita, de modo a incidir apenas em relação às empresas estatais exploradoras da atividade econômica.
  4. Por outro lado, as empresas estatais que desempenham serviço público ou executam obras públicas recebem um influxo maior das normas de direito público. Quanto a elas, não incide a vedação constitucional do art. 173, § 2º, justamente porque não atuam em região onde vige a livre concorrência, mas sim onde a natureza das atividades exige que elas sejam desempenhadas sob o regime de privilégios.
  5. Pode-se dizer, sem receios, que o serviço público está para o estado, assim como a atividade econômica em sentido estrito está para a iniciativa privada. A prestação de serviço público é atividade essencialmente estatal, motivo pelo qual, as empresas que a desempenham sujeitam-se a regramento só aplicáveis à Fazenda Pública. São exemplos deste entendimento as decisões da Suprema Corte que reconheceram o benefício da imunidade tributária recíproca à Empresa de Correios e Telégrafos – ECT, e à Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia – CAERD. (RE 407.099/RS e AC 1.550-2).
  6. Não é por outra razão que, nas demandas propostas contra as empresas estatais prestadoras de serviços públicos, deve-se aplicar a prescrição quinquenal prevista no Decreto 20.910/32. Precedentes: (REsp 1.196.158/SE, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19.8.2010, DJe 30.8.2010), (AgRg no AgRg no REsp 1.075.264/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 2.12.2008, DJe 10.12.2008).

É relevante observar que, diante da não incidência do art. 173 da Constituição às empresas estatais que prestem serviços públicos, o Supremo Tribunal Federal entendeu pela aplicabilidade do regime de precatório à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. Transcrevo abaixo a ementa do RE 220.906:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. IMPENHORABILIDADE DE SEUS BENS, RENDAS E SERVIÇOS. RECEPÇÃO DO ARTIGO 12 DO DECRETO-LEI Nº 509/69. EXECUÇÃO.OBSERVÂNCIA DO REGIME DE PRECATÓRIO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. À empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo 12 do Decreto-lei nº 509/69 e não-incidência da restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. 2. Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta serviço público da competência da União Federal e por ela mantido. Execução. Observância ao regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no artigo 100 da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido.

A Corte Suprema também determinou a aplicação da regra de imunidade tributária recíproca (art. 150, IV, “a”, CRFB[50]) à Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária – INFRAERO, na qualidade de empresa pública prestadora de serviços públicos (RE 363.412[51]). Além disso, foi ainda reconhecida essa imunidade em favor de três hospitais constituídos sob a forma de sociedade de economia mista (Hospital Nossa Senhora da Conceição S/A; Hospital Fêmina S/A; e Hospital Cristo Redentor S/A), todos eles controlados pela União (RE 580.264).

Quanto à concessão de imunidade recíproca a sociedades estatais que prestavam serviços de saúde, é importante mencionar que a decisão do Supremo Tribunal Federal (RE 580.264) fundamentou-se não apenas na natureza da atividade prestada, mas também na composição societária, na origem das receitas e na ausência de distribuição de dividendos aos sócios[52]. Portanto, para avaliar a viabilidade jurídica da aplicação de prerrogativas próprias da fazenda pública a empresas estatais, torna-se imprescindível a análise acerca da situação específica da respectiva entidade, em especial o quadro societário, a fonte das receitas e a distribuição de resultados.

Cabe reproduzir parte do Voto do Ministro Dias Toffoli no RE 580.264:

Concluindo, o essencial é que os hospitais recorrentes – entidades da administração indireta – prestam um serviço público de saúde como longa manus da União, sem qualquer contraprestação dos usuários desses serviços. Dessa peculiaridade decorre o ingresso das recorrentes no âmbito de incidência do § 2º do art. 150 da Constituição Federal, fazendo jus à imunidade prevista no art. 150, VI, “a” da Constituição Federal, relativamente aos impostos estaduais. (…) Ressalto, ademais, que o entendimento ora perfilhado tem em vista tão somente as particularidades do caso concreto, não se estendendo a outras sociedades de economia mista. [53]

Reforçando a conclusão de que a aplicação de prerrogativas típicas da fazenda pública a empresas estatais demanda cuidadoso exame do caso concreto, transcrevo os seguintes trechos do Voto da Ministra Ellen Gracie no RE 580.264:

Note-se que o § 3º do art. 150 destaca que a imunidade dos entes políticos não é absoluta, não se aplicando ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. Com isso, o ente político que, a princípio, seria imune pela sua forma, passa a ter parte da sua atuação não abrangida pela imunidade em razão da natureza ou o modo desta, por estar atuando no mercado ou cobrando preços ou tarifas. Na mesma linha, mas em sentido inverso, a jurisprudência desta Corte tem entendido que empresas públicas que prestam serviços públicos em regime de monopólio estão abrangidas pela imunidade, como é o caso da INFRAERO (RE 363.412) e da ECT (ACO 765, RE 407.009-5, ACO 789). Ou seja, empresa pública que, a princípio, não seria imune em razão de sua forma jurídica, acaba sendo alcançada pela imunidade por desempenhar serviço público em regime de exclusividade, como extensão do próprio ente político, não sujeito à concorrência. No caso dos autos, temos uma sociedade de economia mista com características que a distinguem muito do que normalmente caracteriza tais empresas. Enquanto normalmente há uma participação tanto do Poder Público como dos particulares nas sociedades de economia mista e atuam estas em setores da economia marcados pela concorrência, inclusive visando e distribuindo lucros, no caso concreto a situação é distinta. O Grupo Hospitalar Conceição é uma sociedade de economia mista cujas ações pertencem, na sua quase totalidade, à União, que não apenas a controla como detém 99,9% da sua titularidade. A União, com isso, passou a destinar os hospitais que compõem o grupo ao atendimento da população para cumprimento do seu dever de prestar serviço de saúde. (…) Não faria mesmo sentido exigir que parte dos recursos destinados pela União para a prestação de serviços de saúde à população, através de sociedade de economia mista da qual detém 99,9% das ações, tivessem de ser despendidos com o pagamento de impostos estaduais e municipais. (…) Há de se destacar, pois, que, embora normalmente, sujeitas ao pagamento de impostos, as sociedades de economia mista podem vir a gozar de imunidade quando a natureza dos serviços por elas prestados e modo como exercidos evidenciem tratar-se de longa manus dos entes políticos para a prestação de serviços públicos típicos à população, sem contraprestação e sem finalidade lucrativa. (…) Então, também numa interpretação sistemática das imunidades, se até as entidades privadas beneficentes são imunes, que se dirá de uma entidade cujo capital pertence 99,9% à União e que se dedica integralmente à prestação de serviços de saúde pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ante o exposto, voto pelo reconhecimento da imunidade ao Grupo Hospitalar Conceição e pelo conseqüente provimento do recurso extraordinário, ressalvando, apenas, que o pronunciamento da questão posta em sede de repercussão geral só aproveita a hipóteses idênticas, vale dizer, em que o ente público seja controlador majoritário do capital da sociedade de economia mista em que a atividade desta corresponda à própria atuação do Estado na prestação de serviços constitucionalmente asseguradas aos cidadãos. Disso resulta que o precedente será aplicado a número bastante restrito de casos.[54]


Em decisão mais recente, o Supremo Tribunal Federal negou a concessão de privilégios próprios da fazenda pública, particularmente a aplicação do regime de precatório, à sociedade denominada Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A (ELETRONORTE), subsidiária da ELETROBRAS (RE 599.628). Nesse caso, afirmou o Excelso Pretório que o regime de precatório não poderia ser estendido a “sociedades de economia mista que executem atividades em regime de concorrência ou que tenham como objetivo distribuir lucros aos seus acionistas”. Esta é a ementa do referido julgado (RE 599.628):

Ementa: FINANCEIRO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PAGAMENTO DE VALORES POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. INAPLICABILIDADE DO REGIME DE PRECATÓRIO. ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA CONSTITUCIONAL CUJA REPERCUSSÃO GERAL FOI RECONHECIDA. Os privilégios da Fazenda Pública são inextensíveis às sociedades de economia mista que executam atividades em regime de concorrência ou que tenham como objetivo distribuir lucros aos seus acionistas. Portanto, a empresa Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. – Eletronorte não pode se beneficiar do sistema de pagamento por precatório de dívidas decorrentes de decisões judiciais (art. 100 da Constituição). Recurso extraordinário ao qual se nega provimento.

No caso da ELETRONORTE, a conclusão pela inaplicabilidade de regras próprias da fazenda pública também decorreu de minuciosa análise das características específicas da empresa, conforme demonstra o seguinte trecho do Voto do Ministro Joaquim Barbosa:

Ao perseguir o lucro como objetivo principal, o Estado deve despir-se das garantias soberanas necessárias à proteção do regime democrático, do sistema republicano e do pacto federativo, pois tais salvaguardas são incompatíveis com a livre iniciativa e com o equilíbrio concorrencial. O direito de buscar o lucro é essencial ao modelo econômico adotado na Constituição, tendo como perspectiva o particular, e não o Estado. Se a relevância da atividade fosse suficiente para reconhecer tais garantias, atividades como os serviços de saúde, a extração, refino e distribuição de petróleo, a indústria petroquímica, as empresas farmacêuticas e as entidades de educação também seria (sic) beneficiárias de tais prerrogativas, bastando que o Poder Público se aliasse ao corpo societário do empreendimento privado. No caso em exame é incontroverso que a recorrente tem como objetivo principal o lucro. Segundo o balanço de 2009, a Eletronorte encerrou o exercício com ativos da ordem de R$ 17.954.177.000,00 (dezessete bilhões, novecentos e cinqüenta e quatro milhões e cento e setenta e sete mil reais). No mesmo período, seu patrimônio líquido, somado ao valor do Adiantamento para Futuro Aumento de Capital, alcançou o montante de R$ 10.227.063.000,00 (dez bilhões, duzentos e vinte e sete milhões e sessenta e três mil reais). Ademais, sua controladora, a Eletrobrás, possui ações livremente negociadas em bolsas de valores, como a New York Stock Exchange (ADR). A meu sentir, a recorrente, sociedade de economia mista, não explora o potencial energético das fontes nacionais independentemente de qualquer contraprestação, mas o faz, licitamente, para obter lucro. E, portanto, não ocupa o lugar do Estado. Assim, pedindo vênia ao eminente relator, nego provimento ao recurso extraordinário.[55]

Considerando que a ELETRONORTE se dedica ao serviço de geração e transmissão de energia elétrica, a decisão proferida no RE 599.628 resulta na conclusão de que não se deve equiparar todas as empresas estatais que explorem serviços públicos. Seria então necessário avaliar em que condições essas empresas operam, pois em muitos casos existe competição entre os concessionários. Um bom exemplo é o serviço de telecomunicações, em que vigora elevado nível de competição entre os agentes econômicos participantes do mercado. Certamente que, diante da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, empresa estatal constituída para a exploração desse serviço não poderia ser beneficiada por privilégios não extensíveis às empresas privadas atuantes no mesmo setor, sob pena de violação ao princípio da livre concorrência.

Portanto, a questão do regime jurídico das empresas estatais ganha ainda mais complexidade, pois segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os privilégios da fazenda pública não podem ser indiscriminadamente estendidos às empresas estatais que prestem serviços públicos. Tal não poderia ocorrer quando a atividade seja explorada em regime de concorrência. Isso significa que a alteração do regime jurídico de determinado serviço público pode conduzir à inconstitucionalidade de certos privilégios concedidos às empresas estatais que os explorem.

