Allan Titonelli Nunes
A atividade financeira do Estado moderno está ligada à necessidade de se captar recursos públicos para a execução dos interesses da sociedade. Daí a razão de existir um sistema abrangendo as competências tributárias, os princípios específicos da ordem tributária, as limitações ao poder de tributar e as garantias do contribuinte. De outro lado, o anseio social é obter uma contrapartida, em forma prestação de serviços pelo Estado, compatível com a arrecadação.
Tendo esses parâmetros como ponto de partida, será feita uma análise crítica do Sistema Tributário Brasileiro concomitante à atividade da Advocacia Pública Federal e sua contribuição para se alcançar a justiça fiscal.
Atividade Financeira do Estado
A atividade financeira do Estado moderno é corolário da consecução de seus objetivos, destacadamente o bem comum, todavia, a arrecadação de recursos não se esgota em si mesmo, configurando-se instrumento essencial à concretização dos interesses da sociedade.
Ocorre que, em um Estado capitalista, a tarefa de arrecadar nem sempre é bem-vista, já que a maioria dos indivíduos preocupa-se, primeiro, com a própria riqueza (patrimonialismo) e somente depois em contribuir para a construção de uma sociedade mais justa.
O contribuinte faz uma relação direta entre o pagamento do tributo e a contraprestação ofertada pelo Estado, muito embora essa lógica não possa ser transportada para as necessidades de um sistema tributário justo, o qual deve ter como parâmetros a solidariedade e a capacidade contributiva do cidadão.
Para evitar o arbítrio por parte das autoridades do Estado, o exercício do poder de tributar encontra limites na lei e na Constituição. E, para viabilizar a tributação, criou-se um conjunto ordenado de normas aplicáveis à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, a que se denomina Sistema Tributário Nacional.
Sistema Tributário
Segue-se uma análise objetiva do Sistema Tributário Nacional, sem a pretensão de esgotar o assunto, tomando-se como parâmetro sua classificação entre rígido ou flexível, fechado ou aberto, científico ou histórico.
O Sistema Tributário Brasileiro é rígido, tendo em vista que as competências impositivas estão expressamente previstas na Constituição; fechado, em face de sua sistematização exigir que as alterações sejam promovidas pelo Poder Legislativo, ressalvado o entendimento de Ricardo Lobo Torres, que defende um sistema aberto; e científico, pois sua construção se deu por meio da Assembléia Nacional Constituinte e não de um processo histórico.
Cabe ainda citar as seguintes características admitidas por Ricardo Lobo Torres sobre o Sistema Tributário Brasileiro1:
a) racionalidade econômica, consistente no ajustamento a substratos econômicos perfeitamente diferençados, de modo a se evitarem as superposições de incidência sobre fatos econômicos idênticos e a se eliminarem os vínculos a critérios jurídico-formais ou à técnica de arrecadação; e
b) facilidade de fiscalização e arrecadação que minimize os custos da cobrança.
Não se pretende aqui esmiuçar o assunto, mas enfrentar a justiça do sistema tributário, diante de certas evidências que saltam aos olhos, como o fato de que a maior carga tributária incide sobre o cidadão com menor renda. Isso se justifica, em grande parte, pela opção do legislador em tributar primordialmente o consumo. Assim agindo, o Estado brasileiro não concretiza o princípio constitucional da capacidade contributiva, que, apesar de estar adstrito aos impostos, conforme preconiza o art. 145, § 1º, da CRFB/88, permeia todo o sistema. Essa realidade, além de gerar graves injustiças sociais, contribui para o aumento da desigualdade social.
Hugo de Brito Machado critica a alta carga tributária brasileira, afirmando que “É importante que a carga tributária não se torne pesada a ponto de desestimular a iniciativa privada. No Brasil, infelizmente, isto vem acontecendo. Nossos tributos, além de serem muitos, são calculados mediante alíquotas elevadas. Por outro lado, o Estado é perdulário. Gasta muito e, ao fazê-lo, privilegia uns poucos, em detrimento da maioria, pois não investe nos serviços públicos essenciais dos quais esta carece, tais como educação, segurança e saúde. Assim, mesmo sem qualquer comparação com a carga tributária de outros países, é possível afirmar-se que a nossa é exageradamente elevada, posto que o Estado praticamente nada nos oferece em termos de serviços públicos“.2
Atribuições do Advogado Público
Cabe ao Advogado Público Federal defender o Estado brasileiro, bem como interferir na execução de políticas públicas. Além disso, constitui-se o agente capaz de garantir a isonomia entre o devedor e o cidadão que paga seus tributos, através da cobrança dos créditos do Poder Público.
Na medida em que o Advogado Público Federal defende os interesses do Estado está, irremediavelmente, satisfazendo o interesse público primário. Diante dessa perspectiva, cabe-lhe dar suporte à realização das políticas públicas, desde que fundadas na lei e na Constituição. Essa aferição, contudo, será realizada no caso concreto ou por meio das normas regulamentares expedidas pela Advocacia-Geral da União.
