Impressões do “Seminário Internacional sobre Justiça Fiscal” – SINPROFAZ

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19 ago, 2011

Impressões do “Seminário Internacional sobre Justiça Fiscal”


Autor: Heráclio Mendes de Camargo Neto, Procurador da Fazenda Nacional, Mestre em Direito pela Universidade de Sheffield, Inglaterra e Diretor de Assuntos Profissionais e Estudos Técnicos do SINPROFAZ

Introdução

 

A Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE) e o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) realizaram o “Seminário Internacional sobre Justiça Fiscal”, em Brasília, no dia 10 de agosto de 2011. O ministro-chefe da SAE, Moreira Franco, inaugurou o Seminário condenando o caráter regressivo do sistema tributário brasileiro, que consome 48% (quarenta e oito por cento) da renda dos mais pobres, que ganham até 02 (dois) salários-mínimos. Aqueles que ganham acima de 30 (trinta) salários-mínimos pagam carga tributária de 26% (vinte e seis por cento), segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em 2007.

A Taxa SELIC e a Dívida Pública Interna no Brasil

No Seminário, o presidente do Banco Central do Brasil, Alexandre Tombini, disse que os juros altos são necessários para combater a inflação. Disse que a inflação é um “imposto” regressivo. Aduziu que a inflação brasileira é conseqüência da forte elevação do preço das commodities, concentração de preços administrados, chuvas na região sudeste e aumento de preços de alimentos.

Ressaltou ainda a preocupante relação Dívida/PIB nalguns paises europeus, notadamente na Grécia: 105%; Irlanda: 114% e Itália: 120%.

Contudo, pode-se questionar a política de combate à inflação com juros altos, tendo em vista que o preço de commoditiesnão é sensível ao aumento de juros no Brasil. Tampouco os preços administrados vão cair com o aumento da SELIC, porque vinculados a contratos indexados pelo IGPM, que, por sua vez, é atrelado ao preço das referidas commodities. Da mesma forma, fatores sazonais, como as chuvas na região sudeste, não precisam ser combatidos com elevação da taxa SELIC, porque voltam aos patamares anteriores ciclicamente.

Além do mais, os juros para o consumidor não estão atrelados à variação na taxa SELIC, porque são igualmente estratosféricos, esteja ela em 8% ou 12,50% ao ano.

Senão vejamos: taxa de juros do cheque especial na Caixa Econômica Federal: 160% ao ano. Cheque especial no Banco do Brasil: 175% ao ano. Cheque especial no Banco Santander: 219% ao ano.

A diferença da taxa SELIC, que possui impacto público, para a taxa do cheque especial, que tem impacto privado, reside no fato que cada 0,25% de aumento da taxa SELIC equivale a uma despesa adicional de cerca de R$4.500.000.000,00 (Quatro bilhões e quinhentos milhões de reais) ao ano, porque incide sobre um principal vultoso.

Portanto, fica difícil coonestar os argumentos lançados pelo presidente do Banco Central do Brasil, que não pôde assistir às demais palestras do Seminário, tampouco teve a oportunidade de responder perguntas ou debater com os demais presentes.

Demais disso, a efetiva relação Dívida/PIB no Brasil é de 160%, conforme demonstrou no Seminário o empresário Jorge Gerdau. O empresário explicou que a relação Dívida/PIB no Brasil é ilusória, porque os juros reais aqui são quatro vezes maiores do que a média dos juros reais em outros países. Portanto, no Brasil, uma relação Dívida/PIB de 40%, na prática, significa 160% – índice insustentável do ponto de vista econômico-financeiro em qualquer país, como bem ressaltara o presidente do Banco Central do Brasil ao falar de Grécia, Irlanda e Itália.

De fato, a sangria causada pelo pagamento de juros e amortizações, em detrimento de recursos para políticas públicas como saneamento, educação e saúde públicas foi desastrosa para o orçamento federal em 2010 e, sem uma inflexão na política de juros, 2011 promete ser pior:


ORÇAMENTO GERAL DA UNIÃO – 2010 – Total: R$ 1,414 TRILHÃO

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Fonte: SIAFI – Banco de Dados Access p/ download (execução do Orçamento da União) – Disponível em http://www.camara.gov.br/internet/orcament/bd/exe2010mdb.EXE. Elaboração: Auditoria Cidadã da Dívida


G10 da desigualdade social

No seminário, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique, questionou a composição do grupo pesquisado para confecção do boletim FOCUS do Banco Central do Brasil, que baliza a decisão deste sobre a taxa SELIC, porque os redatores do referido boletim nunca perguntaram qual é a expectativa da CUT para o cenário da taxa de juros, apesar de a central sindical possuir 7 (sete) milhões de associados das mais diferentes categorias profissionais.

