Dúvidas não faltarão e a queda-de-braço será intensa. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, prometeu ao presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), que está à disposição dos líderes, mas sua tarefa é ingrata.
Desde 2000, com o programa de parcelamento de dívidas conhecido por Refis, o Congresso vem tomando direção contrária e sendo tolerante com os inadimplentes. Depois do Refis, deputados e senadores ainda autorizaram dois grandes refinanciamentos: o Paes, em 2003, e o Paex, em 2006.
Em 2005, o governo decidiu que a Receita Federal tinha de absorver as atribuições da Secretaria da Receita Previdenciária e, por meio da MP 258, submeteu a idéia aos parlamentares. Acabou derrotado pelos senadores da oposição que se recusaram a apreciar o mérito da proposta no prazo legal. A confusão demorou mais de um ano para ser resolvida, com a aprovação de um projeto de lei.
São fartos os sinais das dificuldades políticas que o governo vai enfrentar no Congresso se quiser apertar o cerco aos devedores, mas o procurador-geral da Fazenda Nacional, Luís Inácio Lucena Adams, defende que o país precisa de uma nova lei de cobrança de tributos que dê mais poder ao governo para, entre outras mudanças, penhorar bens dos inadimplentes. “O devedor tem de saber que, perdendo disputa judicial ou protelando pagamentos, vai sofrer as conseqüências”, avisa. Segundo levantamento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), 80% da dívida ativa, estimada em R$ 1,3 trilhão, está concentrada em apenas 12 mil contribuintes.
Adams também argumenta que o Brasil é uma espécie de “exceção” no conjunto de países desenvolvidos que já adotaram, há muito tempo, a penhora administrativa. Ele cita, entre outros, Espanha, Portugal, Alemanha, Estados Unidos e Argentina. Ressalta que, na Espanha, em alguns casos, a lei não permite aos devedores recorrer ao Judiciário. Para o procurador, apesar de polêmica no Brasil, a penhora administrativa vai garantir rapidez e efetividade para o processo de execução fiscal. “No Brasil, ela é necessária também porque o tempo do juiz é diferente do tempo da cobrança. O juiz tem como missão resolver conflitos, não cobrar dívidas tributárias”, admite.
O constrangimento enfrentado pelo devedor quando tem bens penhorados pelas autoridades tributárias é, na visão do procurador-geral, permitido pela Constituição e, além disso, compreendido pela sociedade. Outras medidas semelhantes do setor privado, segundo ele, já são aceitas há muito tempo, tais como a inscrição do nome do devedor em listas da Serasa e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC).
Adams também afirma que a pretendida mudança na execução fiscal tem o mesmo espírito da nova lei de execução de título extrajudicial – letra de câmbio, nota promissória, duplicata, debênture e cheque – que aperfeiçoou e simplificou, a partir de 2007, parte do Código de Processo Civil. Essa evolução permite que o credor leve ao cartório de registro de imóveis ou ao Detran uma cópia do pedido que levou à Justiça. É o primeiro passo para configurar fraude à execução, porque se o devedor procurar vender um bem para evitar penhoras, será responsabilizado.
Na avaliação do procurador, se as mudanças forem aprovadas, será bastante aperfeiçoada a relação entre fisco e contribuintes, mas elas não vão acabar com as recorrentes demandas do Congresso por parcelamentos especiais, como o Refis. Essas leis, acredita, decorrem de “ondas” específicas, como, por exemplo, as do crédito rural, do Simples, das dívidas de clubes de futebol e as das entidades filantrópicas, entre outras.
Se o governo quer mais poder para os procuradores da Fazenda Nacional penhorarem bens dos devedores, por outro lado, também pretende mudar a lei para poder negociar com os que, de boa-fé, provarem que não têm dinheiro para suportar uma cobrança de tributos que pode se prolongar por quase 20 anos. Nesse sentido, um dos projetos estabelece a transação em matéria tributária. Mantega já disse que, para o governo, não interessa ter R$ 1,3 trilhão inscrito na dívida ativa se a maior parte desse bolo jamais vai entrar nos cofres federais.
