William Douglas*
A quem ou a quais interesses atende colocar advogados não concursados para dar pareceres em nome da União? Porque preferir pessoas escolhidas por compadrio e relações políticas ao invés de advogados concursados? Será que é porque os concursados seguem critérios técnicos e não as ordens e desejos de quem lhes deu os cargos em comissão? Além disso, porque temos que ter advogados que não estudaram falando no lugar de quem passou em concurso? Afinal, o concurso é a forma que a Constituição elegeu para colocar pessoas no serviço público.
A nova PEC 37 tem nome: a “bola da vez” do abuso é o PLP 205/2012, que altera a Lei Orgânica da Advocacia Geral da União. Esse projeto de Lei ridiculariza a exigência de realização de concursos públicos para ingresso nos cargos da Advocacia-Geral da União, Procurador da Fazenda Nacional, Procurador Federal e Procurador do Banco Central. Em outras palavras, o PLP 205/12 diz, claramente, que serão membros da AGU, além dos integrantes das suas carreiras jurídicas, os detentores, no âmbito da Instituição, de cargos de natureza especial e em comissão de conteúdo eminentemente jurídico. Ou seja, abre as portas da AGU para os nomeados, aqueles que ninguém sabe se passariam em um concurso, aqueles escolhidos por parentesco ou alianças políticas. Os cargos em comissão, apesar de termos neles algumas pessoas competentes, viraram o paraíso dos apadrinhados, boa parte deles incompetente tecnicamente (afinal, quem precisa estudar se tem amigos e cargos em comissão para ser nomeado?). Pior: tais nomeados não se prendem à técnica, à lei e à doutrina (coisa que os concursos cobram), mas apenas aos desejos de quem lhes presenteou com os cargos. Mesmo que tais desejos firam a Constituição da República. Afinal, o que é a Constituição se o “major” quiser?
Passando esse projeto, as funções das quatro carreiras da AGU poderão ser ocupadas por advogados “alienígenas”, não integrantes das respectivas carreiras jurídicas, ou seja, não concursados. Se a AGU for ocupada por “transitórios”, haverá ambiente mais favorável para que os interesses políticos (na sua expressão mais baixa) possam prevalecer sobre a real defesa dos interesses do Estado. Isso prejudicará a todo o povo brasileiro.
Se a PEC 37 pretendia diminuir o poder investigatório do Ministério Público, o PLP 205/12 pretende limitar a independência técnica dos advogados públicos federais ao estabelecer, de forma expressa, que o parecer emitido por um procurador, membro da AGU, deverá guardar conformidade com as posições e fundamentos jurídicos dos órgãos superiores da Instituição… justamente aqueles “alienígenas” não concursados, postos na AGU para obedecer cegamente aos desejos de quem os nomeou. Em suma: querem que todos obedeçam ao“patrão” da vez, sem o direito de colocar o que realmente pensam sobre os assuntos apresentados para parecer. A quem interessa tirar dos procuradores o poder de análise doutrinária e técnica?
Nesse sentido, dispõe que os membros da AGU poderão ser responsabilizados na hipótese de “erro grosseiro”, o qual, nos dizeres do Projeto, considera-se, entre outros, as “disposições normativas complementares dos órgãos da Advocacia-Geral da União”, as quais poderão ser manipuladas pelos “alienígenas”. Em suma, querem tornar todos os procuradores um ajuntamento de cordeiros obedientes (aliás, como querem tornar cordeiros obedientes todos os juízes e promotores de Justiça). Não é demais lembrar da recente Operação Porto Seguro, onde foi descoberto um esquema de venda de pareceres no âmbito da AGU (http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,entenda-a-operacao-porto-seguro,983093,0.htm). Imaginem, senhores, tornar um desses pareceres vendidos obrigatórios para os concursados!? Do jeito que está, a Constituição poderá ser rasgada e mesmo assim estarão manietados os procuradores que poderiam se insurgir contra corrupção e abusos.
O PLP 205 é um “trem-bala da alegria”, com ao menos duas grandes maldades contra o combate à corrupção: dá mais poder a quem entrou nos “vagões”da AGU pela janela e ainda torna todos os passageiros que entraram por concurso meros subordinados daqueles que entraram pela janela, os “alienígenas”,nomeados sem terem vencido a barreira do concurso.
O gigante precisa ficar acordado. Peço a todos que se opuseram à “pornografia legal” deduzida na PEC 37 que se unam para rechaçarmos também a nova tentativa de forças ocultas que querem tornar o Estado apenas o quintal de interesses menores e contrários ao que prevê a Constituição Federal. Queremos respeito aos concursos, respeito aos servidores concursados e acabar com o aparelhamento do Estado e o inchaço nos cargos em comissão. Não ao PLP 205/2012.
*William Douglas, juiz federal/RJ, servidor público concursado.