Artur Henrique lembrou ainda que o Brasil ocupa o vergonhoso G10 da desigualdade social no mundo, na companhia de países como Serra Leoa, Botsuana, Lesoto e Guatemala. Lembrou que a hora trabalhada com carteira assinada no Brasil custa US$6,93 e na Alemanha, US$36. Defendeu, ainda, a CPMF com uma alíquota simbólica para o controle de fluxo de capitais.

O economista Márcio Pochmann, Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), disse no Seminário que faz parte da tradição de países subdesenvolvidos a regressividade na tributação, enquanto a tradição dos países desenvolvidos contempla forte progressividade tributária.

Pochmann ressaltou o que sofisticado sistema tributário brasileiro é assentado nos mais pobres. Isso se coaduna com a facilidade de os mais ricos utilizarem o sistema tributário a seu favor. Reconheceu certa progressividade nos gastos sociais com programas compensatórios. Esclareceu que os paises desenvolvidos tributam grandes fortunas.

Lamentou: o imposto territorial rural (ITR) não tem sido utilizado para incentivar a maior produtividade no campo e para combater o latifúndio improdutivo. Ainda lembrou que o IPTU é regressivo em muitas cidades.

José Antonio Moroni, conselheiro do CDES e membro do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)pediu uma estrutura tributária simples, justa e progressiva.

Considera que o Brasil caminha no sentido contrário ao da Justiça Fiscal. Esclareceu que 34,4% do PIB são pagos em tributos, mas apenas 10% do PIB retornam em políticas e serviços públicos.

Portanto, o retorno social é baixo em relação à carga tributaria e a sociedade não tem informação sobre os tributos indiretos.

Propôs a instituição do “sonegômetro” e criticou a leniência do Brasil para com os paraísos fiscais.

Os Paraísos fiscais

James S. Henry, economista por Harvard, especialista em cidadania tributária, consultor e diretor do Grupo Sag Harbor, disse que há entre 20 e 25 trilhões de dólares americanos em bancos situados em paraísos fiscais.

Assinalou que somente os maiores bancos do mundo possuem o equivalente a 12 trilhões de dólares americanos em paraísos fiscais. Disse que, ao longo dos anos, o Citibank recebeu em juros do México muito mais do que emprestara.

Aduziu que o sistema financeiro nos Estados Unidos da América gasta US$3.000,00 (Três mil dólares americanos) per capita por dia para fazer lobby sobre cada um dos parlamentares americanos.

Heather Lowe, diretora de negócios governamentais da Global Financial Integrity, disse que 50% (cinqüenta por cento) da economia global opera no mercado paralelo. Disse que, na Índia, os muros dos sonegadores são pichados pelo governo, a fim de que a população local saiba quem são os parasitas do bairro.

Lowe denunciou o fluxo ilegal de capitais do Brasil para o exterior. Divulgou uma idéia nova do International Price Profiling System (IPPS), sistema criado por John Zdanowicz para controlar os preços unitários de qualquer produto num banco de dados a serviço da fiscalização tributária nas alfândegas. Esse sistema minimiza a possibilidade de superfaturamento ou subfaturamento nas importações e exportações, subterfúgios largamente utilizados para evasão de divisas e sonegação fiscal.

O presidente da CUT, Artur Henrique, propôs o fim dos paraísos fiscais e maior controle do fluxo de capitais.

Márcio Pochmann destacou a ausência de tributação do dinheiro em paraísos fiscais, sendo certo que o Banco Central do Brasil contabilizou 220 bilhões de reais enviados em 2009 do Brasil para paraísos fiscais.

