Depois de anos de protelação e sigilo, sem debater democraticamente com as Carreiras da Advocacia-Geral da União, o governo federal enviou ao Congresso Nacional o projeto de lei complementar, PLP nº 205/2012, que altera a Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União.
A nova Lei Orgânica da AGU deveria resguardar as atribuições Constitucionais da Advocacia Pública Federal, precipuamente de Função Essencial à Justiça, órgão técnico responsável pelo controle de legalidade e constitucionalidade dos atos administrativos, pela prestação de consultoria ao Estado e pela defesa do patrimônio público.
Todavia, a primeira excrescência do PLP nº 205/2012 aparece logo no artigo 2º-A, que infringe o princípio constitucional do concurso público, transformando em “membros da Advocacia-Geral da União” os meros detentores de cargos de natureza especial e em comissão de conteúdo eminentemente jurídico.
Noutras palavras, a aprovação desse dispositivo propicia a nomeação de alienígenas sem qualquer vínculo com a Advocacia-Geral da União para ocuparem altos cargos de chefia à revelia da Constituição Federal e dos princípios da moralidade, da impessoalidade e do concurso público.
Essa aberração jurídica representa um atentado ao Estado Democrático de Direito, extirpado pela Constituição Federal de 1988, quando eliminou do convívio da Advocacia-Geral da União e do serviço público o compadrio e o clientelismo, que envolviam as nomeações políticas sem critérios técnicos e sem o filtro da isonomia de oportunidades e eficiência administrativa resguardada pelo concurso público.
No mesmo sentido, o projeto de lei abre as portas para a advocacia sem compromisso com o Estado, ao permitir que estranhos à Advocacia Pública Federal ocupem os cargos de Consultor Jurídico dos Ministérios, conforme prevê o art. 58 do projeto.
Acaso esse anacronismo adicional sobreviva, perde a Sociedade brasileira, a qual espera da AGU uma advocacia de Estado, e ganham os oportunistas de ocasião.
A advocacia de Estado, garantida Constitucionalmente, que a lei orgânica deveria fortalecer, é solapada reiteradas vezes nesse projeto de lei, que mais parece uma consolidação de poderes na pessoa do Advogado-Geral da União, em detrimento de uma desejada ordenação das prerrogativas e dos deveres da Advocacia-Geral da União.
A hierarquização prevista na proposta viola a discricionariedade técnica do advogado, resguardada pela Constituição e pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, tornando meramente formal e engessada a atuação dos Advogados Públicos Federais, que têm compromisso inarredável com o Estado brasileiro, e não precisam de autorização do governante de plantão para dizer sobre a juridicidade no âmbito da Administração Pública.
Num Estado de Direito, a Constituição Federal e as Leis aprovadas pelo Poder Legislativo informam primaria e soberanamente a atuação dos Advogados Públicos Federais. Por óbvio, tudo que não colidir com a Lei pode ser contemplado nos pareceres da AGU.
Confirmando as críticas externadas, o artigo 4º, XXII do projeto de lei concede ao Advogado-Geral da União o poder de suspender, com prazo determinado, a exigibilidade de créditos tributários e não tributários e a inscrição em cadastros restritivos da Administração Federal no curso do processo de conciliação.
Esse dispositivo de natureza eminentemente tributária é subliminarmente plantado numa lei orgânica da Advocacia Pública Federal, sem qualquer relação com o objeto legislativo, criando uma situação esdrúxula de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, a qual não guarda coerência com as hipóteses previstas no artigo 151 do Código Tributário Nacional e sem qualquer salvaguarda em relação à prescrição tributaria, mas dá margem ao subjetivismo, que pode ser utilizado como instrumento político nefasto, em detrimento dos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade.
No país dos casuísmos, que pretendemos avidamente superar, esse anacrônico dispositivo abriria as portas para favorecimentos políticos subalternos e constrangimentos a contribuintes idôneos, que poderiam ser tratados de forma desigual e, portanto, inconstitucional.
Em apertada síntese, esses são apenas alguns aspectos a serem combatidos no PLP nº 205/2012, os quais precisam ser enfrentados no Congresso Nacional.
Porém, desde já, fica evidenciada a tendência contida no projeto de lei de esvaziamento do espaço público na Advocacia-Geral da União, notadamente em face do desproporcional alargamento da discricionariedade e do subjetivismo conferidos às competências do Advogado-Geral da União, em afronta evidente aos caros princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade públicas.
Os Advogados Públicos Federais irão ao Congresso Nacional com o propósito construtivo e democrático, a fim de contribuirmos com o Legislador no aprimoramento necessário do PLP nº 205/2012, tendo o interesse público e os princípios constitucionais da Administração Pública como seus guias permanentes e inafastáveis.
Esse é o momento para consolidação e afirmação da Advocacia Pública Federal, garantindo prerrogativas necessárias ao cumprimento do seu dever mediato de defesa da Justiça, insculpido quando o Legislador Constituinte a inseriu em um Capítulo à parte do Poder Executivo, Função Essencial à Justiça, cuja defesa do Estado está atrelada aos preceitos Constitucionais e legais.
SINPROFAZ – SINDICATO NACIONAL DOS PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL