Por Heráclio Mendes de Camargo Neto e Filemon Rose de Oliveira.
Procuradores da Fazenda Nacional no Estado de São Paulo e diretores do Sinprofaz.
“Nossas propostas incluirão o fim dos paraísos fiscais. Eles representam o aliado fundamental do crime organizado internacional, do narcotráfico, da corrupção e do terrorismo. Não é possível combater eficazmente essas manifestações perversas, sem atacar a retaguarda financeira que nunca lhes faltou”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em um evento sobre o Brasil patrocinado pelos jornais Valor e “The Wall Street Journal”, em 2009. De fato, na penúltima reunião do G20, grupo das 20 maiores economias do mundo, o presidente Lula teve como principal bandeira o fim dos paraísos fiscais. Nesse sentido, o Projeto de Lei nº 5.696, de 2009, apresentado pelo deputado federal Paulo Rubem Santiago (PDT/PE) para combater a corrupção no Brasil e exigir a identificação do beneficiário final das pessoas jurídicas domiciliadas no exterior recebeu, no dia 25 de novembro de 2010, parecer favorável do relator na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), deputado federal Osmar Júnior (PCdoB/PI).
Atualmente, a legislação vigente promove diferenciação de tratamento entre as empresas nacionais e aquelas domiciliadas no exterior, impondo às primeiras o cumprimento de diversas regras para o registro no Cadastro Nacional Pessoa Jurídica (CNPJ). De outra parte, para as empresas domiciliadas no exterior, a exigência é insignificante, bastando que qualquer interessado crie nalgum paraíso fiscal uma “empresa de fachada”, sem identificação do beneficiário final, e indique um procurador pessoa física domiciliado no Brasil, quase sempre, um “laranja”, consoante o disposto em mera instrução normativa da Receita Federal do Brasil.
Ora, ao permitir a inscrição no CNPJ de pessoas jurídicas domiciliadas no exterior sem exigir a apresentação do quadro de sócios e administradores (QSA), o Estado brasileiro fomenta o ambiente propício para a lavagem de dinheiro, a sonegação fiscal e o tráfico de drogas por parte dessas “empresas fantasmas”. Nesse sentido, a indicação do beneficiário final das pessoas jurídicas é imprescindível para a responsabilização civil, criminal e tributária e obedece à recomendação do Grupo de Ação Financeira sobre o Branqueamento de Capitais (GAFI).
A ordem econômica na Constituição Federal de 1988 legitima a preocupação do ex-presidente Lula, porque os princípios gerais da atividade econômica no Brasil estão sendo descumpridos. O princípio da soberania nacional é atingido, quando o sigilo ensejado pela inscrição indiscriminada no CNPJ de empresas domiciliadas no exterior impede a identificação da autoria de crimes cometidos sob o manto de “empresas fantasmas” criadas em notórios paraísos fiscais. Por sua vez, o princípio da livre iniciativa é vilipendiado pela concorrência desleal, quando o não-recolhimento de tributos é acobertado pelo anonimato e pela impossibilidade de responsabilização tributária dos sócios e administradores na cobrança de suas dívidas fiscais. Demais disso, é impossível defender eficazmente o consumidor e o meio ambiente, porque não sabemos quem é o responsável por infrações cometidas por muitas pessoas jurídicas domiciliadas no exterior que atuam na Amazônia, por exemplo.
Nem se fale que o fluxo de capitais seria potencialmente afetado, porque a origem do dinheiro seria mais facilmente identificada, tendo em vista que a convalidação desse argumento significaria um cheque em branco do Brasil à lavagem de dinheiro, à sonegação fiscal e ao cometimento de todo tipo de crime. Ao contrário, via de regra, o sistema financeiro privado nacional é mais rigoroso do que o Banco Central do Brasil na estruturação de seus mecanismos de compliance e auditoria.
Entretanto, a lacuna criada pela não exigência de identificação do quadro de sócios e administradores para inscrição no CNPJ passa ao largo dos eficazes controles administrativos do sistema financeiro, ao internalizar pessoas jurídicas “fantasmas” e lhes ensejar a regularidade cadastral para atuarem livremente até o desenlace previsível de crimes, notadamente de sonegação fiscal com prejuízos vultosos ao Tesouro Nacional, mas sem responsáveis identificáveis. É o que se depreende facilmente da leitura dos relatos recorrentes das grandes operações da Polícia Federal: o uso reiterado dessas “empresas de fachada” constituídas em paraísos fiscais para o cometimento de crimes.
Aprovado o PL nº 5696/09, caberá à Receita Federal do Brasil a regulamentação da nova lei, a fim de ensejar às empresas de todos os países a adequação legal, de acordo com os respectivos cadastros nacionais de pessoas físicas simétricos ao nosso Cadastro Pessoa Física (CPF) para a indicação do beneficiário final, como esclarece o autor do projeto de lei na sua exposição de motivos.
Como asseverou o eminente relator e líder da indústria em nosso país, deputado federal Albano Franco (PSDB-SE), no seu relatório do PL nº 5696/09, aprovado por unanimidade na Comissão de Desenvolvimento Econômico e Social (CDEIC), sobre as pessoas jurídicas domiciliadas no exterior: “É salutar e relevante que ao exercerem atividade de forma legalizada no País, estas também se submetam às mesmas exigências previstas para as empresas nacionais. Ademais, nos modernos tempos de economia globalizada em que é cada vez maior o intercâmbio comercial e de serviços entre as nações, também se torna relevante que os controles exercidos domesticamente possam se estender a não residentes, já que há o interesse, a necessidade e os meios para isso”.
Ressalte-se que o PL nº 5696/09 prevê o mesmo tratamento para empresas brasileiras e empresas domiciliadas no exterior. E é por isso que a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) e os Auditores da Receita Federal representados pelo Sindifisco Nacional uniram-se aos Procuradores da Fazenda Nacional representados pelo SINPROFAZ em nota conjunta de apoio à sua aprovação.
Portanto, faz-se necessária a aprovação do Projeto de Lei nº 5696/09 para fortalecermos a atividade econômica e a livre concorrência no Brasil, prestigiando a fundamental atuação das pessoas jurídicas domiciliadas no exterior que pretendam atuar em nosso país de forma lícita, constitucional e identificável como é identificado qualquer contribuinte brasileiro. Isso ensejará o combate preventivo e eficaz, e não apenas retórico ou reativo contra “pés-de-chinelo”, ao crime organizado internacional, ao narcotráfico, à corrupção e ao terrorismo como pretendem a presidente Dilma Rousseff, a qual já disse que priorizará a questão da segurança pública, e o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que enfatizou em seu discurso de posse a necessidade de combate ao crime organizado, e toda a sociedade brasileira.