Entretanto, no Brasil, parece que o combate à atuação dos paraísos fiscais pára no discurso fácil, porque a Receita Federal do Brasil, com anuência do governo federal,  através de mera instrução normativa, continua fornecendo inscrição no CNPJ para que “empresas de fachada”, constituídas em notórios paraísos fiscais, participem da economia real brasileira, ensejando a sonegação de tributos e o cometimento de outros crimes, mas sem deixarem “rastros”.


“A Revolução da Conta de Luz”

O conselheiro Antoninho Marmo Trevisan comentou que deveríamos ter transparência na divulgação da carga tributária, conforme documento produzido pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), página 42, artigo 150, parágrafo 5º. Disse que comentou isso com uma autoridade, notadamente em relação ao cálculo do imposto sobre energia elétrica, que é realizado por dentro, transformando tributação de 25% em 33%. A autoridade reagiu: se divulgarmos o percentual efetivo de tributação nas contas de luz, haverá uma revolução. De qualquer forma, Trevisan criticou essa ausência de transparência no sistema tributário e nos gastos públicos.

Nesse sentido, no Seminário, houve o encaminhamento de um dos conselheiros do CDES para a realização de uma Conferência Popular sobre a questão fiscal, notadamente para discutir o (des)cumprimento do artigo 192 da Constituição Federal, que prevê: “o sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.”.


O Estado como Promotor da Desigualdade

No Seminário, Naomar de Almeida Filho, conselheiro do CDES e professor e ex-reitor da Universidade Federal da Bahia/UFBA,ensinou que o mito da alta carga tributária brasileira sustenta-se apenas em relação aos mais pobres, porque o sistema é baseado em tributos indiretos e possui caráter regressivo, conforme demonstram os estudos do IPEA. O Estado não cumpre sua função e persistem as desigualdades.

No Brasil, o Estado é promotor da desigualdade, porque várias políticas públicas possuem efeitos perversos. Nesse sentido, a minoria da população obtém incentivos fiscais, através de deduções de gastos com saúde e educação privadas no Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF).

Como exemplo, citou o subfinanciamento histórico da saúde pública, em oposição à renúncia fiscal para o setor de saúde privada, dedutível no IRPF, no qual poucos declaram, e que ainda conta com subsídios do SUS para procedimentos da alta complexidade.

Na educação, a minoria da população domina os incentivos fiscais através de deduções no IRPF. Enquanto isso, a maioria da população, que não declara IRPF, arca com a renúncia fiscal em favor da minoria, sob filtros supostamente meritocráticos. Assim, no Brasil, os mais pobres pagam pela educação superior de pior qualidade. E, após a graduação, possuem empregabilidade e renda menores. Assim, reproduz-se uma situação de desigualdade social.

Dessa forma, os mais pobres financiam a educação dos mais ricos, que chegam mais novos e tem renúncia fiscal até os 24 de idade, enquanto aqueles chegam mais velhos à universidade. Universidade privada.


Políticas Regionais com Visão Nacional

Clélio Campolina Diniz, conselheiro do CDES e Reitor da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, apresentou a interessante idéia de um país policêntrico. Destacou a dimensão e a coesão territorial brassileiras, a fim de formularmos politica econômica e social para um projeto de nação, que tenha por objetivo a redução das desigualdades, o ordenamento do território ante o desequilíbrio regional, mas com visão nacional, através da expansão de submetrópolis, tendo em vista a existência de subrregiões com tipologias especificas.


A Melhor Definição de Sistema Tributário

O empresário Jorge Gerdau ensinou o que muitos tributaristas passam uma vida acadêmica inteira sem citar: o sistema tributário de um pais deve ser a ferramenta essencial para o seu gerenciamento, a fim de ensejar o desenvolvimento econômico e social.

No Brasil, em vez de fomentar o desenvolvimento, o sistema tributário atrapalha o crescimento econômico e social.

Gerdau explicou ainda que os juros altos cristalizam o maior fator de “despoupança” (leia-se: falta de investimentos) no Brasil. Assinalou que o país poupa apenas 8,5% do PIB, enquanto o índice desejável seria de 25% de poupança sobre o PIB.

Sintetizou “poupança”: poupança significa um agricultor dirigindo um trator, em vez de um agricultor carregando uma enxada.