Para a concretização desse mister, é imprescindível uma Advocacia Pública independente, o que não significa que a escolha da política a ser executada deixará de ser feita pelo agente político. Entretanto, a opinião de um profissional técnico, imparcial e altamente qualificado, não sujeito a pressões políticas, trará um ganho de qualidade à política pública que vier a ser adotada.
Enfim, o Advogado Público Federal é essencial à satisfação dos objetivos do Estado e, por conseguinte, ao aprimoramento da democracia. Atento a essa realidade, o legislador constituinte incluiu a Advocacia Pública entre as funções essenciais à Justiça, conforme expresso no Capítulo IV, Seção II, da Carta Magna, corroborando, assim, seu papel de Advocacia de Estado.
No âmbito federal, cabe à Advocacia-Geral da União a representação judicial e extrajudicial da União, incluindo atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo Federal.
Entre as carreiras que compõem a Advocacia-Geral da União, salienta-se o papel desempenhado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão responsável pela(o):
a) apuração da liquidez e certeza da dívida ativa da União de natureza tributária, inscrevendo-a para fins de cobrança, amigável ou judicial;
b) representação da União na execução da dívida ativa de caráter tributário;
c) exame prévio da legalidade de contratos, acordos, ajustes e convênios que interessam ao Ministério da Fazenda, inclusive os referentes à dívida pública externa, e promoção da respectiva rescisão por via administrativa ou judicial; e d) representação da União nas causas de natureza fiscal.3
Como se observa, as atribuições da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional estão intimamente ligadas à atividade econômica e financeira desenvolvida pela União. Nesse aspecto, a tributação exerce papel de destaque, tendo em vista que um sistema tributário mais justo propiciará uma melhor distribuição de renda.
O Economista Marcio Pochmann, Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), há muito assevera que “No desenvolvimento das nações, a tributação exerce um papel importante no enfrentamento das desigualdades sociais. Quanto mais justo o sistema tributário, menor tende a ser o grau de concentração de riqueza e renda nacional”.4
Logo, estando as atividades do Procurador da Fazenda Nacional adstritas à defesa da legislação tributária nacional, à emissão de pareceres sobre atos normativos tributários a serem editados, entre outras voltadas à atividade financeira do Estado, resultam em conhecimento específico dos problemas que afligem a burocracia da Administração Tributária.
Os fatos apontados tornam os Procuradores da Fazenda Nacional potenciais identificadores de demandas reprimidas e que exigem uma solução, apresentando-se como intérpretes do Direito Financeiro e Tributário. Daí por que podem contribuir com sugestões para um sistema tributário mais justo.
Conclusão
Considerando as atribuições constitucionais e legais dos Advogados Públicos Federais, há que se lhes exigir uma atuação mais crítica e atenta aos anseios da sociedade brasileira. Para o atendimento dessa premissa, urge uma comunicação mais próxima entre o Governo Federal e os membros da Advocacia-Geral da União, evitando-se, assim, que as decisões sejam concretizadas apenas pela cadeia de comando do Executivo. Ao Poder Legislativo cumpre pluralizar os debates sobre a edição de leis e reforma da Constituição, mediante convocação dos membros da Advocacia-Geral da União para participarem desse processo.
Logo, cabe ao Advogado Público Federal não somente planejar, executar, acompanhar, avaliar e defender as políticas públicas do Estado brasileiro, mas também propor medidas para a solução de eventuais problemas.
Entre outras ações para um sistema tributário mais justo, sugere-se:
a) adoção de medidas que simplifiquem o sistema, eliminando-se os inúmeros tributos sobre o consumo e substituindo-os pelo imposto sobre o valor agregado;
b) redução da carga tributária sobre o consumo (tributação indireta) e produtos essenciais;
c) reforma tributária em consonância com os anseios do pacto federativo, proporcionando uma melhor repartição da competência tributária;
d) concretização do mandamento constitucional no sentido de que as administrações tributárias dos entes federativos são “atividades essenciais ao funcionamento do Estado” e que “terão recursos prioritários para a realização de suas atividades”, como determina o art. 37, XXII, da CRFB/88; e
e) instituição do imposto sobre grandes fortunas, concretizando os anseios do legislador constituinte originário, quando o incluiu entre os tributos de competência da União, conforme previsão do art. 153, VII, da Constituição Federal.
Medidas como essas não eliminarão os entraves existentes, mas certamente contribuirão para o aperfeiçoamento do sistema.
ALLAN TITONELLI NUNES é Procurador da Fazenda Nacional. Ex-Procurador Federal. Especialista em Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul).
Notas
1 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 321-322.
2 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 42.
3 Atribuições previstas nos incisos do art. 12 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br
4 FALCÃO, Rui. Justiça Fiscal para Reduzir a Pobreza e a Desigualdade.Disponível em: http://oglobo.globo.com