Os honorários advocatícios de sucumbência são compatíveis com regime de subsídio, e são assegurados pela Lei n.º 8.906/94 aos membros da Advocacia-Geral da União.
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo fornecer argumentos jurídicos aptos a justificar a titularidade dos membros da Advocacia-Geral da União aos honorários advocatícios de sucumbência, bem como criticar o entendimento firmado no Parecer GQ – 24.
Palavras-chave: Honorários advocatícios de sucumbência. Membros da Advocacia-Geral da União. Titularidade.
Abstract: Union, by law and in compliance with the principle of decentralization in the Constitution, is not qualified to perform actions directly under block funding of the Brazilian Public Health System (SUS) called attention to secondary and tertiary care outpatient and inpatient. Nevertheless, it is increasing the number of court decisions that impose to Union an obligation to perform these actions. It was demonstrated, through analysis of current case law, as judicial decisions disrupt the way the SUS is structured, with respect to the actions planned for the mentioned block funding. On the other hand, it was explained as the Judiciary, to consider the principle of decentralization, in its decisions, can become an ally in implementing the system in order to ensure achievement, more effective health actions in the block care of ambulatory and tertiary care hospitals.
Keywords: Brazilian Public Health System (SUS). Principle of Decentralization. Block Funding Attention of Middle and High Complexity Hospital Outpatient. Public Policy. Lawsuits
Introdução
O objeto da presente estudo reside no exame da titularidade dos membros da Advocacia-Geral da União aos honorários advocatícios de sucumbência nas causas em que a Fazenda Pública se sagre vencedora.
I – Da ausência de suspeição ou impedimento.
De início, cumpre analisar eventual suspeição ou impedimento dos Advogados da União no exame de questões que se encontram umbilicalmente relacionados com o interesse da Instituição.
A Advocacia-Geral da União encontra assento no art. 131 da Constituição Federal, que assim dispõe:
Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
A referida norma está inserida na segunda sessão do Capítulo IV do Titulo IV da Constituição Federal, com a seguinte denominação: “Das Funções Essenciais à Justiça” . Infere-se, assim, que a Advocacia-Geral da União é uma Instituição que exerce, segundo o texto constitucional, “funções essenciais à justiça”. A propósito, convém transcrever as fecundas lições do eminente Uadi Lammêgo Bulos1 sobre a matéria:
Por isso, o Judiciário só funciona por provocação, ou seja, se o agente exigir que ele atue, donde resulte a importância dos protagonistas da dinâmica processual, titulares das funções essenciais à Justiça.
A Carta Magna os enumerou, taxativamente:
- Ministério Público (arts. 127 a 130);
- Advocacia Pública (arts. 131 e 132);
- Profissional da Advocacia (art. 133); e
- Defensoria Pública (arts. 134 e 135).
Todos esses organismos desencadeadores da atividade jurisdicional atuam por meio de seus agentes públicos ou privados, isto é, promotores, procuradores, advogados e defensores públicos.
Dessa maneira, a inércia da jurisdição é compensada pelo dinamismo dos protagonista das funções essenciais à Justiça.
Em verdade, o papel constitucional dos promotores, procuradores, advogados e defensores públicos é relevantíssimo, porque, de modo genérico, compete-lhes agir em defesa dos interesses do Estado-comunidade, e não do Estado-pessoa.
O arquétipo prefigurado na Constituição da República distancia-os da caricatura usual de que ocupam posição de superioridade se comparados aos cidadãos comuns. Ao invés, encontram limites ao exercício de suas atribuições, pois quem tem o poder e a força do Estado não pode exercer em benefício próprio a autoridade que lhe foi conferida.
A Advocacia-Geral da União, como função essencial à Justiça, tem a atribuição privativa de representar judicial e extrajudicialmente a União, bem como exercer as atividades de consultoria e assessoramento do Poder Executivo. Ao examinar a questão, o Pleno do Supremo Tribunal Federal não hesitou em reconhecer a referida exclusividade, ao atestar a ilegitimidade da representação judicial do advogado constituído pelo Presidente do Tribunal Regional Federal da 3º Região, no julgamento da RCL 8025, veja-se:
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão plenária, sob a Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, em julgar preliminarmente, o Tribunal afirmou a ilegitimidade da representação judicial do advogado constituído pelo Presidente do Tribunal Regional federal da 3ª Região. Em seguida, o Tribunal rejeitou a questão de ordem no sentido de intimar a Advocacia Geral da União para que, querendo, se manifeste nos autos. E no mérito, o Tribunal, por maioria julgou procedente a reclamação, para anular a eleição de Presidente e determinar que outra se realize, nos termos do voto do relator.
