Corda bamba – Arquivos fornecidos por fonte anônima, equivalentes a 500 mil cópias da Bíblia, podem ajudar a jogar luz sobre o mundo sombrio da evasão de impostos, que só à União Europeia custa cerca de 1 trilhão de euros ao ano.
São 260 gigabytes de documentos que, impressos, equivaleriam a 500 mil cópias da Bíblia. A gigantesca quantidade de dados foi entregue há mais de um ano ao Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) por uma fonte anônima. Mais de dois milhões de e-mails e outros documentos confidenciais fazem o esboço de um mundo sombrio, paraísos fiscais em que mais de 130 mil pessoas, de 170 países, investem seu dinheiro. A análise de todos esses dados é uma tarefa difícil, e ainda está longe de ser concluída.
A fonte anônima obteve os dados secretamente a partir de dois servidores corporativos e depois os transferiu via internet. “Infelizmente, para proteger nossa fonte, não podemos fornecer mais nenhum dado exato, mas é claro que foi um vazamento substancial de informação”, disse o jornalista alemão Sebastian Mondial, um dos envolvidos na análise desses dados.
Segundo o jornal alemão Süddeutsche Zeitung, muitos desses dados não estavam organizados e alguns documentos ainda precisavam passar por uma leitura óptica. “Tivemos sorte de podermos utilizar um software forense especial, que normalmente é utilizado na área criminal”, explicou Mondial.
Isso, segundo ele, possibilitou escanear e analisar o material e descobrir as conexões existentes entre dados, como quando os documentos foram criados, quando e-mails foram enviados, quem os enviou e quem recebeu cópias ocultas desses e-mails.
Sol, praia e evasão fiscal
As Ilhas Virgens Britânicas, as Ilhas Cook, Seychelles e o Panamá têm algo muito interessante a oferecer a empresas e pessoas físicas: anonimato. “‘Venha a nós e você não precisa ter medo das autoridades fiscais’. Esse é o tipo de oferta tentadora que os chamados paraísos fiscais oferecem para atrair pessoas ricas de todo o mundo”, diz Thomas Eigenthaler, da União Tributária Alemã (DSTG, na sigla em alemão).
Ele explica que a sonegação fiscal é facilitada pelo fato de o contribuinte não ter que lidar diretamente com ela. Existe toda uma indústria que auxilia, orienta e oferece soluções personalizadas aos clientes. Sebastian Mondial acrescenta que muitos dos paraísos fiscais não mantêm qualquer tipo de registro com informações sobre donos de empresas ou capital.
A União Europeia estima que a cada ano cerca de 1 trilhão de euros são perdidos em sonegação ou evasão fiscal. Segundo um estudo realizado pela ONG Tax Justice Network, uma fortuna estimada entre 21 e 32 trilhões de dólares está investida em paraísos fiscais. Como comparação, o Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos em 2011 foi de aproximadamente 15,1 trilhões. Os números não incluem bens como ouro, propriedades e iates de luxo navegando sob bandeiras estrangeiras.
“De acordo com meus colegas que trabalham no projeto, há um truque muito esperto quando alguém é processado por uma empresa offshore. Eles fazem um acordo, e a queixa é retirada”, explica Mondial. Então o dinheiro do acordo, que é parte do processo, não sofre desconto do imposto e pode ser transferido para uma conta em paraísos fiscais.
Existem outros truques, como por exemplo, quando uma empresa cria uma filial em um paraíso fiscal para lidar com suas operações no exterior, evitando assim o pagamento de impostos sobre o lucro obtido fora do país de origem.
Riscos também na Alemanha
Quem vive na Alemanha tem que pagar até 45% de imposto de renda. Empresas com sede no país têm de arcar com imposto corporativo e comercial. Mas, mesmo em território alemão, há brechas na lei que podem ser utilizadas pelo contribuinte.
“Se uma empresa sediada na Alemanha buscar, por exemplo, a consultoria de uma empresa offshore, a empresa enviará uma nota e o pagamento será feito. Para a administração fiscal, a transação parece perfeitamente normal”, explica Mondial. No entanto, isso significa que o dinheiro foi levado para fora do país sem que nenhum imposto tenha sido descontado dele.
Segundo Eigentahler, o peso de fiscalizar é demais para o sistema alemão. “Não temos capacidade para checar todas as transações. Às vezes esperamos anos pela resposta de autoridades estrangeiras. Mas há também uma falta de vontade política. Eu sempre tenho a impressão de que quem está no topo é negligente em sua procura por sonegadores de impostos”, completa.
Além disso, a influência do Estado alemão acaba em suas fronteiras. “Se o dinheiro é gasto pelos alemães no exterior, as autoridades fiscais alemãs não têm como localizá-lo, a não ser que a Alemanha tenha um acordo fiscal de intercâmbio de informações”, explicou Eigentahler.
Luta internacional
Por anos, entidades internacionais como a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) vem tentando desenvolver medidas contra a evasão fiscal e para a padronização de regras. De acordo com a entidade, progressos foram feitos depois que uma lista negra, nomeando os paraísos fiscais, foi publicada em 2009. Desde então, 700 acordos de troca de informações foram firmados e cerca de 40 decisões judiciais levaram a mudanças nas leis.
Os novos dados podem ajudar na luta internacional contra fraudes fiscais, mas apenas indiretamente, de acordo com o jornalista Sebastian Mondial: “Esperamos que esses dados nunca sejam publicados”.
O objetivo do exercício não é simplesmente colocar as informações dessas empresas na internet para que todos possam ver quem transferiu quanto dinheiro, ou quem é o dono dessas companhias. “Os parlamentares e seus respectivos países têm que encontrar de alguma forma uma maneira de estabelecer essa transparência”, conclui Mondial. (Do Deutsche Welle)
Fonte: Ucho.info