Nota Pública sobre a ADI nº 5.334 – SINPROFAZ

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22 jun, 2015

Nota Pública sobre a ADI nº 5.334


NOTA PÚBLICA DO SINPROFAZ

No dia 16 de junho de 2015, o Procurador-Geral da República propôs perante o Supremo Tribunal Federal a ADI nº 5.334, requerendo a declaração da inconstitucionalidade do Art. 3º, § 1º, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil). Em síntese, o PGR entende que os Defensores Públicos, os Advogados da União, os Procuradores da Fazenda Nacional, os Procuradores Federais, os Procuradores do Banco Central do Brasil, os Procuradores dos Estados e os Procuradores dos Municípios não seriam propriamente advogados, mas sim servidores públicos regidos por estatuto jurídico específico e, por essa razão, não se submeteriam à Ordem dos Advogados do Brasil. Com essa premissa, pugna pela declaração de nulidade daquele dispositivo legal.

Ora, o Estatuto da OAB, Lei nº 8.906/94, vige há quase 21 anos, mas somente agora a Procuradoria-Geral da República resolveu atacar a vinculação dos Advogados Públicos àquela Autarquia! Tamanha inércia talvez pudesse ser justificada em razão da quantidade de problemas verdadeiramente relevantes que incumbe ao Parquet federal resolver, como a miríade de escândalos criminais sem solução e comumente sepultados pela prescrição ou pela deficiência de instrução que tramitam nas delegacias e nos tribunais deste imenso País. Porém, a relevância institucional, política e jurídica das Funções Essenciais à Justiça desempenhadas pelos Advogados Públicos deslegitima qualquer traço de razoabilidade que se quisesse atribuir à inércia em questão.

O que, então, poderia justificar essa longa hibernação de 21 anos? Por que, afinal, apenas agora o Ministério Público Federal resolveu propor uma ADI para abordar um suposto problema sério de ordem organizacional envolvendo instituições tão relevantes para a Justiça e para a República? A resposta a essa intrigante pergunta implica uma contextualização do problema sob as perspectivas política e ética. Antes, porém, convém apresentar-se algumas considerações de ordem técnica, demonstrando-se que o problema é falso.

Do ponto de vista técnico, a ADI nº 5.334 apresenta um quadro fático a respeito da advocacia em sentido amplo que é inconsistente e dissociado da realidade, convidando-nos a uma interpretação constitucional que sequer minimamente se sustenta.

De fato, o advogado público submete-se a regime estatutário próprio, decorrendo daí sua capacidade de postulação em juízo em nome do ente público que representa. Mas o advogado público não se torna nem se mantém advogado porque assim quis ou quer o respectivo estatuto: a OAB esteve presente em sua formação desde os bancos das Faculdades de Direito até o término de sua capacitação profissional, através da prática jurídica; a OAB aferiu sua capacidade técnica através do Exame de Ordem, passo que inclusive é direta ou indiretamente requerido como requisito indispensável à aprovação em concursos públicos para a Advocacia Pública; a OAB formula e aplica o Código de Ética ao qual ele está submetido; e, finalmente, a OAB tutela o exercício de suas prerrogativas profissionais. O advogado, público ou privado, não se torna ou se mantém advogado sem que esteja vinculado à OAB. Pensar o contrário é o mesmo que imaginar que um médico não seja vinculado ao CRM apenas porque se sujeita circunstancialmente ao estatuto jurídico próprio de médico do Estado, ou do Município, ou da União.

A regulamentação e o controle do exercício da profissão não podem ser cindidas conforme a seara em que milite o profissional: se pública ou privada. Se o advogado público cometer alguma atrocidade no exercício de seu múnus público e for demitido, a OAB poderá perfeitamente negar-lhe registro pela violação ao seu Código de Ética — donde se conclui que o advogado sempre esteve vinculado a ela. Não se sustenta a distinção pretendida, por mais laboriosa e fértil que ela se apresente. Como não existe tal distinção no mundo dos fatos, não se aplica a interpretação constitucional pretendida pelo MPF na ADI em comento.

Do ponto de vista político, o Brasil hoje vivencia uma aparente guerra de prestígio entre as Carreiras Jurídicas. Há pouco tempo, em 2004, os Juízes Federais, Procuradores da República, Defensores Públicos e Advogados Públicos tinham vencimentos compatíveis entre si. A remuneração dessas Carreiras Jurídicas era baixa — é preciso lembrar, em decorrência de oito anos de defasagem remuneratória —, mas não se verificavam diferenças significativas de uma para outra. De lá para cá, contudo, após uma recomposição inicial de poder aquisitivo que todas receberam, foram sendo criadas distorções absolutamente insólitas que consubstanciam, hoje, um misto de causa e efeito da guerra de prestígio a que se alude.

Alguns sintomas dessa guerra são bastante visíveis e, inclusive, recentes. Em 2014, os Juízes Federais não aceitaram o veto da Presidente da República ao artigo 17 da Lei nº 13.024/14, que lhes negou a gratificação por acúmulo de ofícios concedida ao Ministério Público Federal, e então se iniciou uma disputa remuneratória que redundou na concessão indiscriminada de auxílio-moradia àqueles como forma de compensação salarial. O Ministério Público Federal, por sua vez, tenta a todo custo cercear as pretensões dos Delegados de Polícia Federal, campanha que se tornou visível com o julgamento da PEC nº 37 e que agora se renova com a tentativa de inviabilização da PEC nº 412, que concede autonomia à Polícia Federal. Por fim, no momento em que a Advocacia Pública Federal conquista o recebimento dos honorários no novo CPC, e se encontra em vias de recebê-los, o Ministério Público Federal propõe a ADI nº 5.334, como passo necessário a, no futuro, impugnar o pagamento de nossos honorários.

Do ponto de vista ético, é lamentável, deprimente e desesperador constatar-se que logo a Instituição idealizada pelo Constituinte de 1988, refundador de nossa ordem política e social, para zelar pela correta aplicação da lei e, em última ratio, pela materialização da Justiça, tenha desviado-se de seu altivo mister para cuidar de questões menores de disputa de poder e de auto-hipertrofia institucional, enveredando-se numa aparente luta pela subjugação das demais Instituições da República. Dói ainda mais assistirmos à forma banal como uma questão revoltante dessas é colocada no cotidiano.

Temos a convicção de que esse desvirtuamento não seja orgânico, isto é, que ele não seja compartilhado pela maioria dos membros do Ministério Público Federal, mas apenas por alguns membros dessa colenda instituição.

Quanto ao resto, é preciso que o Estado não se permita refém desse tipo de obscurantismo tardio e pós-moderno e utilize sem receio seus mecanismos de checks and balances para conter a atuação deturpada de instituições que se imaginam os próprios alfa e ômega da República. Todas as Carreiras Jurídicas precisam ser bem estruturadas e remuneradas, porém sem distorções entre elas, a fim de que o único critério que sirva a um advogado na hora de optar pela carreira a seguir seja a vocação. Passa da hora de se por um ponto final na cultura da carteirada, do “você sabe com quem está falando?”, da neo-monarquia nobiliárquica estatal.

 

Brasília, 22 de junho de 2015.

 

SINDICATO NACIONAL DOS PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL – SINPROFAZ



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