Artigo: Educação Fiscal com Justiça Fiscal: um simbiótico imbricamento – SINPROFAZ

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28 mar, 2011

Artigo: Educação Fiscal com Justiça Fiscal: um simbiótico imbricamento


A universalização do acesso à educação constitui um direito fundamental de segunda dimensão (direito social)[1]. Em verdade, a educação gera um benefício social que extrapola o ganho socioeconômico potencial da pessoa que se educa. Assim, sem deixar de reconhecer que há uma correlação positiva entre educação e potencial de empregabilidade e entre grau de educação e incremento do nível de renda auferida do trabalho, forçoso é render-se à evidência tautológica e empírica de que educação é, sobretudo, um bem público puro[2]. E este último aspecto da educação se faz contemplado na inteligência do Art. 214 da Constituição Federal de 1988 ao prever que a lei estabelecerá o plano nacional de educação visando, dentre outros valores, a promoção humanística, científica do país. E de fato, em obediência ao preceito constitucional, a Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional – LDB (Lei 9.394/1996) regula que a educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurando-lhe a formação comum, indispensável para o exercício da cidadania[3]. Isto implica admitir que o processo educativo deve estar direcionado a cumprir, essencialmente, uma função social[4]. E isto decorre do só fato de que a vida em sociedade demanda do ser-humano capaz o cumprimento de uma função social. A educação, no sentido lato do termo, é justamente a instrumentalidade que enseja o cumprimento da função social inerente a cada indivíduo e que o faz transfigurar-se, por sublime elevação, à condição de cidadão.

Em sendo consensual a ideia de que o fornecimento e financiamento dos bens públicos é responsabilidade do Estado, deve ser também aceito que a sociedade deve prover o Estado de meios materiais para assegurar a efetivação deste fornecimento. E o instrumento que o Estado tem para isso é o poder de tributar. Considerando que o homem é egoísta por natureza deriva-se disso a necessidade de um mecanismo que assegure a imposição e aplicação efetiva de sanções para aqueles cidadãos não cumpridores de suas obrigações para com a sociedade, tais como: a obrigação de pagar tributos e de obedecer às leis. De um sistema jurídico organizado que prevê aplicação de sanções para os casos de descumprimento das regras (princípios de justiça social) emerge os problemas do isolamento e da garantia. O problema do isolamento decorre da situação em que o resultado das decisões de muitos indivíduos tomadas isoladamente é, para todos, pior do que algum outro curso de ação, mesmo que, tomando a conduta dos outros como fatos estabelecidos, a decisão de cada pessoa seja perfeitamente racional. É a hipótese do dilema dos prisioneiros[5]. A questão neste caso resumisse a identificar essas situações e assegurar a realização do compromisso coletivo obrigatório que seria melhor do ponto de vista de todos. O problema da garantia consiste em assegurar a realização da cooperação entre as partes. É intuitivo e tautológico asseverar que a disposição de cada um em cooperar depende da contribuição dos outros. Surge daí a necessidade de existência de penas e sanções a serem aplicadas àqueles que não cooperarem. Entretanto, a existência de penas e sanções, embora sendo condição necessária, não é de suficiência para garantir-se a cooperação: é preciso também haver uma autoridade ou autoridades reconhecidas pela sociedade que apliquem e assegurem a efetivação da aplicação das penas e sanções impostas aos que não cooperaram. O reconhecimento por cada integrante desta sociedade da autoridade estatal legitimamente detentora do poder político-administrativo demanda educação para a cidadania. O cidadão, a rigor, é um membro da sociedade que, dotado do pleno exercício de direitos políticos, está ciente de seus direitos e cumpri as leis, o que, dentre outras coisas, implica cumprimento espontâneo de suas obrigações fiscais. E a vontade, sendo ato da expressão da liberdade humana, requer para sua regular manifestação, motivos estabelecidos. E os elementos motivadores do cumprimento de uma obrigação tributária são: a educação fiscal[6]; o receio da incidência de sanções pelo não cumprimento espontâneo da obrigação; a expectativa de se auferir benefícios pessoais diretos e indiretos pelo adimplemento da obrigação; e a percepção pelo contribuinte de que a tributação é justa. É por intermédio da educação fiscal que a sociedade se torna ciente e sensibilizada da função socioeconômica do tributo. Pela ótica econômica o tributo proporciona ao Estado arrecadação de numerário e pela ótica social este numerário arrecadado pelo Estado, sob a forma de receita derivada, se presta a realização dos fins públicos em benefício da população.

Ao encontro do que se disse acima se registra por relevante a recente instituição, por intermédio da Lei Estadual nº 5.900, de 24 de fevereiro de 2011, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, do Dia da Educação Fiscal. Esta lei contou, desde a fase de proposição do projeto de lei que lhe deu origem (Projeto 3.221/2010), com o apoio do Grupo de Educação Fiscal do Estado do Rio de Janeiro (GEFE-RJ)[7]. A instituição do Dia da Educação Fiscal tem por escopo estimular a discussão do tema educação fiscal no sistema educacional fluminense visando, dentre outros objetivos, propiciar a divulgação de conhecimentos básicos para a compreensão dos mecanismos de arrecadação de tributos e a função social por estes desempenhada. Nesta linha, na justificativa do projeto[8] desta lei consta que:

A partir do contato com a Educação Fiscal, a comunidade escolar passa a compreender como o cidadão sustenta o poder público com o pagamento de impostos e como necessita fiscalizar a administração para que os recursos sejam redistribuídos para a comunidade, na forma de serviços e políticas públicas. O Programa pretende auxiliar na mudança de comportamento da sociedade, contribuindo para que as pessoas assumam posição de cidadãos ativos.