Nesse contexto, a Lei Complementar n.º 73/1993 – Lei Orgânica da Advocacia -Geral da União, em seus arts. 2º, II, b e art. 11, inciso III, dispõe, respectivamente:
Art. 2º A Advocacia-Geral da União compreende:
II – órgãos de execução
b) a Consultoria da União, as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, da Secretaria-Geral e das demais Secretarias da presidência da república e do Estado-Maior das Forças Armadas;
Art. 11. Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
III – fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
Da leitura das normas acima reproduzidas, torna-se possível concluir que a Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, como órgão setorial da Advocacia-Geral da União, tem a atribuição de, exclusivamente, exercer assessoramento jurídico da sua Pasta.
Feitos esses esclarecimento, convém agora analisar os deveres dos Advogados da União, com previsão na já mencionada Lei Complementar e na Lei n.º 8.112/90, que assim prescreve:
. Lei Complementar n.º 93/1993:
Art. 29. É defeso aos membros efetivos da Advocacia-Geral da União exercer suas funções em processo judicial ou administrativo:
I – em que sejam parte;
II – em que hajam atuado como advogado de qualquer das partes;
III – em que seja interessado parente consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o0 segundo grau, bem como cônjuge ou companheiro;
IV – nas hipóteses da legislação processual.
Art. 30. Os membros efetivos da Advocacia-Geral da União devem dar-se por impedidos:
I – quando hajam proferido parecer favorável à pretensão deduzida em juízo pela parte adversa;
II – nas hipóteses da legislação processual.
. Lei n.º 8.112/90:
Art. 116. São deveres do servidor:
I – exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo;
II – ser leal às instituições a que servir;
Art. 117. Ao servidor é proibido:
IX – valer-se co cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública;
. Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil:
Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:
I – de que for parte;
II – quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.
Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:
V – interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.
À primeira vista, poder-se-ia alegar a suspeição ou impedimento de todos Advogados da União no exame da presente matéria. Este, contudo, não é o melhor entendimento. As normas infraconstitucionais, como trivialmente sabido, devem ser interpretadas à luz do texto constitucional que, como visto, reserva à Advocacia-Geral da União a função de exercer, exclusivamente, o assessoramento jurídico do Poder Executivo. Aplicam-se aqui os princípios que norteiam a interpretação constitucional, dentre os quais se destacam: o da máxima efetividade e o da razoabilidade.
O primeiro impõe que à norma constitucional, sujeita à atividade hermenêutica, deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe conceda, sendo vedada a interpretação que lhe suprima ou diminua a finalidade. Já o segundo indica que a validade dos atos emanados do poder público é aferida com fundamento em três máximas: adequação, necessidade e proporcionalidade. A adequação designa a correlação lógica entre motivos, meios e fins, de maneira que, tendo em vista determinados motivos, devem ser providos meios, para a consecução de certos fins. A necessidade ou exigibilidade denota a intervenção mínima, isto é, inexistência de meios menos gravoso para a obtenção do fim pretendido. Já a proporcionalidade denomina a ponderação entre o encargo imposto e o benefício trazido2.
Nesse contexto, o constituinte originário, ao conferir à Advocacia-Geral da União a exclusividade do assessoramento jurídico, bem como incluí-la no rol das “funções essenciais à justiça”, não previu qualquer exceção capaz de afastar a sua atuação, de sorte que não seria razoável que a Instituição deixasse de examinar a constitucionalidade e regularidade dos projetos de atos normativos e consultas de seu interesse.
Em reforço à tese até aqui desenvolvida, não se pode olvidar que, quando o constituinte originário exigiu a citação prévia do Advogado-Geral da União nas causas em que o Supremo Tribunal Federal vier apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, para defender o texto ou ato impugnado, não fez qualquer restrição em relação à sua atuação. Assim, ainda que a eventual impugnação seja de norma referente à Instituição, a sua participação se faz necessária3.
Mas não é só. Em última análise, se fosse admitida o afastamento dos Advogados da União para exame de matéria dessa natureza, para que estranhos à carreira a realizassem, além de ferir de morte o art. 133 da Constituição Federal, estar-se-ia dando ensejo ao desvio de função, prática que destoa dos princípios da legalidade e moralidade, que norteiam a atuação da Administração, de tal modo que os atos por eles praticados estariam eivados do vício de nulidade.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não destoa desse entendimento, consoante se pode verificar da leitura da ementa abaixo transcrita:
E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) – ASSESSOR JURÍDICO – CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO – FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO – USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS – PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. – O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos. (ADI 881 MC/ES, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ 25.04.97.)
Como se pode observar, a exclusividade das atribuições reservadas pelo texto constitucional à Advocacia-Geral da União, para assessoramento jurídico do Poder Executivo, impõe que todas as consultas jurídicas sejam por ela examinadas, inclusive as referentes à própria Instituição.
II – Questão preliminar: Honorários e Subsídio.
Antes de se adentrar no exame do direito dos membros da Advocacia-Geral da União aos honorários de sucumbência, afigura-se indispensável a análise de uma questão preliminar, qual seja, a sua compatibilidade com o regime de subsídio.
O vocábulo subsídio foi inserido na Constituição Federal pela Emenda da Reforma Administrativa (Emenda Constitucional n.º 19/98), que introduziu o § 4º no art. 39, in verbis:
§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.
