Por Allan Titonelli Nunes
A intenção do legislador constituinte ao incluir a Advocacia Pública entre as funções essenciais à Justiça foi criar um órgão técnico capaz de prestar auxílio ao governante e, ao mesmo tempo, resguardar os interesses sociais, entre eles a preservação da Justiça.
A Advocacia-Geral da União, especificadamente, é a instituição que representa judicialmente e extrajudicialmente a União, prestando as atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo Federal, bem como de defesa em juízo do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário.
Entre os órgãos que compõem a estrutura da AGU, pode-se citar a Procuradoria-Geral da União (PGU), que faz a assessoria e a defesa da administração pública direta; a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que faz a consultoria e a defesa da União nas causas de natureza fiscal, além de executar a dívida ativa da União; e a Procuradoria-Geral Federal (PGF), responsável pela consultoria e pela defesa da administração pública indireta. Ressalta-se, ainda, o papel da Procuradoria-Geral do Banco Central (PGBC) no assessoramento e na representação judicial do Banco Central, autarquia de caráter especial.
A função de representação judicial e extrajudicial da União é mais ampla que as de assessoramento e consultoria, que estão restritas ao Poder Executivo.
A representação judicial da União abrangerá todos os Poderes da República, no exercício das atribuições institucionais, compreendendo o Poder Executivo, o Legislativo e o Judiciário, bem como os demais agentes públicos federais, conforme dispõe o artigo 22 da Lei 9.028/95.
A representação extrajudicial será efetivada fora da prestação judicial, tendo como objetivo defender o patrimônio público e concretizar o fim perseguido pelo Estado, o bem comum, valor que se coaduna com a efetivação da Justiça e a defesa do interesse público.
Como já dito, a atribuição de consultoria e assessoramento está adstrita ao Poder Executivo.
A participação da AGU na concepção da política é primordial para evitar as inexatidões, ilegalidades e inconstitucionalidades das propostas. A valorização da atuação consultiva e de assessoramento é desejável e necessária para a construção de um projeto político que atenda aos anseios sociais e obedeça aos princípios constitucionais administrativos. Com isso, deve-se suplantar a visão de que a AGU somente atuará quando houver uma demanda judicial.
Para captar melhor o papel atribuído à Advocacia Pública, em especial à AGU, é necessário discorrer sobre o processo de organização do Estado. O Estado Brasileiro, constituído pela República Federativa do Brasil, é organizado político-administrativamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, como preconiza o artigo 1º combinado com artigo 18, da CRFB.
As políticas planejadas, desenvolvidas e executadas pelos Entes Federados, comumente referidas como políticas públicas, decorrem da repartição de competência administrativa e legislativa da Federação Brasileira.
Observe-se que a Constituição Federal de 1988 incumbiu à União grande parte dos serviços dirigidos à República Federativa do Brasil, exigindo-se a construção de um Estado prestador de serviços, Welfare State, representado pelo Estado de Bem-Estar Social.
É natural que, sendo a União reguladora de grande parte das relações sociais, seja muito acionada em Juízo, da mesma forma como defenderá seus interesses ajuizando as ações cabíveis.
Por todas essas razões, o gerenciamento do Estado brasileiro comporta a movimentação de todo um arcabouço administrativo, meticuloso e burocrático. Sua organização e funcionamento não se comparam a uma empresa privada em termos de eficiência e planejamento, por ter uma gestão mais complexa.
Assim, considerando que cabe à Advocacia-Geral da União a representação judicial e extrajudicial da União, lato sensu, importará dizer que seus membros exercerão um papel direta ou indiretamente relacionado com a concretização das políticas públicas do Estado brasileiro, aqui tomado como sinônimo de União.
Diante dessa perspectiva, é dever dos membros da Advocacia-Geral da União dar suporte à execução orçamentária das competências da União, desde que as ações sejam constitucionais e legais.