Acima foi dito que um dos elementos motivadores do cumprimento de uma obrigação tributária é a percepção pelo contribuinte de que a tributação é justa. Da compreensão disto resultou, por exemplo, a formatação, em 1215, do princípio da legalidade tributária, a partir da Magna Charta Libertatum seu Concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae[9] imposta pelos barões à João Sem Terra, irmão de Ricardo Coração de Leão. E mais recentemente, resultou desta compreensão o encaminhamento de projeto de lei ao Congresso Nacional em que se pretende instituir a Semana da Justiça Fiscal (com início na segunda terça-feira de março) e o Dia da Nacional da Justiça Fiscal (17 de março). No Art. 3º do projeto de lei nº 5948/09[10] que aqui se alude consta que:

A Semana Nacional da Justiça Fiscal e o Dia Nacional da Justiça Fiscal têm por objetivo promover amplo debate acerca do sistema tributário nacional, com a participação da sociedade, dos partidos políticos, dos poderes da República, da União, dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios.

A ideia que engendrou o conteúdo do projeto de lei nº 5.948/09 nasceu de proposta de iniciativa do Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional – SINPROFAZ, capitaneado pelo seu então presidente, o Procurador da Fazenda Nacional João Carlos Souto, e decorreu, nas palavras do relator do projeto na Comissão de Educação e Cultura, Deputado Pedro Wilson, do sucesso alcançado, no ano de 2009, pela primeira Semana Nacional da Justiça Fiscal, com correspondente Audiência Pública realizada na Câmara dos Deputados.

Evidentemente, a preocupação com a justiça fiscal no Brasil justifica-se especialmente pela notória e imperiosa necessidade de uma reforma tributária que simplifique o sistema tributário brasileiro e que o harmonize com o sistema tributário dos demais países do MERCOSUL (Argentina, Paraguai e Uruguai) que adotam o imposto sobre o Valor Agregado – IVA como importante tributo no âmbito de suas economias. De fato, a adoção do IVA no Brasil em muito contribuiria com a construção de um sistema tributário mais justo e neutro e de quebra eliminaria a perversa nocividade de uma guerra fiscal entre os estados por conta da adoção de alíquotas diferenciadas de ICMS para a mesma mercadoria. Disto, por certo, resultaria também uma redução do custo Brasil pela via de um menor custo financeiro dos agentes econômicos, principalmente aqueles com capilaridade de atuação econômica nacional, no cumprimento da irracional plêiade de diferentes obrigações tributárias acessórias.

Enfim, há, por certo, um imbricamento ideológico e simbiótico entre o Dia da Educação Fiscal, recentemente instituído por lei no Estado do Rio de Janeiro e o Dia da Justiça Fiscal que se pretende, por lei federal, criar.

(*) Procurador da Fazenda Nacional e Mestre em Direito. Bacharel em Ciências Econômicas


[1] Na clássica classificação de Paulo Bonavides os direitos fundamentais de segunda geração são os direitos sociais e coletivos. Na Constituição Federal de 1988 eles estão inseridos nos incisos do Art. 6º. Para melhor detalhamento vide: BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed, São Paulo: Editora Malheiros, 2001.

[2] Os bens públicos se distinguem dos bens privados pelas duas características peculiares: a indivisibilidade e o caráter público. A consequência inexorável dos atributos indivisibilidade e do caráter público imanente aos bens públicos é que o provimento destes a sociedade deve ser assegurado pelo processo político, e não pelo mercado. Evidentemente, admitir isso não implica vedar que o mercado participe, querendo, da disponibilização de bem público à sociedade. É o caso, por exemplo, do bem público educação. A educação é responsabilidade do Estado, fato que não deve prejudicar ou inibir a exploração da atividade educacional pelo particular. E especificamente, o bem público puro é o que os economistas chamamos de bem público cujo consumo é não rival e não excludente A não rivalidade é a característica de o consumo do bem não reduzir a quantidade disponível para consumo desse bem por outro consumidor. A não exclusão relaciona-se com não se poder excluir um consumidor de consumir o bem.

[3] A cidadania constitui um dos fundamentos da República federativa do Brasil (Art. 1º, inciso II, da Constituição Federal de 1988).

[4] Entenda-se por função social o compelimento incidente sobre o titular de um direito a dar um destino social ao bem, além daquele que atende ao seu próprio interesse. Implica dizer que o direito à propriedade não é absoluto. Assim como absoluto não é o direito individual à liberdade.

[5] Trata-se de problema clássico muito estudado, em diferentes versões, pela teoria dos jogos.

[6] O Programa Nacional de Educação Fiscal surgiu em maio de 1999 por decisão de reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ). Por intermédio da Portaria Interministerial nº 413, de 31 de dezembro de 2002, do Ministério da Educação e o Ministério da Fazenda, foi normatizado e implementado o Programa Nacional da Educação Fiscal.

[7] O GEFE-RJ é constituído por membros representantes dos seguintes órgãos: Secretaria de Estado de Fazenda – Escola Fazendária, Secretaria de Estado de Fazenda – SEFAZ, Secretaria de Estado de Educação – SEEDUC, Receita Federal do Brasil – 7ª RF, Ministério da Fazenda – CENTRESAF/RJ, Controladoria Geral da União – CGU/RJ, Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional na 2ª Região e Capacitação à Distância/ESAF.

[8] Disponível em www.alerjln1.alerj.rj.gov.br Consulta em 12.03.2011.

[9] Grande Carta das liberdades, ou Concórdia entre o rei João e os Barões para a outorga das liberdades da Igreja e do rei inglês.

[10] Disponível em www.camara.gov.br/internet/siled/Prop_detalhe.asp?id=434852 Consulta em 12.03.2011.



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