A referida Emenda também alterou o art. 135 da Constituição Federal, que passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 135. Os servidores integrantes das carreiras disciplinadas nas Seções II e III deste Capítulo serão remunerados na forma do art. 39, § 4º.
Como se vê, com o advento da Emenda Constitucional nº 19/98, a carreira da Advocacia-Geral da União passou a ter uma nova disciplina remuneratória, que veio a se materializar com o advento da Medida Provisória nº 305, de 29.06.2006, convertida na Lei n.º 11.358, de 19 de outubro de 2006 .
O subsídio, pois, caracteriza-se como nova modalidade de retribuição pecuniária paga a certos agentes públicos, em parcela única, sendo vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória. Esse rigor, entretanto, é relativizado por outras normas constitucionais, que não foram atingidas pela Emenda, como é o caso, por exemplo, do art. 39, § 3º.
Outro não é o entendimento da eminente Maria Sylvia Zanella Di Pietro4 que, ao examinar a questão, assinala:
No entanto, embora o dispositivo fale em parcela única, a intenção do legislador fica parcialmente frustrada em decorrência de outros dispositivos da própria Constituição, que não foram atingidos pela Emenda. Com efeito, mantém-se, no art. 39, § 3º, a norma que manda aplicar aos ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX. Com isto, o servidor que ocupe cargo público (o que exclui os que exercem mandato eletivo e os que ocupam emprego público, já abrangidos pelo art. 7º) fará jus a: décimo terceiro salário, adicional noturno, salário-família, remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo a 50% à do normal, adicional de férias.
Como se pode observar, a regra do art. 39, § 4º, da Constituição Federal não é absoluta. Por outro lado, sobreleva anotar que o seu alcance se limita aos valores pagos pela administração pública. Os honorários advocatícios de sucumbência, diferentemente das vantagens ali mencionadas, são verbas de natureza particular, eis que são pagos pela parte vencida ao advogado da parte vencedora, ou seja, não saem dos cofres públicos. Nessa linha, são os ensinamentos de Ivan Barbosa Rigolin5:
V – Ao que parece viceja, cá e lá, o entendimento de que os honorários de sucumbência constituem algo como “benefício aos servidores públicos”, pagos pelo poder Público, e talvez aí resida toda a origem do impasse que pode estar acontecendo.
Honorários advocatícios de sucumbência jamais foram benefício a servidor público, porque não são pagos com dinheiro público, não saem dos cofres públicos, mas do bolso dos derrotados em ações judiciais contra o poder Público. Não têm origem em recursos públicos, mas particulares – e muitos particulares. Quem os pagou já o sentiu.
Como se isso não bastasse, deve-se destacar que, se a intenção do constituinte fosse a de proibir o advogado público, o que se admite apenas por hipótese, teria a consagrado expressamente, com o fez em outra passagem do texto constitucional, como é o caso do art. 128, II, a da Constituição Federal, in verbis:
Art. 128. O Ministério Público abrange:
II – as seguintes vedações:
a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais;
Ora, não foi esse o tratamento dispensado à Advocacia-Geral da União, não havendo qualquer restrição a respeito. A Lei Complementar n.º 73/1993, a seu turno, não traz qualquer proibição dessa natureza.
Registre-se, por relevante, que o texto original da Lei Complementar n.º 73/93 aprovado pelo Congresso Nacional e encaminhado à sanção presidencial, previa em seu art. 65 a vedação ao recebimento dos honorários6. Contudo, a aludida norma foi vetada pelo Presidente da República por interesse público, a fim de garantir a premiação do êxito, nos seguintes termos:
Quanto ao pro labore, percebido pelos Procuradores da Fazenda Nacional, por força da lei 7711 de 22 de dezembro de 1988, limita-se à sucumbência dos devedores vencidos nas execuções fiscais (honorários advocatícios). Desses honorários, 50 % destinam-se à implementação e modernização das procuradorias da Fazenda Nacional (informatização, custeio de taxas e custos de execuções fiscais, despesas de diligências, pro labore de peritos técnicos, avaliador e contadores judiciais, além de despesas de penhora, remoção e depósito de bens). Esse sistema de incentivo tem funcionado com múltiplo êxito para os cofres da União, sendo o principal fator de crescimento da arrecadação, apesar do decrescente números de Procuradores da Fazenda nacional em todo País7.
Resta, portanto, muito claro que o regime de subsídio não constitui óbice ao pagamento dos honorários de sucumbência aos membros da Advocacia-Geral da União, cuja titularidade restará demonstrada a seguir.
III – Lei n.º 8.906/94 – Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
A título de contextualização, cumpre realizar um breve histórico sobre a evolução legislativa dos honorários de sucumbência. De início, a Lei n.º 4.215/63, em seu art. 998, os previu. Em seguida, o Código de Processo Civil – Lei n.º 6.355/1973, no art. 209, também os consagrou. Nesse período, entretanto, tais honorários, a princípio, eram da titularidade da parte e não do advogado, bem como tinham natureza eminentemente indenizatória.
