Por Marcos de Vasconcellos
A Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp) saiu, nesta terça-feira (31/1), em defesa do Supremo Tribunal Federal na decisão sobre os poderes do Conselho Nacional de Justiça. A entidade divulgou seu posicionamento em nota no mesmo dia em que a Ordem dos Advogados do Brasil um ato público “em defesa dos poderes do CNJ para investigar magistrados por desvios ético-disciplinares”. O ato da OAB questiona as decisões em caráter de liminar concedidas pelos ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, que decidiram que o CNJ não tem poder para quebrar sigilo e deve atuar de forma subsidiária às corregedorias locais, apoiadas pela Aasp.
No documento, a associação defende a atuação subsidiária do CNJ, evocando a Emenda Constitucional 45, de 2004, que define caber ao CNJ o controle de assuntos administrativos e financeiros do Judiciário, e do cumprimento dos deveres funcionais de juízes e servidores. “No exercício dessa competência, cabe ao CNJ, sem prejuízo das competências disciplinar e correcional dos Tribunais, o recebimento e conhecimento de reclamações contra juízes ou órgãos do Poder Judiciário, podendo avocar processos disciplinares em curso.”
Para a Aasp, a permissão para que o CNJ atue sem as corregedorias locais trará problemas como duas investigações sobre o mesmo caso. “É óbvio que, em havendo investigação em curso, perante Corregedorias Estaduais ou Federais, deverá ser evitada a duplicidade da investigação e apenamento”, diz o documento. A nota também não alivia a pressão sobre os corregedores, afirmando que “as corregedorias locais deverão ser expeditas, eficazes e transparentes nessas apurações e na aplicação das sanções eventualmente cabíveis, sob o risco de avocação de procedimentos pelo CNJ”.
O entendimento de que a Constituição Federal não confere ao CNJ poderes para quebrar sigilo bancário ou fiscal reproduz, segundo o decano do STF, ministro Celso de Mello, a consolidada jurisprudência do tribunal. O ministro explica que “a jurisprudência do STF nega a qualquer autoridade pública, quando no exercício de função administrativa, a possibilidade de decretar quebra de sigilo bancário e ou fiscal”.
A discussão sobre o acesso a dados sigilosos por órgãos administrativos voltará à pauta do STF. Ao menos seis Ações Diretas de Inconstitucionalidade aguardam julgamento. Até lá, prevalece o entendimento de que a competência para ordenar quebra de sigilo é do Judiciário. Decisão da corte de dezembro de 2010, por cinco votos a quatro, definiu que a Receita Federal não pode decretar, por autoridade própria, a quebra de sigilo bancário do contribuinte.
Sem emparedamento
A pressão da OAB e de outros setores da sociedade sobre o STF, pedindo que este decida pela ampliação dos poderes de investigação do CNJ é vista pela Aasp como saudável e não como um “emparedamento”. “As decisões judiciais que desagradam ou contrariam interesses de parcela da sociedade são objeto de críticas e análises, mas a nossa mais alta Corte vem marcando sua história com a altivez e independência necessárias.”
A nota também traz críticas à atuação do CNJ no Tribunal de Justiça de São Paulo, uma vez que o órgão investiga o tribunal sem informar nem passar informações sobre os investigados ao presidente do tribunal, Ivan Sartori. Para os advogados, é prerrogativa e dever do presidente tomar conhecimento sobre a investigação, para saber se já há outra em curso pela corregedoria local ou se há algum fato grave a respeito do qual se deva se pronunciar ou submeter ao Órgão Especial, responsável pelas sanções.
A omissão atinge, segundo a associação, “frontal e gravemente, todo o Poder Judiciário bandeirante, de forma ampla, com sérias consequências inclusive para o exercício da jurisdição e para a prática da advocacia, pois coloca em suspeição, indistintamente, os 353 Desembargadores de nossa Corte de Justiça”.
Leia abaixo a nota divulgada pela Aasp:
A defesa do Poder Judiciário e a Constituição Federal
Desde o início do recesso forense, nos Tribunais Superiores, no final do mês de dezembro de 2011, a imprensa vem repercutindo, com impressionante frequência, fatos relacionados ao Conselho Nacional de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, notadamente a respeito de duas decisões liminares proferidas pelos Ministros Marco Aurélio Mendes de Farias Mello e Enrique Ricardo Lewandowski, na ADI 4.638 e no Mandado de Segurança 31.085.
Considerando a proximidade do julgamento, em plenário, dos processos em referência, e a relevância e a urgência dos temas já mencionados, a Associação dos Advogados de São Paulo —AASP vem a público apresentar sua manifestação.
A Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004, na redação que deu ao artigo 103-B, parágrafo 4º., inciso III e parágrafo 5º dispôs, em síntese, que compete ao Conselho Nacional de Justiça o controle dos assuntos administrativos e financeiros do Poder Judiciário, e do cumprimento dos deveres funcionais de juízes e servidores. No exercício dessa competência, cabe ao CNJ, sem prejuízo das competências disciplinar e correcional dos Tribunais, o recebimento e conhecimento de reclamações contra juízes ou órgãos do Poder Judiciário, podendo avocar processos disciplinares em curso; cabe, ainda no teor da EC 45, a Ministro do Superior Tribunal de Justiça o exercício da função de Ministro-Corregedor.
Essas alterações constitucionais foram amplamente discutidas no Congresso Nacional e resultaram de um anseio da sociedade por maior transparência e efetividade do Poder Judiciário, por meio do tão propalado, à época, “controle externo do Poder Judiciário”.
Não há dúvida razoável, no texto constitucional, a respeito da competência do CNJ quanto à apuração dos eventuais desvios e abusos cometidos por magistrados, em todo o país. Essa competência deve ser compatibilizada, sem dúvida, com o princípio da unicidade da investigação, preservando-se, igualmente, o princípio do devido processo legal.
O CNJ tem o poder-dever de inverstigar toda e qualquer denúncia sobre eventuais abusos e desvios de magistrados, de servidores e de órgãos do Poder Judiciário em nosso país. É óbvio que, em havendo investigação em curso, perante Corregedorias Estaduais ou Federais, deverá ser evitada a duplicidade da investigação e apenamento, mas (e isso certamente será objeto de deliberação pelo Supremo Tribunal Federal) as Corregedorias locais deverão ser expeditas, eficazes e transparentes nessas apurações e na aplicação das sanções eventualmente cabíveis, sob o risco de avocação de procedimentos pelo CNJ.
Não se pode esquecer, e isso não vem sendo ressaltado pela imprensa, que não são as Corregedorias locais que investigam e aplicam sanções aos Desembargadores, mas sim os respectivos Órgãos Especiais dos Tribunais Estaduais ou Federais, que também devem seguir as referidas regras constitucionais.
Se excessos houver, certamente o Supremo Tribunal Federal acolherá, com a rapidez e eficiência de que deu mostras no final de 2011, pleitos para a correção do rumo.
Por outro lado, e não menos importante, é a observância do princípio constitucional da transparência pelo CNJ. No curso das últimas semanas, a imprensa vem divulgando, em doses homeopáticas mas contínuas, notícias sobre abusos e investigações que estariam em curso a respeito de Desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo; ao mesmo tempo, divulgou-se pedido dirigido à Corregedoria do CNJ pelo Presidente do TJSP, Desembargador Ivan Sartori, no sentido de que necessitava conhecer os fatos relativos às investigações em curso quanto a integrantes da Corte Paulista; não se tem notícia de que esse pleito tenha sido atendido.
Ora, o presidente do maior tribunal desse país tem não só a prerrogativa, mas também o dever, de tomar conhecimento a respeito de investigação de membros desse tribunal, até mesmo para verificar se já há alguma investigação em curso, perante o Tribunal de Justiça, ou se há algum fato grave a respeito do qual deva se pronunciar ou submeter ao Órgão Especial. Nada, nada mesmo, justifica a divulgada omissão do CNJ.
A omissão em referência atinge, frontal e gravemente, todo o Poder Judiciário bandeirante, de forma ampla, com sérias consequências inclusive para o exercício da jurisdição e para a prática da advocacia, pois coloca em suspeição, indistintamente, os 353 Desembargadores de nossa Corte de Justiça.
Urge, em observância ao princípio constitucional da transparência, a divulgação, imediata e de uma só vez, pelo CNJ, dos nomes e fatos relacionados com Desembargadores do TJSP, retirando a espada de Dâmocles de sobre o Judiciário paulista.
Concluindo essa nota pública, a AASP não pode se furtar a afirmar que não há, contrariamente ao que vem sendo divulgado na imprensa, o “emparedamento do STF”, pois, como é curial em todo o regime democrático, as decisões judiciais que desagradam ou contrariam interesses de parcela da sociedade são objeto de críticas e análises, mas a nossa mais alta Corte vem marcando sua história com a altivez e independência necessárias, sem que nada, nem qualquer tema ou processo polêmico, possam abalar os seguros e hígidos alicerces do Supremo Tribunal de Justiça. Emparedamento haverá no dia em que o STF tiver de navegar pelas águas turvas de setores corporativos de nossa sociedade, sem decidir a rota de seu destino.
Associação dos Advogados de São Paulo
Marcos de Vasconcellos é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 31 de janeiro de 2012