Da Irresponsabilidade Fiscal Brasileira

Durante o Seminário, concluiu-se pela insustentabilidade da atual política fiscal brasileira. Rodrigo Loures – Conselheiro do CDES e Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná –  FIEPR definiu-a como o  “pior sistema fiscal do planeta”.

Assim, como podemos falar em responsabilidade fiscal com déficits nominais reiterados ao longo dos últimos governos, quando computada a conta de juros, que é a maior fonte de gastos do governo brasileiro, tendo atingido 44% do orçamento federal em 2010?

Muito simples: no Brasil, batizamos como “Lei de Responsabilidade Fiscal” uma lei que não computa a conta de juros e amortizações para aferir a falaciosa responsabilidade fiscal dos governantes.

Dessa forma, o atendimento da curiosa lei, cujo nome propositalmente não traduz a sua essência, não reduz a dívida pública, mas serve para contingenciar recursos vultosos para pagar apenas parte dos juros da monumental divida interna de 1,1 Trilhão de Dólares Americanos, que cresce sem parar. Assim, consegue-se encaixar a palavra superávit, num cenário econômico-financeiro em que superávit efetivamente não existe.

Da Falta de Investimentos nos Serviços Públicos

Estudo elaborado pela Auditoria Cidadã da Dívida, a pedido da Coordenação Nacional das Entidades dos Servidores Federais (CNESF), comprova que, nos últimos 16 anos, os gastos do governo com servidores públicos caiu 23% (Vinte e três por cento), enquanto os gastos com juros e amortizações da dívida não param de crescer. De fato, em 2010 juros e amortizações consumiram 635 bilhões de reais contra 167 bilhões gastos com os servidores públicos, que garantem a prestação dos serviços públicos à população.

Portanto, a cantilena enfadonha e falaciosa contra os servidores públicos deve ser combatida com números, que demonstram onde está o gargalo da premente questão fiscal no Brasil.


Conclusão

Podemos concluir que a crise fiscal no Brasil reproduz o que se vê no âmbito internacional e deriva notadamente da promiscuidade na relação entre o setor público e o setor financeiro privado, em detrimento do interesse do restante da população. Exemplo dessa crise fiscal mundial é o feito histórico de o Brasil erigir a atual dívida pública interna ao equivalente a US$1.100.000.000,00 (Hum trilhão e cem bilhões de dólares americanos) sem que qualquer contrapartida social palpável tenha sido financiada com esse dinheiro.Notadamente, porque a dívida interna brasileira cresceu para pagar juros sobre juros, a partir dos governos economicamente conservadores que se instalaram no Brasil, desde 1995, e que caminham a reboque de políticas monetárias ortodoxas.

Por tudo isso, esses governos tiveram que contrabalançar minimamente a concentração de renda demonstrada ao longo de todo o “Seminário Internacional sobre Justiça Fiscal” com políticas compensatórias, tipo bolsa-escola e bolsa-família, derivadas de modelos neoliberais, a fim de maquiar um sistema tributário indireto e regressivo e os gastos públicos excessivos com juros e amortizações da dívida pública.

Esse quadro fiscal ajuda a perpetuar a leniência para com a sonegação fiscal e a lavagem de dinheiro, primas-irmãs da corrupção em sentido amplo, ao dificultar o financiamento da estruturação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Receita Federal do Brasil e da Polícia Federal, que poderiam combater com muito maior eficiência esses males, caso estivessem devidamente equipadas e valorizadas, a fim de promoverem efetiva segurança pública e combate à impunidade.

Sem falarmos nos milhões de contribuintes sem saneamento básico, educação pública de qualidade e saúde minimamente decente, num país rico, mas que perpetua a pobreza das vastas camadas de sua população com as políticas tributária, fiscal e econômica atuais, as quais desfilaram desnudadas no “Seminário Internacional sobre Justiça Fiscal”.

Entretanto, um governo capaz de realizar Seminário tão frutuoso pode aproveitar esse momento para inspirar-se e virar o jogo a favor de um sistema tributário mais simples, justo e progressivo, uma política monetária soberana em relação aos insondáveis “mercados” e políticas públicas com financiamento suficiente para acelerarmos o desenvolvimento econômico e social do Brasil.

O Seminário foi gravado pela NBR e deveria ser assistido por todos os gestores públicos brasileiros.



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