Consultor Tributário: Fazenda tem vantagem no contencioso administrativo – SINPROFAZ

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22 fev, 2012

Consultor Tributário: Fazenda tem vantagem no contencioso administrativo


publicado em 22/02/2012 às 09h17

Em regra, o título executivo extrajudicial é constituído por meio da expressa concordância do devedor com a respectiva dívida. É o caso, por exemplo, dos títulos de crédito (como cheques, notas promissórias etc.), que pressupõem a manifestação de vontade prévia por parte de quem assume a dívida.

Tal concordância é necessária em razão da própria natureza do título executivo que, por determinação do Código de Processo Civil, corresponde a uma obrigação certa, líquida e exigível (artigo 586). Daí o prévio encontro de vontades entre credor e devedor, expresso em um título, para que seja conferida certeza quanto à existência da dívida.

No caso do título executivo fiscal, contudo, as regras são diversas: mesmo sem haver prévio pronunciamento do Poder Judiciário (título judicial decorrente do processo de conhecimento), ou prévio consentimento do devedor (título extrajudicial), a administração pública é capaz de conferir certeza à dívida do contribuinte, por meio da criação do título executivo (a Certidão da Dívida Ativa – CDA) e iniciar imediatamente o respectivo processo de execução.

Costuma-se justificar esse tratamento especial dado à Fazenda com o argumento de que é de “interesse público” que as cobranças fiscais sejam feitas com a celeridade necessária a garantir que o Estado esteja munido dos fundos necessários ao cumprimento das suas metas.

Nada a opor, mas há que se ter em mente que o “interesse público” a ser protegido não é o de simplesmente aumentar a arrecadação a todo custo, mas sim o interesse da sociedade como um todo de que o Estado cumpra suas funções com observância dos direitos e prerrogativas dos cidadãos.

Disso necessariamente decorre que o Estado, ao exercer as atividades e procedimentos relacionadas ao lançamento do crédito tributário e à constituição do título a ser inscrito na Dívida Ativa, deva observar os limites delineados na própria Constituição Federal, corporificados nos princípios da legalidade, contraditório, ampla defesa, segurança jurídica, impessoalidade, moralidade administrativa e, de especial importância para a matéria examinada neste artigo, do devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV, da CF).

A observância do devido processo legal tem, assim, a fundamental função de legitimar o título executivo unilateralmente constituído pelo ente político tributante, por meio da disponibilização ao contribuinte ou responsável de todos os instrumentos legais com os quais ele possa demonstrar a improcedência da cobrança que lhe é feita. Tal legitimação, por óbvio, pressupõe a existência de regras processuais administrativas que sejam fundamentadas no atendimento àqueles princípios constitucionais acima referidos.

É por meio do processo administrativo, portanto, que é realizada a efetiva revisão do lançamento de forma que, diante de todos os esclarecimentos prestados pelo contribuinte, os órgãos julgadores para esse fim constituídos tenham condição de verificar se ele é ou não procedente.

Embora a maior parte dos regulamentos relativos a processos administrativos fiscais (sejam eles federais, estaduais ou municipais) mencione a necessidade de cumprimento dos referidos princípios (devido processo legal, ampla defesa, contraditório etc), a realidade é que, em numerosas situações, os contribuintes veem tais garantias serem indevidamente restringidas (ou simplesmente desconsideradas) pelos tribunais administrativos.

Exemplo disso é a insistência dos referidos tribunais em não analisar argumentos de natureza constitucional (restringindo a análise da procedência do lançamento às leis e aos atos infralegais), o que representa clara violação ao princípio da ampla defesa, além de levar ao esvaziamento do processo administrativo fiscal, que fica restrito à verificação de fatos, contas e à aplicação literal de normas jurídicas infraconstitucionais, sem levar em consideração o que dispõe a lei maior, que não pode, como é notório, ser contrariada por qualquer outra que integre a legislação tributária.

Outro exemplo é a adoção de regras na estrutura dos Conselhos de Contribuintes que levam à quebra do princípio da imparcialidade, como ocorre nas situações de empate nos julgamentos nas sessões plenárias dos Conselhos de Contribuintes, em que o Fisco é necessariamente sempre vitorioso. Isso se dá porque os presidentes desses conselhos na esfera federal e na maior parte dos estados e municípios são ininterruptamente indicados pela Fazenda, e possuem voto de desempate naqueles julgamentos.

Se o que se busca garantir é a imparcialidade do julgamento pela criação de um órgão paritário (com representantes da Fazenda e dos contribuintes), nada mais natural do que se estabelecer um rodízio na sua presidência.

