Quanto Custa o Brasil pra Você? Veja a segunda parte do artigo – SINPROFAZ

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25 mar, 2011

Quanto Custa o Brasil pra Você? Veja a segunda parte do artigo


Quanto Custa o Brasil pra Você? (Parte II – Reforma Tributária)

Aldemario Araujo Castro
Ex-Presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional – SINPROFAZ

Brasília, 24 de março de 2011

Na primeira parte deste escrito foram apresentadas as seguintes constatações: a) é possível afirmar que o Brasil (suas instituições políticas e seus gastos), numa ótica tributária, custa cerca de 1/3 (um terço) da riqueza produzida anualmente por sua sociedade e b) o Brasil, no mesmo viés anterior, custou (ou custa) cerca de R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais) por ano ou R$ 460,00 (quatrocentos e sessenta reais) por mês para cada um dos seus habitantes.

Destacou-se, também, que as médias referidas escondem a profunda injustiça fiscal presente no sistema tributário brasileiro atual. Com efeito, os vários agentes e setores atuantes na economia brasileira experimentam efetivamente cargas tributárias extremamente díspares. Observa-se, inclusive, a presença de importantes benefícios (ou privilégios) tributários socialmente inaceitáveis.

Impõe-se, nesta sede, apontar, ainda que sumariamente: a) os principais traços caracterizadores da tributação no Brasil e b) as principais diretrizes a serem observadas num processo de superação das mazelas identificadas (movimento amplamente conhecido como Reforma Tributária).

São dois os principais defeitos da tributação no Brasil na atual quadra histórica: a) complexidade excessiva do Sistema Tributário e b) injustiça da estrutura tributária existente, notadamente em função de definições presentes na legislação infraconstitucional.

A complexidade excessiva decorre dos seguintes fatores principais: a) quantidade de diplomas jurídico-tributários em vigor (alguns milhões!!!); b) frequentes mudanças nessa extensa legislação, notadamente com uma perversa alternância de critérios adotados; c) instituição irracional de obrigações acessórias; d) proliferação de exigências tributárias com regramentos diferenciados e e) opções normativas que brigam com a realidade social e com a capacidade da Administração Tributária de lidar razoavelmente com tais definições.

Importa destacar, e esse registro é crucial, que a crítica formulada atinge a complexidade excessiva. Afinal, numa sociedade complexa, onde a atividade econômica experimenta as mais variadas formas de manifestação em acelerada mutação, não é viável um sistema tributário simples. Esse, a rigor, no contexto apontado, seria simplista ou simplório (a corrupção ou deturpação da simplicidade). Ademais, a simplificação exagerada, além do ponto ou limite adequado, descamba para a injustiça do sistema que não consegue flagrar as manifestações de riquezas a serem adequadamente tributadas.

O outro (e mais importante) defeito da tributação no Brasil, na atual quadra histórica, consiste na profunda injustiça observada na estruturação do sistema. Nessa perspectiva, afaste-se, de logo, porque não possui a extrema relevância pretendida por muitos, a motivação básica das mais recentes propostas de Reforma Tributária voltadas para redesenhar a repartição das receitas tributárias entre os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Por conta dessa visão particular e equivocada, a Reforma Tributária tem sido sinônimo de reforma no texto constitucional, justamente a sede normativa do desenho federativo das imposições tributárias e suas destinações estatais. Afirme-se, e reafirme-se, contra incompreensões e interesses inconfessáveis: o “teatro de operações” de uma reforma tributária voltada para o combate à injustiça do sistema reside, fundamentalmente, na legislação infraconstitucional.

Com efeito, a extensa e multifacetada legislação tributária infraconstitucional em vigor no Brasil viabiliza ou promove: a) uma fortíssima pressão sobre o consumo (e o trabalho, por extensão), aliviando outras bases econômicas (como a propriedade e a renda) e b) inúmeros e perversos benefícios (ou privilégios) fiscais socialmente inaceitáveis.

Segundo dados da Receita Federal do Brasil (http://www.receita.fazenda.gov.br) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE (http://www.ocde.org), a tributação da base de incidência consumo no Brasil alcança a casa dos 50% da arrecadação total contra: a) 16,2% nos EUA; b) 18,8% no Japão; c) 27,4% na Alemanha; d) 32,6% no Reino Unido; e) 26,6% na França; f) 27,4% na Itália e g) 29,4% na Espanha. Constata-se, ademais, que os segmentos mais onerados pela tributação no Brasil são o consumidor e o trabalhador. Em outras palavras, da sociedade como um todo, as classes médias e populares e os trabalhadores arcam com a maior parte do ônus fiscal. Ademais, a excessiva tributação sobre o consumo implica em significativa oneração do produto, redução da demanda, restrição à produção, redução da oferta de empregos e prejuízo ao crescimento econômico. Segundo vários estudos, a tributação incidente sobre os salários (renda decorrente do trabalho) também atinge patamares alarmantes. Incluindo consumo e renda (impostos e contribuições previdenciárias), a pressão fiscal chega a quase 49% da remuneração justamente daqueles localizados nas mais baixas faixas de renda familiar, conforme dados do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – SINDIFISCO NACIONAL (http://www.unafisco.org.br).

Se não bastasse a tributação mais generosa da renda decorrente do capital e do patrimônio, em relação ao consumo e a renda decorrente do trabalho, identificam-se uma série de benefícios ou favores fiscais dirigidos justamente para aqueles agentes ou segmentos econômicos com maior capacidade de contribuir para o financiamento dos gastos públicos. Eis, sem pretensão de esgotar o tema, alguns desses expedientes escusos: a) os juros sobre o capital próprio. Por essa via, a remuneração do capital do proprietário, nas suas várias formas jurídicas, tradicionalmente realizada como lucros e dividendos, pode ser feita como juros, reduzindo o imposto de renda. Ademais, o rendimento percebido a esse título pelo sócio ou acionista será tributado exclusivamente na fonte com a alíquota de 15%, revelando-se, assim, um tratamento profundamente injusto quando comparado aos rendimentos provenientes do trabalho. Alerte-se que esse mecanismo fiscal, introduzido pelo governo Fernando Henrique Cardoso, não possui similar em nenhum outro país; b) a isenção da distribuição de lucros e dividendos e da remessa de lucros para o exterior. Não há tributação dessas rendas na fonte ou na declaração anual de ajuste. Em torno desse assunto existe uma flagrante demonstração de tratamento tributário diferenciado para segmentos sociais distintos. Com efeito, a distribuição de lucros e resultados da empresa para os trabalhadores é considerada antecipação do imposto de renda devido na declaração da pessoa física, portanto, sujeita à tabela progressiva do imposto de renda; c) a tributação exclusiva na fonte sobre os ganhos e rendimentos de capital. Nessa modalidade de operacionalização da tributação, o tributo é retido, em caráter definitivo, pela fonte pagadora. Essa, por sua vez, entrega ao beneficiário o valor já líquido do tributo. Nessa modalidade de tributação não se aplica a tabela progressiva do imposto e não ocorre ajuste na declaração anual do imposto. Assim, tão-somente em função do segmento econômico-social beneficiado pelo rendimento foi construído um injusto mecanismo de favorecimento fiscal e d) isenção do imposto de renda para investidores estrangeiros no âmbito do mercado financeiro.

Com base nas considerações realizadas e outras que não foram exploradas, podem ser apontadas as seguintes diretrizes para uma adequada Reforma Tributária voltada para o combate à complexidade excessiva e à injustiça do sistema:

a) superação da “lógica” de que a “sede” da Reforma Tributária é o texto constitucional;

b) superação da pretensão básica, no bojo da Reforma Tributária, de redesenhar a repartição de receitas tributárias entre os entes da Federação;

c) foco da Reforma Tributária na legislação tributária infraconstitucional (as mudanças constitucionais necessárias são pontuais e de importância secundária);

d) desenvolvimento de um processo razoável de simplificação da tributação, até o ponto que não promova injustiça fiscal, com aplicação intensa da praticidade ou praticabilidade, mecanismos de substituição tributária e tributação monofásica em níveis adequados, entre outros expedientes nessa linha;

e) criação de conselhos de política tributária com participação da sociedade civil organizada para discutir e opinar, necessariamente, acerca das principais decisões e definições da política tributária, notadamente as iniciativas voltadas para a fixação e aumento da tributação da renda decorrente do trabalho e do consumo;

f) definição de fórmulas permanentes para tratamento específico de contribuintes em dificuldades financeiras e eliminação de parcelamentos especiais periódicos;

g) profunda revisão da legislação tributária infraconstitucional para eliminação de privilégios indevidos e equalização da carga tributária sobre o consumo, a propriedade e a renda;

h) adequado aparelhamento da Administração Tributária em termos de pessoal (inclusive com carreiras de apoio específicas) e recursos materiais (incluindo modernos sistemas de informática);

i) acesso pelo Fisco aos dados de movimentações bancárias e financeiras sem entraves irrazoáveis, como a necessidade de autorização judicial prévia;

j) adequado tratamento normativo para combate às várias formas de planejamento tributário (que afetam a concorrência econômica e forçam o aumento da tributação sobre agentes econômicos mais vulneráveis);

k) desenvolvimento de programas permanentes de educação e transparência fiscais;

l) implementação do papel do Senado Federal como instância privilegiada de acompanhamento e aprimoramento do Sistema Tributário Nacional (art. 52, inciso XV da Constituição);

m) tratamento e acompanhamento adequado, por intermédio de programas especiais da Administração Tributária, dos grandes contribuintes e dos grandes devedores;

n) implementação de unidades de inteligência fiscal nos vários níveis da Administração Tributária;

o) adoção de um verdadeiro Código de Defesa do Contribuinte que explicite e defina garantias para os contribuintes e trata com o devido rigor os devedores e sonegadores ou as tentativas de burla dos deveres tributários;

p) implementação ampla e racional da técnica da não-cumulatividade nas exações tributárias, notadamente àquelas vinculadas ao consumo de bens e serviços.

Concluem-se essas rápidas considerações sobre tema tão amplo e espinhoso acentuando que a questão tributária é uma das mais relevantes no longo e difícil processo de realização dos objetivos fundamentais da sociedade brasileira (construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos – art. 3o. da Constituição). Com efeito, o sistema tributário deve ser um dos instrumentos utilizados para a aproximação contínua daqueles fins magnos, justamente retirando parte da riqueza daqueles que podem mais e reduzindo o peso tributário dos que podem menos.



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