Adams avalia que uma autorização da lei para negociar com devedores não é prêmio para inadimplentes. Ele reconhece que muitos dos conflitos tributários são criados por demandas judiciais que se arrastam por muito tempo. O banco de dados da PGFN mostra que 70% da dívida ativa correspondem a multas, juros e correção monetária. Portanto, defende que a maior rapidez na execução fiscal, antecipando medidas que atualmente dependem de ordem judicial, é vantagem para todos.
Outra medida prevista pelo pacote do governo, positiva para os devedores, é a unificação dos procedimentos da Receita e da PGFN nos reparcelamentos. Atualmente, a Receita não admite que um contribuinte que deixou de pagar as parcelas de tributos em atraso volte a algum programa de refinanciamento. Mas isso é admitido pela PGFN, sob algumas condições. O projeto prevê que ambas as instituições deverão aceitar pedidos de reparcelamento.
Os números do estoque da dívida ativa da PGFN revelam o colapso do atual sistema. Do total de R$ 1,3 trilhão, R$ 624 bilhões estão inscritos. Em 2007, somente R$ 3 bilhões foram recuperados em cobranças judiciais e R$ 10 bilhões foram depositados em juízo. Pouco mais de 3 mil procuradores, em todo o país, têm de cuidar de 11,6 milhões de processos.
Judiciário mantém queda no número de ações
Fernando Teixeira, de Brasília
26/08/2008
Segundo dados preliminares do levantamento “Justiça em números”, preparado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a média de aumento de número de processos levados ao Poder Judiciário do país entre 2004 e 2007 foi de 9,6%. O número de sentenças vêm crescendo a uma taxa de 12%, o que significa uma queda no volume de ações em trâmite na Justiça. Os dados completos da pesquisa deverão ser divulgados apenas em outubro.
Ainda de acordo com os resultados preliminares do balanço, apresentados pelo conselheiro Mairan Maia, da comissão de estatística do CNJ, na Justiça do Trabalho houve um aumento de 20% de novos casos entre 2006 e 2007. Também na Justiça Federal houve acréscimo de 15% no número de ações ajuizadas em 2007.
O “Justiça em números” de 2007 será uma das últimas estatísticas feitas no modelo atual, que depende da prestação de informações pelos tribunais locais, demora quase um ano para ser concluído e tem um volume de informações limitado. Em 2008, haverá alguns dados novos no balanço, e a partir de 2009, o plano do CNJ é instalar um sistema totalmente novo, alimentado diariamente pela Justiça local e com um volume muito maior de dados. O sistema informatizado poderá ser acessado diretamente pelo conselho e seguirá o formato criado pelas novas tabelas unificadas do Judiciário, que deverão ser adotadas nos tribunais a partir de 30 de setembro.
O estudo referente ao ano de 2006 – apresentado apenas no início deste ano – já havia identificado uma tendência de queda no volume de processos em trâmite na Justiça. O número total de processos, somados os novos e antigos, passou de 67 milhões em 2005 para 60 milhões em 2006. A maior parte da queda foi atribuída especialmente ao fim da disputa em torno do Índice de Reajuste do Salário Mínimo (IRSM), litígio envolvendo a correção de benefícios do INSS que levou mais de um milhão de processos à Justiça Federal apenas em São Paulo, custou R$ 12 bilhões à Previdência Social e teve seu auge no fim de 2003. Entre 2003 e 2006 o número de casos pendentes na primeira instância da Justiça Federal caiu de 3,6 milhões para 1,6 milhão. Nos juizados especiais federais, a queda foi de 1,9 milhão para 844 mil entre 2005 e 2006. Em 2006, pela primeira vez, os juizados federais proferiram mais sentenças do que receberam processos: foram 1,26 milhão de decisões contra 1,14 milhão de novos casos.