Também violam o mesmo princípio uma série de prerrogativas dadas aos representantes da Fazenda que são negadas aos contribuintes e seus representantes no âmbito dos conselhos de contribuintes. Exemplo disso é a possibilidade de manifestação do representante da Fazenda em qualquer momento durante o julgamento, enquanto o contribuinte só pode se manifestar em poucos momentos pré-determinados pelo regimento interno de cada Conselho.

Mas, a maior violação se dá contra o princípio do devido processo legal, com a possibilidade da interposição de recurso hierárquico para rever questões de mérito dos julgados administrativos.

De fato, pretender substituir o provimento do Conselho de Contribuintes (que, mesmo com as falhas existentes, é órgão colegiado, de cunho técnico, cujos julgamentos são realizados por julgadores com representação paritária) por decisão de um julgador singular, parcial, que exerce cargo de cunho político, e cuja função precípua é aumentar a arrecadação, é absoluto retrocesso e algo incompatível como o Estado de Direito.

Com essa prática, sobrecarrega-se desnecessariamente tanto o Poder Judiciário quanto os órgãos da respectiva procuradoria, que terão que se empenhar na defesa de casos perdidos.

Em âmbito federal, o Decreto 70.235, de 6 de março de 1972, permitia, em sua redação original, a interposição de recurso ao ministro da Fazenda contra decisões do antigo Conselho de Contribuintes (atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF) que fossem contrárias à lei ou à evidência da prova.

Apesar de esse recurso hierárquico ter sido extinto pelo Decreto 83.304, de 28 de março de 1979, que também criou a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), a possibilidade da sua interposição veio a ser sustentada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) com base no poder geral de revisão do ministro da Fazenda, previsto nos artigos 84, inciso II, e 87, parágrafo único, inciso I, da CF e 19 e 20 do Decreto-lei 200, de 25 de fevereiro de 1967.


Embora tenha havido inicialmente controvérsia sobre o tema, o entendimento acima veio a ser rechaçado pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão proferido no Mandado de Segurança 8.810-DF, por unanimidade de votos, sob o argumento de que aquele poder de revisão somente seria aplicável aos casos em que houvesse excesso ou descontrole, não sendo aplicável às hipóteses em que o órgão controlado tivesse agido no âmbito da sua competência e do devido processo legal. O controle do ministro sobre os acórdãos do Conselho de Contribuintes (atual CARF) e da CSRF teria como escopo único o reparo de nulidades, não sendo válida a reforma de tais decisões por suposto erro na interpretação da lei tributária.

A Fazenda Nacional recorreu da decisão acima ao Supremo Tribunal Federal sob o argumento de que os poderes de controle e supervisão do ministro da Fazenda, conforme previsto no inciso I do artigo 87 da CF (transcrito acima) também permitiriam reformar (mediante recurso hierárquico) decisões de mérito proferidas pelo Conselho de Contribuintes e CSRF (RE 535.077-DF).

O ministro Ayres Brito, por decisão monocrática, negou seguimento ao referido recurso, por entender que “a controvérsia sob exame não transborda os limites do âmbito infraconstitucional. Logo, afronta o Magno Texto, se existente, ocorreria de forma reflexa ou indireta.”

Diversamente do processo administrativo federal, relatado acima, há expressa previsão na legislação de algumas poucas Unidades da Federação sobre a possibilidade de interposição de recurso hierárquico (no caso, ao secretário de Estado), o que levou ambas as Turmas do STJ a inicialmente entender que ele seria válido, sob o principal fundamento de que o recurso ao secretário seria relevante para o restabelecimento do equilíbrio entre as partes no processo administrativo, já que somente o contribuinte teria o direito de ingressar em juízo para rediscutir a matéria julgada em âmbito administrativo.

Já se demonstrou que a razão precípua de existência do processo administrativo fiscal é justamente assegurar o direito de defesa ao contribuinte em decorrência do fato de que as autoridades fiscais possuem a prerrogativa de constituir de forma unilateral o título executivo a ser contra ele utilizado.

Ainda assim, o contribuinte está em clara desvantagem no decorrer de todo o contencioso administrativo, uma vez que, conforme demonstrado: i) a maioria dos outros tribunais administrativos brasileiros é sempre presidida por um representante da fazenda (o que tem profunda relevância nos julgamentos uma vez que o presidente possui voto de desempate); ii) argumentos constitucionais em favor do contribuinte são desconsiderados pelos julgadores administrativos, gerando grave prejuízo a defesa do contribuinte; iii) os representantes da fazenda possuem uma série de vantagens que não são estendidas aos contribuintes.