Em 1994, sobreveio a Lei n.º 8.906 – Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – EOAB, que trouxe profunda alterações à matéria, modificando sobremaneira o regime até então vigente. Os honorários deixaram de ser meramente indenizatórios, para assumir status de remuneração. Nesse contexto, esclarecedores os comentários de Yussef Said Cahali10:
A Lei n.º 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia e Ordem dos Advogados do Brasil), embora contendo dispositivos notoriamente polêmicos, teve o mérito contudo de enunciar claramente a quem pertencem os honorários advocatícios da sucumbência. Assim, ao estabelecer, em seu art. 23, que os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor”, o novel legislador buscou superar a aparente antinomia existente entre o artigo 20 do Código de Processo Civil e o artigo 99 do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei nº 4.215, de 27 de abril de 1963), geradora de um inconciliável dissídio doutrinário e jurisprudencial.
Uma das grandes inovações trazidas pelo referido diploma legal, indubitavelmente, foi a de reservar ao advogado, em seu Capítulo VI, a titularidade dos honorários de sucumbência. A propósito, não é desnecessário afirmar que os honorários têm natureza alimentar, consoante a jurisprudência dos Tribunais Superiores. Vale, por todos, transcrever ementa do Supremo Tribunal Federal nesse sentido:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO DE FUNDAMENTO EM AGRAVO REGIMENTAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NATUREZA ALIMENTAR. AGRAVO IMPROVIDO. I – É incabível a inovação de fundamento em agravo regimental, porquanto a matéria arguida não foi objeto de recurso extraordinário. II – O acórdão recorrido encontra-se em harmonia com a jurisprudência da Corte no sentido de que os honorários advocatícios têm natureza alimentar. III – Agravo regimental improvido. (AI 732358, Rel. Min. Ricardo Lewandoswski, Primeira Turma, DJ 21.08.2009. Destacou-se)
Posteriormente, foi publicada a Lei n.º 9.527/97 que, dentre outras providências, asseverou que as normas previstas no Capítulo V do Título I da Lei n.º 8.906/94 não se aplicam à Administração Pública direta da União, bem como às autarquias, às fundações instituídas pelo Poder público, às empresas públicas e às sociedades de economia mista, consoante se pode verificar da leitura do seu art. 4º, in verbis:
Art. 4º As disposições constantes do Capítulo V, Título I, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, não se aplicam à Administração Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às sociedades de economia mista.
Em razão da sucessão de leis no tempo tratando da mesma matéria, deve-se destacar que não merecer prosperar o argumento segundo o qual, em razão do disposto no art. 20 do Código de Processo Civil, os honorários de sucumbência pertenceriam à parte e não ao advogado, eis que a Lei n.º 8.906/94, por ser posterior, a revogou tacitamente. Essa é a inteligência do art. 2º, I, do Decreto-Lei n.º 4.65711, de 4 de setembro de 1942 – Lei de introdução às normas do Direito Brasileiro.
Outro não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. HONORÁRIOS. INTERPRETAÇÃO ANTERIOR À LEI N. 8.906/94.TITULARIDADE DA PARTE VENCEDORA.
1. Verifica-se que o acórdão recorrido analisou todas as questões atinentes à lide, só que de forma contrária aos interesses da parte. Logo, não padece de vícios de omissão, contradição ou obscuridade, a justificar sua anulação por esta Corte. Tese de violação do art. 535 do CPC afastada.
2. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que antes do advento da Lei 8.906/94 (Estatuto da Ordem dosAdvogados do Brasil), a titularidade das verbas recebidas a título de honorários de sucumbência era da parte vencedora e, não, do seu respectivo advogado.
3. Recurso especial provido. (REsp 859944/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJE 19.08.2009)
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. DÉBITO DE NATUREZA ALIMENTÍCIA. ACÓRDÃO DECIDIDO POR FUNDAMENTOS DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE NA VIA RECURSAL ELEITA. TITULARIDADE, EM PRINCÍPIO, DO ADVOGADO DA PARTE VENCEDORA, PERMITIDA CONVENÇÃO EM SENTIDO CONTRÁRIO. POSSIBILIDADE DA EXPEDIÇÃO DE PRECATÓRIO DISTINTO PARA A VERBA DE SUCUMBÊNCIA. DIREITO AUTÔNOMO DO ADVOGADO.
1. A questão em torno da natureza da verba recebida a título de honorários de sucumbência — se possui ou não caráter alimentício — foi decidida pela Corte de origem por fundamentos de índole eminentemente constitucional, insuscetíveis de apreciação em sede de recurso especial.
2. A análise de matéria constitucional, em sede de recurso especial, é alheia à competência atribuída a esta Superior Corte de Justiça, a teor do disposto no art. 105, III, da Constituição Federal.
3. A Lei 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), ao contrário da legislação anterior que disciplinava a matéria, modificou a titularidade das verbas recebidas a título de honorários de sucumbência, passando-as da parte vencedora para o seu respectivo advogado.
4. Até prova em contrário, os honorários sucumbenciais são devidos ao advogado da parte vencedora, “tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor”, independentemente da juntada de cópia do contrato de prestação de serviços advocatícios.
5. Recurso especial parcialmente provido. (Resp 659293/SP, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 24.04.2006)
A questão foi também examinada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.194-4, que teve como objeto, dentre outras normas, o parágrafo único do art. 21 e o parágrafo 3º do art. 24, ambas da Lei n.º 8.906/94. Na oportunidade, por maioria, assinalou-se que o recebimento dos honorários de sucumbência é disponível, de sorte a permitir o ajuste contratual entre o advogado e o cliente sobre as referidas verbas. Calha, por relevante, transcrever passagens do voto do Ministro Maurício Corrêa nesse sentido:
22. Toda argumentação da requerente cai por terra ante o disposto nos artigos 22 e 23 do Estatuto da Advocacia, que, encerrando a discussão acerca da titularidade da verba em face da redação do artigo 20 do CPC, assegurou expressamente que o advogado tem direito aos honorários de sucumbência. Em que pese a constitucionalidade de tais preceitos ter sido objeto também desta ação direta, a questão não pôde ser apreciada em virtude da ilegitimidade ativa da requerente por impertinência temática. Pertencendo a verba honorária ao advogado, não se há de falar em recomposição do conteúdo econômico-patrimonial da parte, criação de obstáculo para o acesso à justiça e, muito menos, em ofensa a direito adquirido da litigante.
23. Ainda que se entenda que os honorários se destinavam a ressarcir a parte vencedora pela despesas havidas com a contratação de profissional de advocacia e nessa perspectiva pertencesse ao litigante, segundo uma das exegeses admitidas do artigo 20 do CPC, restaria clara sua revogação pelos artigos 22 e 23 do superveniente estatuto da OAB (LICC, artigo 2º, § 1º)
Uma vez assentado o direito dos advogados aos honorários de sucumbência, convém agora examinar se eles também se estendem aos membros da Advocacia-Geral da União. Frise-se, por oportuno, que as alterações promovidas pela Lei n.º 9.527/97, mencionadas alhures, referem-se tão somente ao Capítulo V do Título I da Lei n.º 8.906/94, vale dizer, aplicam-se apenas aos advogados empregados. Nessa linha, convém reproduzir as informações prestadas pelo Senado Federal ao Supremo Tribunal Federal, na ADI n.º 3.396 que analisa a constitucionalidade do art. 4º da Lei n.º 9.527/97:
Apesar de submetidos a um mesmo estatuto, no caso, o Estatuto da Advocacia, criado pela Lei n.º 8.906, de 1994, os advogados que ocupam cargo público em órgãos da Administração Direta, Autarquias e Fundações instituídas pelo Poder Público, sujeitam-se a um regime especial de trabalho. Trata-se do Regime Jurídico Único previsto na Lei n.º 8.112, de 1990, e nesta condição estão submetidos a um regime de direitos e deveres específicos, o qual não se confunde com o regime das empresas privadas, este aplicável às empresas públicas e sociedades de economia mista, que normalmente se submetem aos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
Paralelamente a isso, não se pode esquecer que a exegese das leis é orientada pelo processo sistemático, porquanto as leis não são conglomerados de normas desconexas entre si. Ao revés, apresentam-se de modo coordenado, em feixes orgânicos, procurando formar unidade de sentido. Os seus elementos mantêm vínculo de inter-relação e interdependência12. Dessarte, os arts. 22 a 26 da Lei n.º 8.906/94, presentes no Capítulo VI, que versam sobre os honorários advocatícios, devem ser interpretados à luz do disposto no art. 3º, § 1º, do mesmo Diploma Legal, in verbis:
Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
§ 1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional. (Destacou-se)
Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.
§ 1º O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado.
§ 2º Na falta de estipulação ou de acordo, os honorários são fixados por arbitramento judicial, em remuneração compatível com o trabalho e o valor econômico da questão, não podendo ser inferiores aos estabelecidos na tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB.
§ 3º Salvo estipulação em contrário, um terço dos honorários é devido no início do serviço, outro terço até a decisão de primeira instância e o restante no final.
§ 4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou.
§ 5º O disposto neste artigo não se aplica quando se tratar de mandato outorgado por advogado para defesa em processo oriundo de ato ou omissão praticada no exercício da profissão.
Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.
Sublinhe-se que as normas inseridas no Capítulo VI do Estatuto da Advocacia, em nenhum momento, restringem sua aplicação aos membros da Advocacia-Geral da União. Na atividade hermenêutica, como é cediço, não cabe ao intérprete definir o que o legislador não definiu, nem mesmo acrescer ao texto legal condição nela não existente. Assim, não há razão para se restringir o alcance das normas acima mencionadas.