A atuação da Advocacia-Geral da União na fase do planejamento, da formação e da execução da política pública propiciará planejamento estratégico do Estado, bem como a redução de demandas. Isso porque a atuação da AGU deve transcender a defesa míope da União, ajudando a atender as atribuições que o Estado moderno requer, precipuamente a viabilização das políticas públicas em favor da sociedade, o que, em última análise, importa em resguardar o interesse público, consubstanciado pela defesa do bem comum.
Ante o exposto, é necessário dotar o Estado de condições mínimas para efetivar as atribuições constitucionalmente descritas, cabendo à AGU exercer papel estratégico na defesa do patrimônio público, dos interesses dos cidadãos e da Justiça.
Para a concretização dessas atribuições, é necessária a garantia de uma Advocacia Pública independente. Isso não quer dizer que a escolha da política a ser executada deixará de ser feita pelo representante do povo, legitimamente eleito, o qual tem o direito de indicar sua equipe de governo. Todavia, a atuação de um profissional técnico, imparcial e altamente qualificado, não sujeito às pressões políticas, trará ganho de qualidade para o desenvolvimento e a execução da política pública escolhida.
Essa interpretação decorre de um processo de reflexão sobre o papel constitucional atribuído à AGU e tem contribuído para o amadurecimento das atribuições institucionais de um órgão recente na história do nosso país.
Hoje visualizamos com mais clareza o papel Constitucional destinado à AGU, de defesa do Estado sem descurar da defesa do cidadão e da sociedade. A defesa do patrimônio público, interesse público secundário, não pode se contrapor arbitrariamente aos legítimos interesses da sociedade, interesse público primário, cabendo aos Advogados Públicos Federais resolver o conflito dentro do que determinam a Constituição e as leis.
Esse controle decorre do dever mediato de defesa da Justiça, insculpido quando o legislador constituinte inseriu a AGU em um capítulo à parte do Poder Executivo, função essencial à Justiça, havendo uma imbricação de justaposição, ou melhor, necessidade de defesa do Estado desde que a ação não transborde os preceitos constitucionais e legais.
Destacam-se, entre outras atividades, defesa de obras e ações do PAC, Olimpíada, pré-sal; arrecadação em juízo de verbas federais desviadas por corrupção; de valores referentes a tributos sonegados; multas impostas por autarquias e agências reguladoras e a defesa do Poder Legislativo e dos parlamentares em juízo.
Esse conjunto de ações resultou em mais de R$ 157 bilhões arrecadados/ economizados no ano de 2013. Tomando como parâmetro o ano de 2004 assevera-se que a atuação da PGU na representação judicial da Administração Direta perante os tribunais superiores e internacionais gerou R$ 26,8 bilhões economizados ou ressarcidos aos cofres públicos. A atividade desenvolvida pela PGFN contribuiu para que fossem arrecadados quase R$ 21 bilhões, sendo economizado mais de R$ 500 bilhões. A atuação da PGF resultou em mais de R$ 64 bilhões economizados/ arrecadados. A participação na formulação e execução de políticas públicas financeiras e de equilíbrio fiscal levou a PGBC a registrar arrecadação de R$ 5 bilhões em 2014. Juntos todos estes valores correspondem a mais de R$ 616 bilhões arrecadados/economizados.
Percebe-se que investir na melhoria da eficiência administrativa do país e nos seus órgãos estratégicos (AGU) é evitar desperdícios, defender o patrimônio público e gerar maiores receitas para a União.
Pelos números divulgados constata-se que a AGU é superavitária e autosustentável. Apesar de ser um órgão estratégico para a União há deficiências estruturais que poderiam ser eliminadas, onde a demora na implantação dessas soluções resulta em um aproveitamento inferior ao que o órgão poderia estar atingido. Em época de anúncio de contenção de gastos o planejamento estratégico deveria ser valorizado, motivo pelo qual o investimento na AGU é lucro, garantindo, assim, receitas “extras” para o enfrentamento da crise e da execução das políticas públicas.
Allan Titonelli Nunes é procurador da Fazenda Nacional, ex-presidente do Fórvm Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz.