Valor Econômico
25/04/2012
A tentativa da Fazenda Nacional de bloquear R$ 5,48 bilhões em dividendos a serem distribuídos pela Vale no dia 30 foi frustrada ontem no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A União pediu que a companhia ofereça garantias em um processo que discute o pagamento de cerca de R$ 24 bilhões de Imposto de Renda (IR) e CSLL sobre o lucro de suas controladas no exterior. A penhora dos dividendos teria essa finalidade processual.
A 1ª Turma do STJ, porém, não discutiu o tema ontem, como esperado. Para ser decidida, a questão empatada precisava de mais um voto, mas o ministro Mauro Campbell não o apresentou na sessão de ontem. Como o próximo julgamento ocorrerá em maio, o adiamento, na prática, representa a manutenção da distribuição dos dividendos. Procurada pelo Valor, a Vale preferiu não comentar o caso.
O pedido da Fazenda começou a ser julgado na semana passada e terminou empatado. O ministro relator, Teori Zavascki, e o presidente da 1ª Turma, ministro Arnaldo Esteves, não aceitaram o recurso da União. Já os ministros Napoleão Nunes e Francisco Falcão foram favoráveis à tese da Fazenda Nacional. O quinto ministro da turma, Benedito Gonçalves, estava impedido. Dessa forma, como determina o regimento interno da Corte, o ministro Mauro Campbell, da 2ª Turma, foi convocado para o desempate.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) queria que o recurso fosse julgado ontem, último dia de sessão da 1ª Turma antes da distribuição dos dividendos. O procurador da Fazenda Nacional, Claudio Xavier Seefelder Filho, chegou a pedir aos ministros que, diante da “eventualidade e importância do caso”, o voto de desempate fosse proferido em sessão extraordinária amanhã. “Há a possibilidade de perecimento do direito em debate”, sustentou. O pedido, porém, foi negado.
Para o ministro Arnaldo Esteves, a convocação de novo julgamento implicaria violar as regras do trâmite do processo para um caso específico. “Não se justifica. Pelo valor [que será distribuído] não há risco de a Fazenda não receber o dinheiro. Não podemos surpreender a outra parte”, disse. O ministro Teori Zavascki concordou. “Parece muito casuístico”, afirmou.
O ministro Napoleão Nunes, ao contrário, defendeu a realização de sessão extraordinária pela relevância do caso. Levantou ainda a possibilidade de interromper a distribuição dos dividendos até o julgamento final do pedido da Fazenda, ideia que também foi afastada pelos outros ministros.
A União, no entanto, ainda pode ter chances de conseguir o bloqueio dos dividendos na Justiça. Durante o julgamento, Teori Zavascki afirmou que a Fazenda pode pedir ao juiz responsável pelo processo de cobrança, na primeira instância, a penhora. A PGFN preferiu não se pronunciar sobre essa tentativa.
O recurso julgado ontem foi apresentado pela Fazenda como tentativa de amenizar os efeitos de uma medida cautelar concedida pelos ministros do STJ à Vale em março. Essa medida cautelar suspendeu as cobranças e a necessidade de apresentação de garantias no processo que discute a cobrança dos supostos débitos tributários de cerca de R$ 24 bilhões de IR e CSLL.
A medida cautelar foi pedida pela Vale enquanto não é julgado o mérito da discussão. O Judiciário ainda não definiu em qual momento o lucro de coligadas e controladas no exterior torna-se disponível para a tributação no Brasil. Para o advogado Flávio de Carvalho, do escritório Souza, Schneider, Pugliese e Sztokfisz Advogados, o mais coerente seria aguardar o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema.
O Supremo está julgando a constitucionalidade da Medida Provisória (MP) nº 2.158, que trata da tributação do lucro das coligadas no exterior. O artigo 74 da MP determina que esse lucro deve ser tributado no momento da apuração do resultado no exterior, independentemente de distribuição de dividendos no Brasil. As empresas defendem que essa tributação só poderia ocorrer após a disponibilização do capital no país. “Por isso, e tendo em vista os valores em discussão, aguardar o posicionamento do Supremo seria o mais razoável”, afirma Carvalho.
Mas para o advogado, se for o caso de julgar a possibilidade de penhora de dividendos da empresa no Brasil, isso deveria ser feito pelo juiz da primeira instância, responsável pela cobrança do valor supostamente devido, e não pelo STJ.
Esse tipo de pedido é cada vez mais comum por parte da Fazenda Nacional. As decisões judiciais têm sido favoráveis à prática. Segundo o advogado Guilherme Cezaroti, do escritório Campos Mello Advogados, se o voto do ministro Mauro Campbell tivesse sido apresentado, haveria boas chances de o STJ aprovar o bloqueio dos juros sobre o capital próprio da empresa. “Já existem pelo menos duas decisões da 2ª Turma do STJ a favor da penhora de dividendos”, diz.
Na avaliação do advogado, porém, não é possível que o juiz da primeira instância autorize a penhora pelo fato de a decisão de mérito estar suspensa por decisão cautelar.
Valor de ações da mineradora é afetado por decisões judiciais
A Vale confia que terá sucesso no julgamento do seu processo contra a cobrança de Imposto de Renda (IR) e CSLL sobre lucro de controladas no exterior. Mas já admitiu que a possibilidade de ter que efetuar um depósito em dinheiro para garantir a disputa judicial tem “potencial para causar danos econômicos e financeiros à empresa”.
Um eventual bloqueio de pagamento de dividendos, como o que foi julgado ontem no Superior Tribunal de Justiça (STJ), certamente não ajudaria as ações da companhia, ainda que fosse revertido posteriormente.
Os papéis da mineradora já vêm sendo penalizados no mercado desde que ela começou a divulgar comunicados informando sobre decisões contrárias em diferentes instâncias na esfera administrativa e na Justiça. Muitos investidores, especialmente os estrangeiros, não entendem como funcionam as diversas etapas de um processo de cobrança tributária no Brasil.
Ainda que possa demorar anos para que se tenha uma decisão final sobre o caso, a reação no mercado é imediata. Na dúvida, o investidor exige desconto para comprar ações da empresa. Até o dia 14 de março, quando a Vale conseguiu suspender as cobranças fiscais no STJ, suas ações preferenciais subiam 8% no ano, ante alta de 20% do Ibovespa.