Como se vê, em homenagem ao método sistemático de interpretação, ressoa inequívoco o direito dos Advogados da União, Procuradores da Fazenda Nacional e Procuradores Federais aos honorários advocatícios de sucumbência nas causas em que a Fazenda Pública se sagre vencedora.
IV – Do Parecer GQ – 24.
Sem embargo das considerações até aqui lançadas, cumpre assinalar que a questão já foi examinada pela Advocacia-Geral da União, por meio do PARECER nº GQ – 24, vinculante, que adotou para os fins do art. 40 e 41 da Lei Complementar nº 73/93, o Anexo PARECER Nº AGU/WM-08-94. Na oportunidade, restou assentado que os arts. 22 a 25 da lei n.º 8.906, de 4 de julho de 1994, não se aplicam aos membros da Instituição, veja-se:
EMENTA: A disciplina do horário de trabalho e da remuneração ínsita à Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994, é específica do advogado, na condição de profissional liberal e empregado, sem incidência na situação funcional dos servidores públicos federais, exercentes de cargos a que sejam pertinentes atribuições jurídicas.
(…)
4. É induvidoso que os servidores dos órgãos da Administração Federal direta, das autarquias e das fundações públicas federais,a cujos cargos correspondam as atividades de advocacia, se submetem ao regime instituído pela Lei 8.906 (cfr. O § 1º do art. 3º), mas são regidos pelas normas estipendiárias e pertinentes às cargas horárias e específicas dos servidores públicos federais.
9. Há que se realçar a prevalência de comando ínsito à Lei Complementar n. 73, de 1993, estratificado no sentido de que a remuneração dos membros da Advocacia-Geral da União se fixa em “lei própria”, condição que se não considera atendida com as normas concernentes ao Estatuto da Advocacia, em comento.
13. A mantença das regras a que são submetidos especificamente os advogados, servidores federais estatutários, decorrente se sua compatibilização coma lei nova, se justifica pelo fato de esse pessoal encontrar-se inserido no contexto do funcionalismo federal, regido por normas editadas unilateralmente pelo Estado, a fim de estabelecer o regramento da relação jurídica que se constitui entre ele e o servidor, de modo a que o Poder Público disponha de um sistema administrativo capaz de atender à sua finalidade, consistente em proporcionar à coletividade maior utilidade pública, essência das realizações da Administração. Face a esse desiderato, é atribuída ao Estado a faculdade de estabelecer e alterar, de forma unilateral, as regalias originárias do funcionalismo, adequando-as às suas peculiaridades e necessidades, inclusive as orçamentárias, mas sem inobservar os comandos constitucionais. Tanto assim é essa especificidade que o art. 61 da Carta insere na competência privativa do Presidemte da República a iniciativa de leis que cuidem sobre aspectos de regime jurídico do servidor público deferal, incluída a remuneração.
14. Essa linha de raciocínio aproveita à inaplicabilidade do regramento dos adicionais de sucumbência aos mesmo servidores: as características dessas normas (arts. 22 a 25 da Lei n. 8.906) indicam o alcance, tão-só, das atividades de advocacia desenvolvidas pelos profissionais liberais e advogados empregados, no que couber. Induzem a essa lição inclusive o aspecto de que os honorários, incluído os de sucumbência, pertencem ao advogado, que pode, de forma autônoma, executar a sentença, nesse particular (art. 23), direito que se não compatibiliza com a isonomia de vencimentos preconizada nos arts. 39, § 1º, e 135 da Constituição. Em relação a esse honorários a que façam jus os advogados empregados, há também disciplina específica no art. 21 do mesmo Diploma Legal, inexistindo a dos servidores estatutários do Estado, cujas peculiaridades também reclamariam normas especiais.
15. O Estatuto da Advocacia se estende aos servidores da área jurídica federal. Porém, por imperativo seu, impõe-se a observância do “regime próprio a que se subordinam” (art. 3º, § 1º), que, via de regra, não prevê esse adicional retributivo. Para contemplar esse pessoal, haveria de ser regulado em lei, em vista do princípio da legalidade esculpido no art. 37 da Constituição.
III
16. O exposto admite se acolha o resultado interpretativo de que os advogados submetidos ao regime jurídico instituído pela Lei n. 8.112, de 1990, continuam sujeitos ao disciplinamento vigente à época da edição do novo Estatuto da Advocacia, no que respeita à carga horária e à remuneração, porquanto não foram alcançados, no particular, pela lei nova.
A referida manifestação fundamenta-se, basicamente, no disposto no parágrafo único do art. 26 da Lei Complementar n.º 73/93, que exige lei própria para fixação do vencimento e remuneração dos membros das carreiras da Advocacia-Geral da União.