Até bem pouco tempo, a INFRAERO reinava sozinha na exploração dos serviços infra-estrutura aeroportuária (art. 21, XII, “c”, da Constituição). Nessa qualidade, faz jus à imunidade recíproca de que trata o art. 150 da Lei Maior. Porém, três aeroportos foram recentemente privatizados, passando então a serem operados por consórcios dos quais a INFRAERO participa na condição de sócia minoritária. Em consequência, o serviço público que até então era outorgado a uma empresa estatal passou a ser objeto de concessão, pelo menos em relação a três grandes aeroportos. Ficaria assim descaracterizada a execução direta do serviço público. Resta saber se daí já se poderia presumir a instalação de “regime de concorrência” no âmbito dos serviços aeroportuários, apto a afastar o privilégio que foi judicialmente assegurado à INFRAERO.

Registre-se que uma das condições estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal para aplicar o regime próprio da fazenda pública às sociedades empresárias estatais que explorem serviço público foi a ausência de objetivo lucrativo, consistente na distribuição de dividendos aos sócios. Essa condição causa certa perplexidade porque, conforme já exposto, uma das características intrínsecas das sociedades empresárias é exatamente a partilha dos resultados entre os sócios. Esse objetivo consta da própria definição do contrato de sociedade, previsto no art. 981 do Código Civil. Além disso, é possível que ocorra distribuição de lucros em determinados exercícios, mas em outros não. Portanto, torna-se necessário analisar os resultados da respectiva empresa para avaliar se é juridicamente viável que lhe sejam estendidas certas prerrogativas típicas da fazenda pública, como o regime de precatórios e a imunidade recíproca.


Assim sendo, a definição do regime jurídico das empresas estatais que explorem serviços públicos restaria dependente de condições que demandam uma avaliação casuística, envolvendo a apreciação dos seguintes fatos: a configuração de um regime concorrencial no âmbito da prestação do serviço público, a ausência de distribuição de dividendos aos sócios, a composição societária e a origem dos recursos.

Cabe citar o seguinte trecho da obra de Mario Engler Pinto Júnior:

A feição autárquica pode até fazer sentido para a empresa pública unipessoal que presta serviço público de competência do ente controlador, pois a situação é em tudo equiparada à prestação direta pelo Estado, tornando justificável o benefício da imunidade. O mesmo tratamento afigura-se descabido se a prestação do serviço público for intermediada por sociedade de economia mista com participação de acionistas privados, ou por empresa estatal atuando como concessionária de outra esfera de governo. Nesse caso, o interesse da companhia adquire autonomia própria, seja porque passa a abrigar anseios estranhos à administração pública, seja porque fica sujeito a influências externas à vontade do Estado.[56]

Do exposto, conclui-se que, segundo a jurisprudência que vem sendo firmada pelo Supremo Tribunal Federal, a atribuição de privilégios próprios da fazenda pública para empresas estatais dependeria da observância dos seguintes pressupostos: (i) o objeto social deve consistir na prestação de um serviço público; (ii) o serviço público deve ser exercido em caráter monopolista; e (iii) a empresa estatal não pode distribuir lucros aos sócios.


CONCLUSÃO

Por todo o exposto, o regime jurídico a que se sujeitam as empresas estatais depende, fundamentalmente, da natureza da atividade a que dediquem. As sociedades que exerçam atividades econômicas em sentido estrito devem necessariamente seguir o regime jurídico próprio das empresas privadas, com exceção apenas das normas de direito público que decorram de determinação constitucional. Por outro lado, as empresas estatais que prestem serviços públicos poderiam ser submetidas a um regime diferenciado. A essas empresas seria possível a concessão de prerrogativas próprias da fazenda pública, ainda que não decorrentes diretamente do texto constitucional. Contudo, segundo sinaliza a recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os privilégios característicos da fazenda pública não seriam extensíveis às empresas estatais em cuja composição do capital houvesse relevante participação privada, que distribuam lucros aos seus sócios ou ainda quando o serviço público a que se destinem for prestado em regime concorrencial.


BIBLIOGRAFIA.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 20ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

FONSECA, João Bosco Leopoldino. Direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa estatal: função econômica e dilemas societários. São Paulo: Atlas, 2010.

SILVA, Américo Luís Martins da. Introdução ao direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002.


Notas

[1] ADI 1642/MG; RE 363412 AgR/BA e no RE 172816/RJ

[2] RE 220.906; RE 363.412; e RE 580.264.

[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 572.

[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 89/90.

[5] Acórdão proferido no RE 220.906, p. 468.

[6] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 86.

[7] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 570/571.

[8] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 20ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 305.

[9] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 566.

[10] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 652.


[11] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 90.

[12] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 666.

[13] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 667.

[14] Em geral, são os denominados direitos de segunda geração, como educação, saúde, assistência social, previdência social, moradia, entre outros.

[15] Art. 170. (…) Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

[16] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 572.

[17] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 667.

[18] Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

[19] Há entendimento de que a lei não pode criar serviços públicos que não estejam previstos na Constituição, reduzindo com isso o universo das atividades econômicas em que vigora a livre iniciativa. Nesse sentido: AGUILLAR, Fernando Herren. Direito econômico: do direito nacional ao supranacional. São Paulo: Atlas, 2006, p. 273.

[20] PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa estatal: função econômica e dilemas societários. São Paulo: Atlas, 2010, p. 218.

[21] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 568.

[22] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 572.

[23] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 91/92.

[24] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 568/569.

[25] Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

[26] SILVA, Américo Luís Martins da. Introdução ao direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 176/177.

[27] SILVA, Américo Luís Martins da. Introdução ao direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 177.

[28] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor;VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

[29] Art. 177. Constituem monopólio da União: I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; V – a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal

[30] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 768.

[31] CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de direito administrativo. 2ª ed. Salvador: JusPodivm, 2009, p. 706.

[32] Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: I – sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; IV – a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; V – os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores. § 2º – As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.


[33] FONSECA, João Bosco Leopoldino. Direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

[34] Voto proferido em Acórdão no RE 220.906, p. 463/465.

[35] BANDEIR


Ministra do Planejamento afirma que contratações não estão paralisadas

Miriam Belchior participou de audiência pública na Câmara semana passada. Reunião foi acompanhada por dirigentes do Fórum Nacional, Unafe e Anadef.


Publicado edital do concurso para Procurador da Fazenda

O Diário Oficial da União desta sexta-feira, 27/04, traz publicado o Edital do concurso de ingresso na carreira de Procurador da Fazenda Nacional. Foram abertas 70 vagas.


A intimação pessoal dos representantes judiciais da Fazenda Pública federal


Analisam-se as normas sobre os atos processuais de comunicação destinados a advogados públicos federais. Defende-se a possibilidade de intimação pessoal do advogado público federal pela via postal, desde que garantida ciência inequívoca do conteúdo da mensagem.


RESUMO: O presente artigo analisa os dispositivos legais que disciplinam os atos processuais de comunicação, quando destinados a advogados públicos federais com atuação em processos que tramitam perante órgãos do Poder Judiciário brasileiro. Ele expõe as características e a finalidade do ato de intimação, pontuando divergências quanto à sua realização em procedimentos diversos e, também, quando envolvem destinatários pertencentes a diversas carreiras da advocacia pública federal. O trabalho aponta, ainda, críticas ao posicionamento jurisprudencial que interpreta a prerrogativa de intimação pessoal dos Procuradores da Fazenda Nacional e analisa a constitucionalidade daquele instituto. Defende, igualmente, a possibilidade de intimação pessoal do advogado público federal pela via postal, desde que respeitadas as formalidades que lhe garantam ciência inequívoca do conteúdo da mensagem. Conclui, por fim, pela iminente superação dos problemas decorrentes do cumprimento da prerrogativa de intimação pessoal dos advogados públicos federais pelo Poder Judiciário, ante a implementação crescente do processo eletrônico em todos os órgãos jurisdicionais.

PALAVRAS-CHAVE: Intimação pessoal; advogado público federal; procurador da fazenda nacional; execução fiscal; prerrogativa; carta; postal; aviso de recebimento; carta precatória; isonomia; razoabilidade; proporcionalidade; razoável duração do processo.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Intimação – modalidades. 2.1 O argumento de quebra de isonomia. 3 Prerrogativa de intimação pessoal conferida aos representantes judiciais da Fazenda Pública na esfera federal. 3.1 Intimação pessoal dos representantes judiciais da Fazenda Pública nas execuções fiscais. 3.2 A intimação pessoal dos Procuradores da Fazenda Nacional. 3.3 Intimação por carta precatória e pela via postal. 3.4 Intimação eletrônica. 4. Conclusão. 5. Referências.


1 INTRODUÇÃO

A atuação diuturna dos advogados públicos federais que desenvolvem suas funções em localidades distantes das capitais dos estados da federação é revestida de vicissitudes que põem à prova o adequado desempenho do mister constitucional de representar judicialmente a União e os entes federais perante os inúmeros órgãos jurisdicionais em funcionamento no País. Nesse quadro, não é incomum que o labor do advogado público seja pautado pela sobrecarga de trabalho e pela ausência de carreiras de apoio administrativo, circunstâncias estas que obstaculizam a garantia de uma eficiente defesa do patrimônio público.

A situação apontada adquire maior relevância na atuação da Procuradoria da Fazenda Nacional – PGFN, considerando o grande volume de processos judiciais sob incumbência daquele órgão, em razão de sua atribuição exclusiva para a cobrança judicial e a defesa de créditos inscritos na Dívida Ativa da União[1].

A atribuição confiada à PGFN pelo Constituinte, conforme art. 121, § 3º da Constituição Federal, aliada às regras de competência previstas no art. 109, §1º também da CF, no art. 15, I, da Lei n. 5.210/66 (Lei Orgânica da Justiça Federal) e no art. 94 do Código de Processo Civil, impõe que a atuação da Procuradoria da Fazenda Nacional ocorra também perante inúmeros Juízos de Direito, quando esses estejam situados em cidades onde não funcione sede de Juízo Federal. Melhor explicando: mesmo quando referidas comarcas estaduais estejam compreendidas na área de jurisdição de um determinado Juízo Federal, os executivos fiscais de créditos inscritos na Dívida Ativa da União deverão ser aforados e processados perante os Juízos de Direito das comarcas onde os executados tiverem domicílio. A única exceção ocorre quando a sede desses Juízos Estaduais (onde estejam domiciliados os executados) esteja localizada em cidade na qual também funcione sede de Juízo Federal.

A inexistência de força de trabalho adequada, a distribuição rarefeita dos escritórios de representação e as dificuldades na instalação de novas unidades têm contribuído para o surgimento de um fenômeno preocupante na práxis dos cartórios judiciais: a opção de intimação dos advogados públicos federais por meios considerados mais expeditos, como a via postal (carta de intimação com aviso de recebimento) e as cartas precatórias.

Sem embargo da discussão acerca da possibilidade ou não de utilização exclusiva de determinadas espécies de atos para a ciência de advogados públicos (se postal ou por oficial de justiça, compreendida nesta última a carta precatória), constata-se que, não raro, os expedientes utilizados pelos cartórios judiciais são instruídos deficientemente. Ou, ainda, não possuem quaisquer elementos que viabilizem ao destinatário a exata compreensão da situação processual retratada e do contexto no qual foram praticados os atos processuais, o que caracteriza prejuízo à defesa do ente público patrocinado.


2 INTIMAÇÃO – MODALIDADES

O Código de Processo Civil (Livro I, Título V, Capítulo IV, Seção IV) dispõe que a intimação, espécie do gênero das comunicações processuais, poderá ocorrer na pessoa das partes, seus representantes legais ou advogados, sob variadas formas:

  1. via postal;
  2. diretamente, pelo escrivão ou chefe de secretaria, quando o destinatário da comunicação comparece ao cartório judicial;
  3. por publicação no órgão oficial;
  4. por oficial de justiça;
  5. por via eletrônica, conforme regulamentação em lei própria.

Constata-se que o direito posto não trouxe um conceito jurídico explícito para a expressão “intimação pessoal”.


A intimação pessoal não conta com a previsão normativa de um rol taxativo de formas que lhe garantam autonomia frente aos demais atos de comunicação processual. Em suma, não há descrição em regra jurídica constante do Código de Processo Civil de um único modo ou forma substancial para que determinado ato de intimação seja qualificado de “pessoal”.

Não se quer, com tal assertiva, apregoar seja despicienda a forma para o ato de intimação. Pelo contrário: advoga-se que a qualidade “pessoal” do ato de intimação decorrerá mais do alcance de um desiderato específico (ciência direta ao destinatário) do que dos atributos formais do meio utilizado. Esse tem sido, aliás, o entendimento consolidado na jurisprudência[2].

Intimar “pessoalmente” significa que o destinatário da comunicação processual efetivamente foi cientificado do conteúdo do ato praticado pelo Juízo ou da provocação para a prática de determinado ato ou providência. Por tal razão, difere da intimação ficta, na qual a ciência do destinatário é presumida.

Em outras palavras: realiza-se meio de comunicação processual hábil a dar conhecimento inequívoco ao destinatário. Será pessoal a intimação tanto quanto viabilize ao destinatário ter conhecimento direto, imediato, do teor da comunicação. Por tal razão é que historicamente a intimação “pessoal” sempre foi realizada “na pessoa” (i.e. na presença) do destinatário. Nessa modalidade, dirimem-se quaisquer dúvidas quanto ao conhecimento do destinatário acerca do teor da mensagem.

A prerrogativa de intimação pessoal foi originariamente resguardada aos membros do Ministério Público pelo art. 236, §2º do Código de Processo Civil. Entende-se, nesse caso, que o membro do Parquet somente é intimado quando comparece em cartório e lhe é dada vista dos autos ou quando o oficial de justiça comunica-lhe diretamente o teor do ato ou da provocação para a prática de alguma providência no processo[3]. O curso do prazo terá início a contar da intimação realizada em cartório, pouco importando o “ciente” aposto em momento ulterior nos autos[4]. Em linhas semelhantes – versando sobre a intimação dos advogados públicos federais – as regras constantes do art. 18, inciso II, alínea “h”, da Lei Complementar n. 75/93 e art. 6º, §2º, da Lei n. 9.028/95.

Constata-se que tem sido adjetivada de “pessoal” a intimação praticada pela via postal (desde que comprovada a entrega a seu destinatário, mediante aposição de sua rubrica no aviso de recebimento). Semelhante equiparação ocorre quando o ato de comunicação processual é realizado mediante mandado cumprido por oficial de justiça, no qual aquele servidor certifica a ciência do destinatário sobre o conteúdo do ato.

Com base na premissa invocada, qual seja, a possibilidade de que meios diversos de intimação possam, de acordo com o alcance de um objetivo específico, ser qualificados de “pessoais”, passa-se a expor algumas observações críticas no tocante à intimação pessoal dos advogados públicos e, em especial, dos Procuradores da Fazenda Nacional.

2.1. O ARGUMENTO DE QUEBRA DE ISONOMIA

Tem sido frequente a insurgência de parte da doutrina contra as prerrogativas conferidas aos representantes judiciais dos entes públicos. Em parte, as alegações estão fundadas no argumento de quebra da isonomia entre os advogados públicos e advogados privados. Isso, no entendimento de alguns doutrinadores, acarreta prejuízos à defesa dos administrados, porquanto estes se encontrariam em posição de grande desvantagem quando pretendessem demandar contra o Estado. Nessa ótica, um segmento da doutrina brasileira entende que o Estado é detentor de maior poder econômico e, portanto, dotado de forte aparato administrativo e legal para sua defesa em Juízo.

Embora não se tenha qualquer pretensão de fazer apologia às “razões de Estado”, reputa-se necessária a análise do problema sob uma perspectiva dialética, o que implica a verificação e a análise crítica dos argumentos apresentados por ambos os interlocutores. Diante do contexto, e não de uma visão apaixonada ou parcial, é que se pode detectar com maior acerto a existência e o grau de eventual mácula.

A visão sob a perspectiva do problema da quebra de isonomia leva a uma pergunta inicial: qual é o tamanho adequado, na máquina administrativa, dos órgãos incumbidos da função de representação judicial do Estado brasileiro? No ordenamento jurídico brasileiro, sabe-se de antemão, a representação judicial dos entes públicos, mormente nas esferas federal e estadual, é incumbida a órgãos específicos, dotados de carreiras compostas de cargos preenchidos por agentes egressos de concurso público de provas e títulos (art. 131 da CF). Desse contexto, é possível deduzir, sem maior esforço, que a criação de carreiras e o aumento de cargos nos órgãos de representação judicial pressupõem uma dotação orçamentária e, consequentemente, o acréscimo de gastos correntes no orçamento dos entes estatais.

Tomando de empréstimo estudo recente realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, verificou-se que “dos 83,4 milhões de processos em tramitação na Justiça brasileira em 2010, 27 milhões referiam-se a processos de execução fiscal, constituindo aproximadamente 32% do total”[5]. Em outras palavras, praticamente um terço de todos os processos em trâmite perante o Poder Judiciário são execuções fiscais[6]. Ademais, considerando o montante dos processos na fase de execução nos três ramos do Poder Judiciário analisados (Estadual, Federal e Trabalhista), as execuções fiscais correspondem a 76% (setenta e seis por cento), sendo que, somente na Justiça Federal, as execuções fiscais representam 79% (setenta e nove por cento) dos processos em fase de execução no ano de 2009[7].

Fato notório a todos os operadores do Direito, a execução fiscal, ao menos perante a Justiça Estadual e Federal, não se processa de ofício, tampouco os atos constritivos do patrimônio dos devedores são realizados por vontade própria do Poder Judiciário, consequência lógica dos atributos daquela função estatal (imparcialidade e inércia). Cada ato constritivo, cada aforamento de execução fiscal, cada leilão de bem, cada conversão em renda e apropriação de valores aos cofres públicos tem origem em um ato processual, um pedido formulado por um advogado público.


À luz do contexto acima narrado, é razoável afirmar-se que o número de advogados públicos responsáveis pelo acompanhamento das execuções fiscais no Brasil é insuficiente, sobretudo se se considerar que perante a Justiça Estadual, onde está localizado o maior quantitativo de execuções fiscais, ocorrem os maiores desafios de logística decorrentes do déficit de unidades locais incumbidas da representação judicial dos entes públicos[8]. Constata-se, pois, que o Poder Executivo não tem acompanhado o ritmo crescente de “interiorização” do Poder Judiciário.

Duas alternativas apresentam-se viáveis para o atendimento da demanda crescente de processos de execução fiscal, caso mantido o atual modelo de cobrança judicial dos créditos públicos: a) a criação de carreiras, o acréscimo e o provimento de cargos nos órgãos de representação judicial incumbidos da cobrança dos créditos inscritos em dívida ativa; b) a criação e a manutenção de prerrogativas legais que tenham por escopo viabilizar a defesa do ente público frente a uma força de trabalho incapaz de dar adequado atendimento a todos os processos, cujo acompanhamento esteja incumbido aos seus órgãos de representação judicial.

Não seria absurdo afirmar que o melhor aparelhamento dos órgãos incumbidos da representação judicial do Estado não foi, ao menos na seara federal, opção alçada à categoria de meta prioritária pelos gestores públicos. Considerando o insuficiente atendimento das demandas da população por serviços públicos essenciais de maior alcance social (v.g. saúde, educação, segurança), também carentes de investimentos, tem-se que, à míngua de recursos orçamentários, não estaria o administrador público obrigado a dotar os órgãos da advocacia pública federal de plenas e ideais condições estruturais.

Tem-se, portanto, que a falta de investimento na advocacia pública resulta, em grande parte, de uma opção política, respaldada juridicamente na discricionariedade conferida ao Poder Executivo para a eleição dos serviços públicos aptos a serem contemplados com prioridade de investimentos. Tal situação poderia ser solucionada mediante disposição constitucional que viesse a contemplar os órgãos de representação judicial com autonomia financeira e administrativa, a par do que ocorre com o Poder Judiciário[9], com o Ministério Público[10] e com a Defensoria Pública[11]. Não é essa, todavia, a realidade atual, ao menos para a maioria dos órgãos de representação judicial dos entes que compõem a federação.

Também não há de se admitir a solução simplista para a redução do número de execuções fiscais, fundada no argumento favorável à aplicação da remissão em caráter geral aos créditos inscritos em dívida ativa. Como tal medida implica renúncia de receita, sua adoção mediante proposta do chefe do Poder Executivo[12] deve observar os limites previstos na Lei Complementar n. 101/2000.

Ademais, os órgãos de representação judicial tem se utilizado, com frequência, de outras espécies de medidas como solução paliativa para a redução do número de processos, tais como a não inscrição em dívida ativa de créditos com valores ínfimos, o não aforamento de execuções fiscais cujo valor consolidado seja inferior aos limites previstos em lei[13] e a redução do número de litígios mediante instituição de pautas de acordo judicial e hipóteses de dispensa recursal.

Todo o contexto analisado leva a crer que, nada obstante a prerrogativa de intimação pessoal constitua efetivamente uma aparente quebra ao princípio da isonomia entre as partes no processo, nem de longe corresponde aos cognominados “privilégios odiosos” propalados por algumas vozes doutrinárias. As normas que asseguram a intimação pessoal dos advogados públicos foram elaboradas e aprovadas ante a constatação da existência de um volume grandioso de processos judiciais a cargo de um número reduzido de representantes legais dos entes públicos. Buscam, portanto, equilibrar a necessidade de satisfação do crédito e a defesa do patrimônio público com os recursos limitados destinados aos órgãos incumbidos de sua cobrança.

Aplica-se ao caso o que MELLO[14] define como “vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida”. O referido autor preleciona:

A correlação lógica a que se aludiu, nem sempre é absoluta, ‘pura’, a dizer, isenta da penetração de ingredientes próprios das concepções da época, absorvidos na intelecção das coisas.

Basta considerar que em determinado momento histórico parecerá perfeitamente lógico vedar às mulheres o acesso a certas funções públicas, e, em outras épocas, pelo contrário, entender-se-á inexistir motivo racionalmente subsistente que convalide a vedação. Em um caso terá prevalecido a tese de que a proibição, isto é, a desigualdade no tratamento jurídico se correlaciona juridicamente com as condições do sexo feminino, tidas como inconvenientes com certa atividade ou profissão pública, ao passo que em outra época, a propósito de igual mister, a resposta será inversa. Por conseqüência, a mesma lei, ora surgirá como ofensiva da isonomia, ora como compatível com o princípio da igualdade.

Desnecessária a repetição do extenso acervo doutrinário e jurisprudencial no condizente à definição, à classificação e à interpretação do alcance do princípio da isonomia no ordenamento jurídico brasileiro após a promulgação da Constituição Federal. Para o presente estudo, importa apenas rememorar que o trato jurídico distinto de sujeitos frente a determinado fato ou situação jamais foi vedado pelo Constituinte, que sempre admitiu o tratamento diferenciado quando presente a razoabilidade no critério de discrição adotado pelo legislador. Essa tem sido a linha de entendimento do Supremo Tribunal Federal em inúmeros casos.

Não bastasse a fustigada alegação de existência de interesse público nas demandas patrocinadas pelos representantes judiciais dos entes políticos – interesse esse que tem lastro no próprio regime democrático e na forma republicana eleita pelo Poder Constituinte, erigidos à categoria de princípios constitucionais sensíveis[15] – incumbe trazer à lição algumas outras razões que bem demonstram a diferença entre as causas patrocinadas pela advocacia pública e a advocacia privada.

Tais razões foram expostas recentemente pela Advocacia-Geral da União, no intuito de colaborar com o trabalho dos Eminentes Juristas designados para a elaboração do texto do anteprojeto do novo Código de Processo Civil[16]. Ei-las:

  1. O advogado público jamais pode recusar uma causa sob o fundamento de excesso de serviço, de modo que não tem nenhum controle sobre o volume de processos sob sua responsabilidade, o qual é amiúde excessivo:

    […]

  2. A flutuação do número de processos não pode ser rapidamente acompanhada pelo aumento (ou mesmo pela diminuição) do quadro de advogados públicos, especialmente tendo em vista que sua contratação somente pode se dar por meio de concurso público (art. 37, incs. I e II, CF).

Portanto, as disposições legais que conferem a prerrogativa de intimação pessoal aos advogados públicos não violam o art. 5º da CF, ao menos enquanto os órgãos de representação judicial dos entes públicos não forem aparelhados adequadamente para fazer frente ao volume de execuções fiscais e demais processos movidos por ou aforados contra os entes públicos.


A alegação de inconstitucionalidade poderá, talvez, vir a vingar no futuro, diante do adequado aparelhamento dos órgãos de representação judicial e da criação de novas ferramentas tecnológicas que propiciem a superação dos óbices originários da distância geográfica entre as sedes das unidades da advocacia pública e dos Juízos abrangidos pela sua área de atuação.

Registre-se que método de intelecção semelhante já foi adotado pelo Supremo Tribunal Federal em situações análogas, verbis:

EMENTA: Ministério Público: legitimação para promoção, no juízo cível, do ressarcimento do dano resultante de crime, pobre o titular do direito à reparação: C. Pr. Pen., art. 68, ainda constitucional (cf. RE 135328): processo de inconstitucionalização das leis.

  1. A alternativa radical da jurisdição constitucional ortodoxa entre a constitucionalidade plena e a declaração de inconstitucionalidade ou revogação por inconstitucionalidade da lei com fulminante eficácia ex tunc faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade de realização da norma da Constituição – ainda quando teoricamente não se cuide de preceito de eficácia limitada – subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a viabilizem.
  2. No contexto da Constituição de 1988, a atribuição anteriormente dada ao Ministério Público pelo art. 68 C. Pr. Penal – constituindo modalidade de assistência judiciária – deve reputar-se transferida para a Defensoria Pública: essa, porém, para esse fim, só se pode considerar existente, onde e quando organizada, de direito e de fato, nos moldes do art. 134 da própria Constituição e da lei complementar por ela ordenada: até que – na União ou em cada Estado considerado –, se implemente essa condição de viabilização da cogitada transferência constitucional de atribuições, o art. 68 C. Pr. Pen. será considerado ainda vigente: é o caso do Estado de São Paulo, como decidiu o plenário no RE 135328.[17]

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 370, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (REDAÇÃO DA Lei nº 9.271/96). ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 5º, CAPUT E INCS. LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

A peculiar função dos membros do Ministério Público e dos advogados nomeados, no Processo Penal, justifica tratamento diferenciado caracterizado na intimação pessoal, não criando o § 1º do art. 370 do CPP situação de desigualdade ao determinar que a intimação do advogado constituído, do advogado do querelante e do assistente se dê por publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca. O procedimento previsto no art. 370, § 1º, do CPP não acarreta obstáculo à atuação dos advogados, não havendo violação ao devido processo legal ou à ampla defesa. Medida cautelar indeferida.[18]

Não parecem válidas, portanto, quaisquer alegações tendentes a inquinar de ofensivas ao princípio da isonomia as regras jurídicas atualmente em vigor que confiram aos representantes legais dos entes públicos a prerrogativa de intimação pessoal. Ao contrário do que possa parecer, a advocacia pública – nada obstante sucessivos concursos para o provimento de cargos de suas carreiras – ainda não conta com quadro compatível de advogados públicos e servidores de apoio administrativo suficientes ao cumprimento de sua missão[19].


3. PRERROGATIVA DE INTIMAÇÃO PESSOAL CONFERIDA AOS REPRESENTANTES JUDICIAIS DA FAZENDA PÚBLICA NA ESFERA FEDERAL

Tome-se, de início, a expressão “Fazenda Pública” como conceito abrangente dos entes da administração direta e algumas de suas entidades, tais como as autarquias e fundações. Portanto, para a finalidade do presente estudo não serão incluídas no conceito as empresas estatais. Nesse sentido, a lição de ARAGÃO[20]:

a locução Fazenda Pública designa o Estado, nos planos federal, estadual, abrangidos o Distrito Federal e os Territórios, e municipal, todos, sem exceção, destinatários da franquia quanto ao prazo para contestar e para recorrer. Mas, Fazenda Pública compreende duas divisões distintas da Administração: direta e indireta. Esta, fora de dúvida, está amparada pelo preceito, que, quanto àquela, exige melhor análise. A rigor, as duas divisões da Administração deveriam gozar das mesmas regalias. Mas, o Decreto-lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967, com as alterações que lhe introduziu o Decreto-lei n. 900, de 29 de setembro de 1969, estabeleceu uma distinção entre os órgãos da Administração indireta, de modo que apenas as autarquias são pessoas de direito público; as empresas públicas e as sociedades de economia mista são pessoas de direito privado que, vinculadas à Fazenda Pública, não gozam dos favores a esta concedidos como pessoa de direito público (art.5º). Em conseqüência dessa disposição, somente as autarquias estão compreendidas na locução Fazenda Pública, para o fim de desfrutarem do privilégio dos prazos dilatados.

A intimação pessoal é conferida aos representantes judiciais dos entes públicos na esfera federal[21], viabilizando que não somente nas execuções fiscais, mas também nas demais espécies de processos os representantes judiciais da União sejam cientificados pessoalmente dos atos processuais produzidos nos autos ou do teor das provocações judiciais para a prática de atos ou providências.

A lei orgânica da Advocacia-Geral da União – AGU (Lei Complementar n. 73, de 10/02/1993) foi lacônica no trato das prerrogativas conferidas aos agentes públicos de suas carreiras. Por tal razão, o primeiro diploma legal que trouxe para o arcabouço normativo a previsão, explícita e discriminada, de algumas prerrogativas, foi a Lei n. 9.028/95. Seu escopo era conferir um mínimo de estrutura, em caráter provisório e emergencial, para o exercício das funções dos membros da AGU.

Embora a Lei n. 9.028/95 trouxesse, em seu art. 6º, preceito legal que determinava a intimação pessoal dos membros da AGU, o parágrafo 2º do mesmo dispositivo impunha que a intimação, quando destinada a advogado público lotado em local diverso da sede do juízo, deveria ocorrer na forma prevista no inciso II do art. 237 do Código de Processo Civil, ou seja, pela via postal.


Mais tarde, com a criação das carreiras de Procurador Federal e Procurador do Banco Central do Brasil, a Lei n. 10.190, de 15/07/2004 passou a determinar a intimação pessoal de seus membros[22].

Para os Procuradores da Fazenda Nacional, a Lei n. 11.033, de 21/12/2004, dispôs em seu art. 20 que suas intimações “dar-se-ão pessoalmente, mediante a entrega dos autos com vista”. Logo, no caso de processos nos quais seja parte a União (Fazenda Nacional), a intimação pessoal, mediante entrega dos autos, foi disciplinada de modo explícito pela lei, à semelhança da intimação pessoal conferida aos membros do Ministério Público. Logo, após o advento daquele diploma legal os Procuradores da Fazenda Nacional somente serão considerados intimados quando receberem os autos dos processos judiciais com vista (remessa dos autos pela secretaria ou cartório judicial).

Adiante se verá que a intimação mediante remessa dos autos ao advogado público não constitui novidade. Todavia, a Lei n. 11.033/2004 inovou ao dispor que essa sistemática consistiria em forma exclusiva de intimação dos Procuradores da Fazenda Nacional, tornando inaplicáveis àqueles agentes públicos as demais formas de intimação pessoal comumente utilizadas na praxe forense.

A intimação pessoal na forma prevista pelo art. 20 da Lei n. 11.033/2004 também é de necessária observância pela Justiça do Trabalho, nas hipóteses de sentenças homologatórias de acordos que contenham parcela indenizatória e de execuções de verbas trabalhistas (art. 832 e 879, §3º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT)[23].

Modificações legislativas recentes têm flexibilizado disposições processuais relacionadas a prazos e formas de intimação dos advogados públicos para os demais processos e procedimentos judiciais. Nesse sentido, a Lei n. 10.259/2001, que suprimiu, nos Juizados Especiais Federais, a prática de qualquer ato processual com prazo diferenciado (art. 7º).

No âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e Municípios, a criação dos juizados especiais da Fazenda Pública veio a lume pela Lei n. 12.153, de 22/12/2009, diploma legal que inovou no ordenamento jurídico, passando a admitir a possibilidade de utilização de todas as formas de comunicação processuais previstas pelo Código de Processo Civil (reais ou fictas) para a citação e intimação dos representantes judiciais dos entes públicos estaduais e municipais, bem como das autarquias e fundações a eles vinculadas (art. 6º).

Constata-se que, a rigor, o direito positivado traz disposições normativas explícitas que conferem aos advogados públicos federais a prerrogativa de intimação pessoal. Todavia, divergem os diplomas legais quanto à sua forma de atendimento, que variam conforme a espécie de processo judicial e o advogado público federal incumbido de seu patrocínio.

3.1 INTIMAÇÃO PESSOAL DOS REPRESENTANTES DA FAZENDA PÚBLICA NAS EXECUÇÕES FISCAIS. ARTIGO 25 DA LEI N. 6.830/80

No que concerne ao rito da execução fiscal, a intimação pessoal dos representantes judiciais da Fazenda Pública alcança, inclusive, os representantes judiciais dos Estados da federação e dos municípios, conquanto referidos agentes não contem com previsão legal, em âmbito nacional, que lhes assegure a prerrogativa de intimação pessoal para as demais espécies de processos judiciais.

A Lei de Execuções Fiscais – LEF (Lei n. 6.830/80), em seu art. 25, dispõe que a intimação dirigida aos representantes da Fazenda Pública nos processos de execução fiscal deverá ocorrer pessoalmente. Além disso, a lei faculta que o Juízo promova a intimação do advogado público mediante vista e concomitante remessa dos autos pelo cartório ou secretaria.

Embora a LEF preceitue a intimação pessoal do advogado público, não determina expressamente o modo pelo qual tal ato de comunicação deverá ocorrer. Diverso foi o trato normativo conferido pela Lei Orgânica do Ministério Público – LOMP (Lei n. 8.625/93), a qual determinou que a intimação pessoal do membro do MP deverá ser realizada “através da entrega dos autos com vista”.

