No mesmo dia em que a presidente Dilma Rousseff substituiu o titular do Ministério das Relações Exteriores, sem esconder seu descontentamento com a forma como o senador boliviano Roger Pinto Molina foi trazido da Bolívia para o País, o chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), Luís Inácio Adams, anunciou que Molina teria de formular novo pedido de asilo.
Segundo Adams, o asilo concedido só o autorizava a permanecer na embaixada brasileira em La Paz, não lhe assegurando o direito de permanecer em território nacional.
“Asilo diplomático é um asilo provisório, não é um asilo político. O asilo político é territorial e ele ainda não tem”, afirmou o advogado-geral da União.
A afirmação de Adams foi na mesma linha ideológica das críticas de Dilma ao diplomata Eduardo Saboia, que trouxe Molina para o Brasil sem autorização do Itamaraty.
Mas, do ponto de vista jurídico, ela é tão absurda que o vice-presidente da República, Michel Temer, interveio para evitar mais confusão.
Jurista de profissão, Temer explicou que, pelo direito internacional, as embaixadas brasileiras são extensão do território nacional.
Disse que o asilo concedido a Molina é válido para sua permanência no Brasil. E, apesar de reconhecer que a AGU “poderá examinar a questão”, afirmou que isso, de fato, cabe à diplomacia.
Essa não foi a primeira vez que Adams procurou dar fundamentos jurídicos a polêmicas decisões políticas do governo.
Na semana passada, quando a oposição criticou o acordo para a vinda de 4 mil médicos cubanos, Adams disse que eles não poderão “desertar”, pois o Brasil não lhes dará direito de asilo.
“Esses médicos vêm como profissionais. Veem em cima de um acordo, de uma relação de trabalho. Não me parece que sejam detentores de condição de permanência no País”, alegou, esquecendo-se de que o asilo é o verso de uma moeda cujo reverso são os direitos humanos.
Por coincidência, dias antes de fazer essas declarações, Adams anunciou que o projeto da Lei Orgânica da AGU será submetido em setembro a uma consulta pública entre os advogados do órgão.
Enviado ao Congresso há um ano, o projeto foi criticado por entidades de procuradores da Fazenda, da Previdência Social, do Banco do Brasil e de procuradores lotados em autarquias e Ministérios, que acusaram Adams e Dilma de tentar aparelhar a AGU, colocando-a a serviço do PT.
E acrescentaram que o projeto foi elaborado por Adams na surdina, para criar uma situação de fato.
O projeto tem vários pontos polêmicos. Pela legislação em vigor, apenas o advogado-geral da União pode ser de fora do quadro de profissionais do órgão.
Os demais cargos são exclusivos de servidores escolhidos por meio de concurso público de provas e títulos.
Pelo projeto, os postos de procurador-geral da União, procurador-geral federal, procurador-geral da Fazenda, procurador-geral do Banco Central, consultor-geral e consultores jurídicos dos Ministérios passam a ser de livre indicação do chefe da CGU, que, por sua vez, exerce um cargo de confiança do chefe do Executivo.
O projeto também esvazia parte das competências dos advogados públicos concursados, concentrando-as no gabinete do chefe da AGU, que poderia avocar pareceres e processos em andamento e decidir unilateralmente.
Além disso, o projeto tipifica como infração funcional o parecer do advogado público que contrariar ordens de superiores hierárquicos.
Assim, a vontade dos procuradores-chefes, indicados com base em conveniências políticas, prevaleceria sobre o entendimento técnico dos advogados públicos de carreira, o que comprometeria a autonomia funcional e a independência jurídica da corporação, possibilitando intervenção política em licitações, convênios e acordos.
As entidades de procuradores do Poder Executivo atribuem ao projeto elaborado por Adams a intenção de converter a AGU num órgão de assessoria jurídica dos interesses políticos e ideológicos do Planalto e do PT.
Acima de tudo, a AGU é um órgão de Estado.