O grande problema é que esse argumento poderá trazer graves consequências, especialmente se o utilizarmos para o exame de importantes leis afetas à Advocacia-Geral da União, publicadas nos últimos anos, senão vejamos:
a) O subsídio dos cargos das carreiras da Advocacia-Geral da União foi instituído pela Medida Provisória n.º 305, de 2006, convertida na Lei n.º 11.358, de 19 de outubro de 2006. Sucede, todavia, que os referidos atos normativos não se enquadram no conceito de “lei própria”, eis que disciplinam, a um só tempo, as carreiras de Procurador da Fazenda Nacional, Advogado da União, Procurador Federal, Defensor Público, de Procurador do Banco Central do Brasil, Policial Federal e da reestruturação dos cargos da Carreira de Policial Rodoviário Federal. Em razão disso, indaga-se: estaria a Lei n.º 11.358 violando o disposto no parágrafo único do art. 26 da Lei Complementar n.º 73/93 e, por via reflexa, o art. 131 da Constituição Federal?
b) De igual modo, o último aumento remuneratório das carreiras da Advocacia-Geral da União deu-se, por meio da Medida Provisória n.º 440, de 2008, convertida na Lei n.º 11.890, de 24 de dezembro de 2008. Todavia, assim como o exemplo anterior, as referidas normas não se enquadram no conceito de “lei própria”, uma vez que abrangem inúmeras carreias do Poder Executivo Federal, tratando não só de remuneração, bem como de reestruturação. Pergunta-se: estaria a Lei n.º 11.890, de 24 de dezembro de 2008 contrariando o parágrafo único do art. 26 da Lei Complementar n.º 73/93 e, por via reflexa, o art. 131 da Constituição Federal?
c) Se o parágrafo único do art. 26 da Lei Complementar n.º 73/93 exige que o vencimento e a remuneração das carreiras sejam tratados em “lei própria”, estariam os Advogados Públicos Federais isentos do pagamento da contribuição anual à OAB, prevista no art. 46 da Lei n.º 8.906/1994, porquanto se trata de matéria que, em última análise, encontra-se umbilicalmente relacionada à remuneração e vencimentos dos membros da carreira?
Por outro lado, deve-se destacar que, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.652-6, que examinou a constitucionalidade do parágrafo único do art. 1413 do Código de Processo Civil, o Ministro Relator Maurício Corrêa assinalou, em seu voto, que os advogado públicos sujeitam-se às prerrogativas, direitos e deveres do advogado, estando submetidos à disciplina própria da profissão, nos seguintes termos:
2. Com efeito, seria mesmo um absurdo concluir que o legislador tenha pretendido excluir de ressalva os advogados sujeitos a outros regimes jurídicos, além daquele instituído pelo Estatuto da OAB, como ocorre, por exemplo, com os profissionais da advocacia que a exercem na condição de servidores públicos. Embora submetidos à legislação específica que regula tal exercício, também devem observância ao regime próprio do ente público contratante. Nem por isso, entretanto, deixam de gozar das prerrogativas, direitos e deveres dos advogados, estando sujeitos à disciplina própria da profissão, artigos 3º, § 1º; e 18.
Ora, se os honorários de sucumbência não pertencem aos membros da Advocacia-Geral da União, em razão dos argumentos aduzidos no Parecer GQ – 24, a quem são devidos? À União? Com base em que fundamento legal? A propósito, desconhece-se, s.m.j., qualquer lei que autorize a União a receber tais verbas. Não é preciso gastar rios de tinta para perceber que essa realidade viola, no mínimo, o princípio da legalidade administrativa, previsto no caput do art. 37 da Constituição Federal.
Outro ponto que deve ser levantado é o de que o referido Parecer vinculante foi elaborado sob uma realidade jurídica distinta dos dias atuais, de sorte a não mais tratar a contento as questões afetas à matéria, notadamente se levarmos em consideração que, posteriormente, à sua publicação, consoante já mencionado, sobreveio a Lei n.º 9.527/97 que, dentre outras providências, afastou a incidência das normas presentes no Capítulo V do título I à Adminsitração Pública direta da União, às autarquias, às fundações públicas instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às sociedades de economia mista, esvaziando, assim, parte do seu conteúdo.
Além disso, foi publicada a Medida Provisória n.º 305, de 2006, convertida na Lei n.º 11.358, de 19 de outubro de 2006, que criou o subsídio dos cargos da carreira da Advocacia-Geral da União, conforme relatado no item 42, a, desta manifestação.
Por derradeiro, mas não menos importante, assinale-se, a título de informação, que os membros de boa parte das Procuradorias dos estados14 e dos municípios recebem honorários de sucumbência.
Por todo o exposto, sugere-se, com fundamento no art. 4º, X, da Lei Complementar n.º 73/93, que o Parecer GQ – 24 seja revisado pela Advocacia-Geral da União.