Nada obstante a semelhança entre o conteúdo normativo do art. 40, IV, da LOMP e o art. 25 da LEF, este último dispositivo admite sejam flexibilizados os meios de comunicação processuais destinados aos representantes judiciais da Fazenda Pública. É a ilação obtida com a interpretação sistemática dos art. 25 da LEF, 36 e 37 da Lei Complementar n. 73/93 (Lei Orgânica da Advocacia Pública da União – LOAGU) e 41, IV, da LOMP. Veja-se.

No tocante às razões legais que amparam a escolha das formas dos atos de comunicação processual dirigidos à Fazenda Pública, cumpre rememorar que o próprio parágrafo único do art. 25 da LEF foi explícito em determinar que a intimação pessoal, mediante vista e remessa dos autos, constitui apenas uma das formas válidas de intimação do advogado público e, portanto, não a única.

Conquanto as disposições dos art. 36 a 37 da LOAGU façam referência aos atos de citação e intimação “nas pessoas do Advogado da União ou do Procurador da Fazenda Nacional”, referidos dispositivos também pecaram pela ausência de disposição expressa quanto ao modo de cumprimento do ato de intimação, admitindo que, diante dessa abertura semântica, sejam utilizados os meios de intimação pessoal já admitidos pela jurisprudência.

O entendimento foi, posteriormente, sufragado pelo art. 6º da Lei n. 9.028/95 que, em decorrência de parágrafo acrescido pela Medida Provisória n. 2.180–35/2001, passou a dispor do seguinte modo:

Art. 6º A intimação de membro da Advocacia-Geral da União, em qualquer caso, será feita pessoalmente.

[…]

§ 2o As intimações a serem concretizadas fora da sede do juízo serão feitas, necessariamente, na forma prevista no art. 237, inciso II, do Código de Processo Civil.

Essa a razão pela qual o Superior Tribunal de Justiça, reiteradamente, tem admitido a utilização de carta com aviso de recebimento ou de carta precatória como meios hábeis à cientificação dos representantes judiciais da Fazenda Pública nos processos de execuções fiscais.


Claro está que a norma do art. 25 da Lei n. 6.830/80 não trouxe para o Poder Judiciário a obrigação de remessa dos autos dos processos judiciais como requisito de validade da intimação dos representantes da Fazenda Pública. Nesses casos as intimações dirigidas a advogados públicos poderão também ser realizadas pela via postal e mediante expedição de cartas precatórias, desde que devidamente instruídas e aptas à ciência inequívoca do conteúdo do ato processual e dos elementos necessários à defesa do ente público.

3.2 A INTIMAÇÃO PESSOAL DOS PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL

Consoante já explanado nos tópicos precedentes, os Procuradores da Fazenda Nacional foram contemplados com norma específica que lhes atribuiu a prerrogativa de intimação pessoal mediante a entrega dos autos processuais em carga: o art. 20 da Lei n. 11.033/2004.

Dispõe a referida norma:

Art. 20. As intimações e notificações de que tratam os arts. 36 a 38 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, inclusive aquelas pertinentes a processos administrativos, quando dirigidas a Procuradores da Fazenda Nacional, dar-se-ão pessoalmente mediante a entrega dos autos com vista.

O art. 20 da Lei n. 11.033/2004 teve nascedouro no processo legislativo de conversão da Medida Provisória n. 206/2004, mais especificadamente na emenda aditiva n. 35, de autoria do Deputado Paulo Bernardo (PT/PR), apresentada na data de 11/08/2004 à Comissão Mista do Congresso Nacional[24]. Da consulta ao teor da referida emenda, é possível extrair as justificativas para a criação do dispositivo legal:

Essa medida visa conferir maior segurança no controle de prazos em ações envolvendo a Fazenda Nacional, eliminando o problema do prazo comum, que surge quando se está diante de decisões que acolhem parcialmente os pedidos e resolve as atuais dificuldades nos Conselhos de Contribuintes. Ademais, procedimento idêntico já é adotado em relação aos representantes do Ministério Público […].

A Comissão Mista do Congresso Nacional, ao aprovar as emendas apresentadas, expôs a seguinte justificativa para a aprovação da Emenda n. 35[25]: “A Emenda nº 35 visa apenas estender ao processo administrativo fiscal a prerrogativa de citação pessoal do representante da Fazenda, norma já existente no processo judicial”.

Constata-se que o objetivo precípuo da norma era conferir aos Procuradores da Fazenda Nacional a prerrogativa de intimação pessoal no curso de processos administrativos fiscais em trâmite nos extintos Conselhos de Contribuintes (hoje Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF).

Atualmente, por força de superveniente modificação legislativa (Lei n. 11.457/2007) a prerrogativa de intimação pessoal dos Procuradores da Fazenda Nacional em processos administrativos fiscais com trâmite perante o CARF é garantida pelo art. 23, §7º do Decreto n. 70.235/72, dispositivo autônomo aplicável à seara administrativa. Logo, essa inovação legislativa retirou parcela substancial de legitimidade do art. 20 da Lei n. 11.033/2004, pois restringiu sua razão de ser à hipótese de resguardo dos interesses da Fazenda Pública nas situações em que proferidos provimentos jurisdicionais deem causa à abertura de prazo comum às partes.

Excetuada a questionável manutenção da norma exclusivamente em razão da impossibilidade de realização de carga dos autos processuais nas hipóteses de prazo comum (justificativa que, a princípio, não se sustenta diante do princípio da razoabilidade), cabe avaliar sua aplicabilidade perante o contexto normativo infraconstitucional.

A primeira novidade fica por conta da abrangência da norma. Sua aplicação não se restringe aos executivos fiscais, tal como dispunha o art. 25 da Lei n. 6.830/80. Igualmente, a observância da forma de intimação preceituada pelo novel dispositivo normativo (entrega dos autos com vista) deixa de ser uma alternativa à disposição do Poder Judiciário (como o era na redação do art. 25 da LEF) para ganhar feição jurídica de norma pública cogente.

Sem prejuízo da clareza do dispositivo legal, constata-se que seu cumprimento pelo Poder Judiciário tem sofrido mitigação. Não raro os Procuradores da Fazenda Nacional veem-se obrigados a tomar ciência dos atos processuais mediante cartas entregues pela via postal ou mandados expedidos no cumprimento de cartas precatórias.

A adoção dessas espécies de atos de comunicação processual demonstra claramente a opção do Poder Judiciário em conferir interpretação extensiva à regra do art. 6º da Lei n. 9.028/95 de modo a aplicá-lo também aos Procuradores da Fazenda Nacional. E esse posicionamento parece ter sido ratificado pelo Superior Tribunal de Justiça, consoante se infere da recente ementa publicada, abaixo transcrita:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DEVEDOR OPOSTOS PELA FAZENDA NACIONAL À EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS A QUE FORA CONDENADA EM EXECUÇÃO FISCAL. INEXISTÊNCIA DE REPRESENTANTE JUDICIAL DA FAZENDA NACIONAL LOTADO NA SEDE DO JUÍZO DA EXECUÇÃO. TERMO INICIAL DO PRAZO PARA A OPOSIÇÃO DOS EMBARGOS. DATA DE JUNTADA AOS AUTOS DA CARTA PRECATÓRIA DE CITAÇÃO DEVIDAMENTE CUMPRIDA.

1. A Primeira Seção, no julgamento dos EREsp 743.867/MG (Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 26.3.2007, p. 187), a partir da interpretação conjunta dos arts. 25 da Lei 6.830/80, 38 da Lei Complementar 73/93 e 20 da Lei 11.033/2004, deixou consignado que tais disposições normativas estabelecem regra geral fundada em pressupostos de fato comumente ocorrentes. Todavia, nas especiais situações, não disciplinadas expressamente nas referidas normas, em que a Fazenda não tem representante judicial lotado na sede do juízo, nada impede que a sua intimação seja promovida na forma do art. 237, II do CPC (por carta registrada), solução que o próprio legislador adotou em situação análoga no art. 6º, § 2º da Lei 9.028/95, com a redação dada pela MP 2.180–35/2001.

2. Esta Turma, ao julgar o AgRg no REsp 1.220.231/RS (Rel. Min.Herman Benjamin, DJe de 25.4.2011), decidiu que a intimação pessoal por carta precatória, do Procurador da Fazenda Nacional lotado em outra comarca, não prejudica o contraditório ou a ampla defesa, não sendo cabível a regra do art. 20 da Lei 11.033/2004 (carga dos autos).

3. Recurso especial não provido.

(REsp 1254045/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/08/2011, DJe 09/08/2011)

Bem se vê que a jurisprudência vem admitindo, por extensão, a utilização de outros meios de intimação pessoal dos Procuradores da Fazenda Nacional, quando esses agentes públicos não estejam lotados em escritórios de representação com funcionamento nas cidades as quais sejam sede dos Juízos.


A solução jurídica adotada pelo Superior Tribunal de Justiça tangencia a questão constitucional subjacente (ofensa ao contraditório e ao devido processo legal) e se utiliza do método de interpretação sistemática (e extensiva) para negar eficácia a um dispositivo normativo com plena vigência.

Diante do contexto narrado, necessário avaliar se existem outros critérios ou argumentos aptos a conferirem legitimidade à atual interpretação jurisprudencial do art. 20 da Lei n. 11.033/2004.

Diz-se que um dos critérios válidos para a distinção entre regras e princípios reside na técnica utilizada para sua interpretação, quando presente uma situação de conflito: enquanto para os princípios a dogmática jurídica aceita sejam os mesmos ponderados na hipótese de conflito, conferindo-lhes dimensão apropriada em consonância com sua natureza frente ao caso concreto, para as regras jurídicas tem sido usual atribuir-lhes sentido absoluto, de modo que, em uma situação de conflito entre duas regras, sempre há de subsistir uma única aplicável, apta a incidir sobre determinado suporte fático. Nesse último caso, a solução do conflito advirá da utilização pelo hermeneuta dos critérios hierárquico, cronológico e o da especialidade.

A instituição de um expediente próprio (remessa dos autos com vista) para o atendimento à prerrogativa de intimação pessoal aos Procuradores da Fazenda Nacional não caracteriza disposição normativa especial a par daquelas anteriormente previstas nos art. 38 da LOAGU e art. 6º, §2º da Lei n. 9.028/95. Pressupondo que o art. 20 da Lei n. 11.033/2004 fosse considerado norma especial, estaria caracterizada a antinomia em relação ao art. 6º, §2º da Lei n. 9.028/95. Nessa hipótese, não seria lícito advogar a invalidade do novo dispositivo legal, porquanto a adoção dos critérios cronológico e o da especialidade admitiriam a subsistência da lei superveniente, seja por tratar de tema já pautado no diploma legal anterior, seja por trazer disposições que são aplicáveis aos membros de apenas uma das carreiras da advocacia pública federal.

No campo das prerrogativas processuais conferidas à Fazenda Pública, não existe antinomia entre os preceitos normativos precedentes – que conferem aos advogados públicos a prerrogativa de intimação pessoal – e o novo preceito que prevê seja a intimação dos Procuradores da Fazenda Nacional realizada mediante a entrega dos autos em carga. Este último é, em verdade, regra excepcional que confere a uma parcela dos advogados públicos meio peculiar para ciência inequívoca dos atos processuais.