Se, com todos esses obstáculos e dificuldades, o contribuinte consegue ver reconhecido o seu direito em âmbito administrativo, deve-se mesmo preservar o Poder Judiciário do desnecessário reexame da questão. Afinal, é a própria Administração Tributária (que esses Conselhos integram) que entende improcedente a respectiva cobrança, e não haveria que se imaginar factível uma ação judicial que fosse proposta pelo Estado contra ele próprio (no caso, a própria Administração Tributária que reconheceu a improcedência da cobrança).

Talvez por influência do já citado ROMS 8.810-DF (que, como visto acima, trata da impossibilidade de recurso ao ministro na esfera federal versar sobre o mérito das decisões e que rechaça a noção de que o recurso hierárquico serviria para atender ao interesse público), a 2ª Turma do STJ reviu o seu posicionamento anterior, proferindo, em 19 de agosto de 2004, decisão em que, embora tenha sido reconhecida a existência de previsão expressa do recurso hierárquico (no caso, na legislação estadual do Rio de Janeiro), entendeu que tal norma não poderia ser interpretada no sentido de permitir a revisão de mérito das decisões proferidas pelo Conselho de Contribuintes.

A ministra relatora Eliana Calmon entendeu ser sem propósito a decisão proferida no recurso hierárquico impugnado, tendo em vista que, “sem declinar razão alguma, censurou a decisão colegiada e, de forma unilateral, sem contraditório ou defesa, acabou por mudar inteiramente o juízo de legalidade técnica”. Ou seja, restou claro que a pretensão de revisão geral das decisões do Conselho de Contribuintes por um julgador singular e eminentemente político fere princípios fundamentais previstos na constituição e o próprio interesse público.

Por esse motivo, qualquer previsão de recurso hierárquico só pode ser aplicável aos casos em que haja nulidade ou vício da decisão, ou seja, quando o Conselho de Contribuintes tenha agido além da sua competência.

Qualquer interpretação diversa levaria ao absurdo entendimento de que a mera previsão em norma estadual seria suficiente para afastar os princípios constitucionais especificamente garantidos ao litigante em processo administrativo, como é o caso do devido processo legal.

Por fim, note-se que, embora a 2ª Turma do STJ tenha recentemente proferido decisão que parece caminhar no sentido de restabelecer o seu posicionamento inicial (no sentido de que o secretário pode rever o mérito das decisões proferidas pelo Conselho de Contribuintes)1 , há a possibilidade de que o STF venha a rever tal entendimento.

De fato, embora a maior parte das decisões monocráticas proferidas até a presente data tenha negado seguimento aos recursos interpostos (pelos contribuintes ou pela Fazenda) sob o fundamento de que a discussão em análise representa, no máximo, ofensa indireta à Constituição Federal, o ministro Marco Aurélio, do STF, proferiu decisão monocrática em que afirmou a constitucionalidade das decisões proferidas pelo STJ no sentido de que o recurso hierárquico previsto na legislação do Estado em exame só pode ser utilizado para corrigir nulidades ou vícios, e não para modificar o mérito das decisões do Conselho de Contribuintes (RE 607.463/RJ, DJe-041, de 08/03/2010)2.

Os contribuintes torcem para que o STF reconheça o caráter eminentemente constitucional da matéria em análise, ou que o STJ retome a sua jurisprudência anterior, e que venha a prevalecer o entendimento exposto pelo ministro Marco Aurélio no sentido de que, mesmo nos casos em que o ente federativo edite norma legal que determine a possibilidade do recurso hierárquico, tal norma deva ser interpretada como aplicável somente aos casos de nulidade (ou seja, quando o Conselho de Contribuintes julgue ou pratique atos além da sua competência), e jamais como viabilizadora da revisão de mérito das decisões administrativas.

Somente assim restará assegurada a legitimação da CDA (título executivo resultante da inscrição do crédito tributário na Dívida Ativa) pelo processo administrativo tributário, e terão sido observados e respeitados todos os princípios constitucionais de que tratei neste artigo.


1 AgRg no RMS 26.512/RJ, Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 27/04/2010.

2 Há também decisões monocráticas contrárias ao contribuinte. Citamos, a título ilustrativo, recente decisão monocrática do Ministro Dias Toffoli, proferia no RE 388.768, de 15/05/2010 (DJe de 31/05/2010).



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