Conclusão
Ao término dessa exposição, torna-se possível sintetizar algumas das suas proposições mais importantes:
- as atribuições de assessoramento jurídico ao Poder Executivo Federal são exclusivas da Advocacia-Geral da União. Ainda que as consultas tenham por objeto causas de interesse afetas à própria Instituição, seus membros não poderão se eximir de examiná-las, sob o fundamento de eventual suspeição ou impedimento;
- Os honorários advocatícios de sucumbência são compatíveis com regime de subsídio;
- A Lei n.º 8.906/94 confere aos membros da Advocacia-Geral da União o direito aos honorários de sucumbência;
- Todavia, o Parecer GQ – 24, aprovado pelo Presidente da República, adota entendimento diametralmente oposto, no sentido de que os arts. 22 a 25 da Lei n.º 8.906/94 não se aplicam às carreiras da Advocacia-Geral da União, haja vista que a matéria deveria ser tratada em “lei própria”, em observância ao disposto no parágrafo único do art. 26 da lei Complementar n.º 73/93;
- A fundamentação utilizada no referido Parecer, s.m.j., dificulta a defesa da constitucionalidade de leis que versam sobre matérias de considerável importância para Instituição. Assim sendo e levando-se em consideração o advento de novas normas sobre a matéria, assim com os questionamentos e informações mencionados alhures, recomenda-se, com fundamento no art. 4, X, da Lei Complementar n.º 73/93, a sua revisão.
Referências bibliográficas.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
CAHALI, Yussef Said. Direito Autônomo do Advogado aos Honorários da Sucumbência – Repertório IOB de Jurisprudência – 1ª quinzena de outubro de 1994 – nº 19/94.
MORAES, Guilherme Peña de. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 16ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2003.
RIGOLIN, Ivan Barbosa. Honorários Advocatícios e Pode Público. Boletim de Direito Administrativo: BDA. São Paulo: NDJ, Ano XXII, n.º 3, março de 2006.
Guedes, Jefferson Guarús; Hauschild, Mauro Luciano (Coordenação).Nos limites da história: a construção da Advocacia-Geral da União: livro comemorativo aos 15 anos. Brasília: UNIP, UNAF, 2009.
Sítios Eletrônicos pesquisados:
http://www.stf.jus.br.
http://www.stj.jus.br.
http://www.casacivil.planalto.gov.br.
Notas
- Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008. 2ª Ed. P. 1143.
- Guilherme Peña de Moraes. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. Pág. 122/123.
- Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:
§ 3º Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.
- Direito Administrativo. São Paulo: Editora Atlas, 2003. 16ª ed. P.450.
- In BDA – Boletim de Direito Administrativo – Março/2006. P. 276.
- Art. 65 (VETADO). A lei especial objeto do art. 26 desta Lei Complementar deve disciplinar a remuneração dos integrantes dos órgãos previstos no art. 2º., dos titulares de seus cargos efetivos e de confiança, bem como a dos dirigentes, vedando-lhes a participação na arrecadação de tributos, contribuições sociais e multas, o recebimento de honorários de sucumbência e a percepção de valor pro labore.
- Passagem extraída da obra: “Nos Limites da história: a contrução da Advocacia-Geral da União: livro comemorativo aos 15 anos/ Coordenação de Jefferson Garús Guedes e Mauro Luciano Hauschild. Brasília: 2009. Pgs. 75/76.
- Art. 99. Se o advogado fizer juntar aos autos, até antes de cumprir-se o mandado de lavramento ou precatório, o seu contrato de honorários, o juiz determinará lhe sejam estes pagos diretamente, por dedução de quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este prover que já os pagou.
§ 1º Tratando-se de honorários fixados na condenação, tem o advogado direito autônomo para executar a sentença nessa parte podendo requerer que o precatório, quando este for necessário, seja, expedido em seu favor.
§ 2º Salvo aquiescência do advogado, o acordo feito pelo seu cliente e a parte contrária não lhe prejudica os honorários, quer os convencionais, quer os concedidos pela sentença.
- Art. 20 A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Essa verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.
- Direito Autônomo do Advogado aos Honorários da Sucumbência – Repertório IOB de Jurisprudência – 1ª quinzena de outubro de 1994 – nº 19/94, pp. 376/378.
- Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
- Uadi Lammêgo Bulos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Editora Saraiva, 2008. 2ª Edição. P. 335.
- 13 Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participaram do processo:
Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado.”
No exame da referida ADI, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade de votos, julgou procedente o pedido formulado na inicial da ação para, sem redução de texto, emprestar à expressão “ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB”, interpretação conforme a carta, a abranger advogados do setor privado e do setor público.
- É o caso dos estados do Espírito Santo, de São Paulo e Minas Gerais. Poderia estender a lista, mas para não tornar a leitura cansativa, limito-me a tais exemplos.
Autor
Paulo Fernando Feijó Torres Junior
Advogado da União em Brasília (DF).
NBR 6023:2002 ABNT: JUNIOR, Paulo Fernando Feijó Torres. Titularidade dos membros da Advocacia-Geral da União aos honorários advocatícios de sucumbência. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3106, 2 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20765>. Acesso em: 16 jan. 2012.