As razões que amparam o tratamento díspar conferido pelo art. 20 da Lei n. 11.033/2004 não são, em sua essência, jurídicas. Fundam-se especialmente na deficiência do aparelho estatal para o acompanhamento das inúmeras demandas propostas pelo Estado em face dos cidadãos, necessárias à recuperação de créditos fiscais. E essa característica inviabiliza que o dispositivo legal seja aplicado para toda e qualquer situação em que caracterizado o litígio entre o Fisco e o cidadão. Nesse sentido, a percuciente lição de MAXIMILIANO[26]:

As disposições excepcionais são estabelecidas por motivos ou considerações particulares, contra outras normas jurídicas, ou contra o Direito comum; por isso não se estendem além dos casos e tempos que designam expressamente […] O art. 6º da antiga Lei de Introdução abrange, em seu conjunto, as disposições derrogatórias do Direito comum; as que confinam a sua operação a determinada pessoa, ou a um grupo de homens à parte; atuam excepcionalmente, em proveito, ou prejuízo, do menor número[…] Consideram-se excepcionais as disposições que asseguram privilégio (1), palavra esta de significados vários no terreno jurídico. Abrange: […] c) preferências e primazias asseguradas, quer a credores, quer a possuidores de boa fé, autores de benfeitorias e outros, pelo Código Civil, Lei das Falências e diversas mais.

O art. 20 da Lei n. 11.033/2004, por caracterizar norma excepcional, será aplicável somente naqueles casos em que a obediência à norma, imposta ao Poder Judiciário, afigure-se razoável, ou seja, em casos tais que não impliquem a criação de novos serviços (e, consequentemente, na majoração dos gastos correntes) para atendimento exclusivo de interesses financeiros da União. Logo, a intimação pessoal mediante remessa dos autos à Procuradoria da Fazenda Nacional afigurar-se-á dever inescusável de cumprimento pelo Poder Judiciário nas situações em que for constatado o funcionamento do órgão de representação judicial do ente público na mesma cidade na qual estabelecida a sede do Juízo. Equalizam-se desse modo as prerrogativas conferidas à Advocacia Pública às prerrogativas conferidas ao Ministério Público.

Afora a problemática referente à validade, à eficácia e à vigência do diploma legal no aspecto temporal, afigura-se de suma relevância inquirir se a norma do art. 20 da Lei n. 11.033/2004 seria razoável e proporcional (caso entendido que sua observância incumbe exclusivamente ao Poder Judiciário, sob pena de nulidade do ato que cientifica o Procurador da Fazenda Nacional por meio diverso).

A razoabilidade exige coerência entre os motivos determinantes para a prática do ato (v.g. ato administrativo ou proposição legal) e a finalidade almejada. Em síntese, deve-se perquirir se os motivos suscitados para a criação do dispositivo legal são legítimos e compatíveis com seu conteúdo (alteração na sistemática de intimação pessoal dos Procuradores da Fazenda Nacional).

À luz do princípio da razoabilidade, constata-se que parcela substancial das razões sustentadas para a criação do dispositivo legal não mais se encontram presentes em virtude de modificação do ordenamento jurídico, ocorrida após o ano de 2004. Nesse aspecto, a justificativa remanescente, de necessária remessa dos autos com vista à Procuradoria da Fazenda Nacional nas hipóteses de prazo comum, não guarda coerência com a prerrogativa de intimação pessoal, dado que, aos demais integrantes das carreiras da advocacia pública federal, em situação idêntica, não é assegurado referido modo de intimação.

No tocante ao princípio da proporcionalidade, sua obediência pelo legislador impõe seja realizado o estudo sob o prisma de seus três elementos, a saber: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

A lei ou o ato normativo será adequado quando seja eficaz o bastante para o alcance do escopo almejado pelo legislador. Nessa toada, não se pode negar que a intimação do Procurador da Fazenda Nacional mediante a entrega dos autos em carga possibilita o alcance do objetivo visado pela norma, ou seja, a ciência ampla e inequívoca do advogado público acerca dos atos processuais praticados.


Ultrapassado o primeiro teste de validade da norma, sobreleva indagar a sua necessidade ou, em outras palavras, se a previsão normativa configura o meio menos gravoso para o alcance do fim legal.

Registre-se que, no atual contexto, o art. 20 da Lei n. 11.033/2004 não vem sendo cumprido satisfatoriamente por razões diversas, a saber: a) ausência de recursos humanos e materiais nas unidades da Procuradoria da Fazenda Nacional, impossibilitando o deslocamento, periódico e regular, de servidores e procuradores às sedes dos Juízos Estaduais para a carga dos processos; b) insuficiência dos meios alternativos disponibilizados ao Poder Judiciário para a remessa de todos os processos judiciais que exijam a ciência dos Procuradores da Fazenda Nacional.

Os problemas acima descritos têm sido resolvidos de modo casuístico e pontual: ora com a disponibilização de cartões de postagens aos Juízos Estaduais, admitindo-se a remessa, pela via postal, de determinado número de processos às unidades da Procuradoria da Fazenda Nacional; ora com a adoção de uma sistemática de carga presencial na qual o próprio Procurador da Fazenda Nacional desloca-se às sedes dos Juízos Estaduais, não raro conduzindo viatura oficial e realizando, sem qualquer auxílio de servidores ou empregados terceirizados, o transporte dos processos físicos pendentes de intimação[27].

As duas alternativas adotadas pela Administração, acima narradas, pecam por não atender de forma suficiente à demanda dos Juízos, considerando o volume substancial de processos que aguardam a intimação da Procuradoria da Fazenda Nacional. Ambas não possibilitam a carga presencial regular de todos os processos pendentes de intimação.

Ainda nesse tópico, importa-nos acrescer outro inconveniente: o deslocamento frequente do advogado público para a realização de carga presencial de autos processuais em juízos situados em locais distantes das unidades seccionais da advocacia pública. Tal prática retira temporariamente aquele agente público do exercício das atividades precípuas inerentes à sua função, qual seja, a elaboração de peças e teses jurídicas para a defesa do ente público.

Dentre os outros meios disponíveis para a ciência pessoal e inequívoca do Procurador da Fazenda Nacional, é possível citar prontamente pelo menos duas opções para o alcance do desiderato almejado pelo legislador e para o pleno atendimento à demanda de processos pendentes de intimação dos Procuradores da Fazenda Nacional : 1) a criação de unidades seccionais da Procuradoria da Fazenda Nacional nas cidades onde funcionem as sedes dos Juízos; 2) o comparecimento periódico e espontâneo do advogado público às sedes dos Juízos, com o consequente recebimento dos autos dos processos entregues em carga. Pressupõe-se, nessa última medida, seja disponibilizado pela Administração número suficiente de advogados públicos lotados nas unidades seccionais e meios seguros para seu transporte e dos processos judiciais.

A primeira opção (criação de unidades seccionais no local onde funciona a sede de cada Juízo) é descartada prontamente, dado que implicaria a criação de quantidade substancial de cargos e consequente majoração de despesas, necessárias à manutenção de um grande número de escritórios de representação. Logo, importaria um acréscimo considerável nos gastos correntes previstos no orçamento do Poder Executivo.

A segunda medida proposta seria a de prover adequadamente as unidades seccionais da Procuradoria da Fazenda Nacional com recursos humanos e materiais compatíveis com o número de Juízos atendidos por aquele órgão[28]. Dessa forma, não subsistiria óbice à instalação e concentração das atividades das unidades seccionais em uma única Comarca, posto que existentes recursos humanos (v.g. servidores no apoio administrativo, empregados terceirizados) aptos a auxiliar o Procurador da Fazenda Nacional a comparecer periodicamente às sedes dos Juízos, retirando em carga os autos disponibilizados com vista à Fazenda Pública.

Dentre os meios atualmente existentes e as opções descritas, crê-se que essa última medida seja a que melhor atende ao interesse visado pelo legislador, resguardando a defesa do Erário sem a limitação do número de processos judiciais entregues em carga, e sem a ofensa ao princípio da legalidade.

Remanesce a análise quanto ao terceiro elemento: a proporcionalidade em sentido estrito.

A aplicação do art. 20 da Lei n. 11.033/2004 põe em destaque um aparente conflito entre os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF) e o da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF). Este último aplicável também aos processos patrocinados pela Procuradoria da Fazenda Nacional em razão da observância ao princípio da eficiência administrativa (art. 37, caput, da CF).

Não se olvida que a observância à norma do art. 20 da Lei n. 11.033/2004 impõe considerável atraso na movimentação processual, especialmente no tocante aos Juízos não situados em idêntica cidade onde funcionam as unidades seccionais ou escritórios de representação da Procuradoria da Fazenda Nacional. Por sua vez, o comparecimento irregular dos Procuradores da Fazenda Nacional aos cartórios judiciais, decorrente da insuficiência de adequados recursos humanos e materiais, traz como consequência o aumento do número de processos não movimentados, posto que pendentes de intimação daqueles agentes públicos. Tal situação não traz prejuízo somente ao Erário, em razão de a mora implicar diretamente na redução da probabilidade de recuperação do crédito público, mas também prejudica o jurisdicionado, que se vê obrigado a aguardar considerável lapso temporal para análise e julgamento de questão por ele suscitada em razão da necessária manifestação do representante judicial do ente público[29].

Sob o viés do princípio do contraditório, também é lícito asseverar que a forma de intimação prevista no artigo 20 da Lei nº 11.033/2004 não se afigura medida imprescindível ao resguardo daquela garantia constitucional, tendo em vista que o desiderato pode ser facilmente alcançado por outros meios de comunicação processual.

A situação que se deseja evitar com a imposição da obrigatoriedade da intimação pessoal mediante remessa dos autos com vista ao Procurador da Fazenda Nacional caracteriza prejuízo menor àquele imposto ao jurisdicionado, pois as razões que justificam aquela forma de intimação pessoal têm relação direta com a deficiência estrutural da Procuradoria da Fazenda Nacional, remanescendo pouco a ser creditado a título de resguardo do contraditório e da ampla defesa.

A característica do preceito normativo do art. 20 da Lei n. 11.033/2004 (norma excepcional), aliada ao não atendimento de dois elementos do princípio da proporcionalidade (necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), levam a admitir a possibilidade de mitigação de sua aplicabilidade nas situações em que a garantia da prerrogativa de intimação pessoal mediante vista dos autos em carga possa acarretar prejuízo ao jurisdicionado ou injustificada mora processual.


Conquanto não se partilhe dos métodos hermenêuticos utilizados pelo Superior Tribunal de Justiça para o julgamento da questão – pois interpretou extensivamente dispositivo legal precedente (art. 6º, §2º, da lei 9.028?95) e deixou de apreciar o tema sob a perspectiva constitucional – entende-se que, nos casos excepcionais aqui descritos, estará aberta a possibilidade de intimação dos Procuradores da Fazenda Nacional pela via postal (carta com aviso de recebimento) ou carta precatória.

3.3 INTIMAÇÃO POR CARTA PRECATÓRIA E PELA VIA POSTAL

A premissa adotada, assim, é no sentido de que se deva fazer necessária ponderação entre os insuficientes recursos materiais e humanos da advocacia pública federal e a impossibilidade de transferir ao Poder Judiciário os ônus decorrentes do envio dos autos dos processos físicos aos advogados públicos (quando estes estejam lotados em cidades diversas daquelas onde localizadas as sedes dos Juízos). Logo, é razoável a utilização da carta precatória como meio apto a intimar os advogados públicos, sendo de rigor na utilização dessa espécie de ato processual o cumprimento, pelo Juízo deprecante, de todos os requisitos insertos no art. 202 do CPC[30]. Eventual descumprimento dos requisitos essenciais da carta poderá ocasionar sua devolução pelo Juízo deprecado (art. 209,I do CPC).

Nesse contexto, embora admitida a carta precatória (autuada e processada) e cumprido o seu objeto (v.g. intimação), sua instrução defeituosa inviabiliza o pleno exercício de defesa do ente público, prejuízo manifesto que abre ensejo à arguição de nulidade, trazendo como consequência o refazimento daquele ato de comunicação.

Além da intimação pela via da carta precatória, a jurisprudência preponderante do Superior Tribunal de Justiça tem admitido, nesse caso, que a intimação dos representantes judiciais dos entes públicos nas execuções fiscais também ocorra pela via postal, ou seja, por carta com aviso de recebimento, na forma preconizada pelo art. 237, II, do Código de Processo Civil[31].

A faculdade de intimação pela via postal traz algumas peculiaridades que podem gerar consequências desfavoráveis ao ente público. Uma delas é a ausência, nessa espécie de comunicação processual, de uma regra processual que preceitue de modo explícito os meios para assegurar ao destinatário do ato comunicação processual a garantia de plena ciência de seu conteúdo. Nesse aspecto, a intimação postal difere da carta precatória, pois, para esta, o legislador previu requisitos de natureza cogente – e, portanto, de necessária observância pelo Juízo – com vistas à garantia de efetivo conhecimento do teor e compreensão do objeto deprecado (art. 202, II e III e §§1º e 2º).

Diante do recebimento de uma intimação pela via postal, o representante judicial da Fazenda Pública poderá deparar-se com duas situações distintas: a) carta de intimação devidamente instruída com todos os elementos necessários à ciência e à compreensão dos atos realizados no processo; b) carta de intimação com singela descrição do ato praticado ou da providência determinada pelo Juízo, sem qualquer elemento que viabilize sua pronta manifestação sem o acesso aos autos. Na última hipótese, a arguição de nulidade pela ocorrência de cerceamento de seu direito de defesa somente será acolhida caso seja constatado pelo Juízo o efetivo prejuízo ao ente público. Entretanto, a prática tem mostrado que o acolhimento do pleito pelos Juízos Singulares afigura-se improvável, considerando que os expedientes defeituosos, via de regra, emanam de seus próprios cartórios ou secretarias, pressupondo sua prévia concordância com o procedimento utilizado.

A eleição dos meios aptos à intimação pessoal do ente público (postal ou mediante carta precatória) não pode significar o abandono de todas as formalidades necessárias ao cumprimento adequado do ato de comunicação processual. Se o ato de intimação deve ocorrer na pessoa do advogado público, viabilizando que tenha plena ciência e compreensão do conteúdo da mensagem, não é dispensada a devida instrução do expediente com os documentos imprescindíveis à defesa.

Embora em situações normais a ciência ao advogado pela via postal ocorra mediante carta com singela transcrição do despacho ou decisão interlocutória prolatada pelo Juízo, a intimação dos representantes do ente público pela via postal deve necessariamente estar acompanhada dos elementos indispensáveis à compreensão do ato processual praticado ou da providência determinada pelo Juízo[32].

Entende-se que uma interpretação que pretenda conferir uma razoável celeridade ao processo deva admitir a intimação pela via postal do ente público, desde que, na prática do ato, também seja resguardado um mínimo de sentido ao vocábulo “pessoalmente”, previsto no art. 25 da Lei n. 6.830/80. Em outras palavras, deve o Poder Judiciário zelar pela efetiva ciência do conteúdo da comunicação processual pelo representante judicial da Fazenda Pública, observando, na intimação postal, as formalidades previstas nos art. 202, II e §1º, combinado com o art. 223, todos do Código de Processo Civil.

Diante da inexistência de disposições legais específicas atinentes à expedição de carta de intimação pela via postal, quando dirigidas a representante judicial de ente público, viável interpretação analógica que possibilite complementar aquele meio de comunicação processual com as formalidades previstas no inciso II e §1º do art. 202 e art. 223 do CPC, resguardando, desse modo, a real possibilidade de defesa do ente público e o cumprimento do disposto nos art. 25, caput da Lei n. 6.830/80, art. 6º, §2º, da Lei n. 9.028/95 e art. 20 da Lei n. 11.033/2004.

3.4 INTIMAÇÃO ELETRÔNICA

Com o advento da Lei n. 11.419/2006 e o acréscimo do parágrafo único ao art. 237 do CPC, foi aberta a possibilidade de realização dos atos de comunicação processuais (intimação e citação) pela via eletrônica (art. 221, IV, do CPC).

No tocante aos representantes judiciais da Fazenda Pública Federal, a utilização da via eletrônica somente será obrigatória na hipótese de o processo judicial possuir suporte integralmente eletrônico, ou seja, naqueles órgãos do Poder Judiciário nos quais já tenham sido desenvolvidos sistemas para o gerenciamento e o trâmite de processos no formato digital. Nada obsta, entretanto, que o destinatário das comunicações processuais manifeste concordância com o recebimento daqueles atos pela via eletrônica, quando tenham origem em processos com trâmite em suporte físico; caso contrário, deverá ser preservada a prerrogativa de intimação pessoal[33].


Calha observar que a Lei n. 11.419/2006 trata de tema específico, o processo eletrônico, de modo que as alterações por ela promovidas nos art. 221 e 237 do CPC são disposições especiais, destinadas a regrar os atos de comunicação processuais nos processos judiciais com trâmite eletrônico, não possuindo eficácia derrogatória dos demais dispositivos legais que determinam a intimação pessoal dos representantes da Fazenda Pública[34]. Por tal razão, eventuais atos de comunicação processual (citações e intimações), não terão eficácia em relação à Fazenda Pública quando publicados em Diário Oficial Eletrônico, pois o próprio diploma legal excepciona que somente serão consideradas intimações e citações pessoais os atos nos quais seja viabilizado o conhecimento da íntegra do processo (art. 4º, §2º e 9, §1º).

Criado o sistema para o trâmite de processos judiciais pelo meio eletrônico, a Lei n. 11.419/2006 trouxe a presunção de que a citação e a intimação, quando destinados a representantes da Fazenda Pública, são equiparadas à forma de comunicação pessoal (art. 4º, §6º). Trata-se de uma presunção legal, considerando que, na prática, para ciência do conteúdo dos autos, é necessário o acesso identificado do advogado público ao sítio na rede mundial de computadores no qual está localizado o sistema de gerenciamento dos processos judiciais eletrônicos.

A tramitação do processo pelo meio eletrônico impõe o cadastramento prévio do advogado público como condição para a prática de atos processuais (art. 2º, §1º, da Lei n. 11.419/2006). Presume-se que determinado usuário – portando uma identificação perante o sistema de processo eletrônico e utilizando um código de acesso – seja efetivamente o destinatário da comunicação processual e dela tenha ciência no momento em que realizar a consulta eletrônica de seu teor (art. 5º, §1º). Cria-se, por outro lado, a obrigação de acesso ao sistema e consulta aos atos de comunicação processual, presumindo o legislador que, após o transcurso de determinado prazo os atos serão reputados como efetivamente realizados, independentemente de acesso pelo representante judicial (art. 5º, §3º).

Constata-se que, com o advento da Lei n. 11.419/2006, foi dado passo importante para o atendimento à garantia da razoável duração do processo. Nesse aspecto, a criação de sistema informatizado para o trâmite de processos judiciais no formato eletrônico trouxe inúmeras vantagens, dentre as quais se destaca a supressão ou automatização de atos cartorários de somenos importância (v.g. numeração de páginas dos autos, aposição de carimbos, juntada de petições, confecções de certidões de decurso de prazo e elaboração de despachos de mero expediente) e o efetivo control


SINPROFAZ cobra comprometimento da AGU na defesa da instituição

Nas vésperas da mobilização agendada para a próxima quarta (25/04), Sindicato divulga mais uma nota pública para pressionar os dirigentes da AGU a se posicionarem sobre as reivindicações das carreiras.


Convênio do CNJ com o Bird prevê maior acesso à Justiça

Foi firmado nesta terça-feira (17/4), em Brasília, o convênio com o Banco Mundial e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para o desenvolvimento de projeto que busca reduzir as desigualdades entre órgãos do Judiciário brasileiro e garantir maior acesso da população carente à Justiça. O presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Cezar Peluso, foi…


Os equívocos e sobressaltos da MP nº 507/10: acesso a dados fiscais sigilosos


A edição da Medida Provisória nº 507/10 foi reflexo de um episódio da política nacional, entretanto a sociedade não pode ficar ao alvedrio de questões políticas quando se está discutindo assunto de grande relevância para os cidadãos brasileiros.


No decorrer do processo eleitoral do ano de 2010, a imprensa divulgou notícias sobre o vazamento de informações sigilosas de certas autoridades políticas envolvidas na disputa eleitoral. Essas notícias tomaram conta da mídia brasileira por vários dias, chegando a ser explorada na propaganda eleitoral gratuita como possível formação de dossiê, elaborado por integrantes de determinado partido político, que tinham acesso a dados fiscais sigilosos.

Em razão desses fatos, o Governo procurou dar uma pronta resposta dos acontecimentos ao povo, de modo que editou a Medida Provisória nº 507/10, sob o fundamento de que precisava haver uma regulamentação do acesso aos dados sigilosos.

A edição da Medida Provisória nº 507/10 foi reflexo de um episódio da política nacional, entretanto a sociedade não pode ficar ao alvedrio de questões políticas quando se está discutindo assunto de grande relevância para os cidadãos brasileiros.

Logo, considerando que o sigilo fiscal é dever do Estado e direito do cidadão, deveria haver um maior debate sobre o tema antes da edição de uma Medida Provisória, a qual não atendeu aos requisitos constitucionais de relevância e urgência, inseridos no art. 62, da CRFB.

A pretexto de dar uma resposta sobre o vazamento de dados fiscais de pessoas públicas, praticado por alguns servidores, bem como sob o fundamento de aperfeiçoamento dos mecanismos de segurança no acesso aos respectivos documentos criaram-se obrigações desnecessárias, o que está dificultando o trabalho investigativo da Administração Tributária, preponderante para a fiscalização e arrecadação do Estado.

Eventual conduta inapropriada dos servidores públicos não justifica a criação de exigências exorbitantes para a realização das atividades tributárias, muito menos em face do cidadão contribuinte. Até porque a legislação Brasileira já possui dispositivos que punem as condutas imputadas aos servidores envolvidos no episódio.

Os arts. 1º e 2º da MP nº 507/10 estipularam pena de demissão para o servidor que permitir, facilitar, fornecer senha ou de qualquer forma possibilitar o acesso a “informações protegidas por sigilo fiscal”, ou ainda, “utilizar indevidamente” essas informações.

Já o art. 3º da MP nº 507/10 instituiu pena de suspensão por 180 (cento e oitenta) dias aos servidores que utilizarem “sem motivo justificado” as “informações protegidas por sigilo fiscal”.

Por uma análise perfunctória do texto, percebe-se que há utilização de diversas frases e conceitos indeterminados, resultado da “pressa” do Governo de legislar sobre o assunto, o que não justifica a relevância e urgência para edição de uma Medida Provisória.

O que seriam “informações protegidas por sigilo fiscal”? Qual o alcance de “acesso sem motivo justificado” a “informações protegidas por sigilo fiscal”? O que significaria “utilizar indevidamente do acesso restrito” a “informações protegidas por sigilo fiscal”?

Essas imprecisões, em vez de ajudarem na preservação do sigilo, só atormentam as atividades da Administração Tributária.

De outro lado, não pode ser esquecido que o Código Penal e a Lei nº 8.112/90 já disciplinam e punem as condutas tipificadas na MP nº 507/10.

O art. 325 do Código Penal tipifica a conduta de violação de sigilo fiscal, o qual está inserido dentro do capítulo “Dos Crimes praticados por funcionário público contra a Administração em Geral”.

Relevante notar que o dispositivo em comento pune quem “revela fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação”. O parágrafo primeiro, ainda tutelando o mesmo bem jurídico, imputa a mesma pena a quem “permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública, ou se utiliza, indevidamente, do acesso restrito.”

As condutas descritas no parágrafo anterior também tipificam infrações administrativas, conforme disposto na Lei nº 8112/90, especificamente no art. 132, que prevê pena de demissão ao servidor que praticar crime contra a administração pública, ou revelar segredo do qual se apropriou em razão do cargo, entre outros atos.

Do confronto dos dispositivos percebe-se que as condutas tipificadas como infração administrativa na MP nº 507/10 são passíveis de punição em face da Legislação já existente. Dessa forma, conclui-se que não há motivo para edição da respectiva Medida Provisória, uma vez que as punições poderão ser aplicadas após o devido processo legal.

De outro lado, o art. 5º da MP nº 507/10 impôs grave óbice ao exercício da advocacia, em face da exigência de procuração por instrumento público para a atuação do profissional nas causas de natureza fiscal, que “impliquem fornecimento de dado protegido por sigilo fiscal”. Soma-se a isso o custo despropositado que acrescerá ao contribuinte para formalização de uma procuração por instrumento público.

Essa medida, a um só tempo, cerceia os direitos do contribuinte e restringe a atuação do advogado, constituindo violação à ampla defesa e ao devido processo legal, insertos no art. 5º, LIV e LV da CRFB, bem como ao art. 38 do CPC, que não exige procuração, unicamente via instrumento público, para atuação do advogado.

Considerando que cabe ao Advogado Público Federal planejar, executar, acompanhar, avaliar e defender as políticas públicas do Estado Brasileiro, este terá, também, o dever de propor medidas para a pluralização do debate em torno da MP nº 507/10.

Deve-se promover esse debate dentro do papel que o Legislador Constituinte reservou à Advocacia Pública, Função Essencial à Justiça, através de uma Advocacia de Estado e não de Governo.

Por essas razões, defende-se que o aperfeiçoamento da legislação sobre o sigilo fiscal não pode ficar restrito às conveniências eleitorais e políticas, sob pena de inviabilizar a continuidade do trabalho de repressão aos sonegadores, impedindo o livre exercício da atividade tributária do Estado. Esse debate requer discussão ampla, motivo pelo qual se exige que o Congresso Nacional não se torne, mais uma vez, refém dos anseios do Poder Executivo em legislar via Medida Provisória, usurpando funções conferidas pela Constituição ao Poder Legislativo.

Anseia-se o aprofundamento da discussão no âmbito do Congresso Nacional, objetivando concretizar a proteção ao cidadão, resguardando seus dados sigilosos do conhecimento de terceiros, mas respeitando-se as necessidades de efetivação da fiscalização e arrecadação Estatal. Da mesma forma, deve-se evitar a criação de mecanismos e procedimentos despropositados no trâmite regular dos trabalhos da Administração Tributária, o que resultará em exigências burocráticas para a concretização das atividades dos servidores que trabalham com os sistemas de fiscalização, como é o caso dos integrantes da carreira de Procurador da Fazenda Nacional.

Em 15 de março de 2011, o prazo para a conversão em Lei da MP nº 507, de 05.10.10, expirou-se, conforme prevê o artigo 62, § 3º da CF. Logo, seus dispositivos deixaram de produzir eficácia no mundo jurídico. Em seu lugar será apresentado projeto de lei para tratar do mesmo assunto.


AUTOR

Allan Titonelli Nunes
Procurador da Fazenda Nacional. Ex-Procurador Federal. Especialista em Direito Tributário pela Unisul

NBR 6023:2002 ABNT: NUNES, Allan Titonelli. Os equívocos e sobressaltos da MP nº 507/10: acesso a dados fiscais sigilosos. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3207, 12 abr. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21500>. Acesso em: 14 abr. 2012.


Imprensa noticia ameaça de caos na PGFN

Em matéria publicada na edição desta quinta, 12/04, do jornal Folha Dirigida, o presidente do SINPROFAZ alertou para o risco de colapso em função da escassez de pessoal administrativo.


Procuradora-Geral da Fazenda Nacional recebe SINPROFAZ

Os diretores Allan Titonelli, Roberto Rodrigues e Heráclio Camargo, assim como o representante da carreira no CSAGU, André Campello, reuniram-se na quarta, 11/04, com a Procuradora-Geral Adriana Queiroz.


SINPROFAZ cobra providências da PGFN

Em nota aprovada na última AGO, Sindicato endurece com Administração cobrando engajamento na defesa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.


O poder da fiscalização tributária e a nova Ordem Constitucional


As autoridades administrativas fiscais podem requisitar auxílio de força policial quando vítimas de embaraço ou desacato no exercício de suas funções, ou quando necessário à efetivação de medida prevista na legislação tributária. Tal poder tem limitações legais e constitucionais.


O art. 200 do CTN faculta às autoridades administrativas fiscais requisitarem auxílio de força policial quando vítimas de embaraço ou desacato no exercício de suas funções, ou ainda, quando necessário à efetivação de medida prevista na legislação tributária.

Tal dispositivo encontra-se previsto dentro do título IV do CTN, que trata da Administração Tributária, e especificamente em seu capítulo I, o qual versa sobre a fiscalização.

A mens legis do artigo em comento é dotar a administração tributária dos mecanismos necessários para a aplicação da legislação tributária, executando o Poder de Tributar dentro de seu espectro legal. Isso porque, a arrecadação do tributo depende, em grande parte, da atuação direta da fiscalização, a qual deve se dar de forma organizada e efetiva, contribuindo, assim, para a repressão de condutas omissivas ou comissivas de sonegação. Essa conclusão se justifica porque estamos imersos em um Sistema Tributário excessivo, que beira o confisco, razão pela qual não há uma predisposição do contribuinte em pagar espontaneamente o tributo.

Entretanto, os dispositivos do CTN não podem ser interpretados de forma absoluta, tendo em vista que este foi editado sob a égide de outra Constituição. Nesse sentido, após a promulgação da CF/88 todo o regime legal anterior que não conflitasse materialmente com a nova Ordem Constitucional seria recepcionado, tomando como parâmetro o novo regime normativo. Portanto, o art. 200 do CTN deve ser interpretado respeitando as garantias e direitos fundamentais inseridos dentro da nova Carta Magna.

O poder de requisição de força policial só poderá ser efetivado quando verificada as condições estabelecidas em lei. Assim, quando a autoridade fiscal administrativa for vítima de desembaraço ou desacato no exercício de suas funções, e quando necessário à efetivação das medidas previstas na legislação tributária, poderá requerer auxílio de força policial para o exercício de suas atividades.

O artigo traçou critérios objetivos, tendo como destinatário da norma os agentes da administração tributária, que receberam determinadas prerrogativas, e os contribuintes ou responsáveis, que estarão submissos à fiscalização, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas.

Mais a mais, esses poderes deverão ser exercidos com fulcro nos princípios constitucionais administrativos (art. 37 da CF/88), bem como no princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV da CF/88) e no princípio da razoabilidade, que é corolário do devido processo legal em seu aspecto material. Objetiva-se, dessa maneira, evitar a prática de atos que possam configurar abuso de poder, seja na modalidade desvio de poder ou excesso de poder. Sendo certo que o controle desse abuso se dará através do princípio da razoabilidade, averiguando a necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito do ato.

De outro giro, não se pode olvidar que a fiscalização, bem como a requisição de força policial não podem exorbitar a garantia da inviolabilidade de domicílio (art. 5º, XI da CF/88), do sigilo das correspondências e das comunicações (art. 5º, XII da CF/88) e da livre circulação de pessoas ou coisas (art. 5º, XV da CF/88), as quais são cláusulas pétreas, conforme preceitua o art. 60, §4º, IV, da CRFB.

Os doutrinadores Luciano Amaro[1] e Ricardo Abdul Nour[2], entendem que nos casos de sonegação de livros e documentos, não se justificaria a requisição de força policial, pois a administração fiscal tributária é dotada de outros meios para punir o infrator, como é o caso das multas pelo descumprimento das obrigações acessórias.

Outrossim, há entendimentos contrários, devendo, no caso concreto, ponderar entre a necessidade de consecução do interesse público, evitando a sonegação, e os direitos e garantias individuais dos contribuintes.

Para a concretização dos interesses da sociedade o Estado necessita captar, gerir e executar os recursos públicos. Logo, os objetivos e atividades a serem exercidas pelo Estado carecem da arrecadação de recursos, a qual não se esgota em si mesma, sendo um instrumento para a concretização daqueles.

Todavia, para a construção de um país mais igualitário, diminuindo a desigualdade social existente, é primordial que todos contribuam, na medida de suas possibilidades. Entretanto, sempre haverá aqueles que deixam de cumprir com suas obrigações.

Na medida em que todos passarem a contribuir haverá maior disponibilidade de caixa para a execução das políticas públicas, bem como possibilitará a realização de uma maior transferência da carga tributária, saindo da incidência sobre consumo para a renda. Contudo, esses objetivos só serão alcançados se o princípio da capacidade contributiva for o vetor de interpretação e execução do Sistema Tributário Nacional, onde cada cidadão contribuirá na medida de suas riquezas, concretizando, consequentemente, a isonomia tributária, e garantindo uma Justiça Fiscal.

De toda sorte, o Estado somente realizará a isonomia tributária, tanto almejada pela sociedade, se detiver poderes suficientes para efetivar o seu Poder de Tributar.

Desse modo, a requisição de força policial, desde que exercida dentro dos parâmetros já destacados, é perfeitamente compatível com os direitos e garantias individuais. Nesse pormenor, pode-se afirmar que a sonegação de livros e documentos corresponde à prática de embaraço na fiscalização, a qual, dependendo da gravidade, justificará a requisição de força policial.

A perspectiva de se concretizar uma melhor distribuição de renda e maior prestação de serviços públicos poderá ser alcançada, em certa medida, se todos os cidadãos se sujeitarem igualitariamente aos preceitos legais. A lei deveria servir para regulamentar um comportamento social, exigindo o seu cumprimento espontâneo, sob pena de inviabilizar o convívio social. Não se concretizando essas premissas é necessário haver mecanismos que dissimulem a tentativa de seu descumprimento, sendo essa a lógica do art. 200 do CTN.

Ante ao exposto, pode-se dizer que o poder de fiscalização descrito no art. 200 do CTN não é absoluto, devendo guardar conformidade com os preceitos constitucionais e as razões expostas nesse artigo.


Bibliografia:

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12 ªed. São Paulo: Saraiva, 2006.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 21ª ed. São Paulo: Malheiros 2002.

NOUR, Ricardo Abdul. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2002.

PAULSEN, Leandro. Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 9ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

TORRES. Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.


Notas

[1] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12 ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 480.

[2] NOUR, Ricardo Abdul. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 523.


AUTOR

Allan Titonelli Nunes

Procurador da Fazenda Nacional. Ex-Procurador Federal. Especialista em Direito Tributário pela Unisul

NBR 6023:2002 ABNT: NUNES, Allan Titonelli. O poder da fiscalização tributária e a nova Ordem Constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3196, 1 abr. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21403>. Acesso em: 1 abr. 2012.